Livro | The Double Me - 6x10: This Asshole Says I'm Sorry [+18]
6x10: This Asshole Says I'm Sorry
“Todos têm uma vida da qual ninguém conhece".
Ela acordou ouvindo os uivos ao
longe.
O ar quente rescendia ao clima árido da
região, num vasto deserto montanhoso e cercado por campos de areia, cactos e
rochas sedimentares. Mas ela não podia ver. Sua visão se limitava às sombras e
formas turvadas, sem qualquer reação à luz solar ou a movimentação. Uma mancha rúbea-enegrecida,
fragmentada.
Tateando ao seu redor, entre a areia
e a baixa vegetação, Mia esbarrou em uma estrutura pedregosa de grande porte.
Ela serviu de apoio para que ficasse de pé. Não lembrava de ter dificuldades
para caminhar antes de Noah aparecer na estação de trens. Algo deve ter
acontecido depois de perder a consciência.
Metros adiante, um barulho chamou sua
atenção. Ela virou o rosto instintivamente. Um pouco mais próximo dela, outro
barulho. Ela virou o rosto para o lado oposto.
— Alguém me ajude! —
Gritou.
Isso pareceu ter atraído algo para
perto. Tinha ouvido uivos, um pouco antes. Agora, além deles, ouvia rosnados. E
estavam cada vez mais próximos.
— Não... — Ela cambaleou para trás.
Ouvia-os à esquerda, à direita, acima
de sua cabeça. O vento soprava ruidosamente e recendia ao cheiro de sangue em
suas roupas.
Não teve outra escolha, precisou
correr. Os coiotes da matilha foram em seu encalço um após o outro. Ela,
inevitavelmente, em direção a uma área aberta, onde encontravam-se os declives.
Um passo em falso a fez rolar metros abaixo, sobre pedras e cactos. Um breve
momento de inação, entre entender o que houve e dar as ordens para seu corpo se
mover outra vez, no que duraria menos de um segundo, acabou por tirar suas
chances. Foi mordida na perna por um deles; o outro a mordeu no ombro direito,
próximo ao pescoço.
Ela sentia acelerar seus batimentos.
Seus dentes cravando em pele e ossos. O cheiro de sangue, por toda parte. Eles rosnavam
e ela gritava alto o suficiente para não poder pensar em mais nada.
Então, ouviu-se um disparo. As garras
e presas a libertaram em um instante e os rosnados transformaram-se em um uivo indócil.
O que ouviu depois indicava a
aproximação de um veículo por terra.
— Senhorita? — Perguntou um homem. — Traga a manta, rápido! — Ele pediu a alguém.
Mia soube que era um menininho ao
ouvir sua voz.
— Pai, ela está sagrando muito...
— Vamos leva-la ao hospital. Ajude-me! — Pediu seu pai.
A última coisa em que Mia pensou,
antes de perder a consciência, foi em Noah. Se morresse ali, não seria a
última.
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Nate vinha discutindo ao celular desde a portaria do hotel.
— Eles não podem fazer isso, ou podem? —
Perguntou à advogada.
— Está nas mãos da juíza — Respondeu ela.
— E o acordo que assinamos?
— Pode ser invalidado por decisão judicial. Gus
estava sob sua responsabilidade no dia do ocorrido.
— This is bullshit. Ele estava
perfeitamente bem no momento em que o deixei no orfanato — Contudo admitisse ser
a pessoa menos indicada para impor regras.
Nate sempre realizou todas as vontades de Gus,
dos brinquedos mais caros, das roupas mais sofisticadas, a tudo o que desejasse
comer, beber, assistir, escutar, jogar, conhecer. A maioria dos dias que
passavam juntos eram feitos de grandes descobertas. Nate nunca imaginou que
algo pudesse dar errado.
— Os sintomas de intoxicação alimentar podem
surgir dentro de algumas horas ou em questão de dias — Explicou Diana. — Gus
relatou que se sentia mal desde a volta para casa.
— Ele não disse nada — Nate justificou.
— Talvez para não preocupa-lo. Nos últimos
dias as enfermeiras do Amazing Grace têm ouvido falar muito sobre o dia
incrível que teve ao lado do seu ‘papai’.
Suspirou. Foi um dos melhores dias. Não
podia terminar assim.
Nate entrou no quarto de hotel, jogou as
chaves sob a bancada e caminhou até a suíte.
— Ele está bem agora?
— Perfeitamente. Mas serei honesta, Senhor
Strauss. Isto pode decidir o caso.
— Não a meu favor... — Ele abriu a porta.
Dominik esperava-o sentado à beira da cama,
curvado, com os cotovelos sobre os joelhos. Seus olhares se encontraram.
— Fucking deja vu... — Nate praguejou.
— Perdão? — Disse a advogada.
— Não é com você, ligo mais tarde — Jogou o
celular na cama e andou até o closet.
Dominik seguiu seus passos.
— Podemos conversar?
— Restou algo a dizer? — Pegou uma peça de
roupa.
— É sobre um trabalho.
Quando Nate virou, não teve como não notar as marcas
e contusões.
— Seu rosto... — Dominik apontou para o seu
próprio.
— Ah, isto — Disse Nate, de forma casual. — Eu
matei o outro cara. Você dizia?
— Certo, o trabalho... — Dominik voltou ao
assunto. — Ontem recebi uma proposta por e-mail da New York Models.
— Para uma campanha?
— Um ensaio teste. Eles querem nós dois.
Nate esboçou um sorrisinho. Então era disso
que se tratava as ligações que vinha recusando há dois dias.
— Entendo — Ele despiu-se do blazer. — Você
precisa de um favor.
— Não é um favor se ambos temos algo a ganhar,
e você sabe há quanto tempo eu espero por uma oportunidade como esta. Pode ser
minha grande chance.
— E eles sabem que estamos separados? — Pôs a
camiseta.
— Todos sabem — Hesitou. — Não é um ensaio de
casal, é apenas um ensaio teste. Talvez nem estejam interessados em investir,
no final.
— Eu sei como funciona — Aclarou Nate.
Por um momento parou em frente a ele, de
braços cruzados, e o olhar sobre o carpete. A ideia de aproveitar a
oportunidade e puni-lo pelo que fez lhe passava pela cabeça toda hora, bastava
lembrar como as coisas terminaram. Por
outro lado, dizer-lhe não se aproximava mais de uma atitude racional que de uma
revanche. Um término é sempre o melhor momento para começar a pensar em si
mesmo e rever suas prioridades. Dominik estava lá por pensar da mesma forma.
— Escute, Dominik. Não quero que pense que sou
um ex namorado rancoroso ou que minha intenção é prejudica-lo... — Disse Nate.
— Mas não sei se é uma boa ideia trabalharmos juntos. As coisas não terminaram
bem entre nós, e tudo ainda é muito recente. Seria melhor não nos envolver de
outra forma.
— Nate, é só um ensaio fotográfico. Você faz
isso todos os dias.
— Não desse jeito — Ele caminhou até a vidraça.
— Sabe, as coisas não têm sido fáceis para mim ultimamente. Talvez eu precise de
um pouco mais de tempo.
— Então é assim? Se não estivermos juntos,
você se torna automaticamente incapaz de fazer algo para me ajudar?
— Eu preciso fazer algo por mim também, não
acha?
Dominik assentiu relutante.
— Sei que estraguei tudo... — Disse, então. —
Sei que fui um completo idiota, que tomei a pior das decisões. Mas eu amei você,
Nate. Amei pra caralho. Ainda amo. Não pense que está sendo fácil para mim só
porque eu decidi seguir em frente.
— Não está? Você não gosta de toda essa
atenção, de ver fotos suas em todos os lugares? Não veio aqui pedir o meu
consentimento e tentar tirar vantagem do nosso término?
— Quer saber? Eu não preciso ouvir isto —
Deu-lhe às costas. — Eu quis terminar nosso relacionamento, não tirá-lo da
minha vida. Esta é uma escolha sua.
— Não, Dominik, isso não é fazer parte da
minha vida. Me chifrar, me dar um fora e depois voltar para pedir favores é no
mínimo oportunista. Se me amasse de verdade, entenderia que a única coisa que
eu preciso agora é de um pouco de espaço. Pode fazer isso por mim ou sua
carreira é mais importante?
O olhar de Dominik destilava de falsa
imponência.
— Obrigado por me lembrar que não preciso de
você para conseguir o que quero — Disse a ele.
— Eu nunca duvidei disso, quem duvidava era
você.
Antes de sair, Dominik atirou o celular
descartável na cabeceira da cama. Quebrou em vários pedaços. Seu caminho, dos
elevadores à portaria, do ponto de táxi aos portões da mansão Belmont, levou o
tempo que precisava para pensar em um contra-ataque.
Estava claro que perdera mais que uma grande
oportunidade naquele dia. Nate sempre ganhava, estava sempre um passo à frente.
Não ficaria surpreso se recebesse outro e-mail informando que a proposta não é
mais válida e que o homem que pensavam ser Alexander Strauss faria um ensaio solo.
Nate era totalmente capaz de passar por cima de qualquer um. Agora Dominik
era qualquer um.
De tanto prender as lágrimas, seus olhos enrubesceram.
Ele correu até seu quarto, trancou-se lá
dentro. Sua imagem no espelho o ajudou a elaborar algumas estratégias de ataque.
Ao redor dos olhos parece mais fácil. Não no nariz, pode quebra-lo. Rachar o
canto dos lábios seria bom para o vídeo, pelo valor estético. É melhor cortar
outra parte do corpo e espalhar o sangue a fazer um ferimento tão profundo na
área do rosto que vá deixar marca. Nenhuma agência contrataria um modelo cheio
de cicatrizes.
Ele levou as duas mãos ao rosto, fechou os
olhos e arranhou as bochechas até deixar marcas. Aproximou o punho do maxilar
várias vezes, socou a si mesmo. Em seguida arrancou alguns tufos de cabelo, no
intuito de deixar uma marca calva nas laterais. O espelho ficou por último. Sangue
escorreu de sua testa e couro cabeludo quando bateu a cabeça de encontro a ele
e o quebrou em milhares de pedaços.
Alguns cacos no chão, em desfoque, mostravam o
que tinha feito a si mesmo. Um olho roxo, os lábios rachados, marcas de
arranhões, o couro cabeludo à mostra, sangue no globo ocular, no rosto, entre
seus dedos e por toda a sua roupa.
Quem poderia dizer que não era uma vítima?
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Alex teve tempo de se familiarizar a todos os
outros cômodos da cabana nas últimas semanas, exceto o quarto de Henry, sob o
mezanino da área dos fundos. Não que fossem muitos. Henry preocupava-se pela
escada de acesso ser feita de madeira fina e Alex ter acabado de realizar uma
cirurgia de grande porte. Para as atividades sexuais, entretanto, não houve restrições.
Dias atrás Alex propôs um desafio inusitado,
que consistia em fazer sexo sempre em um lugar diferente da cabana e pelo tempo
em que pudessem obedecer às regras. Não podiam repetir um local já explorado, nem
usar a cama de Alex, nem cruzar o território clichê – o chuveiro e as poltronas
–, a menos que trocassem a posição do ativo pelo do passivo. Esta era a parte
da qual Alex ainda precisava convencê-lo.
— Que tal a caminhonete? — Propôs Alex, certa
vez.
Mesmo sem espaço, puderam aproveitar.
— Sobre a mesa? — Sugeriu Henry.
Teria sido bem melhor se coubessem a ambos
sobre ela, não que Alex, na posição de passivo, tivesse que sacrificar um pouco
de seu conforto.
— Ainda não fizemos na pia da cozinha... — Alex
sugeriu em pior hora.
A pia desabou, canos estouraram, a água encharcou
os móveis e eles ficaram sem tomar banho até Henry voltar à cidade, no dia
seguinte, e comprar as peças e as ferramentas necessárias.
De certa forma, isso os favoreceu. Pensavam
mesmo em deixar o jogo um pouco mais simples e menos casual. Quem sabe até
romântico, após tantas evasivas. O mezanino pareceu ser conveniente para eles. Havia
um colchão de casal onde só caberiam deitados, pelo pouco espaço, um edredom
xadrez vermelho e negro, um conjunto de lençois de forro, e dois pares de
almofadas. A vista, lá fora, de neve, pinheiros e até às mais altas
cordilheiras, por si só os levava a perder a noção do tempo. O sexo era uma boa
adição.
Algumas vezes Alex achava agressivo demais,
até para o que ele mesmo estabeleceu. Em outras destas, era tão amável que não
os reconhecia. Seus olhares sempre relutavam em se distanciar, não importava a
posição. Bom, talvez naquele único momento tenham se distanciado. Henry
gostava de ver os músculos de suas costas contraírem enquanto ele cavalgava. Era
quando achava mais seguro deixar-se dominar.
Ao final, eles deitaram lado a lado e levaram
a conversa horas a fio.
— Estou cansado de ser o passivo — Disse Alex,
numa voz ofegante.
Henry olhou para ele.
— Achei que gostasse... — Ele também ofegava.
— Eu gosto. É que há muitas outras formas de
explorar o corpo masculino... — Virou a ele. — O que acha de começarmos com
dois dedos? — Fez o gesto.
Um coro de gargalhadas sucedeu ao breve
momento de silêncio.
— Acho que voltamos a ser adolescentes —
Comentou Henry.
— Ainda me sinto um — Confessou Alex.
Henry levantou em seguida.
— São dezesseis e trinta — Alertou-o. — Precisamos
ir à cidade
— Hoje?
— É sexta-feira, a loja fecha às dezoito e
abre apenas na segunda de manhã.
— Capitalismo, entendi — Levantou-se também.
Henry desceu primeiro, Alex logo atrás. A
troca de roupas não levou muito tempo. Henry vestiu jeans desbotados, uma
camiseta branca, a clássica camisa xadrez em verde e negro e um casaco impermeável
com forro térmico. Alex vestiu o mesmo modelo de casaco impermeável, na cor
vermelha, um moletom cinzento de gola redonda e calças de algodão. O sol de
primavera brilhava lá fora, logo não precisariam usar tantas camadas de roupas.
Descendo a escadaria frontal, Alex pulou nas
costas dele, que o segurou por debaixo das coxas. Seus braços envolviam-no por
cima dos ombros, em um aperto. Seus rostos colados. Assim fizeram o trajeto até
a caminhonete.
— Chegamos — Henry o ajudou a descer.
— Posso dirigir? — Pediu Alex.
A careta de Henry não dizia sim e nem dizia
não. Era algo mais próximo da implicância, tentar fazê-lo acreditar que
duvidava de suas capacidades.
— Minha vida está em suas mãos — Entregou-lhe
as chaves.
Alex arrancou abruptamente para provoca-lo.
Tinham meia hora até chegar à cidade, se não
tivessem que fazer desvios. O tempo passava rápido demais entre um e outro
assunto, fazer uma enorme lista de compras e ouvir as músicas na rádio. A
estrada se abria em linha reta; pouquíssimos veículos passaram por eles. Alex
até chegou a mencionar o SUV Lexus RW 350, na cor vermelha, sem saber
que Gwen estava na direção.
— Um dia terei um desses — Disse.
— Gosto da cor — Observou Henry.
Gwen tampouco os notara ali.
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Velas, castiçais e arranjos floridos decoravam
o centro de mesas alinhadas. Lustres de cristais egípcios pendiam ao alto, em
paralelo aos ventiladores de teto. E ao mesmo tom dourado das paredes e pilares
irmanavam-se às toalhas, prataria, os assentos e o acabamento no hall de
janelas.
Viola tomou a liberdade de chegar
elegantemente atrasada ao jantar de ensaio, por julgar ser a melhor maneira de passar
despercebida. Também fazia parte do plano limitar-se à área lateral do salão e
desfrutar, sozinha, de sua taça de champanhe. Ninguém passava por ali, exceto
os garçons e auxiliares de limpeza. Ninguém olhava por muito tempo.
— Este idiota diz que sente muito — Andy ofertou
um botão de rosa dourada.
Mas não seria assim tão fácil.
— Vi-o arrancar esta rosa de um dos arranjos
há quarenta e cinco minutos — Contou a ele. — Deve ter pensado bastante no que
dizer.
— Você me pegou — Posicionou-se ao lado dela.
— Acho que é falsa... — Arrancou uma pétala e cheirou. — Rosas podem ser
douradas ou devemos nos ater ao nome, obrigatoriamente?
— Será uma longa noite, Senhor Boyd. Diga logo
o que quer.
— O de sempre — Deu de ombros. — Dizer que
sinto muito, que nunca mais farei nada do tipo, que sua amizade é muito
importante para mim e blah blah blah. A ideia inicial era poupa-la deste
discurso.
— Então por que não o fez? — Olhou para ele.
Andy tinha aquele mesmo sorriso nos lábios, de
quem confiava plenamente em suas cartas. O olhar fazia parecer que enxergava através
das roupas dos convidados e dentro de suas carteiras.
— Você não é um clichê, minha cara — Tomou um
gole de sua taça. — Preciso ser melhor que isto para arranhar sua superfície.
— Esta é outra conotação de duplo sentido?
— É um simples elogio. Prefere ir mais
devagar?
Agora sim era uma conotação de duplo sentido.
Ela sorriu.
— Dê-me isto — Tomou de suas mãos. — Antes de
esquecermos o que aconteceu, gostaria de dizer que o considero um babaca de
marca maior.
— Eu sei.
— E que se encaixar nos padrões de beleza
ocidentais não o torna um homem atraente aos meus olhos.
— É óbvio, eu sou um perdedor.
— Dito
isto, começamos do zero.
— De acordo — Ele brindou à sua taça.
Ambos bebericaram.
— Outro drink no 48 Lounge, depois da
festa? — Ela sugeriu.
— Combinado. Agora me dê licença, preciso
apertar algumas mãos — Passou por ela. — Quem sabe descolo um número de
telefone.
— Boa sorte — Brindou também a isto.
Os casais se dispersaram na pista de dança ao
final da canção. Alguns voltaram às suas mesas, para a companhia de seus
familiares. Viola os observou por um momento. Reconhecia os convidados de
Cassidy por vestir a maioria para a cerimônia, na próxima semana. Porém, não reconhecia
os de Liam. A ordem de assentos na mesa principal era formada somente pelos
familiares da noiva, inclusive pelo lado do noivo. Isso a levou a pensar que
estivesse sozinho durante todo esse tempo.
Logo adiante, Viola serviu-se de outra taça de
champanhe. Podia ver Andy do outro do salão, a cortejar uma moça de vestido Dior
carmesim de alças floridas e decote em V. Não demorou muito para seu temor se
concretizar. Andy derrubou champanhe de propósito sobre o vestido dela, ela o
acertou uma bofetada e os convidados caíram na risada.
Como algo assim daria certo, pelo amor de Deus?
Viola revirou os olhos.
— Atenção, por favor — Pediu Liam, em pé,
atrás da mesa. O tinir das taças anunciou o discurso. — Muitos de vocês devem
estar se perguntando agora quem sou eu. Bom, eu sou o noivo, ninguém muito importante
— Uma pausa para as risadas. — Este pensando muito, esta noite, sobre tudo o
que nos trouxe até aqui. Alguns de vocês não vemos há anos. Muitos vivem longe,
e só estão aqui para a cerimônia. Outros só tive a oportunidade de conhecer
esta noite, não é Jimmy? — Ergueu a taça em sua direção. — Eu não sabia que
minha noiva tinha um primo que comia por seis Rhae’s ao todo — Pausa para as
risadas. — Enfim, eu só estava pensando... — Continuou.
Enquanto ele discursava, Andy fazia caretas e
gestos obscenos e Viola tentava ignora-lo, sem muito sucesso.
— Pare... — Sussurrou ela, prendendo um riso.
Não lhe passou despercebido que aquele era o
primeiro sorriso honesto da noite. Todos os outros, fosse a eles, ou às fotos,
não passaram de cortesia. Andy ao menos vencia pela espontaneidade.
— [...] Um brinde às mudanças! — Liam disse
por último.
Os convidados ergueram suas taças e fizeram tin-tin.
Minutos depois Cassidy a encontrou, sozinha, no
parapeito de uma varanda.
— Tive a mesma ideia — Disse à Viola.
— Que ideia?
— Evitar a confusão lá dentro e observar a
paisagem noturna — Ficou lado a lado.
O céu estava de um púrpura gris, mais escuro a
noroeste. Uma meia-lua traçava o caminho estrelado sobre a cidade e entre
nuvens cinzentas. As silhuetas das arvores, lá embaixo, agitavam-se conforme a brisa.
Não havia lugar mais privilegiado.
— Sinto muito se a pressionei — Sussurrou
Cassidy. — Não tive a intenção.
— Não estou bem certa sobre suas intenções. Pode
me dizer por que insistiu para que eu viesse?
— Você é minha estilista. Sem você, não
haveria casamento.
Alerta de risada interna.
— Bom, de onde eu venho... — Viola pôs-se a
dizer. — Se uma mulher e o noivo de uma de suas melhores amigas passam a noite
juntos, em segredo, isso é resolvido mano a mano ou na delegacia, não em um
jantar de ensaio.
— Adoro suas dramatizações — Cassidy sorria. —
Faz-me pensar que a vida deveria ser mais simples, do jeito que ela é. Quem
dera eu acreditasse nisso. A excentricidade que busco em minhas aventuras e
viagens pelo mundo, o dinheiro não pode comprar. O que isso faz de mim?
— Muito rica — Viola a afirmou. — E um tanto
solitária, se me permite dizer.
— Você acha? — Encarou-a.
— Todos nós, minha querida.
O silêncio tornou-se estranhamente
convidativo.
Podiam ver as silhuetas de edifícios, pequenos
pontos de luz que se destacavam em uma imensidão caliginosa. Ao longe ouviam
uma sirene policial. Estava cada vez mais distante.
— Então, sobre a minha despedida de
solteira... — Cassidy mencionou. — Esperava que não negasse um último favor a
uma noiva em crise.
— Que tipo de favor? — Viola quis saber.
— Diga-me que sabe dançar.
— Uma bicha americana está sempre
preparada.
— Que bom — Ela caminhou de volta. — Passo
para pega-la amanhã, às dez. Temos muito a discutir.
— Não vai me dizer do que se trata?
Cassidy virou.
— Já sabemos muito uma da outra. Não nos faria
mal ter um segredinho, ao menos.
— Bom, eu ainda posso dizer não.
— Você não dirá — Deu-lhe às costas.
Algumas doses, minutos depois, provariam que
ela estava certa.
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Um homem branco, forte, careca, na faixa dos
cinquenta anos, esperava por ela do outro lado da vidraça. Seu uniforme
alaranjado ostentava marcas batidas de graxa e piche. No contorno do olho
esquerdo, exibia uma roxidão.
Ambos retiraram do telefone do gancho.
— Onde está Matthew? — Ele a indagou.
Não negava o sotaque latino na crua pronúncia
de suas palavras.
— Indisposto — Respondeu Gwen. — Fale comigo.
— Tenho assuntos a tratar com Matthew, em
particular.
— E eu sou a plus one — Aproximou-se da
vidraça. — Acabei de voltar do local indicado. Não há nada, nenhuma evidência,
nenhum rastro de sangue. Os jornais não noticiariam sobre nenhum corpo
encontrado naquelas redondezas nas últimas semanas. Nenhum jovem rapaz com as
descrições de meu irmão deu entrada aos hospitais da região. Você está mentindo
para nós, Senhor Santiago? — Seu nome ela sussurrou em espanhol.
— Como eu disse ao Senhor Cavanaugh, deixamos
o corpo nos arredores de Vaughan, a dois quilômetros da fronteira.
Logo após ele terminar de dizer, a porta se
abriu atrás dele. Outro preso tomou o lugar ao seu lado e outro visitante tomou
o lugar ao lado de Gwen.
— Sabe o que eu acho? — Ela sorriu. — Que não
servem para este trabalho. Alguém mais capacitado saberia a diferença entre
alguém que está morto de verdade e que ainda é capaz de levantar, voltar a
estrada e pedir ajuda a um motorista de passagem. Agora meu irmão pode estar em
qualquer lugar e a fodida sou eu — Recostou-se no assento. — Dê-me um motivo para
colocar o restante do dinheiro na sua conta.
— Eu já disse — Ele insistiu. — Seu irmão, o
rapaz das fotos, adquiriu a boate dos Garcia. Fomos contratados para dar um fim
nele e invalidar o contrato. Sei que era ele. Não pode ter sobrevivido a cinco
facadas.
— Acho que isso depende o assassino... — Ela
suspirou.
Matt deveria ter feito aquela viagem em seu
lugar. Foram horas na estrada, horas na sala de espera, por uma informação
recorrente. Os outros suspeitos no atentado contra seu irmão também foram
indiciados por posse ilegal de drogas, de acordo ao que leu nos jornais. Se não
tivessem sido transferidos para outras penitenciárias no Calgary e em Nova
Scotia, respectivamente, seriam uma opção.
Droga.
— Ele tinha olhos azuis, não é? — Resolveu
perguntar.
— Iguais aos seus— Respondeu o Senhor
Santiago.
Por quanto tempo Nate achou que as lentes de
contato dariam certo?
— Isso é tudo, Senhor Santiago — Ela decidiu.
— Ainda vou receber?
— No dia em que eu fizer questão de ser tomada
por uma idiota — Levantou-se.
Um guarda abriu-lhe às portas gentilmente.
No estacionamento, ela não levou dois minutos.
Na estrada, levou tempo demais. Um dos pneus furou a caminho do hotel e ela
teve de parar em um posto de gasolina, no acostamento. As luzes no teto
piscavam de dois em dois. Não muito longe dali, um grupo de citadinos rurais de
jeans e xadrez bebia na traseira de uma picape azul. Whatever. Ela
ordenou o serviço a um dos frentistas e entrou na lojinha.
Pegou biscoitos no primeiro corredor, balas de
goma nas prateleiras e bebida alcoólica nos refrigeradores. No caixa, adicionou
um maço de cigarros. Não foi preciso mostrar nenhum documento, mas ela teve a
impressão de que o atendente estava mais interessado na cicatriz em seu rosto. No
começo as pessoas tinham a elegância de fingir que não viram. Agora ela quem
precisava fingir que os olhares não a incomodavam.
— Doze e noventa pela loja e vinte e nove pela
troca de pneus — Disse o atendente.
Ela entregou o primeiro cartão que encontrou
na bolsa.
Chamava sua atenção as fotos no mural, atrás
dele, sobre a fileira de revistas. Via pessoas reunidas à beira de lagos, na
neve, em barracas, acampando, exibindo suas caças. Via cabanas, antigas
construções nas florestas, nos galhos das árvores. Via-os reunidos em um bar da
região. A taça ao centro seria o prêmio de caça. Um homem de camisa xadrez
negra e verde, calças jeans e shorts de corrida erguia-o sobre sua cabeça na
última foto.
— Há pessoas vivendo na floresta, por esta
região? — Levou Gwen a pensar.
— Poucas, eu diria — Respondeu o atendente. — Eles
sempre vêm à cidade em busca de suprimentos durante o inverno.
Isso é bom. Alguém deve ter visto alguma
coisa.
— Você tem um mapa de trilhas? — Pediu ela.
— Sim — Ele vasculhou nas prateleiras debaixo.
— Três e noventa.
Dessa vez ela pagou em dinheiro.
No carro, deu uma olhada. Através do celular,
descobriu algumas propriedades localizadas na região. Checaria cada uma delas.
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Nate se surpreendeu ao ver tantos paparazzi em
frente aos portões da mansão. Eles batiam na janela da limusine, faziam
cliques, gritavam seu nome.
Uma barreia feita pelos seguranças os impedia
de entrar.
— Não pare — Instruiu ao motorista. Estavam a
menos de vinte por hora ao passarem os portões.
Nate deixou o veículo, subiu as escadarias e
entrou na mansão. Chamou por alguém, nenhuma resposta. Ninguém veio explica-lo o
que acontecia lá fora. Decidiu, então, ir para o quarto, no andar de cima. Seu
celular estava no modo silencioso, por isso não tinha recebido as milhares de
notificações que mostrava o visor. Ele só entendeu ao clicar em uma delas.
Dominik publicara um vídeo em sua conta no Instagram,
no qual afirmava ter sido vítima de agressão por parte de seu ex namorado, Alex.
O olho roxo, as marcas de arranhões, as cicatrizes e o sangue espalhado por sua
roupa eram a única evidência que importaria a quem estivesse do outro lado da
tela.
Nate sentiu o ar mais pesado ao seu redor. Todos
comentavam nas redes sociais. Pediam sua prisão, que perdesse os patrocínios e
desativassem todas as suas contas. Um grupo de Dakota do Sul chegou a organizar
um mutirão para que as pessoas enviassem mensagens a agências de modelo e elas
deixassem de veicular suas propagandas. Uma usuária chamada @prettyevylq
viralizou após compartilhar a imagem de um outdoor da Dolce & Gabbana,
trabalho de maior destaque no nome de Alex Strauss em Nova York. Ela mesma
pichou as palavras AGRESSOR em vermelho e letras de forma.
Não, não, não, não, não. Isso não está
acontecendo.
Ele caminhava de um lado a outro, lia cada
mentira com lágrimas nos olhos. Àquela altura, não adiantaria se pronunciar. As
pessoas estavam prontas para acusa-lo de tentar responsabilizar a vítima, conforme
relatavam em casos de agressão e abuso. Este era o plano. Dominik se certificou
de que a única verdade fossem as marcas em seu corpo, as lágrimas nos olhos e
as palavras que proferia tão melancolicamente, diante das câmeras. Ele disse
que ninguém diz não a um Strauss, destacou-se um trecho.
Nate se encolheu no chão, aos pés da cama. Tudo
o que pensou saber sobre Dominik se desfez em um segundo.
൴
Dae ouviu repetidas vezes a mensagem deixada
por Thayer.
— [...] Por favor, me dê uma chance de
consertar isto sem fazer um escândalo. Posso renunciar a meu cargo no Linnard
Report e fazê-los assinar um documento que os impede de veicular notícias
relacionadas ao acidente e nossos pais. A condição é que desista desta coletiva
de imprensa e entregue-me as cartas que meu pai escreveu. Eu assumo a
responsabilidade por tudo, se é isto o que quer. Retorne-me se estiver de
acordo.
Dezenas de repórteres e jornalistas
esperavam-no nas escadarias da mansão; bastava afastar as cortinas e os veria.
— Estão prontos — Informou Lindsay.
A jovem moça usava um midi Prada
vermelho de alças finas, decote reto e preenchimento inferior. Seus saltos eram
um scarpin negro da Jimmy Choo. Dificilmente não chamaria atenção com seu
loiro ondulado, os seios robustos e seus doces olhos verde-esmeralda. O batom
cor de pêssego coadunava sutilmente ao tom caucásio de sua pele e as bochechas
rosadas.
Dae via seu reflexo através das janelas.
— Parece que há mais deles toda vez que eu
olho — Sussurrou.
— Ainda não se decidiu?
— Estou pensado — Virou a ela. — O que você
faria em meu lugar?
— Trocaria esta gravata — Ela brincou. — Ou talvez
nem precisasse usar uma, pois não faria um pronunciamento.
— Você deve ter dito isso um milhão de vezes —
Virou de volta.
Ela mostrou um sorriso gentil.
— Posso fazer uma pergunta? — Avançou um
passo.
— Claro.
— Por que não me contou antes?
Dae sentou à beira da cama e suspirou, de
olhar baixo.
— Porque eu não podia confiar na palavra de
Thayer — Ele disse. — E porque também tinha medo de perder o seu
apoio. Eu não sei...
Ela avançou mais dois passos e sentou
ao lado dele.
— Eu sou sua melhor amiga, Dae. Sempre irei
apoia-lo. Mas por ser sua melhor amiga, também tenho a obrigação moral de dizer
a verdade. Você acha que contar à imprensa sobre a vida íntima de sua mãe e
enfrentar a família de Thayer vai resolver as coisas? As pessoas que estavam
envolvidas, que precisavam de uma resposta, já sabem o que realmente aconteceu.
Por que é tão importante que o resto mundo também saiba?
— Thayer me disse algo parecido... — Ele
sorriu descontente. — Eu
só queria que as pessoas conhecessem a verdadeira Kim Haw-Young, que amava
intensamente, cuidava da família e aprendia com seus erros. Ter que mentir
sobre o que ela sentia não me parece uma boa maneira de dizer adeus. Faz
parecer que cometeu um erro, não que estivesse apaixonada. Esta é a verdade,
ela o amava... — Suspirou.
Lindsay refletia em silêncio.
— Bom, ainda podemos hackear a imprensa
e apagar todas as notícias que envolvem sua mãe — Propôs ela. — Eu conheço alguém...
Ele riu.
— É sério! — Ela voltou a dizer. — Ele está em
condicional.
— Deve estar. Todos nós temos um tipo.
— Você e seu meio-irmão, eu e criminosos
russos. Gostei.
Meio-irmão não, por favor.
Era melhor até mudar de assunto.
— Estou indo lá.
— Se é algo que precisa fazer, boa sorte — Ela
o beijou na bochecha.
Nas escadarias, lá fora, um mediador falava ao
público. Câmeras e microfones apontavam em sua direção. Destacava-se Colin
Fraser, entre os demais, usando terno Armani marrom, gravata xadrez e um
par de óculos de grau, em uma armação quadrada e de menor porte. A barba ruiva fora
aparada com bastante cuidado. As marcas no rosto eram quase imperceptíveis,
pelo menos diante às câmeras.
— Ele está aqui — Alertou alguém, ao abrirem
os portões.
Dae se aproximou para tomar lugar ao pódio.
— Obrigado, Senhor Bianchi — Agradeceu ao
mediador. — Os eventos
das últimas semanas trouxeram à tona algumas questões, as quais implicam
diretamente à imagem e reputação de Kim Haw-Young, minha falecida mãe — Disse ao público. — Muito foi especulado, na imprensa,
sobre as circunstâncias do acidente que tirou sua vida... — Uma longa pausa. — Os meios de comunicação... — Encontrou o olhar de Colin, na plateia, que
fazia gestos para que se ativesse ao discurso. — Os meios de... ah... —
Suspirou. — Perdão... — Organizou as folhas. Pensou em Thayer, seu pai, seu
irmão. Pensou no que sua avó diria se soubesse a verdade. Pensou nas matérias
que leria nos jornais. Pensou nas coisas maldosas que diriam sobre sua família
na internet. Pensou no que sua mãe gostaria que fizesse. — A verdade... — A imagem de Kim lhe veio à mente. — A verdade é que minha mãe era uma
mulher apaixonada por seu trabalho e que dedicou a vida inteira à carreira e a
família. No dia dois de abril, às vinte e três e doze, ela embarcou em um voo
da American Airlines com destino ao Hawaii, após receber
um convite para ser jurada em um concurso de beleza. Qualquer outra verdade
veiculada na imprensa sujeitará os responsáveis a uma retratação, quando não a
um processo judicial por danos morais. Nenhum escarcéu será feito às nossas
custas. Obrigado — Virou-lhes às
costas.
O público soou em discórdia.
— ...conte-nos sobre Theodor...
— ...por que nos trata assim?
— ...e quanto ao quarto de hotel alugado em
nome do Senhor Van Der Wall?
— ...as cartas diziam outra coisa...
— ...o senhor não respondeu a nenhuma de
nossas perguntas...
— ...por que está fugindo?
— ...o que sua mãe tinha a esconder?
— ...o povo novaiorquino merece saber a
verdade...
Bom, não era mais problema seu.
Dae voltou à mansão acompanhado dos
membros do conselho da empresa de sua mãe. Colin foi um dos que se aproveitou
para sair de fininho, sem ser visto. Lindsay filmava tudo através das lentes de
seu celular. Thayer, em viagem à Londres, assistiu à transmissão ao vivo pelo Instagram.
Um peso pareceu sair de suas costas ao ouvir as últimas palavras de Dae.
— Senhor, pedirei que desligue seu celular — Comunicou
uma aeromoça.
Thayer não pensou duas vezes antes de jogar o
aparelho no balde de gelo que ela trazia.
— Comprarei um novo em Londres — Justificou.
Torrar dinheiro fazia parte da comemoração.
Next...
6x11: Oops! (18 de Junho)
O próximo capítulo será publicado agora mesmo. Deem uma olhada na grade lateral do blog :)
Na verdade, o Dae só mudou de ideia depois
que o Thayer mandou pra ele esse story:
que o Thayer mandou pra ele esse story:
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