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Livro | The Double Me - 6x20: Sex and Funerals, Right? [+18]

   6x20: Sex and Funerals, Right?
“Caótico na medida certa".

Eles o trouxeram algemado, nos braços e nas pernas. Sentou-se de frente para o irmão.  
— Você está bem? — Perguntou o de olhos azuis.
Nate pareceu não entender.
— É só isso? Sem lições de moral, insultos ou ameaças?
— Não dessa vez — Disse Alex. — Temo estar tão preocupado que sou incapaz de mandar alguém se foder.
— Até mesmo eu? Porque olha, eu bem que mereço.     
— É, você merece. Então vai se foder.
— Tudo bem, eu conheço o procedimento. Quer continuar?
— Quero saber porque me chamou, se há dias estou tentando visita-lo e só recebo recusas. Você finalmente tem algo a dizer?
Nate meio sorriu.
— Por isso eu entendo que Judit não contou a você o que houve com Simon.
— Não, ela me contou. Eu só não achei que fôssemos tratar deste assunto.
— Gwen é o principal assunto. Tenho motivos para acreditar que Simon foi apenas o primeiro de uma longa lista de acerto de contas.
— Você acha que ela faria algo assim a nosso pai?
— Ela mesma me confessou. Queria que eu soubesse que foi ela e temesse pela segurança de todos vocês. Além, é claro, das insinuações. Não sei se ela é capaz de fazer algo a Matthew ou Kieran para não deixar pontas soltas, mas isso ela também deu a entender.
— Espere, Matthew Cavanaugh? — Lembrou Alex. — Você ainda não soube?
— Soube o que? — Nate inclinou-se na bancada.
O irmão esperou um momento antes de prosseguir.
— Encontraram o corpo de Matthew nos arredores da cidade, dias atrás. Kieran vai responder por assassinato e ocultação de cadáver. Mas agora, ouvindo-o dizer, tenho certeza que não agiu por conta própria.
Ou sequer teve culpa, teoricamente.
Nate ficou sem reação.
— Você está bem? — Perguntou Alex.
— Sim, eu só... é difícil acreditar. Ela matou alguém.
— Não sabemos o que houve. É tudo especulação.
— Alex, pessoas estão morrendo e desaparecendo ao nosso redor. Não é coincidência demais que o que elas têm em comum é conhecer a ficha criminal de Gwenett?
— Você também conhece — Retrucou o irmão. — Se não se declarar culpado perante o juiz, no dia da audiência, poderíamos usar tudo isso a nosso favor.
— Contra uma assassina?
— Eu também sou um assassino. Não se esqueça o que tive que fazer para fugir do meu próprio cativeiro.
Como esquecer? Você sempre apela ao mesmo argumento em todas as discussões.
— Não, Little Bro — Disse Nate. — Não confunda legítima defesa com combater fogo com fogo. Para deter Gwen, teríamos que cruzar a mesma linha que ela cruzou. Pois a única maneira de para-la... — Ele desistiu de dizer. — Não importa mais. Gwen morrerá tentando se vingar da nossa família.
— Disso eu já sei. O que eu não entendo é porque você facilita as coisas para ela. Nenhuma parte sua quer dar um fim nisso? E realmente vencer?
Nate abaixou a cabeça.
— Eu não sei. Às vezes sinto como se não houvesse nada para mim depois que Gus se foi, e na maioria das vezes parece muito mais fácil não lutar contra o que está acontecendo comigo. Não saberia dizer o que vale a pena, ou se algo ainda pode valer a pena. É complicado.  
— Não para mim — Afirmou Alex. — Já estive onde está agora.
— Em uma prisão federal, cercado de detentos?
Ele olhou ao redor.
— Tecnicamente, não. Falo sobre enfrentar os mesmos dilemas e ter as mesmas dúvidas. Eu também custo muito a entender que há pessoas que dependem de mim e fariam de tudo para me ter em suas vidas.
— Mas essa não é a questão. Eu quem não confio em mim mesmo para ficar sem vigilância constante, e Gwen é quem iria até o fim do mundo a minha procura se eu tentasse fugir. Neste cenário, minha única opção é aceitar o acordo da promotoria. Vinte e sete anos soam melhor que prisão perpétua.
— Não para um inocente. Você não cometeu crime algum.
— O que quer que eu faça? Se tentarmos provar que existe uma conspiração contra mim, Gwen dará um jeito. Se eu tentar fugir, serei caçado pela polícia no mundo inteiro e ela fará algo pior com algum de vocês. Mas se eu ficar aqui, aceitar meu destino e cumprir minha pena, terei uma chance de recomeçar dentro de alguns anos.
— Isso não é recomeçar, é ser vomitado pelo sistema. Já pensou no que vai fazer em vinte e sete anos, quando sair daqui? Onde vai estudar? No que vai trabalhar?
— Se não excluírem minha conta no OnlyFans, não terei problemas. Você sabe que velhos hábitos de eboy nunca morrem.
— Nate, você teria quase cinquenta anos durante o oitavo mandato republicano.
— Melhor ainda. Daddies ganham mais comissão — Sorriu a ele.  
O olhar de Alex expressava a clareza de seus pensamentos, onde paralelamente quebrava a vidraça e envolvia suas mãos no pescoço de Nate.
— Eu não vou desistir de você — Disse ele. — Não importa o quanto esteja empenhado nisso.
— Parece que não importa mesmo. Eu abro mão da minha liberdade para proteger vocês e recebo em troca uma sentença insubordinada.
— Não somos seus funcionários, Nate. Alguns de nós têm seus próprios planos.
— E esse planos envolvem, por acaso, um crime federal?
— Vai saber quando chegar a hora. Basta se comportar.  
— Isso é meio difícil para mim.
— Então imagine para o resto de nós, que lida com você. Até logo — Pôs o telefone de volta.
— Até logo — O outro respondeu.
De todas as possibilidades, a mais improvável excedeu à imaginação de Nate. E se uma falha no sistema abrisse todas as celas e os detentos iniciassem um expurgo nas ruas de Nova York?
Seria o melhor dia.

Cassidy Rhae. Solicitação de chamada de vídeo.
Viola clicou para aceitar.
— Bom dia! — Disse Cassidy. — Já é manhã na América, não é?
— Duas da tarde — Respondeu Viola. — Onde você está?
— Palawan, Filipinas. Viemos para um luau lésbico.
— Você e quem?
— Eu e... — Ela olhou para trás. — Quais seus nomes, queridas?
— Celine, Agnes e Molly — Respondeu a de tranças loiras, apontando de uma a uma.
Cassidy, sem entender, virou ao celular e respondeu:
— Eu e as meninas. Elas são da Suíça... ou Suécia? — Pensou. — Deixa pra lá... — Bebeu mais um gole. — Como vão as coisas no lado conservador do mundo?
— Eu não saberia dizer — Respondeu Viola. — Tudo o que faço é trabalhar.
— Ah, que pena. Achei que você e o loirinho desengonçado já estariam em lua de mel.
— Nope. Nem sinal dele.
— Nem uma ligaçãozinha?
— Nem uma mensagem de texto — Admitiu ela.
Naquele momento, Cassidy cruzou uma fileira de archotes na praia a caminho do bar. Viola podia vê-la melhor agora. Usava um conjunto de saia midi, chapéu e um top branco, exposto as alças do sutiã. No busto pendia um colar de conchas, provavelmente feito a mão. A flor de lírio presa à orelha adornava seus lindos fios loiros e ondulados, que caiam sobre os ombros.
— Uh, isso é ruim — Comentou Cassidy. — Mas se ainda quiser um conselho, de bêbada para sóbria, não desista ainda. Ele a beijou por um motivo.
— O problema não foi o beijo, foi ter ido embora sem me dar explicações.
— Eu sei. O que estou dizendo é que você nunca deixou claro o que sentia, ele sim. Talvez esteja esperando que você o encontre no meio do caminho.
— Você acha? — Viola exagitou.
— Eu conheço os homens, Viola. Eles precisam ter muito mais segurança para se entregar em um relacionamento. Quer dizer, se o que procura é um relacionamento.
— Eu não sei o que procuro e não sei o que irei encontrar. Isso é normal?
Cassidy sorriu a ela.  
— Não existe nada mais normal que isto, querida. O amor foi feito para nos confundir.
— Amor? — Ela pensou. — Pode ser amor... eu não sei — Fez que não com a cabeça, tentando esquecer-se.
Nesse meio tempo, alguém ofereceu à Cassidy outra taça de Daiquiri de laranja, e ela trocou com o canudinho da outra bebida.
— Você disse que ele compete no The Hampton Classic, não é?
— A final é hoje — Lembrou Viola. — Às quatro e meia da tarde.
— Perfeito. Encontre-o antes de montar e diga o que sente.
— Cas, isso mal funciona em comédias românticas da Netflix. Que tipo de conselho bêbado é esse?
— Do tipo tudo ou nada. Você decide se vai arriscar.
— Assim, tão fácil?
— Fácil seria desistir agora... — Ela insinuou, tomando um gole da bebida.
A vadia tinha toda a razão.
— Okay, Cas, pare de falar. Isso me deixa nervosa.
— Você vai, não é? Diga que vai! Diga que vai!
— Eu não posso.
— Sim, você pode. Mostre a eles.
— Cas, por favor...
— Diga que vai! Diga que vai! Diga que vai!
Viola sorriu sem graça.
— Okay, eu vou.
— AAAAAAAAAAAAAA, eu não acredito! — Gritou Cassidy, e alguém reclamou ao lado dela. — Não é para você, Tori Spelling. Cale a boca e termine seu Mojito.
— Não, por favor, não destrate ninguém — Pediu Viola.
— Estamos celebrando. Essa mulher é louca da boce...
— Ta bom, entendi. Sem mais detalhes. Agora preciso me arrumar.
— Tudo bem. Ligue-me assim que tudo der certo.
— Se tudo der certo — Desligou.
Viola começava a acreditar.

Mia não teve muitas oportunidades de falar a sós com Lola naquele dia. Às oito levaram-nas ao terceiro andar, onde realizaram uma série de exames laboratoriais. Às onze, durante o almoço, Lydia e Judit insistiram para que fossem até a cafeteria, onde o aniversário de um dos internos estava sendo celebrado. E lá pelas duas, no começo da tarde, elas receberam alguns membros do conselho da Strauss International. Homens, mulheres, de terno e gravata. Talvez até vampiros ou súcubos – sugadores de energia vital.
Às três a enfermeira Bellamy, de tranças nos cabelos, trocou de turno com a enfermeira que os internos chamavam de Bruxa Má do Oeste devido a um problema no fígado que fazia sua pele parecer amarelo-esverdeada. Mia soube que teria uma chance ali. Deitou na cama. Tomou os remédios. Esperou que ela saísse.
Depois pediu a Lola que fechasse as portas e levasse o notebook até ela.
— Estamos em uma missão? — Perguntou a amiga.
— Algo assim. Eu tenho isto — Mostrou-a.
Lola tomou o pen drive em mãos.
— O que é?
— Eu ainda não sei. Minha mãe deixou para mim.
— Judit?
— Não, a outra mãe.
— A foragida? — Quase gritou. — Ela esteve aqui?
— Ela veio me ver ontem à tarde, sem dar explicações. Eu nem sabia sobre o pen drive até a placa se desprender do colar.
— É claro, um disfarce — Compreendeu Lola.
Mia esperava que fosse um pouco mais que isto. Uma evidência, talvezOu a localização de seu pai. Isso explicaria ter se arriscado tanto em ir vê-la e não mencionar o que encontraria no pingente. Quem trabalha para o FBI é monitorado a todo momento.
— Testamos agora? — Sugeriu Lola.
— Tudo bem. Siga meus comandos — Disse Mia.
Primeiro instruiu-a a desabilitar os serviços do sistema operacional e conectar-se a à uma rede privada. Logo depois, usaram o Cave Crawl para escanear o dispositivo. Uma tela criptografada se abriu, cheia de letras e números.
— Essa não... — Disse Lola. — Aqui pede uma senha.
— De quantos dígitos?
— Oito — Ela contou. — Tomara que não seja igual aos cartões de créditos, que são bloqueados após três tentativas.
— Não. Precisamos pensar — Mia ajeitou-se na cama.
Elas tentaram nomes, datas de aniversário, abreviações, palavras ao contrário, comidas preferidas, animais de estimação, programas de tv, músicas, cantores, filmes marcantes, cidades, estados e países. Nada funcionou. Foi então que as palavras de Ivy fizeram sentido. Vocês três nasceram em nove de Junho, com quatro minutos de diferença um do outro. São do signo de Gêmeos.
Por que deixar todas essas informações para agora?
Mia sugeriu que tentassem a data e o signo juntos, não funcionou. Sugeriu primeiro o signo e depois a data abreviada, também não funcionou. Por último, sugeriu que tentassem o signo e o ano de nascimento com os últimos dois dígitos. Uma pasta negra se abriu para elas.
— É isto — Disse Lola. — Estamos dentro.
Obrigada, mãe. Eu te amo.
— Agora diga o que vê — Pediu Mia.
— Um arquivo de vídeo em mp4. Não há mais nada aqui.
— Tem certeza?
— Espere — Ela clicou para exibir os arquivos ocultos. — É, não tem mais nada. Vamos assistir?
Mia tocou o colar com uma mão.
— Aumente o volume.

As portas do elevador se abriram para a sede de uma Organização de Sociedade Civil, não exatamente para o apartamento de Thayer. Lonas, cartazes, pinturas e latas de tinta cobriam os móveis e as paredes. Os artistas dividiam-se em grupos, trabalhando seguidamente. Usavam máscaras, lenços ou camisetas com estampas políticas. Alguns até o clássico macacão jeans. Naquele calor.
Dae imaginava que o caminho mais seguro até o escritório era pelos renques de madeira, posicionados estrategicamente para que os artistas transitassem o hall sem sujar os sapatos.
— Recebi sua mensagem — Disse Dae, ao entrar. — Qual o problema?
Thayer tirou os olhos dos documentos por um instante.  
— Okay, mudança de planos. Não precisamos mais de você.
— Diz isso no geral ou para algo em particular? Porque esta é a minha vida.
— Na verdade, — Ele virou. — Você tem outra missão. Precisamos de alguém do lado de fora caso as coisas saiam do controle.
— Que coisas?
— O protesto. Eu enviei um e-mail explicando ontem à noite.
— Ah, é. Lembrei. Sua tática de distração.
Thayer meio sorriu.
— O que isso quer dizer?
— Que eu o conheço muito bem. Sei que não perderia seu tempo protestando pelo meio ambiente se o único mundo que se importa em salvar é o seu.
— Você chegou a esta conclusão sozinho?
— Não cheguei a nenhuma conclusão, de fato. Talvez um de seus ajudantes esclareça minhas dúvidas... — Ele ameaçou.
Thayer segurou-o pelo braço e levou-o à outra sala.
— Não use seu QI de gênio contra mim, beleza? Essas pessoas acham que estão aqui pelo protesto.  
— Então diga-me a verdade. O que planeja fazer?
— Dae, é complicado. Você correria um grande risco se eu o envolvesse.
— Bom, agora eu quero estar envolvido. Parece algo grande.
— Colossal — Corrigiu Thayer.
Eles riram ao perceber o duplo sentido.
— Sabe, vi você e eu namorado ontem, no TMZ — Dizia Dae, caminhando através da sala. — Ele parece muito ao seu melhor amigo.
— É, eu fodi os dois — Disse Thayer. — Longa história.
— Agora Alex retorna à cidade e Nate vai para a cadeia. Talvez o seu plano colossal tenha a ver com isto. Acertei?
— Você sabe que eu nunca admitiria.
— Por que não confia em mim?
— Porque eu não quero que sofra as consequências.
Dae não contestou.
— Tudo bem, não me diga. Confio no seu julgamento.
— Desde quando?
— Desde que me impediu de cometer o maior erro da minha vida em rede nacional.
— Não, o segundo maior erro. O primeiro foi transar comigo no closet da sua mãe.
Dae fez uma careta.
— Olha, sobre isto... — Passou por ele. — Não precisamos criar caso.
— Tudo bem. O momento já passou.
— Sexo e funerais, sabe?
— E memoriais. Tudo a ver.
— Eu sei.
Eles concordaram.
— Se cuida, Thayer — Disse Dae. — Acho que nos vemos por aí.
— Isso quer dizer que vai ficar em Nova York?
— Não, quer dizer que nos vemos por aí.
— Então beleza. Não é um encontro.  
— Não é — Ele esclareceu, também com um sorriso.
Ao dobrar o corredor, deixando a sala, Dae cruzou o caminho de Cameron, que ia na direção contrária. O olhar trocado pareceu motivar algum tipo de curiosidade instantânea.  
— Você não é um artista — Notou Cameron.
— E você não é um Strauss — Notou Dae. — Pode me dar licença?
— Eu acho que já nos conhec...
— Nope — Empurrou-o.
E a sequência de fatos se estabeleceu em um irresistível clichê. Dae caminhou até os elevadores, olhou para ele, as portas se fecharam, e Cameron mostrou um de seus sorrisos de conquistador – o qual Dae não podia ver, mas era extremamente apropriado para a situação.
Quando adentrou à sala, a primeira pergunta que Cameron fez a Thayer foi:
— Hey, quem é o twink que encontrei lá fora?
— Nem pense nisso — Disse Thayer. — Dae está fora de cogitação.
— Cara, relaxa. Eu não falei nada.
— Nem precisou... — Pois via claramente.
Cameron planejava alguma coisa.

A família de Andy assistia a competição dos camarotes inferiores. Seu pai, Preston Boyd, em um elegante terno cinza e seu inseparável chapéu de vaqueiro. Sua mãe, Carrie Boyd, em um Christian Dior de alças finas e decote em V. Suas sete irmãs, Aurora, Amelia, Audrey, Amy, Abigail, Aylana e Ava. Tinham todas os mesmos olhos azuis, as mesmas sardas e os mesmos cabelos loiros, contudo usassem penteados e tons diferentes nos modelos de Victor Edelstein.
Viola teve permissão para entrar, a pedido de Preston, mas chegou em cima da hora. O próximo competidor entraria em dois minutos.
— Hey, Andy! — Chamou ela.
Ele a cumprimentou gentilmente.
— Hey, o que faz aqui?
— Seu pai me deixou entrar — Disse Viola. — O que é meio estranho, porque ele agiu como se já nos conhecêssemos e me chamou de Doce Ametista.
— Doce Ametista? Essa é nova para mim.
— Eu achei bem fofo, na verdade.
— Tratando-se do meu pai, não é — Riu ele.
Seu nome fora anunciado no exato momento.   
— Preciso ir agora — Disse Andy. — É a minha vez.
— Não podemos conversar primeiro?
— Em vinte minutos. Espere aqui.
— Não, Andy! — Ela segurou-o pelo braço. — O que eu tenho a dizer talvez não possa esperar. Este é um dos meus lapsos de coragem. Só acontece uma vez a cada passagem de um cometa vermelho.  
Ele a analisou.
— Quer falar disso só agora? Cansou de me ignorar?
— Eu não o ignorei — Ela refutou. — Você quem me beijou e saiu sem dar explicações.
— Isso se chama dar o primeiro passo. O problema é que você tem tanto medo da rejeição que nada é capaz de convence-la do que eu sinto.
— Você pode me culpar? Pessoas como eu mal chegam aos trinta e cinco anos, com um pouco de sorte. Agora imagine se uma de nós resolve acreditar em contos de fada.
— Eu quero que acredite em si mesma, não em uma ilusão. Não me diga que isso é pedir demais — Ele caminhou. — Olha, Viola, eu sinto muito. Estão me esperando por mim.
— Eu ainda não terminei.
— Eu terminei por você.
— Andy, eu juro. Nunca quis...
— Não, por favor. Não diga — Ele deu-a às costas. — Eu sinto muito.
Mas esta era apenas uma maneira educada de dizer, não era? ‘Por favor’. ‘Eu sinto muito’. ‘É melhor assim’. Doces palavras de culpa e remorso, convencendo-a a engolir tudo o que tinha a dizer.
Nos minutos seguintes, a própria relutância impediu Viola de se precipitar em uma decisão. Se saísse com os olhos cheios de lágrimas e a maquiagem borrada, todos saberiam que algo aconteceu. Se decidisse ficar, mesmo assim, vê-lo outra vez a despedaçaria. Se nada fizesse, talvez nunca mais iria vê-lo. Qualquer coisa parecia muito pior que decidir por conta própria.
Tudo bem, pensou ela. Ficarei para vê-lo competir. Uma última vez.
Ela viu Andy adentrar a arena, subir ao pódio e montar. Quando os juízes deram sinal, o Paladino iniciou o circuito. Saltou sobre um, dois, três obstáculos. Deu meia volta. Cambaleou. Saltou outra vez. Suas patas esvoaçaram sobre as barras mais altas de duas cancelas centrais.
— Ele vai conseguir, ele vai conseguir... — Entoava uma de suas irmãs.
— Shh, observe! — Disse uma outra.
O Paladino contornou os muros, pegou impulso, fez o último salto. Uma onda de choque percorreu o corpo de Viola ao ver suas patas tocarem o chão. Ele conseguiu, pensou ela. Todos aplaudiram.
Uma hora depois, a organização do evento convocou os três primeiros colocados para subir ao pódio. Seth Van Leigh, em terceiro lugar; trinta mil dólares. Charles Kuok, em segundo lugar; cinquenta mil dólares. Andrew Boyd, em primeiro lugar; setenta e dois mil dólares – o prêmio de maior valor. Eles todos receberam as honrarias e posaram para fotos ao lado dos familiares e patrocionadores.
Viola entendia seu papel ali, parada, em um canto, como observadora. Alguém que temia o inalcançável mais do que temia cometer os próprios erros. Por que era tão assustador?
— Primeiro lugar, baby! — Gritou a irmã mais nova, sacando a rolha de um Dom Perignon Vintage Brut.
— Ah, finalmente álcool — Celebrou a outra.
— É, entre na fila — Prontificou-se Amy, com uma taça nas mãos.


Foi entre aplausos, risadas e os flashes de câmeras que Andy e Viola trocaram um olhar; um único olhar. Isto ela entendeu como um motivo para desistir. Ele, como uma última oportunidade.
— Atenção, por favor — Andy tilintou em sua taça. — Gostaria de agradecer a todos vocês, amigos e familiares, que me acompanharam durante esta jornada. Eu não seria metade do competidor que sou hoje se não estivessem aqui. Mãe, pai, vocês quem me ensinaram a nunca abandonar meus sonhos. Irmãs, queridas, vocês sempre me incentivaram a ser o melhor que eu pude, mesmo que nem eu acreditasse nisto. Se não cito seus nomes aqui, é porque estão em maior número. Perdoem-me — Uma pausa para as risadas. — Meus treinadores Richard Evans e Tido Moravick, com vocês aprendi a ultrapassar meus limites, tanto pelo preparo físico quanto em perder a calma — Riram outra vez. — Nossa patrocinadora, a Longines, também merece uma menção honrosa. Obrigado por tudo — Ergueu sua taça. — E obrigado a você também, Viola Sebert.
Todos os convidados olharam na mesma direção.
— É estranho pensar que de todas as marcas deixadas em sua pele, por cada pessoa que conheceu, algumas nunca vão sumir — Ele caminhou até ela. —  A diferença está no toque. Na intensidade. No que estamos dispostos a lembrar. Por isto, Viola, considero-me muito sortudo por tê-la encontrado. Você não é uma entre milhões, é a única mulher certa. Estou disposto a dizer-lhe isto todos os dias para que possa acreditar.
— Andy... — Ela sussurrou. — Eu pensei... você disse que sentia muito.
— Eu disse, então olhei para você e percebi que quem estava com medo era eu. Tem ideia do que isso faz comigo?
— Eu não posso dizer o que...
Ele a beijou.
— ...o que você sente — Ela ofegou as últimas palavras.  
— Você confia em mim? — Perguntou ele.
— Não. Mas amo a maneira como não confio em você.   
— Excelente. Fique com isto — Ele entregou o cheque a uma de suas irmãs e virou a ela outra vez. — Agora preste atenção no que vai acontecer. Você sairá comigo de mãos dadas, correremos pelo gramado, entraremos em uma suíte do hotel e só sairemos de lá quando derem por nossa falta. Tem algo a acrescentar?
Ela encarou de volta todos os olhares que os cercavam.
— Faremos uma cena?
— Absolutamente. Não acha que merecemos?
— Bom... acho que estão todos esperando.
— É isso aí! — Gritou uma irmã de Andy, com o vestido azul florido.
A multidão clamou em concordância.
— Vamos? — Andy estendeu uma mão.
— Vamos — Viola não pensou duas vezes.
Eles correram debaixo de sol e chuva através do gramado, com uma multidão clamando em seus nomes.
— Acha que em breve teremos sobrinhas? — Comentou Ava, com Aurora.
— Espero que sim. Sinto falta de ter crianças em casa.
— Que tal se eu oferecer a primeira cerveja e você a primeira camisinha quando elas crescerem?
— Fechado — Brindou Aurora. — Agora vamos rezar para que eles só adotem crianças veganas.
— Okay — Ava a acompanhou.

Nate e outro detento de seu bloco, Troy Ridley, dividiam as tarefas semanais na lavanderia. Sair com os carrinhos, coletar os uniformes, fazer a vistoria, operar as máquinas, preparar a secagem, dobrar e passar, organizar a redistribuição. De novo e de novo.
Ocasionalmente, viam um guarda monitorando-os da porta. Mas era dobrar o corredor e os detentos apareciam. A maioria vinha atrás das pílulas de Troy, o Walter White de seu bloco. Nate perguntava-se constantemente se a fama fazia jus às suas habilidades de ex estagiário de química ou se os boatos tinham mais força que os produtos na sua prateleira.
— Você é inocente — Disse Troy, assim por quebrar o silêncio.
Nate ergueu a cabeça e viu-o de braços cruzados, em frente as máquinas, com um cigarro a boca.
— O que disse?
— Que você é inocente. Por isso aceita sua penitência.
— Não deveria ser o oposto?
— Na verdade, não — Ele acendeu. — Se for um criminoso, estará sempre obcecado com a própria impunidade. Agora, se for inocente. Bom... não precisa temer o que virá, porque sabe que todos têm da vida o que merecem. O segredo é uma consciência tranquila.
— Lembrarei disso — Nate ironizou.
O rapaz deu dois passos em direção à mesa.
— Do que quer que eu esteja fugindo aqui dentro, eu posso ajudar — Mostrou-o nas mãos. — Uma pílula vermelha, um ticket de ida e volta ao País das Maravilhas. Que tal?
Nate observou.
— Eu não seria tão estúpido.
— Não, amigo. É do meu lote anti viciante. Não está no mercado.
— Por que não?
— Porque esta é a América. Nós lucramos — Fechou a mão e afastou-a. — Bom, se não quiser, tudo bem. Mais serotonina para mim... — Pôs na boca. — Que isto fique entre nós.
— Claro — Concordou Nate, sem dar muita atenção.
Passado alguns minutos, o mesmo guarda voltou à sala e ordenou a Troy que levasse os carrinhos para distribuir as peças limpas. Nate não se importava em terminar ele mesmo, então não contestou. Seria mais produtivo se trabalhasse sozinho.
Tirou as roupas da máquina, pôs outra leva, adicionou o sabão, programou os botões e preparou a secagem. Então seguiu para dobrar as peças, organiza-las em pilha, separa-las na segunda mesa e pegar outro cesto sujo para realizar a inspeção. De novo e de novo. Super boring.
Durante esse tempo, Nate manteve a concentração nas tarefas. Nada prendia sua atenção, dentro ou fora da sala. Nada, mesmo, até ouvir seus passos. Eram três deles. O da esquerda tinha a pele acobreada e exibia uma tatuagem de dragão no pescoço. O da direita erguia uma barra de ferro nas costas, apoiada aos ombros. O do meio era alto, forte e careca. Mal cabia dentro do próprio uniforme. 
 — Do it — Sussurrou Nate, sabendo o que iria acontecer.
O da esquerda acertou o primeiro golpe. O da direita atingiu-o com a barra de ferro. O do meio imprensou-o contra as máquinas e golpeou-o até ele cair no chão, quase inconsciente, onde também o chutaram e o despiram. 
Ele não gritou.

Alex encontrou-o em frente a tv, na sala.
— Você precisa ver isto — Disse Thayer.


Os jornais exibiam uma matéria sobre o vídeo publicado por Michaela Strauss, na internet, que viralizou a partir das informações que sua mãe biológica, Ivy Vlasak, decidiu compartilhar. O título aparecia em caixa alta, grifado: Eu, Meus Filhos, Noah Borchardt e a ISIS. Evidências policiais.
— Ai meu Deus — Sussurrou Alex.                   
Ao longo da transmissão, todos eles puderam assistir. Mia, Lola, Judit e Lydia, no Liberty County Hospital. Jensen e sua família na sala de estar da mansão McPhee. Viola e Andy, sozinhos, em um quarto de hotel. Cameron em sua cobertura. Travis e Dawn nos escritórios do Linnard Report. Kerr e seus pais na sala de espera do hospital. Gwen a caminho do Strauss International. Nate em uma sala de interrogatório, com o tablet de Nicole, sua advogada. Dominik em seu celular.
— O único motivo de gravar este vídeo, — Dizia Ivy. — é por saber que há uma grande chance de todas essas informações serem enterradas comigo. Eles são homens poderosos, acima de qualquer suspeita. Destruiram a minha vida, a de minha família e de outras milhares de pessoas que perderam seus entes queridos. Mas agora sabemos onde procurar — Mostrou uma foto. — Este é Noah Borchardt, pai dos meus filhos. Sequestrou a própria filha, torturou-a por semanas e tirou-lhe a visão — Mostrou outra foto. — Este é Chord Seidel, o famoso CEO de uma rede mundial de restaurantes e fast food. No dia quatorze de dezembro ele voltou para casa com uma jovem adolescente de dezesseis anos, cujo desaparecimento foi relatado três semanas atrás em Honolulu, Hawaii. Uma vez em sua posse, ele a abusou, mutilou e ordenou que desovassem seus restos mortais a beira de um córrego — Mostrou também. — Este aqui... — Ergueu a próxima. — Chamam-no de O Fundador, por ser o único sobrevivente da primeira geração da ISIS. Seu nome é Clarence McIntosh, herdeiro bilionário da mineração europeia [...] — Pulou para o final do vídeo. — Agora que os conhecemos melhor, seguimos para as apresentações. Meu nome é Ivy Vlasak, tenho trinta e sete anos. Nasci em Nova York, capital. Sou a filha bastarda do primeiro casamento de Lydia Strauss, ex Montgomery, o que faz dela a avó de meus filhos: Nathaniel Strauss, Alexander Bennett e Michaela Vlasak. Se quiserem me caçar, cacem-me. Se quiserem me prender por todas as verdades que eu contei, prendam-me. Se quiserem tirar tudo de mim, vão em frente. Mas aconteça o que acontecer, certifiquem-se de que eu não os encontre primeiro. Porque talvez eu possa.
Fim da transmissão.

Em meio ao silêncio, as palavras de Nate romperam de forma impositiva.
— Eu sou inocente — Disse aos advogados. — Now get me the fuck out of here.

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   Hoje chegamos a incrível marca de 100 capítulos publicados aqui no blog e no Nyah Fanfiction. Gente, é muita coisa. E isso só foi possível graças a vocês, que sempre me incentivaram com seus comentários - e às vezes com algumas exigências.
    Obrigado por tudo, pessoal.
E feliz centésimo capítulo! [+18]
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