Livro | The Double Me - 6x07: I Mean, Did Judas Went Through All This Trouble Back Then? [+18]
6x07: I Mean, Did Judas Went Through
All This Trouble Back Then?
“De nada vale se nada custa".
Assim que o investigador particular informou a
localização, Thayer e Travis pegaram um trem para Freeport, Maine, e dirigiram
em um carro alugado até a casa de Ivy Vlasak. As persianas na porta permitiam
que vissem muito pouco do lado de dentro, através das vidraças.
— Não há ninguém aqui — Disse Travis. — Você
checou o endereço?
— Duas vezes. É a mesma casa das fotos —
Thayer mostrou no celular.
Madeira branca, escadas no pátio, telhados triangulares,
portas, janelas e cercanias azuis.
— Podemos voltar mais tarde.
— Não, é melhor assim — Ele deu a volta.
Novamente tiveram de passar pelo amontoado de
objetos no chão para descer as escadas do pátio. O espaço fora ocupado por
materiais de construção, ferramentas, peças automobilísticas, tijolos, madeira
e caixas de papelão.
— O que vai fazer? — Perguntou Travis.
— Procurar por uma entrada.
— Não acha melhor esperarmos?
— Não, já estamos aqui. Seria perda de tempo.
— Mas se formos em frente, seria invasão
domiciliar. Isso não o preocupa?
Thayer olhou para trás de relance.
— Essa mulher vive escondida por um motivo
— Disse ao irmão, forçando a porta dos fundos.
— Acha que contaria o que precisamos saber se estivesse aqui?
— Tudo o que eu sei é que ela não está aqui e
nós ainda podemos ir embora sem nos comprometer.
— E qual a graça nisso? — Empurrou com os
ombros outra vez.
— Sabe, houve uma época em que o que eu mais
queria era fazer parte dos seus planos. Agora eu vejo que isso é um fardo.
Ao terminar de dizer, a porta se abriu num
rangido.
— Primeiro os passivos — Thayer estendeu uma
mão.
Seu irmão tomou a frente sem questionar.
A primeira coisa que notaram foram os baldes atrás
da porta, onde havia sacas de cimento, rochas e tijolos – o que dificultaria o
acesso de qualquer estranho por aquela entrada. Na sala de estar, nada lhes chamava
tanta atenção quanto a bola de cristal na mesinha de centro e as cortinas em
tom de ametista que separavam os cômodos. Muitas culturas foram representadas
através dos artigos decorativos, como na estátua de Buda, nas prateleiras sobre
a lareira, e nos vasos indígenas que decoravam as duas estantes de livros, uma
ao lado da outra.
Eles teriam bastante com o que se ocupar.
— Cuidado com as digitais — Thayer o alertou.
— Não sabemos se algo aconteceu aqui ou está para acontecer.
— Isso não é nada assustador... — Comentou seu
irmão, de olho em um livro das pilhas à sua frente.
Qualquer coisa ajudaria naquele momento. Eles
procuraram por números de telefone, recibos de compras e até mesmo antigas fotos
de Noah, ainda que achassem improvável alguém como ele deixar rastros. Apenas
ao se aproximar dos dois sofás, na sala, que Travis notou o aparelho de
telefone. Era um modelo atual, com monitor e opções de touch screen.
— Há oito mensagens não ouvidas — Disse ao
irmão.
— Pressione o play.
— Se fizermos isso, ela saberá que alguém
esteve aqui.
— Não se marcarmos as mensagens como não
ouvidas depois de executar.
Nesta condição, Travis fez o que pediu.
A primeira voz identificou-se como Whitney, da
Walmart, para falar sobre uma vaga de emprego. A segunda identificou-se como Brian,
um dos vizinhos, ligando para saber sobre barulhos estranhos que ouviu na outra
noite, vindo do quintal. A terceira voz era uma gravação de cobrança de
impostos.
— Deixe rolar, continue procurando — Thayer o
instruiu.
Travis deixou no lugar os vasos ornamentais e
seguiu em direção aos quartos.
Mais mensagens foram reproduzidas naquele meio
tempo, enquanto Thayer vasculhava as estantes de livros. Uma das vozes começava
a lhe parecer familiar conforme dizia. Uma mulher, talvez. Uma senhora de idade.
Lydia Strauss?
Thayer se aproximou para ouvir melhor.
— Sou eu, querida — Ela dizia. — Tenho o que
me pediu, mas tudo não passa de especulação. Certifique-se de que ninguém a
está seguindo e encontre-me no lugar de sempre.
Ele clicou para reproduzir novamente após o bip.
O que ela pediu? O que era especulação? Quem a
estaria seguindo? Onde era o lugar de sempre?
— Thayer... — Chamou seu irmão, do outro
cômodo.
— O que?
— Acho que vai querer ver isto...
Estava tudo ali. Mapas, recortes de jornais,
fotos das vítimas e relatórios da polícia. Os fios vermelhos interligavam cada
história a possíveis localizações, que interligavam a casos não solucionados ao
redor do mundo, que interligavam às fotos divulgadas na imprensa internacional
e possíveis retratos falados. À figura sem rosto, no mural ao centro, seria o
principal suspeito. Alguém chamado Borchardt.
— Ela faz isso há algum tempo... — Travis
observou.
Nos olhos de Thayer havia preocupação, nada
mais.
Uma parte sua ainda se prendia a ideia de que
tudo não passava de um mal-entendido e que Mia estava perfeitamente bem, em
qualquer outro lugar do mundo. Natasha poderia ter sido vítima de uma simples
invasão domiciliar, não de um assassino de aluguel que recebeu ordens para
elimina-la após contatar a polícia. E Noah Borchardt seria o pai que Mia e seus
irmãos sempre quiseram ter, embora a vida os tenha afastado. Mas nada é tão
simples assim, ou é?
A maioria dos casos relacionados ao
desaparecimento de Mia e sua personal stylish, Lola Cunningham, datavam
do começo da década anterior ao final desta
década. O perfil de vítimas nunca mudou. Eram sempre jovens moças, de no máximo
vinte e três anos, que viajassem sozinhas, se afastassem de seus grupos de
amigos, em algum local público, ou não conhecessem a região tão bem. Algumas
delas foram resgatadas ao longo dos anos em outros continentes, de acordo ao
que haviam lido. Ninguém foi preso pelos crimes e nunca localizaram os locais
de cativeiro.
— Seu celular, rápido — Thayer pediu ao irmão.
Foto por foto eles registraram as informações
do mural.
Quando voltaram ao carro, Thayer reproduziu a
gravação da mensagem de Lydia.
— Ela não pode estar pensando em ir atrás
deles sozinha — Disse Travis.
— Por que não? Eu faria o mesmo pela minha
filha.
— E morreria tentando... — Recostou-se. — Temos
que ser espertos agora.
— Ou ela morre.
O que não disseram um para o outro, expressaram
através do olhar.
— Vamos para casa — Thayer deu partida.
Depois, Londres.
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À mesa foi servido carne de coelho, alecrim,
brócolis, purê de batatas e molho de ervas, além de coalhada com figos e tâmara
para o acompanhamento e pasta de berinjelas queimadas com tomate, cereja e manjericão.
Alex e Henry sentaram em silêncio, frente a
frente. Talheres para cá, talheres para lá.
— Onde estava ontem à tarde? — Perguntou Alex.
— Acordei e não o vi por aqui.
— Sinto muito, tive de retirar o excesso de
neve lá fora.
— Ah, sim. Eu só estava curioso... — Mexeu com
a colher. — Eles exibiram De Volta Para o Futuro no canal doze. Achei
que gostaria de ter visto.
— Devo ter visto umas oitenta vezes.
— Certo — Alex assentiu.
Era difícil dizer se Henry estava tendo um mau
dia ou se dissera algo errado, em um momento inoportuno. Pensando melhor, não sentaram
para conversar desde a outra noite. Henry sempre saia no dia seguinte antes de acordar
e sempre voltava para casa quando já estava dormindo. Às vezes Alex acordava
com o barulho de sua espingarda, lá fora, mas não ouvia nenhum animal por perto.
Talvez fosse isto lidar com sua estranha necessidade de sair de casa apenas
para puxar o gatilho e organizar as ideias.
— O que faremos hoje? — Alex então perguntou.
— Quer me ajudar com a neve lá fora?
— Se você insiste. Ficar aqui dentro está me
deixando louco.
— Eu imagino. Deve ser difícil para alguém
como você.
Alex sorriu.
— O que isso quer dizer?
— Que eu entendo porque trata meu estilo de vida
com tanto criticismo. Você não está acostumado a uma vida tão simples.
Veio um ar de risos.
— Jesus, Henry, eu estava brincando.
— Claro, Alex — Ele caminhou até o balcão, serviu-se
outra vez e voltou ao seu lugar.
Alex observava sem entender.
— Está falando sério? — Insistiu.
Dessa vez não houve resposta.
Ele então jogou a toalha sobre a mesa, pediu
licença, secamente, e foi em direção ao banheiro. Era tão curto o caminho para
ceder à raiva que ele preferia nem pensar. Seus punhos agarraram a pia de
mármore, de modo a garantir o controle. Seus olhos foram em direção ao seu reflexo
no espelho. Cabelos loiros, atrapalhados. Moletom velho. Olheiras. Pele áspera.
Lábios ressessos. Alguém diferente o encarava do outro lado. Mais velho
e desajeitado.
Também podia ver Henry, de costas, na mesa,
pela porta entreaberta. Até se aproximar e fecha-la.
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Toda quinta à tarde, no último horário vago,
Dominik tirava um tempo para treinar sozinho nas piscinas olímpicas. Os garotos
de outras turmas normalmente não o incomodavam, pois no mesmo horário havia
treino de futebol nas quadras externas e treino de basquete no ginásio. E as
garotas sempre se ocupavam no laboratório de química ou no complexo de teatro das
quartas às sextas.
Naquela tarde, Bethany o fez companhia até ser
convocada pela equipe de drama. Dominik ainda não tinha conseguido bater o
record de quarenta e cinco segundos que ele mesmo pré-estabeleceu. Estava a
raia a sua frente. Ele em posição. O cronômetro acionado. É agora ou nunca.
Ele pulou.
Por via das dúvidas, também contava os
segundos mentalmente. A tecnologia não era confiável. Cinco, dez, vinte, trinta,
quarenta.... e sete.
Ele tirou os óculos, confirmou no cronômetro e
gritou um palavrão. Não conseguiria ser classificado com aquele tempo, a não
ser que Dustin Hawkings aumentasse cinco quilos em duas semanas e fizesse
quarenta e oito segundos no nado crawl.
De novo,
decidira. Pôs os óculos, posicionou-se e pulou. Ao final o cronômetro marcava
quarenta e seis segundos.
— God Damn it! — Ele atirou os óculos
para longe.
Depois foi pega-los de volta, porque ainda
estava de castigo e seus pais se recusariam a comprar um novo se quebrasse o
seu.
No vestiário, tomou cinco minutos de
chuveirada quente. Sua mente foi para muitos lugares a partir daí. As ligações
de Nate, que ignorara o dia inteiro. Bethany e sua obsessão em perder a
virgindade antes de fazer dezessete anos. A mensagem de Brian no celular. Ter
encontrado Dean na fila da cantina. Seus pais pensando em deixar a cidade. Comprar
a nova edição dos Vingadores, disso não podia esquecer. Nate o presentaria se
insinuasse o bastante. Isso o levava de volta às ligações ignoradas.
Logo que desligou os chuveiros, vestiu-se
ainda molhado com o uniforme de treino – uma camiseta de gola redonda e bermuda
esportiva que combinavam em tom nevado. Por um tempo ele ficou ali, arrumando os
pertences. Tinha espaço de sobra no banco lateral para posicionar a mochila e
recostar-se em um dos armários.
— Quer que eu a masturbe? — Ouviu de uma voz
masculina.
Dean veio acompanhado de outros dois garotos
ainda de uniforme. Pelo pouco que Dominik ouviu, com todo o pesar, falavam
sobre as variações no órgão genital feminino e suas experiências com cada uma
delas. Supostamente.
Por sorte os outros dois não demoraram a sair.
Foi só o tempo de trocarem de roupa e organizarem a mochilas e os armários.
Dean, ao invés, ficara para tomar uma última chuveirada quente antes de tocar o
sinal.
— Encontro vocês em dez minutos no
estacionamento — Combinou com os amigos.
Dominik respirou fundo.
Cada movimento seu, do abrir e fechar do
armário a mover-se até as duchas, só de toalha, seu coração batia mais forte. Dean
não pareceu tê-lo notado ali, nos bancos. Ou talvez não se importasse em ter
uma audiência. Suas mãos deslizavam o corpo entre água, espuma e vapor, de modo
obsceno. Os cabelos para trás, devido a força da água. Os músculos nas costas e
no traseiro que enrijeciam ao alternar o peso de uma perna para a outra.
Quando ele virou, trocaram um olhar insinuante.
Dominik viu-se entre o castanho penetrante de seus olhos e o que ele tinha duro
no meio das pernas.
Mais uma vez respirou fundo.
Dean caminhou até ele, pegou-o pelos cabelos e
o fez colocar na boca, e engolir por inteiro, e lamber os testículos, e apanhar
com ele no rosto. A posição os favoreceu na altura certa. Pelos armários, nem
tanto. Dominik batia a cabeça sempre que ficava um pouco mais selvagem e os
barulhos começavam a preocupa-lo. Alguém poderia escutar.
Não demorou muito, vieram ao alívio. Escorria
sêmen nos lábios, nas sobrancelhas e pelos cabelos de Dominik.
— Sua vagabundinha... — Disse Dean, a estapeá-lo.
Dominik limpou a sujeira no rosto com a costa
da mão.
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— Não é sobre sexo, é sobre contato — Andy
explicava. — Você não precisa de mais de trinta segundos para decidir se quer
conhecer alguém.
— Mas a ideia não é conhecer alguém, de fato?
— Viola pontuou.
Atrás deles vinha sua assistente pessoal, com
um caderno de anotações em mãos. A sua frente, um homem todo pintado em dourado
fazia malabarismo de frutas e pequenas sementes. Uma multidão se aglomerou na
faixa de pedestres.
— Imagine um encontro casual nas ruas de Nova
York com um homem que faz totalmente o seu tipo — Andy propôs. — Você não sabe
seu nome, endereço, no que trabalha e de onde veio, mas numa troca de olhares,
ele sorri e a cumprimenta. Você precisaria de mais do que isto para tomar uma
decisão?
— Normalmente, sim. Nunca retribuo o interesse
de um homem antes de contar que sou uma mulher trans.
— Mais um motivo para ir comigo ao Speed
Dating. Hoje é dia do Pan Pride, ninguém em sã consciência
questionará seus cromossomos.
Ela riu.
— Não é mais prático usar a internet para
estes fins?
— Não quando há o risco de ser catfishzada.
No Speed Dating eles são quem você vê frente a frente, não quem dizem
ser para impressiona-la.
— E se eu não quiser mais vê-los?
— Ding-Dong! — Ele imitou a campainha.
— Que a sorte esteja com o próximo pansexual na fila de espera.
Se ao menos fosse uma questão de sorte...
Qualquer um poderia dizer que era através dos
corações partidos que a indústria monogâmica preservava grandes impérios de
papeis, bombons de chocolate e arranjos floridos.
— Ling
Ling... — Ela chamou a assistente. — O que acha disto?
— Assustador, senhora.
— Não exagere — Interrompeu Andy. — No pior
dos casos você rejeita um eleitor do Trump, ele se despede com um beijo na
bochecha e sua baba demora a secar pelos próximos minutos.
— Esse é o meu ponto, um beijo na bochecha — Viola
ressaltou. — Quer dizer, Judas teve todo esse trabalho naquela época? Agora fazemos
isto de graça e movidos pela nossa solidão, não por algumas moedas de ouro.
— Ling Ling, peça a sua chefe que cale a porra
da boca.
A jovem assistente obedeceu, embora sem
mencionar o palavrão.
— Qual o problema dela? — Andy começara a
estranhar.
— Sua religião não permite que fale obscenidades
— Disse Viola. — Algo sobre um dragão que cospe fogo e se alimenta de almas
fragmentadas.
— É uma metáfora para o inferno — A jovem
explicou.
— E qual a metáfora para o paraíso?
— Uma pomba gigante.
Imaginar aquilo lhes custou alguns minutos de
silêncio.
— Chegamos — Ele avisou.
Uma bandeira de arco-íris estampava a vidraça
do restaurante no topo de placas. Logo abaixo, os dizeres: Crown Shy’s Speed
Dating for LGBTQ’s - #PanPrideDay, às quinze horas.
— Parece antiquado — Viola comentou. — Eles
sabem que não é necessário ser pansexual para se relacionar com uma pessoa
trans?
— Sem militância, ta bom? Agora venha — Andy a
conduziu de mãos nos ombros, atrás dela.
A primeira rodada teve início ao soar da
campainha. Ding-Dong.
— Minha família é judaico-cristã, nos mudamos
há alguns anos para os Estados Unidos — Disse o homem alto de pele escura e
olhos castanhos, que usava uma gravata slim. — Você pratica alguma religião?
— Me considero cristã protestante — Respondeu
Viola.
— Não é judia?
— Não.
— Não é circuncisada, então?
Ding-Dong.
— Pode imaginar crescer com onze irmãos na
mesma casa? — Disse o homem loiro, de olhos verdes, usando camiseta xadrez.
— Vocês tinham de dividir tudo? — Perguntou
Viola.
— Não exatamente. Eu e minhas irmãs só
tomávamos banho juntos porque precisava de alguém para esfregar as costas.
Ding-dong.
— Não gosto de ser passivo ou coisa do tipo —
Alegou o outro candidato. — Perguntei sobre seu pênis para evitar grandes
surpresas. Se for mesmo grande.... é grande?
Ding-Dong.
— Eu não quero estar aqui — Disse a candidata
de piercing e cabelos rapados nas laterais. — Eu quero leva-la ao meu
apartamento, abrir suas pernas e colocar dois dedos na porra da sua...
Ding-Dong.
O próximo candidato pegou Viola de surpresa.
— Por que não atende minhas ligações? — Indagou
Liam.
Seu olhar ia dele a Andy, ao instrutor, sua
assistente, a Andy outra vez e de volta a ele.
— Vocês dois armaram isto?
— A ideia foi minha — Ele confessou. — Há dias
que estou ligando.
— Eu sei, sou a pessoa que o tem ignorado.
Ela tentou levantar, ele a segurou pelo braço.
— Sei que não há justificativa para o que fiz
— Ele discorreu. — Tudo o que peço é que ouça
o que tenho a dizer antes de abrir mão da nossa amizade.
— Amizade? Você fode todos os seus amigos, os
abandona em um hotel de estrada e depois pede a sua noiva que os convença a
fazer sexo a três?
Ding-Dong.
Liam teve de ceder o lugar para o próximo
candidato.
— Não gosto quando coloca as coisas dessa
forma — Ele disse, da outra mesa.
— Seu tempo esgotou, por que ainda está
falando comigo?
— Porque preciso de mais que trinta segundos
para fazê-la me perdoar.
— Com licença, poderia falar comigo? — Pediu o
garoto de vestido florido e macacão jeans em frente a ele.
Muita coisa aconteceu em um intervalo de cinco
segundos. Liam mentiu dizendo que tinha HVI, o garoto saiu correndo, o par de
Viola fez um comentário homofóbico sobre o vestido florido, Viola jogou sua
bebida no rosto dele, Andy tentou convencer o instrutor a não expulsa-los, o
garçom derrubou as bebidas sobre Ling Ling, ela o amaldiçoou na língua nativa
chinesa, Liam tomou Viola por uma mão e levou-a ao corredor dos toilets,
onde teriam mais privacidade.
— O que está fazendo? — Viola livrou-se com um
puxão.
— Eu sinto algo por você — Ele disse. — Não
sei o que é, não sou capaz de definir. O que posso dizer, honestamente, é que é
forte o bastante para que eu repense todas as decisões que vou tomar na minha
vida.
— Exceto casar-se com Cassidy.
— Exceto abrir mão de outra pessoa que eu
também amo. Não acha possível amar duas pessoas ao mesmo tempo?
— Não é assim que as coisas funcionam.
— Você não sabe disso — Suspirou.
Viola encolheu os ombros, Liam escorou-se à
parede e ergueu a cabeça.
— Sinto muito se a proposta de Cassidy a
ofendeu — Ele mencionou. — É a única coisa que eu tenho a oferecer agora.
— Um relacionamento incompleto?
— Algo diferente. Eu ainda não tenho um nome
para isto.
— Entendo — Ela cruzou os braços. — Você volta
para casa ao lado dela todas as noites e eu volto sozinha para o meu ateliê.
— Não, eu quero mais. Eu sempre vou querer
mais de você.
Aquelas doces palavras a fizeram sorrir.
— Eu sei — Disse a ele. — Por isso eu não
posso. Você quer tudo porque só sabe querer e faz das suas inseguranças uma
evasiva. Se eu dissesse sim, agora, seria o mesmo que abrir mão do que preciso em
troca do que eu quero. Não posso cometer este erro outra vez. Sinto muito... — Deu-lhe
as costas.
De volta ao salão, acertou uma bofetada no
rosto de Andy.
— Nunca mais faça algo assim comigo — Advertiu-o.
— Ling Ling — Fez sinal com os dedos.
O tilintar de seus saltos em direção a saída entoava
um ultimato.
൴
Jensen foi convocado a sala do Senhor Altman após
a aula de Álgebra Linear. Ainda era dia lá fora, um tempo frio e nublado. Isso
dizia muito sobre seu humor.
— Se sente bem? — Perguntou Neil.
Jensen imaginava que parecesse tão cansado
quanto realmente se sentia após os três testes daquela tarde. Não parava de
bocejar, esfregar os olhos e esticar as pernas debaixo da mesa. As roupas
também foram uma escolha estratégica. Moletom, jaqueta, calças negras de pijama,
sandálias de saída aberta.
— Sim, não se preocupe — Ele esfregou os
olhos. — Você dizia?
— O livro — O professor entregou-o.
O Deus das Pequenas Coisas, por Arundhati Roy.
1997.
— É um romance? — Jensen supunha.
— Sim, e do tipo polêmico. A autora foi levada
aos tribunais por obscenidade.
— Na Índia isso quer dizer mostrar os
cotovelos.
Riu o professor.
— É sobre castas, irmãos gêmeos e linguagem
estrutural de espaços narrativos... — Disse.
— Uma analogia. Entendi.
— Uma metáfora — Corrigiu. — O que acha de nos
reunirmos todas as sextas no Novack Café para um debate literário? Antes
que diga não, saiba que posso impor qualquer condição para que volte a minha
classe.
— Parece divertido, mas tenho de atender a
outras classes.
— Não a partir das dezesseis horas. Tomei a
liberdade de checar seus horários.
— Você checou meus horários? — Jensen repetiu.
O professor achou ter dito algo errado.
— Isso o aborrece? — Perguntou-o.
— É claro. Não quero que todos saibam onde
estou o tempo inteiro.
— Nem os docentes?
— Não os que me convidam para o Novack Café
no tempo livre.
Novamente o professor achou ter dito algo
errado.
— Quer me dizer alguma coisa, Senhor McPhee?
— Eu não sei — Jensen prendeu o lábio. — Há
algum motivo em especial para eu estar aqui e você me ajudar?
— Sim, eu me importo com você.
— Pessoalmente?
— Como um bom amigo. É o que somos, não é?
Jensen inclinou a cabeça.
— Então não quer me foder? — Perguntou.
O professor pareceu ter perdido o equilíbrio
momentaneamente.
— Uow, vamos com calma — Disse a ele. —
Você sabe que tenho uma ex esposa que faz da minha existência um verdadeiro
inferno.
— Ou seja, você é bissexual.
— Não, sou um homem cis gênero e heterossexual
muito convicto de sua orientação. Acho que já está na hora de saber que estou
envolvido com uma professora deste campus. Conhece a Senhorita Adler?
Cabelos ruivos cacheados, pele branca, olhos
castanho-claros, um e setenta e oito de altura, porte físico magro, lábios
carnudos, sardas no rosto, vestida sempre de blusa social, blazer negro e saias
midi. Todos conheciam a Senhorita Adler, ou gostariam muito de ter a
oportunidade.
Que vexame.
— Eu sinto muito, muito mesmo — Jensen só pôde
dizer.
— Pois deveria. Deixou-me extremamente
desconfortável.
— Eu sei, sinto muito. Por um minuto achei
que...
— Que eu queria fode-lo — Ele repetiu
comicamente. — E eu achando que o episódio de vômito no auditório seria o ápice
do meu dia.
— É, eu não quero ouvir sobre isso — Por
favor.
Assim eles riram.
O professor serviu-se de mais uma dose de café
e três cubos de açúcar.
— Posso perguntar o que o fez supor que eu
estaria interessado?
— Não é sobre você... — Jensen deixou claro. —
Na minha vida, tudo sempre girou em torno do sexo. Nunca tive um amigo por quem não tenha
me apaixonado ou com quem não tenha transado antes. Nunca conheci um garoto sem
segundas intenções, porque eu era um desses garotos cheios de segundas
intenções. Quando me formei no colégio, achei que isso mudaria, mas as
fraternidades me provaram o contrário. Descobri que ainda sou totalmente capaz
de deixar o sexo arruinar as coisas para todos ao meu redor e me tornei
obcecado em merecer meu lugar. Preciso saber se estou aqui por minha causa e
não pelo que as pessoas querem de mim.
— Garanto a você, Senhor McPhee, que meu único
interesse é que viva as
melhores experiências que a faculdade pode proporcionar a alguém. Se isso
inclui sexo, bebidas e garotos, a escolha é sua. É claro, você também aprenderá
uma coisa ou outra sobre construções civis e o que fazer para que não desabem
sobre a cabeça das pessoas. Quem liga para isso, mesmo?
Jensen sorriu.
— Tem certeza que não é nem um pouquinho gay?
— Do meu ponto de vista, somos todos homos.
Resta saber qual de nós é sapien e qual de nós é sexual —
Entregou-lhe o segundo livro. — Você tem dois dias.
— Tudo isso?
O professor entregou-lhe o terceiro.
— Não me desafie outra vez.
— Sim, senhor.
൴
Eles levaram consigo um conjunto de pás ergonômicas,
raspadores, carrinhos de mão e uma mangueira. Os excessos de neve e granizo
eram despejados nos declives de arvoredo e o acúmulo às laterais da trilha
principal chegava a apenas cinco centímetros após terminarem uma área quadrada.
Água quente sobre as camadas mais profundas facilitava o processo de
descongelamento.
— Espere um pouco — Henry se aproximou.
— O que?
— Seu curativo... — Apontou com o raspador.
O branco nos tecidos realçava o rastro de
sangue que percorria o abdome.
— Não sinto nada... — Disse Alex.
— Tudo bem, vamos fazer uma pausa.
Lá dentro ele pediu que Alex tirasse as roupas
pesadas e sentasse escorado à cabeceira da cama enquanto ia buscar os materiais
de sutura. Pinça, bisturi, tesoura, gaze, atadura, esparadrapo e soro
fisiológico.
Como temia, alguns pontos se abriram.
— Cuidado... — Alex recuou.
— Você disse não sentir nada.
— Isso foi antes de ver os pontos — E todo
aquele sangue.
Em menos de um minuto Henry foi até a cozinha,
esterilizou os materiais e voltou ao seu lugar, na cadeira, com uma bandeja de
ferro. Não disse nada, não fez contato visual.
— Você sempre soube que seria um cirurgião? — Alex
puxava assunto.
— Eu sabia que queria ajudar as pessoas —
Disse Henry. — Venho de uma família de cirurgiões.
— Seus pais?
— Minha mãe e meu irmão. Ela se especializou
em neuro, ele em cardiovascular.
— Disputa acirrada. Droga... — Gemeu de
dor.
— Não se mexa.
— Sinto muito.
Depois disso, nada disseram. Aquele momento
foi feito de trocas de olhares, que Henry dava ao máximo para disfarçar.
— Qual o problema? — Alex finalmente notou.
— Nada — Ele recolheu os materiais e caminhou
em direção aos armários.
— Eu não sou estúpido. Fale comigo.
— Não agora.
— Por que não?
— Porque eu disse.
— E quanto ao que eu tenho a dizer?
— Eu não me importo! — Bateu uma porta. — Não
percebe que está perto demais?
Alex mudou de posição na cama.
— Perto de que?
— Você só está perto demais. O tempo inteiro.
— É por isso que não olha para mim?
Ele não respondeu; abriu a geladeira, tirou
uma cerveja, puxou a cadeira, acomodou-se, tomou um gole.
— Eu só estava tentando ajudar — O encarou. — Não
posso oferecer mais que isto.
— E o que acha que eu quero de você?
— Que eu o veja.
Alex assentiu.
— Sei que não deve ser muito difícil imaginar
o que estou pensando... — Disse, de sorriso nos lábios. — Na verdade, é sempre
a mesma história. Um garoto de bairro pobre, que foi adotado quando tinha três
anos e estudou a vida inteira em colégios públicos. Era bom nos esportes, fazia
sucesso com as garotas, tirava ótimas notas. Até chegou a namorar a garota mais
popular do colégio e leva-la ao baile de formatura— Coçou o nariz. — Você diria
que aos dezoito anos há mais para se querer? Porque eu quis. Uma noite saí com os
amigos do meu irmão, fui a uma festa e beijei um rapaz pela primeira vez.
Chupei o primeiro pau semanas depois, e achei formidável do sabor à pulsação.
Depois eu deixei que ele me foder no rabo quantas vezes quisesse e mesmo que
doesse tanto, porque eu queria que fizesse doer. Agora sou incapaz de negar a
mim mesmo o caralho que me der na telha. Isso faz algum sentido, relativamente?
Henry baixou o olhar.
— Fique quieto — Disse Alex.
Levantou da cama, despiu-se por completo. Foi
até ele, desabotoou sua camiseta.
— Por favor... — Henry o segurou pelo pulso
direito.
Alex deslizou a outra mão e pôs o dele para
fora.
— Olhe para mim.
Henry olhou, dos pés à cabeça. E usando uma
mão para conduzir o encaixe, Alex o montou. Havia suor, baba, o cheiro era de lenha
queimada. Ouvia-se os gemidos, o rangido na cadeira. A barba de Henry roçava a
altura do pescoço de Alex, onde o marcava com beijos e mordidas. Suas mãos o arranhavam
nas costas, deslizavam ao traseiro e atrapalhavam seus fios loiros encharcados
de suor.
Logo que chegou ao alívio, Henry encontrou seu
olhar. Passou-se cinco segundos e muito mais tempo entre a dúvida que o coibia e
até ceder ao impulso de pega-lo no colo, joga-lo sobre a cama e vira-lo contra
os lençois.
Alex conhecia bem aquela dor.
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6x08: You Were Never Mine (04 de Junho)
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