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Livro | The Double Me - 5x16: A Motherless Child in the Wild, Wild City

5x16: A Motherless Child in the Wild, Wild City
“A cidade não é lugar para um garoto solitário".

Na manhã seguinte, Jensen acordou com um policial batendo na janela do carro. A Sunrise Highway encheu-se de curiosos.
— Está perdido? — Perguntou o homem fardado.
Jensen respondeu mais com um gemido que com suas próprias palavras. Precisou mostrar a carteira de identidade e os documentos do veículo para então ser liberado.
Havia um posto de gasolina não muito longe de onde estacionou. Naquela manhã serviam tapioca recheada, pães de queijo, cuscuz, salada de frutas, croissant e ovos mexidos. Jensen sentiu-se grato pela alternativa. Incomodava apenas não ter um lugar nas mesas do pátio central, tendo que buscar qualquer distração na lojinha de conveniência.
Uma fila projetava-se dos refrigeradores, no primeiro corredor, ao único caixa em frente à entrada. À direita, a janela lateral resguardava uma banca de jornais. Jensen leu as notícias enquanto escutava as mensagens de voz.
Austin estava irritado por renunciar à Hell Week. David temia que seu segredo não estivesse seguro com um Delta desertor. Austin irritou-se ainda mais. Emmett queria saber se voltaria a faculdade, um dia, em seu melhor tom de despropósito. O Senhor Baumann estranhou que faltasse suas duas últimas aulas – o único que pensou em responder. E havia sim como Austin irritar-se para mais além.
— Está na fila? — Uma jovem moça perguntou.
Jensen não havia notado que estava tão próximo das outras pessoas que circulavam o corredor.
— Não, pode passar — Ele abriu caminho.
No momento do primeiro passo, ela esbarrou com a cesta na bancada e derrubou uma pilha de jornais. Jensen ofereceu-se para ajudá-la a recolher.
— Definitivamente não é meu dia — Ela disse.
— Não se preocupe, são só papeis — Colocou metade da pilha no lugar. — Mas peço que fique longe da vidraçaria.
— Você é o primeiro estranho a me tratar com educação nas últimas vinte e quatro horas. Comecei a achar que a América havia perdido seu charme.
Ela tinha os mesmos olhos de Emmett, e o sotaque não negava a descendência. Jensen leu-a só até aí, pois não houve tempo. Em uma folha de jornal que ela dobrou incorretamente sobre a bancada, viu uma foto de seu pai e sua mãe de ponta cabeça. O texto redigia os detalhes da renovação de votos de casamento de Laurel Sharp e Patrick McPhee para aquela manhã de sexta-feira. O evento da estação.
— Algo errado? — A Moça perguntou.
Jensen estava fazendo os cálculos mentalmente. Levaria vinte e dois minutos para chegar em Southhampton, o que o deixaria justo em cima de ver a mãe subir ao altar, caso seguissem o cronograma cerimonial.
— Sinto muito, preciso ir — Ele correu pela porta.
Ao longe podia ver os arranjos, convidados, e ouvir a música de entrada. Laurel insistiu que fosse Ave Maria de Mozart, como na primeira vez em que se casaram. Usava um vestido cinza nanquim com armação no busto, decote arredondado e três camadas de enchimento frontal. O véu era um tom mais claro que o buquê de orquídeas e a tiara rúbia.
Estava acontecendo.
Jensen começou por destruir estátuas de marfim e as folhagens. Foi às mesas mais próximas, puxou toda a louça e os aperitivos junto às toalhas. Foi a disposição de cadeiras, no caminho da noiva, e livrou-se dos arranjos floridos. Os convidados afastaram-se a tempo.
— Quer um casamento elegante? Agora você o tem! — Dizia à mãe.
Seu irmão e o pai tentaram impedi-lo, mas sua força era descomunal. O arco angelical tombou aos pedaços para dentro do chafariz.
— Chamem os seguranças! — Patrick ordenou.
— Você não fará isso com a gente outra vez! — Tudo o que Jensen gostaria de evitar.
Conseguiu rasgar parte do vestido da mãe, com ela aos prantos. Não o fez pior por ação dos seguranças de Patrick que o escoltaram, sob ordens do pai, para dentro da mansão. Nem contido em seus braços ele deixava de soltar insultos e acusar a todos de condescender às mentiras de Laurel. Disso ela era feita, mentiras.
— Ele não deveria ter descoberto — Patrick lamentou.
Jake decidiu não tomar como uma acusação direta. Seguiu Jensen até seu antigo quarto, no segundo andar. Os seguranças deixaram-no na poltrona em frente à janela.
— Não sei o que está acontecendo, mas se você não segurar sua onda, vou te arrebentar — Apontou-lhe ao rosto.
Jensen chutou a mesinha de centro e foi encarar a vidraça.
Leave me the fuck alone! — Gritou, cheio de fúria.
Talvez houvesse tristeza, Jake não saberia dizer.
— É a felicidade dos nossos pais. Você não se importa nenhum pouco com isso?
— Ela não é minha mãe.
— Ela é sua mãe e está aqui agora. Não importa o que tenha acontecido, ela não merece ser tratada assim pelo próprio filho, muito menos no dia do seu casamento. Você tem ideia do que acabou de fazer? — Pois não demoraria a estar na internet.
Jake tinha certeza que alguém havia filmado. Na verdade, muitos deles. Não acharia estranho ver uma ou outra risada em meio à multidão quando os visse outra vez. Porque infelizmente os veria outra vez.
As lágrimas de Jensen caiam apenas para a vidraça da janela, não para o irmão.
— Eu sinto muito — Ele sussurrou.
Não era tão insensível que não visse o que fez de errado, e não era tão tolo que não soubesse de haver outra maneira de lidar com sua família. Ver Laurel em seu vestido de noiva e o sorriso nos lábios de Patrick trouxe todas as lembranças sobre aquele dia. Foi em manhã como aquela, há quatorze anos, que seus pais trocaram alianças pela primeira vez. E onde conheceu Nate.
— Está tudo uma bagunça... — Ele virou. — Eu estraguei tudo. Estou sempre estragando tudo.
— Algo aconteceu na faculdade?
— Eu não pertenço àquele lugar — É podre como todos os outros.
— Difícil entende-lo. Estava feliz quando ingressou à Dartmouth, pois não faria mais parte desta família. Agora a faculdade dos sonhos não parece o suficiente.
— Não tive escolha quando Laurel partiu, ou quando Nate partiu. Eles se foram porque há algo de errado comigo.
Jake deu um passo à frente.
— O que quer que sua mente o esteja dizendo para puni-lo agora, não ouça. Você não é responsável pelas fraquezas de nossa mãe, muito menos as de Nate. Você é o efeito colateral que pessoas como eles deixam para trás.
— Se eu fosse melhor...
— Jensen, não — Sentou junto a ele em beira à janela. — Está tudo na sua cabeça, não deixe consumi-lo.
— É como se tudo viesse de uma vez... — De olhos fechados suspirou. — Caralho, eu arruinei a festa... — Agora via com mais clareza.
Patrick ordenou a reparação do jardim logo que eles subiram. Se não fossem as cortinas, estaria em vista os serviçais da mansão correndo de um lado a outro, sob os comandos da governanta.
— O que aconteceu em Dartmouth? — Jake perguntou.
— Eu fui fraco, deixei-me levar.
— Obrigaram-no a fazer algo que não queria?
— É pior que isso, eu queria. Eu queria muito, muito mesmo. Convenceram-me de que era uma brincadeira, que eu não podia quebrar a tradição. Agora tenho que mentir a todos ao meu redor porque também faço parte disso.
O irmão assentiu.
— Se aconteceu como está dizendo, quer dizer que haverá consequências.
— Não para pessoas como nós. Um deles é noivo, casa em agosto. Austin, o líder da casa, tem um emprego garantido na empresa do pai da namorada quando se formar ano que vem. Eu só tenho sorte de não ser uma das garotas com quem tomam brunch toda manhã após uma noite de sexo no dormitório. Serão traídas enquanto durar seus desejos e estarão divorciadas antes de descobrir que não é culpa delas.
— Posso fazer uma pergunta?
— É claro.
Jake olhou-o nos olhos.
— Você não pensava dessa maneira há algum tempo. O que mudou?
— Eu aprendi da maneira difícil. Perdi o que mais me importava, e agora é como viver em função de tudo o que deu errado — Jensen hesitou por um momento. — Não deixo de me perguntar o que aconteceria se eu tivesse parado o ciclo. Se eu e Austin partimos o coração de sua namorada, como eu e Justin partimos o coração de Nate, ela pode querer vingança de todos nós. E para chegar lá, pode criar um Theon, que não tenha qualquer pudor em fazê-la pagar. E alguém terminará colocando uma arma na boca, ou com uma horrível cicatriz no rosto. Entende o que quero dizer? Sei que temos o direito de fazer nossas escolhas, mas isso vai muito além do que podemos decidir por conta própria. Somos responsáveis pelo que fazemos às pessoas. Não podemos leva-las ao limite e então culpa-las pelo que se tornaram.
O sorriso do irmão estava em concordância às suas palavras.
— Não mentiu ter aprendido da maneira difícil.
— Ainda falta um logo caminho — Ele temia.
— Jay, sei que vai fazer o que é certo quando voltar à Dartmouth. Estou orgulhoso de você — Tocou-o no ombro.
Jensen achava ter se passado uma eternidade desde a última vez em que ouvira. O tempo contristava de incertezas.
— Não posso ficar para o casamento — Disse ao irmão. — Entre mim e Laurel há muito que vocês não sabem.
— Não o culpo, temos nossas limitações.
— Posso fazer uma pergunta agora?
— É claro.
— Eles são felizes? Laurel e o pai?
— Absurdamente — Vira com os próprios olhos. — Ela também aprendeu da maneira difícil.
Jensen levaria em consideração.
Do lado de fora, Aria, sua nova meia-irmã, escutava a conversa. A primeira a saber seria sua madrasta.
— Ouvi a conversa dos dois — Disse ao voltar ao quarto. — Jake está convencendo o irmão a dar-lhe uma segunda chance.
Laurel encarou o próprio reflexo no espelho da penteadeira. Seu olhar era duro, quase impenetrável. A maquiagem borrada fazia jus à performance de mãe rejeitada que convencera a todos.
— Bom para nós, Jensen é o herdeiro majoritário — Despejou o brinco na caixa de joias e tomou o batom em mãos.
— Quantos de seus minions estão por aí, só para que eu tenha uma ideia? Austin Van Leigh, em Dartmouth. Nahia, a garota na loja de conveniência...
— Quanto menos souber, melhor. Tivemos bons resultados hoje — Após o retoque, caminhou até a porta.
— Tivemos sorte. Agora o que faremos?
O plano não havia mudado.
— Agora você fode um de meus filhos e engravida — Laurel tocou-a na ponta do queixo. — Escolha um.
— Estamos prontas — Disse Viola.
A jovem adentrou ao cômodo em um vestido rosa quartzo de duas camadas e seda florido em detalhes. O decote dividia-se ao meio por uma linha curvada, revelando parte do abdome. As alças como dois cordéis cravejados em diamantes, que corriam até as costas uma placa a cada três centímetros.
— O que vocês acham? — Perguntou.
As damas de honra avaliaram pelo olhar.
— Você parece confortável — Disse Angelina.
— Continuo com o primeiro — Keisha decidira.
— Simples e elegante — Shenae observou.
Viola estava mais interessada no que Cassidy teria a dizer.
— Ponha na outra pilha — A jovem pediu a sua assistente.
Dos seis modelos exibidos, três foram selecionados para a próxima ordem. As garotas decidiam por meio a cópias arquivadas que detalhavam minuciosamente os artigos de Viola. Cassidy empilhava os favoritos à esquerda, na mesa de centro, e os preteridos à direita.
— Obrigada, Skye — Viola disse à candidata. — Podemos tentar outras cores.
— É claro — Cassidy anuiu.
O modelo seguinte arrancou-lhes suspiros. Versava à realeza em tom vermelho veneziano e bordado a ouro nas extremidades do decote. O adereço prendia os cabelos da modelo em um coque e formava um buquê de cíclames ao mesmo tempo.
— Estão sentindo isso? — Roberta tocou o coração.
— Pode dar uma voltinha, querida? — Emily pediu.
Cassidy já esperava por algo do tipo.
— Esta é Emily — Disse a Viola, em tom casual. — Ela é uma lésbica machista.
— Isso nem existe — Emily defendeu-se. — Mulheres não podem ser machistas.
— Mas podem ser cristãs — Keisha lembrou. — É quase a mesma coisa.
— Tenho fé nas mulheres, isso é inegável.
— Obrigada, Ariana Grande — Levantou a taça como se fizesse um brinde.
Margot aproximou-se de Viola para sussurrar-lhe.
— Ainda estamos falando sobre vestidos?
— Espero que sim — Pelo bem de sua carreira.
Havia um repertório de apelidos a destacar o raciocínio prolongado de Margot – como Karen Smith em seu próprio Mean Girls após a formatura. Viola não teria tanta dificuldade em odiar Cassidy se ela fosse a Regina George do mesmo filme.
— Estão todas decentes? — Liam abriu a porta de surpresa.
E Skye pulou para trás do sofá.
— Ai meu Deus, o noivo não pode ver nossos vestidos antes da cerimônia!
— Levante daí! — Keisha puxou-a por uma das alças. — É o vestido da noiva que ele não pode ver, não o das damas de honra.
— Você tem certeza?
— Garota, ainda estou no primeiro marido. Sei o que fazer para mantê-lo — Brindou à moça ao lado.
Liam e Cassidy encontraram-se no meio do caminho.
— Hey, o que está fazendo aqui? — Ela cumprimentou-o com um beijo.
— Venho em nome da Rhae Corp. É um mau momento para falar de negócios?
— Não, estávamos terminando a mostra.
— Neste caso, importam-se se eu roubar a Senhorita Sebert por um minuto? — Falava com a multidão.
Viola levantou ao ouvir seu nome, o estômago a rodear. Não borboletas, vermes carnívoros.
— Claro, esperaremos aqui — Cassidy respondeu.
Viola pediu a Liam que seguissem ao escritório do ateliê. De sua pasta ele tirou um montante de documentos que precisavam de assinatura; ela os leu linha por linha.
— Esclarecedor — Disse a ele, em frente à mesa.
Liam observou-a em pé, de mãos nos bolsos.
— Alguma objeção?
— Parece tudo certo — Ela respondeu. — Até demais, na verdade. Não esperava que ampliassem a oferta.
— A exclusividade tem seus benefícios.
— Disse um homem branco no século XVIII — Assinou em uma folha, em outra e em outra. — Algo mais? — Estendeu-o.
— Na verdade, sim. Preciso de conselhos matrimoniais.
Viola riu. Estava brincando, só poderia estar brincando.
Deixou a caneta no acervo e foi até o manequim no final da sala. Um projeto inacabado, já há duas semanas. O mulberry seda era frágil demais para a costura agilizada.
— Faz um tempo desde nossa última consulta — Brincou. — Como uma mulher solteira, na faixa dos trinta anos, pode ajudá-lo dessa vez?      
— Pode me convencer a ir em minha própria despedida de solteiro amanhã à noite.
Ela virou.
— Não deveria ser na véspera de casamento?
— Pensamos a respeito— Ele sentou no canto da mesa. — Mas dois dos meus melhores amigos vão à Dubai na próxima quinta e só estarão de volta no dia da cerimônia. Além disso, Cassidy quer ter sua própria despedida de solteira. Pensei no quão desastroso seria se estivéssemos os dois bêbados demais para cuidar um do outro e nos certificar de que iríamos ao próprio casamento.
— Então decidiram pelo sábado à noite?
— Eles decidiram, na verdade. Qualquer outra data nos levaria ao desencontro.
— E quer ficar em casa mesmo assim.
Agora ele sorria.
— Não acha arrogante que homens se reúnam para beber e ver mulheres seminuas como se a masculinidade fosse algo a ser celebrado?
— Acho homens arrogantes — Ela rebateu.
— Nós somos. Talvez escolhemos as mulheres por nos conhecermos bem demais.
— Há dois tipos de pessoas no mundo — Virou de volta ao manequim. — As que sabem quem realmente são, e as que têm medo de descobrir. O que não dizem é que todas as que sabem, ao olhar no espelho, antes temeram a descoberta. É inevitável.
— Há alguma diferença entre o que somos ao estar a sós e do que nos descobrimos capazes de fazer?
— É claro. Como explicaria o divórcio?
Ele riu outra vez.
Por um breve instante, apenas a admirou em seu trabalho. Era como idealizar a beleza antes de tornar-se ela mesma à medida de alguém.
— Como você faz isso? — Perguntou. — Os vestidos, a paixão, a criatividade?
— Passei muito de minha infância e adolescência regrada ao gênero masculino. Desenhar-me em meus próprios modelos de vestidos e lingeries era meu ticket para um mundo totalmente novo.
— Agora está aqui.
— Estou? — Ela parou.
— Posso vê-la. Todos nós podemos — Ele levantou. — Até a próxima consulta.


Ele colocou uma compressa de água quente na testa e no pescoço e ficou debaixo do edredom o tempo que levou para suar. Antes de ser examinado, tomou ainda umas colheradas de sopa. O termômetro atestou trinta e oito ponto cinco graus sem muitas complicações.
— Ele precisa de repouso — Disse o Doutor O’Donnell. — É melhor que fique em casa.
— Ótimo — Rachel concordou.
Dominik estava tão empenhado em simular os sintomas que preferiu não responder.
 — Se a febre piorar, ligue-me imediatamente — O Doutor levantou-se.
— É claro. Nossa governanta o acompanhará à portaria.
— Tenha uma boa tarde.
Assim que ele saiu, ela fechou a porta atrás de si e foi para o closet. Nada havia fora do lugar, só não estava do jeito que queria.
Dominik puxou a coberta sobre o peitoral.
— Temos dezenas de serviçais que podem cuidar disto.
— Sou sua mãe, também é meu trabalho — Afastou as roupas pretas às extremidades do cabideiro.
— Não nos últimos dezesseis anos.
— Esse é o problema? — Ela o encarou. — Está tentando me punir por não ser uma mãe atenciosa?
— Exatamente. Fiquei de quatro para Alexander Strauss pensando em irrita-la. Chupei seu pau até ele gozar na minha boca só para chamar sua atenção.
Rachel arremessou um copo de vidro na parede ao lado dele.
— Como pode ser tão depravado? Não tem respeito pela nossa família?
— Mereça-o.
— Ele tem quase vinte anos e você é apenas uma criança!
Você engravidou de meu irmão aos dezessete enquanto meu pai estava na faculdade. Como isso é diferente de me divertir com meu namorado?
— Seu namorado? — Ela assentiu relutante. — Você não vai a lugar algum, acostume-se a isso — E trancou a porta pelo lado de fora.
Dominik esperou ouvir seus passos descendo às escadas para colocar o plano em prática. Foi ao banheiro, tirou o pijama suado, escovou os dentes rapidamente e vestiu as roupas que separou no cabideiro da porta. Sua mãe odiava que usasse preto, não à toa que vestisse o tempo inteiro. A câmera fotográfica foi o último item a guardar na mochila – o mais importante. Puxou a corda de lençóis e escondeu-a no arbusto mais próximo ao chegar ao jardim.


    Naquela tarde Nate havia levado Gus a um passeio pelo Central Park e patinação no gelo do Wolmann Rink. Eram os últimos dias, por entrarem tão cedo à primavera. Voltearam a pista durante uma hora, depois compraram pipoca, pizza doce e sorvete. O cinema ficava logo à frente no quarteirão do trajeto.
Nate chutou-o com a perna direita por trás da sua esquerda.
— Pare! — O menino sorria.
— De zero a dez, o quanto diria que se divertiu hoje?
— Deixe-me ver... oito.
— Só isso?
— Você ainda não me levou para ver o céu — Justificou.
Aquele era um assunto delicado. Nate temia por um deslize seu na pista de gelo, que era relativamente segura. Leva-lo ao topo do Strauss Capital Hotel dava-lhe arrepios só de pensar.
— Deixamos para uma próxima vez, ainda temos o cinema.
— Adoro ir ao cinema. Meu pai Claude me levava o tempo inteiro.
É mesmo, Nate lembrou. Ele já foi adotado por outras famílias. Era ruim que sentisse ciúmes delas?
— Estamos quase lá — Disse. — Se eu pagar pelo refrigerante e o chocolate, posso escolher o filme?
— Você nos faria assistir algo para crianças.
— Você é uma criança — Ainda precisava convence-lo disto. — Não posso leva-lo a uma sessão de Evil Dead sem pesar na minha consciência.
— O que é Evil Dead?
— Uma animação da Netflix.
— Agora você só está mentindo.
De repente, Nate ouviu o celular tocar. Dominik.
— Quer outro sorvete? — Notara que o dele estava quase no fim.
— Um dos grandes?
— O mais caro que houver. Tome — Deu a ele uma nota de cinquenta. — Não fale com estranhos, chute-os no meio das pernas. Estarei aqui fora.
— Entendido — O menino correu.
Nate o observou até que entrasse no Mc Donalds só por precaução.
— Estou aqui — Disse ao celular.
O capuz cobria a maior parte do rosto de Dominik, mas ainda se encontrava em uma zona de perigo. Os colegas de escritório de seu pai reuniam-se em bares e coffe shops em torno da E 66th Street a E 72nd; mais a frente chegaria a área residencial, onde viviam os conhecidos de sua mãe. Se não fosse por isto, seria pego pelas câmeras de segurança.
Code red. Meus pais sabem sobre nós, agora sou um prisioneiro.
— Como isso aconteceu?
— Lembra da mulher de cabelos loiros que eu disse estar espionando a mansão no outro dia? Encontrei-a na minha sala de estar, chegando do colégio. Ela os contou tudo.
Nate cerrou os olhos. Não era provável que fosse Gwen, pois Andy o teria alertado de sua chegada à Nova York. O aplicativo Black Swan, desenvolvido por Kerr, tinha esta e outras funções de monitoramento. Lexi, entretanto, chegara à cidade não fazia duas semanas. Nate estava convencido de que Gwen e seu time só não fizeram uma jogada antes por não haver fraquezas a explorar.
— Diga-me o que fazer — Nate se dispôs.
— Não se preocupe com isso, não me importo que meus pais e todas as outras pessoas descubram sobre a gente. Precisamos de sua ajuda com o protesto.
— Está acontecendo?
— Agora mesmo. Encontre-me em uma hora em frente à Northview.
— Estarei a caminho, só preciso resolver algo antes — Vira Gus deixando a fila. — Você fugiu?
— O que você acha?
— Acho que precisa ter cuidado.
Dominik gostava sim e não quando ele era super protetor.
— Não sou uma criança.
— Mas essa é uma cidade selvagem. Faça como ensinei.
— Eu pretendo — E desligou.
Gus trazia nas mãos um pote de sorvete maior que a própria cabeça.
— Eles cobraram cinco dólares a mais pela cobertura tripla — Sorriu contente. Sempre que ele o fazia, Nate tornava incapaz de dizer não.
— Venha, o cinema é logo ali — Guiou-o com uma mão nas costas.
Antes de comprar os ingressos, pediu que sentassem nos bancos de espera. Não havia companhia, a não ser pelos poucos funcionários que recolhiam o lixo e manipulavam as máquinas de pipoca.
— Preciso contar um segredo, mas deve ficar entre nós — Nate disse.
— Você é um super-herói?
— Podemos colocar dessa forma. Tenho uma identidade secreta.
— Como o Batman?
— Se for o do Christopher Nolan, sim. Olhe... — Tirou as duas lentes.
Um sorriso despontou gradualmente nos lábios de Gus.
— Você tem olhos verdes! Você é o Nate!
— Não tão alto... — Nate pediu. — Ninguém pode saber.
— Por que finge ser o seu irmão gêmeo?
— Bem, é uma longa história. Independente disso, não achei que era certo mentir para você. Precisa saber quem eu sou se quer ficar comigo — E ser meu filho.
O garoto pensou por um instante.
— Não contarei a ninguém, eu prometo. Sempre gostei mais do Nate.
— Por que? — Estava curioso.
— Porque Nate é divertido.
— E Alex não é?
— Alex está sempre preocupado.
Então ele também havia percebido; Nate não esperava menos de um futuro Strauss.
— Você é muito observador.
— Tenho quase nove anos, o que você achou?
— Acho que você deve escolher o filme — Roubou uma colherada de seu sorvete.
Estava pronto para vetar a decisão se o tema fosse inadequado, mas antes gostaria de saber a sua escolha.

    Elas alugaram duas bicicletas esportivas e foram ao Jardim Botânico Real. Chovia fraco no caminho pelo Hyde Park, e chegando ao Regent’s por meio a uma estrada pedregosa.  As árvores erguiam-se a dez, quinze e vinte metros sobre suas cabeças e de ambos os lados do acostamento. Haviam também bancos de metal para os que quisessem apreciar a natureza com um pouco mais de conforto; elas os recusaram. O lugar embaixo de uma árvore e de frente para o zoológico de Londres fez-se mais em seu gosto. Podiam ver uma horda de animais exóticos perambulando por trás das cercas.
— Desenhe a inicial de seu grande amor — Natasha pediu, esticando uma embalagem de chiclete em direção a ela.
Mia fez a letra N com o indicador. Não havia como ela saber.
— Agora dê três petelecos — Natasha instruiu.
No primeiro, nada aconteceu. No segundo, Mia notou a extremidade de cima prestes a romper. Na terceira, a embalagem partiu-se ao meio.
Natasha berrou como um dos animais colina abaixo.
— Deu certo!
— Como na sexta série, yay... — Mia tomou um gole de refrigerante.
— Sei que não é permitido revelar os nomes, mas estou morrendo de curiosidade. Quem é ela?
— Poderia ser um cara.
— Mia, nunca seria um cara.
Ela tinha razão.
— Deixaremos esta conversa para uma noite de bebedeira — De repente ouviu o celular.
Lola enviou uma mensagem com foto, mostrando-a ao lado de um jovem rapaz em uma mesa de pub. O texto dizia: “Viu? Estou viva. Agora deixe-me aproveitar meu sonho adolescente”.
— Compartilhe as notícias — Natasha pediu.
— É Lola. Mandou-me uma foto com o novo namorado — Mostrou a ela.
— Então não precisamos chamar a polícia, ótimo. Ele é uma graça.
— Eu acho...
Algo ainda parecia errado aos olhos de Mia. Algo na expressão de Lola, no contorno de seu rosto, no jeito que ele a mantinha nos braços. Queria ouvir dela mesma o que estava acontecendo, não ver em uma foto.
— Devemos apoia-los — Natasha jogou os cabelos sobre o ombro esquerdo. — A menos que ele tenha votado pelo Trump. É imperdoável.
— Não sei o que pensar.
— Algum problema?
— Deve ser coisa da minha cabeça — Levantou. — Vem comigo, temos uma missão.
— Mia, não podemos separa-los. Não é correto.
— Pegue sua bicicleta e pedale, conto a você no caminho.
As instruções do GPS levaram-nas a conhecer pela primeira vez o Melts Club. Natasha ainda não estava convencida de que havia algo errado com a história de Noah.
— Sua mãe biológica era atriz de teatro, viajou por muitos lugares. Talvez ele tenha confundido a California com outro estado litorâneo.
— É impossível confundir a California — Mia tinha plena certeza.
Observavam a movimentação do outro lado da rua, atrás de uma parede. O poste ao lado camuflaria as bicicletas apenas para quem não estivesse prestando muita atenção.
— De acordo à freguesia, diria que estamos vigiando um bordel — Natasha concluiu.  — Acha mesmo que ele vai aparecer?
— Noah disse que arrumou um emprego provisório no centro da cidade e o GPS do seu celular nos trouxe até aqui. Sei o que estou fazendo.
— Você está sendo paranoica.
— Pense outra vez — Vira-o então.
Noah dispensou os serviços de duas frentistas de lingerie e adentrou ao edifício junto a um grupo de outros homens. Não usava a mesma roupa com que deixou do loft, ou sequer estava de acordo a sua condição financeira. Mia reconheceria um terno de seis mil dólares e sapatos Santoni dentro e fora de sua boutique.
Emprego provisório... no corpo de que prostituta?


     De um lado, uma centena de alunos da Northview Charter School içava cartazes ostentando a bandeira LGBT e as cores do movimento. Do outro, uma unidade de força tarefa fora integrada para recuperar o acesso às vias locais. Os repórteres espalharam-se pelas proximidades, e os curiosos registravam com a câmera do celular.
— Dominik! — Nate o encontrou na multidão.
— Nat... Alex! — Quase havia dito.
Como a maioria, pintara metade do rosto com as cores do arco-íris. Bethany Maeve, Garrett Lowe e Crystal Stames estavam entre os rostos conhecidos.
— Você veio! — Dominik beijou-o uma vez.
— Isso é insano.
— Isso é um fiasco — Disse Bethany. — Ninguém está falando sobre nós, nem os tabloides, nem canais do youtube — Acompanhava pelo smartphone. — As emissoras entrevistam apenas os policiais, os heróis da nação.
Nate viu que não estava errada. ABC, CBS, NBC e CNN, todas a narrar a história do ponto de vista dos homens fardados.
— Muitos dos nossos já desistiram — Garrett informou.
— Quais os números? — Dominik quis saber.
— Vinte por cento. Um grupo à retaguarda está reunindo desistentes.
Nate não poderia deixar isso acontecer.
— Faça sua mágica — Pediu a Bethany.
Ela pintou a bochecha esquerda de arco-íris e a direita com as iniciais de Chad Barclay.
— Tome um cartaz — Tentou entrega-lo, mas ele recusou.
— Você confia em mim? — Perguntou a Dominik.
— Sempre. O que tem em mente?   
                         

      — Venha comigo— Puxou-o por um braço à frente da repressão. — Hey, família tradicional! — Tirou a camiseta. — Filmem isso!  — E beijou-o com tinta, glitter e suor.
Assim como os policiais, a mídia concentrou-se neles. E não demorou muito para que todos os outros estudantes seguissem a mesma linha. Tiravam a camiseta, gritavam em protesto e beijavam – do mesmo sexo – quem estivesse mais próximo. Nem todos tiveram um par, o que os levou a formar um trio aqui e ali. Um deles ficou totalmente nu e correu de cueca nas mãos em frente aos policiais.
— Justiça por Chad! Justiça por Chad! — O coro seguiu adiante, e a multidão atirou jatos de tinta sobre a frota policial com armas de brinquedo.
Dominik havia dito uma vez. Teriam de expulsar a todos por comportamento inadequado.


     Diana Baldwin especializou-se em direito civil na universidade de Yale aos vinte e três anos. Desde então vem acumulando um número gradual de processos de divórcios e contestações de herança, que sempre acabavam cobertos pela mídia local. Nate a contratou no momento em que descobriu haver outros casais interessados na adoção de Gus.
— Não pode acontecer outra vez — Ela se referia ao espetáculo na frente da Northview Charter School.
Tinha aquele olhar nos olhos, de uma mãe a objurgar seus filhos. Ou uma onça feroz a demarcar território. Os cachos avolumados chegavam à margem dos ombros desnudos pelo decote. A pele era cor de ébano, com traços fortes, escuros e evidentes.
— De acordo às reportagens, a responsabilidade é de Alexander Strauss — Nate lembrou a ela. Observava Gus a brincar com os outros meninos pela janela do pátio privado da Amazing Grace.
— Este tipo de exposição pode prejudica-lo em frente ao juiz, basta que seja relacionada a você.
— O que posso dizer? Era uma boa causa.
— Não acho que tenha entendido. Há um casal disposto a lutar judicialmente pela guarda de August. O sistema, por definição, está a seu favor.
Nate os conheceu na última visita ao orfanato. Victor e Sarah Alonso, pastores pentecostais da sede em Southhampton da Faith Ministry. Ela outra vez. Foi só descobrirem que um homossexual pretendia adotar uma criança da Amazing Grace que estavam eles na disputa. Seus panfletos comerciais sancionavam que apenas um lar tradicional proviria a educação adequada a um jovem em desenvolvimento.
O último filho da puta que disse isso aguardava a execução atrás das grades.
— É possível que tentem usar a imagem de meu irmão contra mim?
— A resposta é sim.
— São boas notícias — Sentou em frente a ela no outro sofá. — Gastei boa parte de meus recursos tentando encontrar uma vantagem resolutiva. Sabia que o Senhor e a Senhora Alonso foram indiciados por agressão física há três anos? É o que fazem os cidadãos de bem quando a babá permite que seus filhos assistam ao desenho do Pernalonga na tv, não às animações bíblicas.
Diana esboçou um sorrisinho.
— Você é melhor que eu neste jogo. Ainda precisa dos meus serviços?
— Oficialmente, sim. Sou apenas um rostinho bonito, não um graduado de Yale.
— Duvido muito, Senhor Strauss. Sua vocação transcende o acadêmico.
— Como privilégio?
I meant the Money, of course.
Ele sorriu singelamente.
— Gus é meu filho. Não hesitaria se me custasse uma nota, bilhões de dólares ou até gotas de sangue.
— Sangue? — Ela queria ouvi-lo dizer.
— O meu próprio.

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  5x17: You Should See Me In a Crown (24 de Março)
   2 capítulos para a season finale!
   Apresento hoje o Dreamcast do Liam, o interesse amoroso da Viola. Não precisei ir muito longe; lembro de estar assistindo Pânico 4 (com o Adam Brody no elenco) quando percebi as semelhanças entre o ator e o personagem. Hoje Adam é casado com a atriz Leighton Meester, de Gossip Girl, que poderia muito bem interpretar a Cassidy, a noiva de Liam.
     
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