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Livro | The Double Me - 6x16: Wait, There Could Be Four of Us? [+18]

   6x16: Wait, There Could Be Four of Us? 
“A grande arte exige amor e ódio".

— Você tem uma bela coleção — Observou Jensen. — Mark Twain, Harper Lee, F. Scott Fitzgerald... não me diga que já leu todos eles.
— Teste-me — Pediu o professor, de seu lugar à mesa.
Jensen tomou em mãos uma edição do livro Fahrenheit 451 e abriu em uma página aleatória.
Se não quiser um homem politicamente infeliz, não lhe dê os dois lados de uma questão para resolver; dê lhe apenas um” – Recitou. – “Melhor ainda, não lhe dê nenhum”.
“Deixe que ele se esqueça de que há uma coisa como a guerra – Continuou o professor. – “Se o governo é ineficiente, despótico e ávido por impostos, melhor que ele seja tudo isso do que as pessoas se preocuparem com isso. Paz, Montag”.
Jensen fechou o livro.
— Uau, você é mesmo um professor.
— Com mestrado e doutorado — Fez menção às paredes.
— Seus diplomas não dizem nada. Este é o quote mais famoso de um dos grandes clássicos da literatura norte-americana.
— Se quiser, tentamos outro título.
— Qualquer um? — Virou à estante.
— Um que lhe chamou a atenção — Reiterou o professor.
O vermelho chamativo guiou Jensen à uma edição de O Apanhador no Campo de Centeio, de J.D. Salinger.
“Esta queda para a qual você está caminhando é um tipo especial de queda, um tipo horrível” – Recitou.
 “O homem que cai não consegue nem mesmo ouvir o baque do seu corpo no fundo. Apenas cai e cai” – Continuou Neil. – “A coisa toda se aplica aos homens que, num momento ou outro de suas vidas, procuram alguma coisa que seu próprio meio não pode lhes proporcionar. Ou que pensavam que seu próprio meio não poderia lhes proporcionar. Por isso, abandonam a busca. Abandonam a busca antes de começá-la de verdade.”
Jensen parecia impressionado, não surpreso.
— Já disseram alguma vez que sua egomania o precede?
— Passei dois terços da minha vida estudando para ser o que sou hoje — Respondeu Neil. — Tenho todo direito a isso.
— Bom, se você diz... — Ele sentou à mesa.
O professor analisou-o com olhar, num breve instante.
— No que está pensando agora?
— Honestamente? — Jensen olhou ao redor. — Que eu não teria tanta sorte em terminar em um lugar como este, não importa as escolhas que eu faça.
— É um desejo seu?
— É mais uma idealização — Confessou. — Parte de mim acredita que se eu não for o grande atleta de tênis que minha família queria que eu fosse e não assumir um posto no senado como meu pai, não me tornarei algo que não quero.
— Um McPhee.
— Alguém cuja vida já está decidida desde o seu nascimento — Elaborou Jensen.
O professor serviu-se de uma xícara de café e dois cubos de açúcar.
— Se me permite dizer, Senhor McPhee, qualquer escolha pode ser a escolha certa, contanto seja o que realmente quer. Muitas pessoas podem se encontrar em um livro ou em uma sala de aula, mas se sua mente está em outro lugar, é exatamente onde deveria estar.
— Minha mente está em alguém — Jensen via-o em seus pensamentos. — Se ele estivesse aqui, agora, eu viveria qualquer vida.
— Por você ou por ele?
Boa pergunta.
 Não ame nunca um bicho selvagem, sr. Bell” – Disse Jensen, por último. – “Se a gente amar um bicho selvagem, vai acabar olhando para o céu.”
— Truman Capote, Bonequinha de Luxo — Lembrou Neil. — Você tem mesmo uma queda pelos clássicos.
— Não. É que eu sou muito, muito gay. Tenha um bom dia, Senhor Altman — Ele levantou.
— Você também, Senhor McPhee.
Esta lembrança era o que prendia os pés de Jensen ao chão. Estava ainda na sala de espera, no Dartmouth-Hitchcock Medical Center. Médicos e enfermeiros percorriam o salão e novos pacientes davam entrada a todo momento. Na tv, sobre o balcão, exibiam as fotos das vítimas no atentado em Dartmouth. Ele leu cada um de seus nomes e memorizou cada olhar em seus rostos.
Austin Van Leigh, vinte e dois anos, morto após levar um tiro no ombro esquerdo e cair de uma altura de sete metros no complexo de piscinas. David Clemonte, vinte e um anos, morto com um tiro de espingarda no rosto. Rylee Gauthier, vinte e um anos, morta por afogamento, após ser baleada e cair na piscina. Sean Hawthorne, vinte anos, baleado no complexo de piscinas e esfaqueado até a morte pelo atirador. Leah Hoffman, vinte e dois anos, morta com um tiro nas costas enquanto tentava ajudar uma amiga de equipe, também baleada, a deixar o complexo.
De acordo a polícia local, vinte e oito pessoas morreram e quarenta e sete ficaram feridas. Neil Altman foi o último nome a ser mencionado.
— Jensen? — Chamou alguém.
Ele virou o rosto lentamente. Os olhos de Trent estavam vermelhos de tanto chorar, mas parecia bem. Sem nenhuma marca, nenhum ferimento. Jensen expressou o quanto estava agradecido por isto dando-lhe um abraço.
— Jesse está morto... — Lamentava Trent. — Os médicos não puderam fazer nada.
— Eu sinto muito — Jensen o acariciou.
Eles ficaram ali, juntos, em silêncio. Jensen pensava em Emmett. Há mais de três horas não recebia notícias dos médicos.
Nas ruas, em frente ao Linnard Report, formou-se um caos. A multidão erguia cartazes e exigia um esclarecimento sobre Michaela Strauss e a possível ligação entre Jensen McPhee e Nick Denholm, após descobrirem um caderno de anotações do atirador que incluía o nome de ambos. Dawn, a secretária, interrompeu os irmãos várias vezes para informar sobre a situação.
— Tivemos que chamar a polícia — Ela disse. — Está acontecendo. Querem invadir o editorial.
— E quanto isso vai nos custar? — Perguntou Thayer.
— Apenas em reparos, seiscentos mil dólares. Pela má publicidade, adicione alguns milhões. Por mês.
Thayer cerrou os olhos pausadamente.
— Bom, ao menos tiramos o post de Colin do ar — Checara Travis.  — As plataformas digitais possuem seus próprios mecanismos para evitar a propagação de fake news em larga escala.
— Larga escala não é o bastante — Receava o irmão. — Eu quero Colin morto e caindo aos pedaços.
— Por favor, não diga isso em voz alta outra vez — Dawn alertou-o. — É ruim para os negócios e pode ser usado contra você em um tribunal.
— Qualquer coisa pode — Concordou Travis. — Diga-me o que o Linnard Report e o atentado em Dartmouth têm em comum e eu direi se faz sentido que nos acusem de proteger um dos responsáveis por não noticiar uma fake news.
— São todas pessoas de luto — Disse Dawn. — Elas vão acreditar em qualquer coisa que conforte seus corações, mesmo que o autor seja Colin Fraser. Neste caso, em particular, nós pagamos o preço para que eles mantenham sua sanidade.
— É, sorte a deles estarem sãos — Thayer olhou a vidraça, de mãos nos bolsos.
Seu irmão percebeu ter ido a um lugar mais distante que ali.
— Há dois dias, — Disse Thayer. — A polícia interditou parte do que acreditam ser um grande esquema de tráfico humano, que levava jovens mulheres do mundo inteiro a servir de escravas sexuais para os homens mais poderosos das grandes nações. Hoje de manhã, um dos estudantes de uma prestigiada universidade da Ivy League leva um arsenal ao campus e mata vinte e oito pessoas. O conselho quer que eu escolha uma dessas histórias, com o número ideal de caracteres, e de acordo aos nossos interesses, para que o Linnard Report não fique atrás de todos os outros meios informativos — Virou ao irmão. — Eu não sei o que estou fazendo; de verdade. Ninguém deveria comercializar a tragédia das outras pessoas.
— Eu concordo — Travis assentiu. — Mas não podemos esquecer a informação também desempenha um papel importantíssimo no âmbito social. É claro, as pessoas realmente não precisam saber com quem sua vizinha saiu no último fim de semana, ou se o rapaz da casa ao lado e seu melhor amigo podem ser mais que amigos, ou em quantas cirurgias plásticas aquela jovem modelo já investiu. Mas é imprescindível que, acima e tudo, conheçam seus candidatos, informem-se sobre o que está sendo feito com seus impostos e quais procedimentos a polícia adotou para melhorar a segurança de seus bairros e garantir aos visitantes uma boa estadia. Precisamos entender que a informação é uma arma apenas nas mãos das pessoas erradas, em momentos inoportunos. Quando nós, jornalistas, fazemos nosso trabalho, o pensamento crítico torna-se um bem comum, não um privilégio dos que possuem mais.
Thayer sorriu a ele.
— Se dissesse estas mesmas palavras, hoje, durante a coletiva de imprensa, salvaria muitas vidas além da minha.
— Quer que eu seja o seu porta voz? — Perguntou Travis.
— Você é o único em quem confio.
— Muito obrigada — Ironizou Dawn.
— Você não tem experiência — Thayer ergueu o indicador, sem virar a ela.
O irmão teve poucos segundos para pensar.
— Bom, eu não sei se estou prep...
— Ele adoraria — Dawn o afagou nos ombros.
— Na verdade, eu nem saberia por onde começar.
— Não se preocupe — Thayer passou por eles, com uma maleta em mãos. — A equipe editorial dará tudo o que você precisa.
— Okay, espere. Aonde você vai?
Ele virou.
— Cuidarei de um assunto no Liberty County Hospital. Talvez leve a tarde inteira.
— É sobre Mia?
— Se não fosse, não deixaria o Linnard Report. Este teto está prestes a desabar sobre nossas cabeças.
— Agora sobre a minha cabeça — Ele lamentou.
Thayer despediu-se dele com um beijo na bochecha.  
— Você consegue, Kara Danvers.
— Eu quero ser Clark Kent dessa vez.
— Não, eu sou Clark Kent — Gritou Thayer, atravessando o corredor.
Depois que ele saiu, Dawn e Travis não tinham muito o que dizer. O silêncio parecia tão desconfortável quanto qualquer outra ideia para quebrar o gelo.
— Você não é nem bissexual, não é? — Ela insinuou.
— Não, sou cem por cento gay.
— Droga! Para que me deram essa vagina estúpida?
— Para ser superior.
— Não, obrigada. Eu só preciso transar — Ela saiu andando.
Travis pensava o mesmo em seu caso.


Nate observava os documentos com o olhar inexpressivo.
— Algum problema, Senhor Strauss? — Perguntou Senhor Carlson, advogado.
— Eu preciso saber... — Ele sussurrou. — Se eu assinar isto agora, um membro da minha família pode contestar minha decisão?
— Não, Senhor — Respondeu a Senhorita Abbott, consultora jurídica. — Os exames comprovam estar em perfeito estado de saúde, física e mental.
Nate assentiu.
— Se preferir, podemos voltar outro dia — Ela ainda disse. — Não há urgência em seu caso para realizar uma alteração testamentária.
Você não me conhece, não é?
— Dê-me a caneta — Pediu Nate. Assinou folha por folha. — Isso é tudo?
— Por enquanto — Comunicou o Senhor Carlson. — Entraremos em contato para esclarecer mais detalhes na próxima semana.
— Tenha uma boa tarde, Senhor Strauss — Despediu-se a jovem moça.
A sala de reuniões da Strauss International pareceu ensurdecedoramente vazia após se retirarem. Nate não ergueu os olhos, ou sequer moveu-se do lugar. As doces palavras da Senhorita Abbott e do Senhor Carlson percorriam sua mente.
  — Eles não sabem de nada... — Falou sozinho. — Não sabem de nada! — Arremessou o copo de bebida na parede de trás.
As lágrimas vieram contra a sua vontade.
— Recomponha-se, recomponha-se... — Dizia a si mesmo.
Não muito tempo depois, Diana Baldwin adentrou à sala. Nate virou a ela sem muita surpresa no olhar.
— Diga.
— Senhor Strauss, não sei o que quer que eu...
— Diga ou saia — Impôs ele.
Diana mal conseguiu olha-lo nos olhos.


       — Se August tivesse ido para casa ao seu lado... — Disse. — Ele estaria seguro agora.
— Sim, estaria — Nate endureceu a expressão. — Eu o pegaria às quatro e doze, na saída do colégio. Ele voltaria comigo à mansão Strauss e brincaria na sala de jogos até a hora do jantar. Às nove, eu mesmo o colocaria na cama e contaria uma história antes de dormir. Nas férias, iríamos para todos os lugares do mundo que ele gostaria de conhecer. Sabia que ele amava o coliseu? Tive que explicar diversas vezes que se fôssemos à Roma, não veríamos leões e gladiadores, pois essa parte da nossa humanidade só é lembrada através da ficção — Deu um passo à frente. — Eu estava errado, Diana. Nunca estivemos tão à mercê dos leões e nunca houve uma plateia tão grandiosa para nos assistir lutar em vão. Você estava lá quando eu assinei os papeis para desligar os aparelhos. Eu dividia a sala com quatro especialistas e uma assistente social quando seu coraçãozinho parou de bater. Pessoas de quem recebi os mesmos olhares penosos e de quem ouvi as mesmas palavras de conforto que não faziam sentido a quem nunca permitiram ser pai. E agora você está aqui, tentando lidar com a culpa e o remorso. Fará alguma diferença a um de nós se me pedir perdão?
— Não. Não posso pedir perdão por algo que está fora do meu controle.   
— Eu sei. Isso é ainda pior — Ele fungou. — Não posso culpar os Alonso se Gus fugiu por conta própria. Não posso culpar o motorista do ônibus se uma criança atravessou o sinal de repente. Não posso culpar você, Diana, por pensar que o melhor para ele era ter uma família “normal”. Eu fui deixado aqui, sozinho, para aceitar que o acidente de Gus foi uma fatalidade e ninguém precisa ser responsabilizado por isso. É com o que eu terei de viver pelo resto da vida. Mas você também.
Ela assentiu, enxugando a única lágrima que escorria pelas bochechas.
— Você é um grande homem, Senhor Strauss — Disse a ele. — Espero que isso nunca mude. Eu sinto muito, muito mesmo... — Assim ela o deixou.
Nate apoiou-se à mesa de braços abertos, olhando para o chão. Cinco segundos se passaram entre tentar controlar a respiração, pausadamente, e desencadear uma incontrolável crise nervosa. Ele chorava e gritava. Derrubava os móveis. Estilhaçava as garrafas de bebida na parede e nos móveis. Qualquer coisa a seu alcance, que pudesse ver e tocar.
As coisas se acalmaram só depois, quando sentou para ouvir as mensagens de Thayer na secretária eletrônica. Falavam sobre Mia.


Um sonho tornando-se realidade seria uma forma única de descrever o salão principal do The Plaza Hotel naquela tarde. Lustres cristalinos banhavam o recinto de luz, na cor do ouro. Arranjos de flor-borboleta e azaleia branca decoravam as mesas, as fileiras de cadeiras nos dois lados do salão e o tapete central. No altar, sob às escadarias, as cortinas de seda egípcia formavam um X entrelaçado na parte superior, conforme a posição dos arranjos floridos e os balões fulgentes.
Um Rhae vai casar, pensou Viola. Ou tanto luxo e ostensão seriam despropositais. Ainda que, de certa forma, não estivesse mais atenta aos detalhes. Uma das convidadas de Cassidy não deixou de notar seu estranho interesse pelo lindo rapaz loiro de smoking e gravata borboleta no outro lado do salão, que cortejava um grupo de amigas da universidade de Cassidy.
— Ele é bonitinho — Comentou ela, com Viola. — Se não for até lá, eu irei.
— Não, eu não estava...
— Encarando-o a noite inteira? Eu percebi. Você não é muito discreta.
— Aparentemente, nem você — Temia Viola.
A mulher bebeu um gole de sua taça de champanhe.
— Okay, vamos ser garotas por um minuto. O que a impede de falar com ele?
— O fato de ser um grande babaca com complexo narcisista e que finge não ser o mais inteligente no salão para pegar a todos nós desprevenidos.
— Então você o conhece?
— Eu não colocaria desta forma — Deu um ar de risos.
A mulher virou a ela, depois a ele de volta.
— Ah, entendi. Você não pode quere-lo.
— Nem em sonhos.
— Nem nos pesadelos.
— Exatamente — Ela suspirou.
Aquilo poderia significar que se importava, também quando não deveria.
— Quer saber? — Disse a mulher. — Isso é um casamento. Não há lugar mais apropriado para se estabelecer uma conexão com outra pessoa — Tomou mais um gole. — Se quiser, posso ajuda-la nisto.
— Você é terapeuta? — Viola a encarou.
— Sou corretora de imóveis.
— Então não pode me ajudar — Virou de volta. — Meu caso é para profissionais.
— Por experiência própria, sei que amigos também podem ser profissionais — Estendeu uma mão. — Me chamo Romina, a propósito.
— Viola Sebert — Cumprimentou-a. — Bonito colar.
— Obrigada. Roubei da lojinha de presentes do hotel.
Jesus Christ.
— Não brinca?
— É sério — Confessou a mulher. — Acho que também estou meio bêbada.
— Boa ideia — Viola tomou a taça de suas mãos e bebeu em um único gole.
— Você é boa nisso.
— É o desespero — Precisava admitir.
Minutos depois a cerimônia teve início. Romina pediu que Viola sentasse ao seu lado, na fileira da noiva. Um grupo de mulheres trans ocupava metade dos assentos à direita. Romina também era uma mulher trans?
— Aí vem ela — Anunciou alguém.
Todos se ergueram nos bancos.


Os primeiros acordes de Eternal Source of Light Divine deram entrada às floristas – duas menininhas de vestido longo e tiara, nos cabelos presos, trazendo um cesto de pétalas de jasmin. Logo em seguida entraram as daminhas e os pajens, trazendo as alianças. Cassidy Rhae fez sua entrada como em um terceiro grande ato. Seu pai, Steven M. Rhae, acompanhou-a da portaria ao altar, onde esperavam o noivo, os padrinhos, as damas de honra e o sacerdote.
Liam usava um terno todo branco e com detalhes negros na camisa, na gravata e no par de sapatos. As damas de honra usavam vestidos rosa claro, de alças floridas, em combinação a um par de scarpins nas mesmas cores. Já os padrinhos apresentavam-se elegantemente de terno negro e gravata borboleta.
— Esse é vestido mais lindo que já vi — Comentou Romina, sobre Cassidy.
— Obrigada — Sorriu Viola.
— Você é a estilista?
— Se tudo der certo nesta cerimônia, talvez eu seja.
— Boas vibrações — Romina cruzou os dedos.
E ironicamente, Viola começara a duvidar. Não era impressão sua que o rosto de Cassidy estivesse muito vermelho por baixo do véu; realmente estava. Sem mencionar as piscadelas involuntárias e a expressão de quem prendia um espirro com todas as suas forças.
 — Não fique nervosa, meu amor – Sussurrou o pai de Cassidy, ao deixa-la ao altar.
O sacerdote iniciou o discurso
— Já ouvi isso antes... — Debochava Romina.
— Tenho certeza que este é o casamento real — Dizia outra amiga sua.
Quando terminaram os votos, as duas fingiam ter dormido em pé.
— Liam Whitaker, você aceita Cassidy Rhae como sua legítima esposa, prometendo ser fiel, ama-la e respeita-la; na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, até que a morte os separe?
— Eu aceito — Disse Liam.
O sacerdote virou a ela.
— Cassidy Rhae, você aceita Liam Whitaker como seu legítimo esposo, prometendo ser fiel, ama-lo e respeita-lo; na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, até que a morte os separe?
Ela não respondeu.
Liam teve tempo de ajeitar a gravata. As madrinhas de cochichar entre si. Os padrinhos de lançarem-na um olhar de incentivo. Sua mãe de abrir o leque e abanar seu pai, que suava frio, ao seu lado.
— Eu não posso, Liam — Ela então disse. — Nós não podemos.
— Cas? — Ele não entendeu.
O salão ressoava em burburinhos e risadas.
— O que estamos fazendo, Liam? — Continuou Cassidy. — Por que transformar nossa vida em um grande espetáculo, no qual nós seremos os espectadores? Nossa verdade é esta. Sabemos que nossos votos, por mais lindos que sejam, ou nossa fortuna, mesmo a atrair todos eles, não nos farão menos desajustados quando estivermos a sós.
— Cas, eu... eu não sei o que dizer. Não sabia que se sentia assim.
— Eu me sinto — Ela virou à plateia. — Senhoras e Senhores, não haverá casamento. A noiva fodeu dois dos padrinhos noite passada e o noivo está fodendo a estilista transexual. Obrigada! — Ergueu suas mãos e as dele.
Os convidados dividiram-se entre os de olhar abismado, os de comentários criticistas e os que gargalhavam alto o suficiente para calar todo o resto.
— Senhorita, isso é um absurdo — Protestou o sacerdote. — Somos todos pessoas de bem.
— Vocês, talvez, mas não a gente — Respondeu Cassidy. — Gostamos de foder, gastar nossa fortuna e fazer viagens ao exterior. Por que trocaríamos os dias de glória por um cesto de fraldas sujas e uma barriga protuberante daqui a dez anos, quando nos transformarmos em Donald e Melania Trump?
— Cassidy, pelo amor de Deus, cale-se! — Sua mãe implorava.
— Sinto muito por não seguir seus passos, mamãe. Eu mereço ser mais que uma esposa troféu de um homem bem-sucedido.
— Ela tem razão — Concordou Liam. — Inclusive, Senhor Rhae, sinta-se à vontade para enfiar a filial de Roma no cu. Não sou um de seus fantoches.
— Eu vou mata-lo! — O homem correu em sua direção.
Qualquer um diria que se os padrinhos não o impedissem, ou cairia nos primeiros degraus, ou Liam o teria nocauteado com um único golpe.
— Agora você — Cassidy desceu o altar e entregou o buquê de hortênsias nas mãos de Viola. — Você o ama de um jeito que eu jamais o amaria. Se for de sua vontade, diga o que sente.
Viola olhou para Liam, no altar. Para Andy, na outra fileira. Para Cassidy, à sua frente.
— As coisas mudaram — Confessou. — Há outra pessoa agora... — Olhou outra vez para Andy.
Os olhos de Cassidy seguiram a mesma direção.
— Entendo — Sorriu ela. — Neste caso, seja feliz, querida amiga. Eu também pretendo ser — Começando por rasgar seu vestido nas pernas e soltar os cabelos. — Dê-me isto — Também roubou a bebida das mãos de alguém. — Até a próxima encarnação, queridos apóstolos.
— Sayonara — Liam foi logo atrás.
Viola também não prolongou sua estadia; era isto, ou encarar todos os aqueles olhares de julgamento. E assim como Liam seguiu Cassidy para fora do salão, Andy também a seguiu, numa pequena maratona.
— Espere! — Gritou ele.
Ela parou a cinco metros de distância.
— O que disse lá dentro é verdade? — Ele perguntou.
— Eu nunca diria a você.
— Por que não?
— Porque se tornaria verdade — Ela virou. — Pelo sim e pelo não, acho que prefiro a dúvida. Estou mais afeiçoada a ela.
— Mais que aos seus sentimentos?
Desviou o olhar.
— Que engraçado... — Ele caminhou. — Nunca pensei em você dessa forma, até ver em seus olhos.
— O que você viu?
— Medo — Avançou mais um passo. — Por ser quem você é e por tudo o que passou, todas as suas idealizações lhe parecem inalcançáveis.
— Estou errada?
— Não estaria, anos atrás — Mais um passo. — Hoje, você não passa de uma grande idiota.
— Olha, eu não admito que...
Ele a calou com um beijo.
— Nunca mais duvide de mim, nem de você — Sussurrara.
Viola não esboçou qualquer reação nem durante o beijo, nem ao assisti-lo ir embora. Mas daquela vez, só daquela vez, queria que ele ficasse.


Kieran chegou ao apartamento de Matt, em Nova York, com um dedão de espuma na mão direita e um boné azul dos Yankees.
— Bem-vindo à América — Entregou-os de presente ao anfitrião.
Matt não convidou-o a entrar, ele mesmo tomou a liberdade.
— É bom ver você, Kieran.
— Igualmente — Ele sentou ao lado de Gwen, no sofá maior. Ela parecia tão chapada que não o notara ali. — Não vai me dar um beijo? — Perguntou-a.
— Não vai me comprar um anel de diamantes? — Ela o lembrou.
— Temos a vida inteira para isso.
— Temos mesmo? — Duvidou Matt.
Kieran viu-o escorado ao balcão da cozinha, por um cotovelo. A taça de vinho em suas mãos explicava a mancha vermelha na camisa listrada. A placa cheia de cocaína, sobre a mesinha de centro, explicava os olhos e o nariz vermelhos.
— Você é muito rico, não é, Matthew?
— Suponho que sim — Deu de ombros. — Isso o interessa?
— Só estou curioso. Não é todo dia que vemos alguém com tantos recursos se envolver em uma conciliação monetária.
— Talvez eu tenha minha própria agenda — Provocou Matt. — Não é isso o que está insinuando? — Sentou no outro sofá, de frente para eles.
Kieran tinha um sorriso nos lábios.
— Você não faria isso, Matthew. Somos amigos.
— Somos? — Gwen interviu. — O que nos impede de matar um ao outro quando tudo terminar?
— Eu tenho outra ideia... — Ele a beijou.
Gwen empurrou-o com as duas mãos.
— Agora não, Kieran. Estou sem clima.
— Basta você relaxar... — Ele tentou outra vez.
— Pare, eu não quero.
— Por que não?
— Porque eu disse não! — Empurrou-o.
Ele olhou para ela sem entender.
— Você ficou fora por duas semanas, Gwen. Não me culpe por estar feliz em vê-la.
— Você pode me ver de onde está — Ela foi para a poltrona.
— Então é assim?
— Cara, relaxa — Pediu Matt. — Mulheres têm dessas coisas.
— E quem pediu sua opinião?
— Kieran, por favor... — Gwen cerrou os olhos.
Os dois garotos não a ouviram.
— Eu quero que ele diga — Insistiu Kieran. — Quem pediu sua opinião?
— Olha, cara, tanto faz. Só não a estupre no meu sofá.
— Se acha que pode fazer melhor que eu, por que não a fode?
— Cala a boca, você está chapado.
— Não, vá em frente — Recostou-se ao sofá. — Foda ela.
— Kieran, por favor... — Pediu Gwen.
— Não quer vê-lo tentar? — Virou a ela. — Vocês passaram duas semanas juntos em outro país. Não me digam que isto nunca lhes passou pela cabeça.
Eles não responderam.
— É o que está acontecendo, não é? — Kieran sacou a arma. — Digam-me!
— Uow, uow, vai com calma — Matt ergueu as duas mãos.  
— Você fode minha namorada e pede que eu fique calmo?
— Kieran, nada aconteceu! — Afirmou Gwen.
— Acham que eu não percebi? — Ele gritou. — Desde que cheguei, mal se olham nos olhos. Não conseguem ficar no mesmo cômodo ao meu lado, sem parecer desconfortáveis.
— É porque você tem uma arma, não porque fodemos! — Justificou Matt.
Kieran o pegou pelo colarinho e imprensou-o contra a parede.
— Eu vou mata-lo — Sussurrou. — Não vai ser rápido, nem piedoso.
— Eu já disse que não fiz nada! — Gritava Matt.
Daquele ponto em diante, Gwen usou apenas de persuasão. Doces palavras foram ditas a Kieran, no mais doce tom de sua voz aveludada. Ele não teria porque não acreditar.
— Se você diz que nada aconteceu... — Abaixou a arma. — Então nada aconteceu. — Descarregou o pente.
— Eu nunca faria isso a nós dois — Disse ela.
— Eu sei — Ele voltou ao sofá.
Tudo parecia resolvido. Parecia.
— As chaves, Matthew — Ela pediu.
— Aonde vai? — Perguntou o namorado.
— Encontrar meu irmão. Está na hora.
— Também acho. Não se esqueça do Plano B — Fez sinal ao revólver.
Ambos viram crescer a incerteza no olhar dela.
— Não — Decidiu. — Não será preciso.
— Por via das dúvidas...?
— Não. Se eu tirar sua arma, terá um único pau para brincar, certo?
— Certíssimo — Ele sorriu. — Vá em frente, estarei aqui.
— Eu ligarei na hora certa — Lembrou-o.
Lá fora, ela recebeu uma mensagem de Matt em seu smartphone. Dizia: “Obrigado, te devo uma”.
Se ao menos tivesse feito por você.


Mia acordou em sua cama, no hospital.
— Thayer? — Ouvira alguém.
— Ele precisou ir mais cedo, querida — Disse sua avó. — Não quisemos acorda-la.
— Ainda é dia?
— Temo que sim. Você dormiu bem pouco.
— Pouco para quem? — Ela ajeitou-se na cama.
O som de passos e o cheiro de amaciante guiavam sua atenção ao closet, do outro lado. Lydia sempre esperava que dormisse para começar a organizar as coisas.
— Se sente bem, querida? — Perguntou a avó.
— Uma dor de cabeça... — Mia respondeu. — Tem notícias sobre Judit?
— Seu voo parte hoje à noite. Ela está muito preocupada com você.
— E Ivy?
Lydia hesitou.
— Chegará em breve.
Mia pensou nisto.
— Ainda não a encontraram, não é?
— Talvez esteja tentando nos proteger — Supôs Lydia. — Qualquer pessoa próxima a ela pode se tornar um alvo.
— Não, eu sei que ela foi atrás de Noah. Eu a conheço.
— Então a polícia a encontrará.
— Antes que algo aconteça?
Lydia não soube dizer.
— Senhorita Strauss — Chamou a atendente. — Um rapaz a espera na recepção.
— Ele deu um nome?
— Não, mas alegou ser um membro da família. Devo deixa-lo entrar?
Mia pensou. Pode ser Nate.
— Não, eu irei. Preciso sair deste quarto.
— Ótima ideia — Lydia a ajudou.
Na recepção, foram recebidas por Alex, ainda em seu uniforme militar, camuflado, com um gorro e um par de coturnos. Nas mãos ele trazia um buquê de orquídeas roxas – as preferidas de Mia.
— Olá — Cumprimentou-as.
— Não diga nada — Mia aproximou-se. Tocou-o nos lábios, nos olhos e nos cabelos. Sentiu seu cheiro. — Alex — Então disse.
— Não está me confundindo com outra pessoa? — Brincou ele.
— Não, é você — Ela o abraçou. — Senti sua falta.
— Eu também.
Por cima do ombro dela, Alex viu o irmão, parado, em frente a porta, sem nada dizer.
— Nate? — Chamou-o.
Ele voltou pelo mesmo caminho, Alex correu atrás.
— Não, espere! Por que está fugindo?
Ele parou em meio ao corredor e virou, Alex parou a alguns metros de distância.
— Achei que deveria deixá-los — Disse Nate.
— Não é isso o que eu quero.
— Então por que fugiu? — Perguntou-o.
Mia e Lydia escutavam em frente a porta.
— Você sabe porque — Disse Alex. — Muita coisa aconteceu.
— Muito do que também é sua responsabilidade.
— Isso importa agora? Estamos todos aqui, por Mia. Não dificulte ainda mais.
— Eu acabei de enterrar meu filho — Ele contou.
Por um momento, ninguém disse nada.
— Você tinha um filho? — Perguntou Alex.
— Seu nome era Gus — Nate discorreu. — Você não teria como saber. Não estava aqui. Nenhum de vocês — Olhou para a irmã.
Ela parecia prestes a dizer alguma coisa, mas pensou melhor. Em vez de palavras, passou por Alex, tomou Nate por uma das mãos e guiou-o em direção à janela, no fim do corredor. Ele ficou encarregado de dizer a ela quando parar.
— O que você vê? — Perguntou Mia.
— A paisagem — Observou Nate. — Árvores. Pássaros. Pessoas caminhando. Carros na estrada. O céu azul.
Ela apertou sua mão.
— Posso ver tudo isso agora, na minha cabeça — Disse a ele.
Nate e Alex trocaram um olhar.


Nas horas seguintes, os trigêmeos tiveram uma longa e amigável conversa no quarto de Mia. Alex contou-os sobre Henry, Octavia e os problemas que precisou resolver no quartel do exército ao chegar ao país, o que explicava estar usando uniforme militar. Nate contou-os sobre Gus, Dominik, Diana, os Alonso, seus trabalhos publicitários e a briga com Judit, de semanas atrás. Mia não compartilhou muita coisa, a não ser pelos lugares que ela e Lola conheceram na Europa, antes de chegarem a Londres, e um pouco sobre sua estranha fixação, chamada Natasha Fairley. Seus irmãos preferiram não tocar no outro assunto, também por não se sentirem confortáveis.
— Sabiam que aos doze anos retiraram um teratoma do meu abdome? — Lembrara Nate.
— O que é um teratoma? — Perguntou seu irmão.
— Um tumor formado por vários tipos de células germinativas — Explicou Mia.
— Ou, neste caso, um gêmeo parasita que eu consumi no útero.
— Gêmeo? — Alex franziu a testa. — Okay, esperem. Poderia haver quatro de nós?
— Se Nate não fosse tão competitivo... — Brincou ela.
Os lábios de Alex delinearam um sorriso.
— Imaginem só. Quadrigêmeos Strauss.
— E se fosse uma menina? — Supôs Mia.
— Nem queira saber — Nate a aconselhou. — Você não teria mais uma vida privada e perderia muitos pontos por originalidade.
— Além de sucumbir a maldição das lentes de contato — Completou Alex, abrindo uma latinha de refrigerante.
O som e o cheiro levaram Mia a entender que ele balançou demais a latinha, causando uma pequena erupção por todo o quarto.
— Faça sua Coca-Cola parar de gozar! — Gritou Nate, com as mãos no rosto.
— Estou tentando! — Gritou Alex, de volta.  
Alguns lencinhos umedecidos depois, e já com lençois limpos, eles riram sem parar. E riram até esquecer que realmente aconteceu.
— Você está bem? — Perguntou Nate, a Mia, em um breve momento de silêncio.
— Eu ficarei — Respondeu-o. — Você está bem?
— Eu ficarei. Mas preciso resolver algo antes.
— Gwenett — Não tinha dúvidas.
— Ela está na cidade — Advertiu Alex.
Se está na cidade, já deve saber de tudo. Mia não gostava de não poder ajudar.
— Tome cuidado, Nate. Ela tem muitos amigos
— Não se preocupe, estou atento a tudo — Ele levantou. — Agora preciso ir. A mansão não sobrevive por muito tempo sem um anfitrião.
— Posso ir junto? — Pediu Alex.
— Acho melhor falar com Thayer primeiro.
— Agora não. Preciso pensar muito no que dizer.
— Não comece pelo pau de Henry, se estiver em dúvida.  
— Okay, vamos — Ele beijou Mia no rosto.
Nate também o fez.
— Até amanhã — Despediram-se.
— Até amanhã — Ela acenou.
Nenhuma outra lembrança ruim deixou Mia acordada naquela noite.


Nate e Alex chegaram à mansão Strauss por volta das nove. Gwen esperava-os em um sofá, na sala, de pernas cruzadas.
— Temos assuntos inacabados — Ela encarou a Nate.
Um relâmpago encheu a sala de luz.

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   6x17: I Would Kill Him for You (23 de Julho)
   Old que esse era o reencontro que todos estávamos esperando. Alex, seja bem-vindo de volta. Mia, melhore logo. E Nate, não faça nenhuma besteira. É só isso que a gente espera pra esse grande final.
Quadrigêmeos Strauss? Não sei não...
 
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