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Livro | The Double Me - 6x17: I Would Kill Him for You [+18]

   6x17: I Would Kill Him for You
“O melhor inimigo é aquele que se conhece".

Começou a chover lá fora.
— Alex, saia — Pediu Nate.
— Eu não vou a lugar algum.
— Por favor — Encarou-o, ao seu lado. — Não quero envolve-lo nisto.
— Se você acha que eu vou deixar...
— Ouça-o — Interveio Gwen. — Prometo vir em paz.
— Eu não acredito em você.
— Alex — Nate o advertiu pelo tom.
O irmão manteve o olhar crítico, mas não desacatou.
— Qualquer coisa, ligue-me — Disse por último.
Nate e Gwen, enfim, estavam a sós.
— Aceita um drink? — Ele ofereceu.
— Claro — Ela levantou. — Tente não me sedar dessa vez.
— Se tentar não me matar.
— Tudo bem — Deu sua palavra.
Juntos eles caminharam até o escritório, duas portas à frente. Enquanto Nate preparava as bebidas, na adega, ela tomou lugar à poltrona bibliotecária.
— O que disse a Judit para tira-la da cidade? — Perguntou Gwen.
Nate adicionou três cubos de gelo em cada copo.
— Ela foi por conta própria — Respondeu. — Tivemos um pequeno incidente envolvendo minhas lentes de contato.
— Depois de todo esse tempo?
— Bom, ela é meio lenta — Despejou no copo. — E para alguém que guardou segredos por toda a vida, se empenha muito em nos julgar — Bebeu um gole.
Gwen aproveitou a distração para pegar um taco de baseball, escondido atrás do sofá, e acerta-lo na nuca. Nate cambaleou para o lado, ela o acertou também no rosto, joelhos, pernas e abdome, até vê-lo cair. Foi uma surpresa que não tivesse perdido a consciência, após tantos golpes, e mais ainda que tivesse forças para rastejar até uma parede e escorar-se nela, sentado. Sangue e hematomas cobriam todo o seu rosto.
— Se sente melhor agora? — Ele tossia.
Gwen observou-o de seu lugar à poltrona, do outro lado da sala. O taco de baseball ensanguentado não saiu de suas mãos.
— Muito melhor, na verdade — Acendeu um cigarro. — Sabe quanto tempo eu perdi a sua procura?
— Mais do que levou para escolher seu homem, eu suponho.
— Exatamente — Ela cruzou as pernas. — Tempo é dinheiro.
— O quanto?
Sorriu a ele.
— Falemos de negócios, então?
— Por favor.
— Diga-me um número. De quanto está disposto a abrir mão por mim?
— Você pode ficar com tudo, Gwen.
— Assim, tão fácil? — Ela riu. — Achei que mostraria alguma resistência.
— Porque eu me importo tanto assim com o dinheiro?
— Porque é de seu interesse manter o estilo de vida que tem, ou perderia muito mais que sua posição social.
— Eu já perdi tudo — Cria ele.
Gwen fez uma breve análise de sua expressão.
— Aquele menino, Gus, mudou sua vida, não é? Você tem seus irmãos, seus amigos, seu patrimônio, mas nada se compara ao que perdeu. Seu grande amor. Ele o salvou tantas vezes, de tantas formas possíveis, que seguir em frente significa não chegar a lugar algum. O vazio em seu peito sempre estará vazio. O tempo nunca vai passar, porque cada traço seu e cada emoção que viu em seu olhar nunca vai realmente deixa-lo. Talvez, metaforicamente, seja pior do que morrer.
Ele a encarou.
— Gwen, pegue seu dinheiro e vá embora.
— Tão cedo? — Ela riu. — Acho que está perdendo uma ótima oportunidade. Nunca conversamos assim, cara a cara. Não está nem um pouco curioso para saber porque voltei?
— Prefiro evitar o guilt trip de uma consciência pesada.  
— Que irônico. Na St. Jude, Guilt Trip era popularmente conhecido como um recurso terapêutico das atividades em grupo, no qual falávamos diretamente à todas as pessoas que machucamos e nunca tivemos a chance de nos desculpar. Eu imaginava você na maioria das vezes.
— Entre tantas pessoas?
— Bom, era de quem queriam ouvir. Suas histórias são as mais notáveis.
— Se é que contou a verdade — Havia esta questão.
Gwen parecia perdida em seus pensamentos.
— Falei sobre Judit uma vez — Disse ela. — Um triste relato de uma mãe ausente e sua filha adotiva, que nutre sentimentos de rejeição. Não sei porque isso ainda entretém as pessoas — Ela tragou. — Talvez seja a ideia de ser privado do amor, porque todos os nossos problemas começam por aí... — Soltou a fumaça. — Ou talvez as pessoas só queiram conhecer histórias piores que as suas para se sentirem um pouquinho melhor — Virou o beiço. — Neste caso, seria inveja. Nós conhecemos bem este sentimento — Tragou outra vez. — Em uma sessão eu também cheguei a falar sobre Theon — Mencionou. —  Ele se foi antes que eu tivesse a chance de dizer obrigada.
— Você ao menos o conhecia?
— Ah, eu o conhecia — Ela afirmou. — Sempre soube o que mantinha em seus porões, onde escondia os esqueletos e o que fazia com garotos troféus, como você. Mas para mim, ele sempre será o homem que me salvou. Eu não estaria aqui se não intervisse.
— Ele também matou aquela garota na St. Jude por você?
— Taylor? Não diga bobagens. Aquilo foi um estranho acidente. Estávamos no lugar errado e na hora errada para decidir nosso futuro.
— Ela não quis trocar de lugar com você — Entendeu Nate.
— Nem por um milhão de dólares — Ela levantou. — Eu te disse, esta é uma ótima oportunidade. Há muito que você não sabe e eu posso esclarecer.
— Sem mais jogos?
— Não é tudo um jogo, afinal?
Ele tossiu sangue.
Os olhos de Gwen reviraram.
— Okay, vou pegar algumas toalhas — Passou por ele. — Não vá a lugar algum.


       — Kerr? — Chamou sua irmã.
Ele acordou totalmente desorientado.
— O que? O que houve?
— Seu celular — Ela apontou.
Ao toma-lo em mãos, a chamada foi finalizada, mas as notificações mostravam uma nova mensagem de Cameron pedindo a ele que o encontrasse no segundo andar do estacionamento.
— Algum problema? — Perguntou Amber.
— Não, só preciso sair um instante — Ele levantou. — Vai ficar bem?
— Como fiquei pelas últimas duas horas. Você dorme feito um bebê.
— Eu não estava dormindo.
— Eu ouvia-o roncar penetrantemente.
— Okay — Ele sorriu. — Quer que eu traga algo lá de fora?
— Um suco de laranja, por favor.
— Certo.
O carro de Cameron era um Mercedes-Maybach S650 Pullman, na cor preta, e estava estacionado logo à porta traseira de acesso. Kerr não levou muito tempo para encontrar.
— Tome — Entregou-o Cameron.
Dentro do envelope alaranjado havia fotos de Dhiego Foster em uma negociação ilegal, acompanhado a três de seus investidores de ternos e gravata e mais dois homens com rifles nas mãos. As máquinas e os contêineres indicavam estar em uma espécie de armazém portuário, na baixada da cidade.
— Isto deve servir — Disse Kerr.
Para uma boa e sorrateira chantagem.
— Vai me dizer quem é ele? — Perguntou Cameron.
— Você não ouviu a história? — Kerr o encarou.
— Eu fiz minha própria investigação, mas nada comparado ao testemunho ocular.
— Não somos amigos, Cameron — Voltou às fotos. — Você só está aqui a pedido de Nate, que cancelou nosso encontro na última hora.
— Ele tem assuntos inacabados.
— Eu sei. Eu também — Abriu as portas.
Cameron pediu para ele esperar.
— Isso é para você — Entregou-o um cartão. — O Doutor Bianchi é um dos melhores cirurgiões obstetras da Europa. Com uma ligação minha, estará aqui em menos de um dia.
— Por que você...?
— Para sua irmã. Sei sobre seu estado de saúde.
Kerr observou. Doutor Salvatore Bianchi, ginecologia e obstetrícia.
— Amber dará à luz em uma semana — Disse. — Acha que ele pode ajudar?
— O Doutor Bianchi já tratou muitos outros casos de DPP, principalmente envolvendo gêmeos. Ela estaria em boas mãos.
Observou outra vez. Doutor Salvatore Bianchi.
— Se for de seu interesse, basta me ligar — Continuou Cameron. — Qualquer custo adicional será por minha conta.
— Obrigado, mas dinheiro não é um problema para nós.
— Eu sei. Meu intuito é ser generoso.
— E por que faria isso?
— Por acreditar que uma mão lava a outra. Eu os ajudo, vocês devolvem o favor.
— Ou melhor, quer nos ter em dívida.
— Não se deve a amigos, Kerr — Ele girou as chaves. — Cuidamos uns dos outros — Ainda sorriu, bem cínico.
Kerr deixou o veículo sem dizer mais nada. Quando Cameron partiu com o carro, tirou novamente as fotos do envelope e observou-as com mais atenção. É, iriam servir. Não importava o que custariam.


Fizeram os seus preferidos para o jantar. Grand Aioli, cenouras marroquinas, salmão com gengibre, pimentão e limão, pavlova de frutas tropicais, bolinho de cebolas, torta de morango recheada com cream cheese e crepe de doce de leite para a sobremesa.
Em outras circunstâncias, Jensen agradeceria pelo zelo e preocupação. Agora era difícil dizer o que o faria de tanto. Seu humor oscilante, o tráfego, a longa viagem de volta para casa e todas as pessoas, na estrada, que identificaram a limusine da família McPhee e atiraram ovos, tomates e maçãs podres, venceram-no pelo cansaço progressivamente. Restava saber por quanto tempo aguentaria aqueles olhares, à mesa, como se os fizesse pensar no que aconteceu só por estar ali.
— Falei com a polícia mais cedo — Mencionou Patrick, em determinado momento. — Eles asseguraram que vão seguir outra linha investigativa.
— Isso é bom, não é? — Supôs seu irmão.
— Com as novas evidências, descarta-se a possibilidade de coautoria do crime.  Não pode haver uma acusação formal se as filmagens coincidem a cada palavra no depoimento de Jensen.
— E os novos processos?
— Ainda em andamento. Há famílias que se recusam a renunciar, mesmo após uma declaração oficial do Departamento de Polícia.
— Eles querem dinheiro, é claro — Comentou Laurel.
Jensen não disse uma palavra.
— Ai meu Deus, pessoal! — Gritou Aria. — Os hackers da Sentinel acabaram de publicar na internet os vídeos das câmeras de segurança no dia do atentado em Dartmouth. Jensen aparece em todos eles — Mostrou-os.
Um dos vídeos em seu smartphone expunha o exato momento em que Nick apontava uma arma para o Senhor Altman e dizia as palavras ‘A única coisa que eu quero é justiça. Por mim, meu irmão e minha família’. Mas um pouco antes do disparo, a tela escureceu e tudo ficou em silêncio.
— Jensen... — Chamou seu irmão.
Ele deixou a mesa sem dizer nada e não olhou mais para trás.
Chegando ao quarto, no andar de cima, os sintomas começaram a se manifestar. Palpitações, tremores, náusea, tontura, suor frio, dores no peito, boca seca, falta de ar e uma estranha rigidez e formigamento nas pernas e nas mãos. Não conseguia manter-se imóvel por muito tempo, nem ficar no mesmo lugar. Deitava e levantava da cama. Depois olhava as janelas, atiçava as lareiras, encarava o próprio reflexo no espelho do banheiro, tudo em seguida.
Não, por favor, acalme-se, pensava consigo. E aos poucos, mas não a seu tempo, tudo voltou ao normal. O pai e o irmão bateram à porta algumas vezes depois, para saber se estava tudo bem. Àquela altura, Jensen tinha se afundado na cama com os fones de ouvido.


       But you know everyone falls, sometimes
Don’t they all?
You know bridges get burned
Sometimes as we cross
Don’t we all fall?

Aquela música lembrava a ele de uma história de infância, contada por sua Tia Jodie e seu Tio Peter. Eles sempre tentavam assusta-los contando o que houve anos atrás em Lily Dale, Nova York, com uma jovem de dezesseis anos chamada Alice Deveraux. De acordo ao relato, Alice morreu inexplicavelmente na véspera do natal, o mesmo dia em que previu Madame Ashrah, uma cartomante da região.
Jensen não se ateve muito ao contexto envolvendo noites de inverno, parques de diversões e uma velha corcunda e com um olho de vidro, praticante de bruxaria. Mas sempre que ouvia-os contar, impressionava-se cada vez menos pela criatividade e cada vez mais pelo teor de manipulação. Seus tios não queriam traumatiza-lo, de fato; apenas convence-lo do poder da fé, seja ele qual for. Se Alice não acreditasse fielmente em sua previsão, não buscaria uma forma de se salvar. Se não saísse de casa com este propósito, não dirigiria, na chuva, por uma ponte. E se não estivesse tão desesperada, ou tão absorta em sua própria dor, talvez pisasse a tempo nos freios.
A questão é: Quem pode realmente dizer o que aconteceu? Madame Ashrah a matou, por leva-la ao seu destino, ou este se tornou o destino de Alice, simplesmente por acreditar que seria?
You know bridges get burned, sometimes as we cross. Alice a cruzou sem saber que cruzaria, ou ao menos o porquê. Não merecíamos ao menos saber o porquê? – Ele suspirou.
O relógio na parede marcava às dez e cinquenta e cinco
Jensen deixou o quarto, foi até a cozinha. Preparou um lanche noturno, subiu outra vez. A porta do quarto dos pais estava entreaberta. Ele via e ouvia sua mãe, do outro lado, na cama, enquanto falava ao celular e massageava as pernas.
— Nunca duvidaria dele — Ela dizia. — Jensen é meu filho, tem minha total confiança — Hesitou. — Acredito ser apenas uma fase... — Hesitou outra vez. — Eu não sei... — Ficou pensativa. — Ele pode nunca me perdoar. Eu mesma ainda não me perdoei por tê-los deixado... — Deitou à cama.
Jensen, ao ouvir aquilo, checou o Cave Crawl. Os registros comprovavam que Laurel não tinha nenhuma ligação em andamento, ou sequer fizera uma única ligação nas últimas cinco horas. Suas doces palavras, de tão boa mãe, eram para convencer quem estivesse ouvindo.
Você não muda, não é? – Ele pensou.
Aproveite sua última noite na mansão McPhee.


     Gwen acendeu a última vela sobre uma edição empoeirada de O Iluminado. A última de doze. Fazia alguns minutos que a mansão Strauss e as outras casas da região ficaram sem energia elétrica por causa da chuva.
— Odeio tempestades — Ela solfejou.
Nate observava-a do mesmo lugar, escorado à parede. As toalhas que ela trouxe, mais cedo, serviram para limpar o sangue do rosto e então foram amontoadas embaixo de suas pernas.
— Você disse que pensava em mim durante o Guilt Trip.
— Na maioria das vezes — Disse ela, assoprando o acendedor e virando para encara-lo. — Isso o surpreende?
— Relativamente. O remorso não condiz a quem se tornou.
— Há muito que não condiz a mim e as pessoas ainda convencem a si mesmas. Não se esqueça que eu sou a vilã apenas na sua versão dos fatos, não em todas elas.
Ele riu.
 Em qual destas versões é justificável o que fez a mim? Eu quem fui expulso da cidade, sofri um acidente de carro e fiquei seis meses em uma cadeira de rodas.
— Sabe que eu não entendo essa sua fixação pelo que fizemos há quatro anos? — Ela caminhava de um lado a outro, em mãos do acendedor. — Jensen pôs um chifre em sua cabeça, okay. Você sofreu um acidente de carro, o qual superou meses depois; okay. Papai e mamãe o expulsaram da cidade, o que, a propósito, não me parece tão ruim, pois ficaria longe deles e de sua homofobia conspiratória. Assim, sobra uma única questão. O que você tem contra seguir em frente?
— Eu poderia perguntar o mesmo.
— Não, Nate. A diferença é que ninguém pode mudar a forma como eu fui machucada. Feridas cicatrizam, a abstinência nos deixa, surgem novos amores, mas alguns de nós nunca terão de volta o que lhes foi tirado.
— O que eu tirei de você? — Ele gemeu as palavras.
O sorriso nos lábios dela sobejou ao agridoce.
— Vejam só — Olhou para ele. — Pensei neste momento tantas vezes, em dizer-lhe tantas coisas, que não esperava significar tão pouco para mim. Talvez eu não precise que você saiba de tudo. O único motivo para eu estar aqui e contar a você é porque faz parte disto. Você quer a verdade não é? Uma que o permita quebrar em pedaços. 
— Gwen, por favor...
— William Bettencourt — Ela logo disse. — O que este nome lembra a você?
— Ele... ele tinha um filho, Riley Bettencourt. Da mesma idade que a gente.
— Lembra da última vez em que se viram?
— Sim, no playground. Tínhamos sete anos. Ele e seus pais se mudaram no dia seguinte para Praga.
— Pequim, na verdade. Você levou alguns anos até aprender a diferença.
— É mesmo... — Teve de admitir.
Gwen tomou lugar à poltrona.
— Eu sempre invejei a amizade de vocês — Disse a ele. — Dois menininhos gordinhos e afeminados, que construíam seus próprios fortes nas árvores da mansão... — Deu um ar de risos. — Por isso, talvez, eu tenha tentado interferir. Não tinha muitas amigas no colégio, ainda mais por ser a aluna nova, uma intrusa em seus mundos. Eu só precisei dizer isso a nossa mãe para convence-la a me deixar sair com vocês dois.
— Não, ela literalmente nos obrigava a leva-la.
— E eu me divertia bastante — Afirmou-o. — Mas houve aquela vez, na véspera de halloween. Riley insistiu para passarmos a noite na casa dele.


       — Eu lembro. Dormimos todos fantasiados.
— Eu era uma princesa, você era o bobo da corte.
Ele riu.
— Lembra na hora de dormir, quando o pai de Riley separou os quartos? — Disse ela. — Você e Riley dividiram o mesmo, afinal, eram meninos. Eu, a princesa, fiquei com o quarto de hóspedes no fim do corredor, mesmo implorando ao Senhor Bettencourt que dormíssemos todos juntos — Podia ouvi-lo dizer. — Bom, eu deveria ter implorado mais... — Cerrou os olhos. — Ele entrou no meu quarto, em silêncio. A luz do corredor refletiu em meu rosto. Eu esfreguei os olhos e perguntei se era dia. Ele disse não, que eu podia voltar a dormir.
“Um momento depois, senti o toque gelado de suas mãos. Começou lentamente, por minhas pernas. Seguiu pelo abdome. O pescoço. Os cabelos. Eu estava quase, quase adormecendo. Mas a dor me despertou totalmente. Ele tocava a si mesmo nas calças e puxava meus cabelos com todas as forças. Disse-me para não gritar, ou acordaria os meninos e ele teria de ligar para os nossos pais. Esta era a última coisa que eu queria”.
“Lembro do cheiro de whisky e cigarros em seu hálito. Da sensação de seu corpo sobre o meu, esmagando-me. Havia tanto sangue nos lençois...”
— Não... — Implorava Nate, aos prantos.
Mas suas lágrimas não a comoveram.
— Você queria a verdade, meu irmão. Aí está. Por sua causa eu convivi com meu abusador durante anos. Dividia com ele o espaço em nossa própria casa, nossos corredores, nossas piscinas, nossa mesa de jantar. Você o trouxe para perto e eu morria um pouco mais todas as vezes.
— Se eu soubesse disso...
— Faria o que? — Interrompeu-o.
O reflexo das chamas esbraseava os olhos de Nate.
— Eu o mataria por você — Disse ele. — Ainda posso.
— Isso mudaria alguma coisa?
— Ao menos o faria pagar por...
— Ele pagará na hora certa, não se preocupe. Enquanto isso, contento-me em reaver minha herança.
— Falemos de negócios, então?
— Diga-me o número mágico.
Nate levantou-se, caminhou lentamente até a mesa e tirou de lá papel e caneta.
— Este documento dará a você e seus dependentes acesso parcial às contas Strauss. Aconselho a não gastar de forma irresponsável, ou o banco entrará com uma ação de bloqueio judicial.
— Por que não coloca tudo em meu nome?
— Porque levantaria suspeitas — Ele assinou. — Não é possível transferir bilhões de dólares à uma conta de pessoa física sem envolver às autoridades. É de seu interesse envolver as autoridades?
Ela não respondeu.
— Bom, diante disso, — Continuou Nate. — O mais indicado é impor um limite de transação. Cada um de nós terá acesso a parte do valor total de sua herança, em um determinado número de dias.
— Isso inclui Mia e Alex?
— Precisamente.
Huh. Você enlouqueceu.
— Não me diga que acha vantajoso dividir uma herança entre quatro pessoas.
— Você pode ficar com a minha parte e a sua. Este é o trato.
— Eu tenho outra proposta para você. Fico com setenta e cinco por cento do valor total e desapareço para sempre de suas vidas.
— Quer que eu escolha entre você e meus irmãos?
— Quero dizer que não tem escolha — Provocou Gwen.
Nate abriu uma gaveta, empunhou o revólver e atirou a vinte centímetros do rosto dela, na estante. Gwen ficou coberta de poeira e estilhaços.
— Este é o trato — Ele ameaçou. — Se tentar qualquer coisa contra meus irmãos, eu mesmo enfio uma bala na sua cabeça.
— Você é mesmo um doente, não é?
— Eu sou — Apontou outra vez. — Agora escolha. O gatilho ou a caneta.
— Assine — Disse ela, indiferentemente. — Faça as coisas do seu jeito.
— Obrigado — Ele abaixou o revólver.
Os papeis que faltava assinar, o fez em silêncio.
— Você guardou esta arma para mim ou para você? — Perguntou ela.
— Para o que me vencesse mais rápido pelo cansaço, entre nós dois — Estendeu-a. — Aqui está.
Ela caminhou até a mesa e pegou de suas mãos.
— Terá validade em quanto tempo?
— Em até vinte e quatro horas. Parabéns, socialite.
— Nunca mais me chame assim — Ela deu-o às costas, só para interromper seu caminho, até a entrada, ao ouvir novamente sua voz.
— Antes de ir, há algo que deveria saber. É sobre Matthew.
— Claro, Nate. Do que quer me convencer agora?
— Você confia nele?
Ela hesitou.
— Matthew é um meio para os meus propósitos, nada mais — Então disse.
— E já se perguntou quais os dele?
— Eu não preciso. Não por sua causa.
— Falo isso por você — Ele baixou o tom. — O último favor que Quentin me fez, antes de voltar à Amsterdã, foi fornecer o número de Matthew, seu irmão. Era ele quem tinha os contatos dos cirurgiões clandestinos que fariam o que mandassem por dinheiro.
— Que cirurgiões?
— Os mesmos que fizeram isto em seu rosto.
Outra vez, ela hesitou.
Seus olhos cintilaram com lágrimas presas.
— Está mentindo.
— Eu posso provar. Tenho todos os registros de conversa.
— E por que mostra-los agora?
— Porque é nossa única oportunidade. Você mesma disse — Ele tomou o celular em mãos.
O olhar dela seguiu a ele e o aparelho.
— Eu não acredito em você.
— Tudo bem, só peço que tome cuidado, pois não sabemos até onde Matthew chegaria para esconder a verdade. Se ele ainda não contou a você, é por ter um bom motivo para não contar.
— Nós assinamos um acordo.
— Eu sei. Mas por que ele precisaria de um? — Questionou-a.
O som dos trovões trespassou ao silêncio inoportuno.
— Sinto muito, Nate. Por seu filho — Ela então saiu.
Algo em seu tom o fez acreditar que dizia a verdade.



“Sou eu, Alex”... Não, muito casual.
“Thayer, podemos conversar?” ... Não, acho melhor não ir direto ao ponto.
“Olá”... simples demais. Quem diz olá hoje em dia?
É estupidez.
As portas do elevador se abriram antes que Alex concluísse o raciocínio.


      — Hey — Cumprimentou Thayer. — Por que ainda usa as lentes de contato? — Observou melhor. — Você...? Alex?
— Olá — Ele acabou respondendo.
Thayer largou de mãos tudo o que tinha e correu para beija-lo.
— Thayer, por favor...
— Não diga nada — Ele sussurrou. — Você está aqui, agora — Beijou-o nos lábios, no rosto, na testa, por toda parte.
Mas Alex afastou-o com uma mão.
— Não é assim — Disse. — Você não sabe o que aconteceu.
— Eu não preciso. Tudo ficou para trás.
— Nem tudo... — Alex passou por ele, em direção às vidraças.
Thayer acompanhou-o com o olhar.
— Se tudo ficasse para trás, as coisas mudariam — Continuou Alex. — Mas não pode ser tão simples assim. Ficar com você, ou manter meu orgulho. Ficar sem você, ou admitir que errei. Quem fez estas regras bobas? Eu ainda posso ama-lo e cometer erros, como qualquer pessoa normal. E você sabe que eu erraria setenta vezes cinco se pensasse estar fazendo um bem a minha família — Hesitou.  — Você também é minha família, Thayer. Sempre foi e sempre será. Mas se espera que eu não ultrapasse alguns limites por vocês, dando o meu melhor e o meu pior, não me conhece de verdade.
— Eu o conheço — Disse Thayer. — Você sempre coloca as pessoas em primeiro lugar, nunca você mesmo. Foi a primeira coisa que amei em você.
— Amou?
— Ainda amo — Tocou-o no rosto. — Eu nunca, nunca quis que mudasse. Nunca pediria para ir embora.
— Mas você precisava disso.
— Não.
— Nós dois precisávamos — Ele reformulou.
Thayer entrelaçou seus dedos e escorou suas testas, de olhos fechados.
— Diga que me ama. É só o que eu preciso saber.
— Eu te amo... — Alex sussurrou.
— Então pare de correr.
— Não posso.
— Por que não?
— Ainda não... — Afastou-se.
Thayer deu um longo e rumoroso suspiro.
— Não é por você — Esclareceu Alex. — Só quero que possamos lidar com o que aconteceu entre a gente e nos últimos meses, para assim começarmos do zero.
— Quer me dizer alguma coisa?
— Tudo — Suspirou. — A verdade é que eu... quer dizer, há tantas verdades. Tanta coisa aconteceu — Ele caminhava de um lado a outro, obsessivamente. — Primeiro me alistei nas forças armadas, onde eu mais transava do que dava orgulho ao Tio Sam. Depois encontrei Ivy, nossa mãe biológica, para me ajudar a sair do país. Assim consegui comprar um apartamento em Toronto, no Canadá, e conheci uma garota chamada Octavia Delare, minha futura sócia em um novo empreendimento. Ela também tinha um amigo chamado Cody, – bem-dotado, por sinal – embora tão idiota que deixasse a porra congelar nos olhos.
“Enfim. Conclusão disso tudo: Meu negócio deu errado, os antigos donos do clube que comprei tentaram me assassinar e eu passei as últimas semanas em uma cabana na floresta, sendo tratado por um ex cirurgião chamado Henry Langford. Sim, nós fodemos, não precisa insinuar. Ele detém agora a segunda posição de melhor sexo da minha vida”.
— Okay, slow down — Sorriu Thayer. — Por que está me contando tudo isso?
— Porque não quero esconder nada de você. Então, se algo em minha história o incomoda, ou o insulta, ou é demais para lidar, seja honesto comigo.
— Está bem — Ele torceu o beiço. — Se quer a verdade, nada além da verdade, terei de admitir que nunca estive tão apaixonado por você. O que acha disto?
— Eu não sei. Talvez esteja doente.
— Ou talvez tenha aprendido a lição — Ele aproximou-se, tocando-o no rosto com uma mão. — Quando vai entender que isso aqui é end game? — Sussurrou bem perto. — Você pode sair do país e se aventurar em quantas cabanas quiser, mas sempre vai voltar para mim, porque eu sempre estarei aqui.
— Você quem terminou comigo, lembra?
— Eu tento não lembrar. Sinto-me um idiota todas as vezes.
— Você é — Riu Alex.
Aquele beijo seria lembrado como o primeiro de sua reconciliação, porquanto fugira de todos os outros.
— Sem mais términos, okay? — Propôs Thayer.
— Nenhum tempinho?
— Nadinha.
— Okay — Concordou com a cabeça.
Aquele seria o segundo beijo de reconciliação, quando o beijo se tornava um pouco mais.
— Não tão rápido — Disse Alex. — Estou me recuperando de uma cirurgia.
— Ah é? — Thayer deslizou as mãos. — Você quebraria se eu te tocasse... assim...? — Pressionou-o.
Estava duro por debaixo da cueca.
— Adoro o conceito de sexo de reconciliação — Disse Alex.   
— Não podemos reatar se você nunca deixou de ser meu, não é?
— Eu acho que é o contrário. Você é meu — Arrancou seus cintos.
Por sua indisciplina, Thayer puniu-o com uma mão em volta do maxilar, imprensando-o contra a vidraça. Alex lambeu seus dedos como um cone de doces. Um de cada sabor.
Aquele beijo, por último, com ele no colo de Thayer, e as pernas em volta da sua cintura, era uma forma de dizer eu também te amo.


       Gwen saiu detrás da porta com um revólver apontado para ele.
— O que está fazendo? — Perguntou Matthew.
— Diga-me — Impôs ela. — Darei apenas uma chance.
— Eu não sei o que quer ouvir.
— Diga-me! — Gritou, de lágrimas nos olhos.
A polícia batia à porta da mansão Strauss naquele exato momento.
— Nathaniel Strauss? — Perguntou a Detetive.
— Sim? — Ele respondeu.
— Você está preso pelo assassinato de William Bettencourt e sua esposa, Carol Bettencourt.
— O que? Ai meu Deus!
— Algemem-no — Alguém deu a ordem.
Os policiais obedeceram.
— Não minta para mim! — Gritava Gwen.
— Não é mentira, eu juro — Disse Matt. — Nate inventou toda essa história para nos colocar uns contra os outros.
— Eu tenho os registros de conversa no meu celular. Ele me enviou.
— Isso pode ser forjado!
— Não, eu sei! — Engatilhou a arma.
Matt deu um passo para trás.
Na delegacia, as evidências o confrontaram uma por uma. A primeira delas um arquivo de áudio enviado por Gwenett Strauss, no qual ele afirmava ainda poder matar William Bettencourt por tê-la abusado sexualmente. A segunda, a arma do crime encontrada em seu quarto de hotel, além de resíduos de pólvora em suas roupas. A terceira, um depoimento gravado de Dominik Belmont, o qual relatava os abusos sofridos durante seu relacionamento e desmentia o álibi para a noite do crime.
— Ele usava o dinheiro para me chantagear — Mentiu o garoto, na gravação. — Disse-me que se eu não acatasse, minha família pagaria por mim.
— De que forma?
— Há algumas semanas Nate tomou à frente do projeto do LEDA Mall, em Southampton. Ele ameaçou quebrar o contrato com a empresa de minha família se eu não... se eu...
— Tudo bem, Dominik, pode falar.
— Se eu não fosse para a cama com ele — Respondeu, numa voz de choro.
Nate prendeu os soluços com uma mão na boca.
— Você precisa de dinheiro, não é? — Perguntou Gwen a Dominik, dias atrás, quando se encontraram em um parque de diversões fora da cidade.
A figura de um demônio com asas resguardava seus sussurros na parte de trás, no formato de uma cabine fotográfica.
— Não sei... — Dissera ele. — O problema não é o dinheiro. É ser conhecido como o garoto que Nathaniel Strauss abusou.
— Você é menor de idade — Ela contrapôs. — Seu caso nunca viria a público.  
— Mesmo assim...
— Dominik — Segurou-o pelo braço. — Nate tirou muito de você para que deixe as coisas assim. Vingue-se, dê a ele um grande plot twist de fim de romance. O dinheiro em jogo fará muita falta a sua família.
— Mas eu não quero que ele seja preso.
— Se estivesse em lugar, ele teria pensado duas vezes?
Dominik não contestou.
— Diga que não estava com ele naquela noite de cinco de maio — Instruiu Gwen.
— Ele não estava comigo naquela noite — Disse Dominik, em depoimento.
— Diga que o subornou.
— Ele me fez uma oferta em dinheiro para mentir sobre seu álibi — Disse ele, em depoimento.
— Você aceitou? — Perguntou o Detetive.
— Eu tinha medo do que pudesse fazer caso eu não aceitasse. Ele, às vezes... às vezes ficava muito agressivo... eu não sabia do que era capaz.  
Aquelas palavras lembravam a Nate de suas próprias, na gravação de Gwen. Eu o mataria por você. Ainda posso.
Que homem inocente faria tal ameaça?
— Você fez isso! Transformou-me em um monstro! — Acusou Gwen. — Olhe para mim!
— Por favor...
— Olhe para mim!
Matthew olhou, cheio de lágrimas presas.
— Eu nunca o escondi a verdade — Lembrou ela. — Na noite em que assinamos o acordo, contei tudo a você sobre Theon e Quentin. Você sempre soube quem era o assassino do seu irmão, onde aconteceu, como aconteceu, porque aconteceu. Você sempre teve a verdade ao seu lado, mesmo que não partilhasse a ninguém mais. Pode me dar uma única razão para não ter feito o mesmo por mim?
— Você me perdoaria?
— Eu precisava saber! — Gritou. — Você me chamou de família, me recebeu em sua casa... tocou-me... eu o deixei me tocar. O homem que fez isto ao meu rosto.
— Eu sempre estive apaixonado por você. Sabe disso, Gwen.
— Não... — Ela virou de costas.
Após checar em seus relatórios, o Detetive perguntou?
— Pode me falar sobre as drogas?
— Sim, eu sabia sobre isto — Disse Dominik.
— Há quanto tempo sabia?
— Alguns meses. Descobri em um dos nossos encontros.
— E nesses encontros, chegaram a usar juntos?
O olhar de Dominik encontrou o de sua mãe.
— Pode dizer — Incentivou-o.
A mentira era um mérito seu, não de Gwen.
— Ele colocava as pílulas na ponta da língua e me beijava — Contou o garoto.
Nate não conseguiu mais assistir  
— Por favor, escute-me — Pediu Matt. — Eu não a conhecia, apenas fiz o que meu irmão pediu. Ele era louco pelo Nate!
 Você é o louco! — Ela gritou.
— Eu não teria feito se a conhecesse antes. Eu queria tê-la conhecido antes, Gwen, pois assim não tiraria tanto de você.
— O que disse? — Virou a ele.
Dominik, já em sua casa, abriu uma maleta cheia de notas de cem.
— Disse que queria tê-la conhecido antes — Continuou Matthew.
— Você já me conhece — Ela redarguiu. — Eu sou isto. Por sua causa.
— Não, não é. Você sabe.
— Pare, Matthew.
— Você é boa, nobre e gentil...
— Pare!
— Eu te amo, Gwenett Strauss...
E bang! Um disparo.
A bala atingiu-o na parte superior do abdome.  
— Não há porque negar — Nate decidiu. — Eu confesso. Prendam-me.
Quando a arma escorregou de suas mãos, Gwen gritou o mais alto que pôde. Para ninguém.

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   6x18: He's Dead (30 de Julho)
   Não sei se a última cena ficou meio confusa, pois eu mudei muio rápido os pontos de vista dos personagens. Mas ela foi elaborada para ser uma daquelas cenas de final de episódio em que tudo acontece de uma só vez e com vários cliffhangers. The Double Me é isto. Funciona tanto quanto romance e quanto o roteiro de uma série de TV.
    Semana que vem teremos um corpo para enterrar. Preparem-se.

Gwen, o que você fez?
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