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Livro | The Double Me - 6x24: It's Over Now (+18) [SERIES FINALE]

 

   6x24: It's Over Now
“Se é amargo no começo, pode ser doce no final.

Ouvia-se apenas o barulho de seus passos em um corredor vazio.

— Por aqui, Senhora Strauss — Instruiu o Doutor Riley.

Ela passou por ele e sentou-se em frente à mesa. O vazio estava lá também. Começou a lembrar da manhã daquele dia, quando Jensen foi ao hospital. Gwen estava a uma janela de distância, em seu leito. Totalmente desacordada.

— Você a odeia? — Perguntou Judit. — Por tudo o que ela o tirou?

— Não consigo sentir nada, a não ser... — Ele pensou melhor. — Nate gostaria que ela vivesse — Assim colocara.

O olhar de Judit pairou sobre Gwen, na cama, cercada por aparelhos, e seguiu a lutuosa paisagem diurna da cidade grande.

— Ela viverá — Disse. — Mas lamentará isso todos os dias.

Jensen lamentou em silêncio.

— Assine aqui — Instruiu o Doutor Riley, trazendo-a de volta.

Judit tomou a caneta em mãos, folheou os documentos, assinou um por um.

O Doutor observou-a atentamente.

— Senhora Strauss, — Disse ele. — Sei que não cabe a mim interferir ou questionar suas decisões, mas nossas políticas exigem que eu a informe sobre o programa de acompanhamento psicológico em nossa unidade. Talvez tenha interesse em se consultar com um de nossos atendentes.

Ela não respondeu.

— Temos os melhores especialistas... — Continuou o Doutor.

Ela pareceu não escuta-lo.

— Eu preciso ir — Levantou-se.  — Tenho um funeral para organizar. Obrigada, Doutor Riley — Assim o deixou, apressadamente.

 Já no quarto de Mia, afastou os lençois para o lado e deitou-se com ela na cama, de rosto no seu. Mia acordou com ela entrelaçando seus dedos.

— O que vai acontecer agora? — Perguntou a filha.

— Nós conseguiremos — Disse Judit. — Por ele... — Beijou-a na testa.

O silêncio cresceu gradativamente.

Mostravam a ele um compilado de arquivos de vídeo. O primeiro mostrava Kieran muito próximo à residência dos Bettencourt e usando as mesmas roupas descritas por uma testemunha que o viu deixar a propriedade. O segundo mostrava o carro de Nate em um estacionamento em Northampton, durante o crime. O terceiro mostrava Dominik sendo desmascarado na frente dos pais e dos familiares de seus colegas de classe.

Terminou aí.

— Já viu isso antes? — Perguntou o Detetive Hartley.

— Sim, na internet — Respondeu Jensen. — O último vídeo.

— Ele foi publicado ontem à noite na conta de Bethany Maeve — Disse o Detetive Bloome. — Você a conhecia?

— Não.

— Você conhecia Kieran Murillo? — Perguntou Hartley.

— Não pessoalmente.

— E Dominik Belmont? — Perguntou Bloome.

— Pelas notícias — Ele deu de ombros.

Os detetives perceberam a defensiva.

— Você sabia que Nate era inocente? — Perguntou Hartley. — Ou apenas acreditava nisso?

— Eu sabia que ele era incapaz de matar alguém. Eu o conheço.

— Por isso o ajudou a fugir, junto a seus amigos?

Jensen o encarou. A mentira estava em seu olhar, nas sobrancelhas arqueadas; na maneira como flexionava a mandíbula e pressionava os dentes dentro da boca. Mas a história por trás dos olhos vermelhos, dos cabelos desarrumados e da pele marcada de arranhões e hematomas serviam em compensação. Por que alguém que perdeu tudo mentiria?

— Não estamos envolvidos — Ele finalmente disse.

— De acordo às informações no sistema do Linnard Report, todos vocês estavam envolvidos — Hartley o lembrou. — Você, Alex Strauss, Michela Strauss, Thayer Van Der Wall, Cameron Ridell, Andy Boyd e Viola Sebert. Havia uma grande operação para ajudar Nathaniel em sua fuga, na noite do protesto.

— Esse tipo de informação pode ser implantado.

— Vocês conhecem alguém que faz isso, não é? — Abriu uma pasta. — Kerr Foster. Caucasiano. Vinte anos. Três passagens pela polícia, sendo uma por posse ilegal de drogas e duas por invasão de privacidade. Isso explicaria porque nossos servidores entraram em repetição durante a fuga.

— Isso, ou a falta de investimento em prisões federais — Contrapôs Jensen.

Bloome fechou sua mão direita em um punho.

— Por que Gwenett Strauss contaria uma versão diferente de todos vocês? — Perguntou Hartley.

— Porque ela tem um plano — Respondeu Jensen. — Ela sempre teve. Incriminar Nate pelo assassinato de Carol e William Bettencourt.

— E na sua opinião, ser incriminado justifica um crime federal?

— Não sei o que faria se fosse... — Nate.

Mas ele não conseguiu dizer.

— Conte-nos outra vez sobre o acidente na Ponte Theodore Roosevelt — Pediu o Detetive Bloome. — Gwen foi a responsável?

— Ela tirou Nate da ponte — Disse Jensen. — Eu não freei a tempo e caí em uma ribanceira.

— E depois?

— Depois pulei na água e o trouxe de volta. Ele não estava respirando.

— Aqui diz que você realizou por conta própria os procedimentos de ressuscitação, e isso acarretou em uma costela quebrada — Leu o Detetive Hartley. — Você sabia o que estava fazendo?

— Não. Eu apenas fiz... por ele — Abaixou a cabeça.

Os detetives se entreolharam.

— Pode explicar porque moveu o corpo de Nathaniel? — Bloome cruzou as mãos.

— Eu não queria deixa-lo lá.

— Mas não teve problemas em deixar Gwenett, que ainda estava viva. Não pensou em ajuda-la em nenhum momento? Ou ligar para a polícia?

— Sim, é só..

— Sabe que o acidente a deixou tetraplégica, não é? — Lembrou Hartley. — Uma jovem de apenas dezoito anos, com toda a vida pela frente.

— Eu sei, eu só não...

— Senhor McPhee, você sabia que ela ainda estava viva e a deixou para morrer? — Completou Bloome.

Jensen levou um momento para concentrar-se em suas palavras.

— Quando o vi naquele carro, prestes a se afogar, o mundo desapareceu a minha volta. Quando o tirei da água e vi que não estava respirando, não pude sequer pensar, ou ouvir qualquer outra coisa que não fossem seus gritos. Quando todos os meus esforços para traze-lo de volta falharam, o chão cedeu sob os meus pés — Ele hesitou. — Não sei o que eu poderia ter feito por Gwen e que eu também pudesse fazer por mim mesmo naquele momento. Eu estava... Eu não estava... — Deixou no ar. — Nate tinha um filho — Continuou. — Seu nome era Gus. Ele sofreu um acidente há algumas semanas e teve morte cerebral — Limpou o nariz com uma mão.  Qualquer pessoa com o mínimo de fé e bom senso encontraria uma maneira de seguir em frente agora, acreditando que pai e filho estão juntos em algum lugar, olhando por nós... mas nem isso eu consigo fazer. Eu não acredito em nada. A morte é simplesmente... o final. De tudo. E eu não o verei nunca mais — Meio sorriu. — Ainda tenho tantas perguntas... se eu soubesse que isso iria acontecer, teria sido alguém diferente? Se ele soubesse que seria a última coisa a me dizer, teria me dito adeus? — Encarou-os. — Acho que vou continuar me perguntando, assim como vocês.

Os detetives não disseram mais nada.

Após uma hora, Jensen foi liberado e encontrou o irmão em frente a delegacia, junto a uma equipe de seguranças de seu pai. Ali mesmo, em frente a todos, ele se ateve a chorar. Seu único conforto era o abraço do irmão.

— Ele não queria ir — Sussurrou Jensen. — Estava gritando por ajuda e chamando meu nome. Não queria morrer.

— Eu sei — Disse seu irmão. — Vai ficar tudo bem.

— Ele não vai — Disse Jensen, aos poucos perdendo a voz.

Era como se tudo simplesmente parasse.

Sua mãe abriu as portas e viu-o parado na entrada, sem coragem de bater.

— Alex? — Perguntou-o.

— Olá... — Ele respondeu, aos murmúrios.

Pela porta entreaberta pôde ver que ela fazia uma reunião domiciliar com os membros da igreja; as mesmas pessoas que os acompanhavam em cultos todo domingo e organizavam passeatas pela cidade.

Para Alex, aquela vida foi há um milhão de anos.

 — Desculpe vir sem avisar... — Disse ele.

— Não, tudo bem — Sorriu Denise. — Eu vi as notícias. Como você está?

Alex respondeu com um choro contido.

— Não, meu amor, venha aqui — Ela o abraçou. — Quer conversar? Entre.

— Não, mãe. Eu...

— Entre, Alex. Podemos conversar.

— Tudo bem — Assim ele o fez.

Denise levou alguns minutos dispensando as visitas, enquanto ele esperava na cozinha. Quando retornou, ela serviu duas xícaras de chá e sentou de frente para ele. A conversa fluiu sem que eles vissem o tempo passar  

— Acho que parte de mim realmente acreditou que ele seria eterno — Dizia Alex, de cabeça baixa. — Sempre agia como se nada o abalasse, e nada penetrasse sua pele. Nunca achei que ele seria o primeiro de nós a... — Suspirou. — E tão cedo. Sem dizer adeus.

— Ele disse adeus — Reiterou Denise. — Naquela noite, na cabana, disse adeus a todos vocês. Especialmente a Jensen.

— Aquilo não foi um adeus, só estávamos bêbados e rindo de tudo.

— Acha que há uma maneira certa de dizer adeus a quem não quer que vá?  

Ele olhou para ela.

— Acho que Mia sabia antes de todos nós — Contou. — No dia do acidente, ela disse ter sentido algo ruim, como se pior ainda estivesse para acontecer. Enquanto isso Thayer me pedia em casamento e eu aceitava com toda a felicidade. Foi a única coisa que eu senti.

— Alex... — Ela tocou-o em uma mão. — Não pode se culpar por não ter adivinhado. Como você saberia?

— Talvez se esperasse pelo pior... — Balançou a cabeça. — Se estivesse lá, ao seu lado. Eu não precisava ver Thayer naquele dia, nem decidir me casar. Eu só... eu faria qualquer coisa para evitar.

— Sabemos disso, querido.

— Ele não sabia — Intuiu Alex. — Era mais fácil se ver como um fardo para todos nós, como se estivéssemos melhor sem ele. Mas não estamos. Eu não estou. Ele era o amor da minha vida e morreu sem saber que não consigo viver sem ele — Começou a chorar. — Eu só queria que ele soubesse o quanto estava errado. Ele era bom. Mesmo que não acreditasse nisso, mesmo que tentassem convence-lo do contrário, ele era bom.

Denise sorriu gentilmente.   

— Não acha que se não soubesse, já teria desistido? — Perguntou. — Nate tentou tirar a própria vida inúmeras vezes nos últimos dois anos. Por que ele lutaria agora, se achasse não ter nada a perder? — Tocou-o na mão outra vez. — Ele sabia que era amado, Alex. Você, Mia, Jensen, sua família, eram o único motivo para continuar. Ainda são — Sorriu a ele. —  Lembre-se que a morte não é o final.

— Isso é o que me preocupa — Riu ele. — Se há vida após a morte, Nate deve estar furioso por ainda existir em algum plano espiritual.

— Ou muito agradecido por rever seu filho. Entende agora?

Assentiu outra vez.

— Obrigado, mãe — Abraçou-a. — Eu te amo.

— Também te amo, querido — Ela sussurrou.

Tina, a irmã mais nova, decidiu juntar-se a eles apenas no final.

— Não se esqueçam de mim — Abraçou-os. — Ouvi tudo atrás da porta.

— Nós sabemos — Confessou Alex.

— É sério?

— Sentimos o cheiro do seu shampoo de camomila — Disse sua mãe.

Tina puxou uma mecha e cheirou os próprios cabelos.

— Tudo bem. Confesso levar a sério minha higiene pessoal.

— Sim, nos custa sessenta dólares por mês — Lembrou sua mãe.

Eles riram juntos.

— Agora preciso ir — Disse Alex. — Thayer está me esperando lá fora.

— Seu noivo? — Perguntou a irmã. — Ele é um sonho de consumo.

— Não diga isso outra vez.

— Eu irei — Provocou ela.

Alex foi levado até a portaria, elas se despediram com um abraço e um beijo.

— Visite-nos mais vezes — Pediu sua mãe.

— Vocês também — Disse ele, em direção ao veículo.

Thayer ajeitou-se em seu lugar e esfregou os olhos quando ouviu bater à porta.

— Demorei demais? — Perguntou Alex.

— Não, tudo bem. Tirei um cochilo — Piscou algumas vezes. — Como foi com sua família?

— Tudo bem. Eu precisava disso.

— Das palavras certas?  

— Das pessoas certas.

Thayer compreendeu.

— Podemos ir? — Girou as chaves.

Alex olhou uma última vez para sua antiga casa; para o jardim de ervas daninhas; as paredes cor de carmim; as cercas de ferro; as escadas na entrada; as árvores floridas; as janelas de vidro e os telhados triangulares; a enorme porta azul, com uma guirlanda de viscos no topo superior. Não seria a última vez que a veria, apenas a primeira em que seu irmão não estaria lá para ver.

— Vamos — Ele decidiu.

Thayer pisou no acelerador.

Andy voltou a sacada com duas taças de vinho.

— Ele ainda não respondeu as mensagens? — Perguntou- a ele.

Viola checou o celular mais uma vez.

— Ainda não. Nem visualizou.

— Já faz quantas horas?

— Duas — Ela checou mais uma vez.

Andy posicionou-se ao lado dela, pôs a taça no parapeito. Seu olhar denotava certa preocupação. Desde aquela manhã, quando receberam a mensagem de Cameron, Viola não comeu, não bebeu, não trocou de roupas, não tomou banho, não atendeu aos telefonemas, nem mesmo foi trabalhar, na Sebert Designs. Pensava apenas em uma coisa; o que não gostaria de pensar.

Parecia muito boa nisso.

— Não era melhor ter ido com Cameron? — Mencionou Andy.

— Você sabe minha opinião — Disse ela. — Sou contra execuções assistidas, não importa o crime. A morte não é uma forma de entretenimento.

— Mas acredita em justiça?

Ela o encarou.

— Frank estava preso, não é? Sem receber visitas. Cercado de inimigos. Comendo da mesma porcaria que dava a nossos animais de estimação. Ele não precisa ser o primeiro homem executado em Nova York nos últimos dezessete anos para que a justiça seja feita. Mas se chegar a isto, nunca haverá justiça de verdade. Ele precisa estar aqui e encarar tudo o que fez.

Andy assentiu.

— O que eu queria, Viola — Disse ele. — É que tivesse a chance de dizer adeus. Isso precisa significar alguma coisa.

— Eu não sei o que significa — Ela admitiu. — Mas eu não quero vê-lo outra vez. Nem ter um túmulo para visitar. Isso me deixa mais perto de ser uma boa pessoa ou de alguém sem coração?

— Você sabe que o ideal é o meio termo. Qualquer coisa que sinta agora, sobre Frank, sua execução ou até mesmo sobre os fogos de artifício de Cameron, será mais aceitável que o que ele fez com você. Pode celebrar, pode chorar. Pode ficar aqui, sozinha, se quiser. Apenas se certifique de sentir tudo isso. Essa é a única oportunidade.

— Eu sei... — Ela observou a cidade, um tanto pensativa. — Ele é meu agressor, não meu pai. Será diferente quando não estiver mais aqui.

— Estou vou estar aqui, beleza? — Ele a beijou no rosto. — Decida se quer surtar ou soltar fogos e eu a acompanharei.

— Mesmo, mesmo?

— Por que não? Ou devo primeiro fazer um pedido de namoro?

— Eu meio que senti falta de um pedido... — Riu ela.

Ele roubou um beijo seu.

— Espere, é o Cameron. — Viola olhou o celular. — Ele disse que acabou.

— De verdade?

— Sim. Está voltando para casa agora... — Deu um suspiro.

Andy percebeu no tom de sua voz que estava prestes a quebrar.

— Venha aqui — Abraçou-a.

Viola não pôde mais conter o choro.  

— Ele era tão ruim... — Sussurrava. — Ainda tenho as marcas na minha pele de todas as vezes em que me agrediu e me torturou. Não deveria estar chorando.

— Você se sente como se sente, Viola. Não há nada que possa fazer.

— Nessas horas eu queria ser igual a Cameron.

— Uma sociopata ninfomaníaca e com o pênis abaixo da média?

Ela riu sem querer.

— Não me faça rir — Estapeou-o. — Você disse que eu preciso sentir tudo.

— Okay, amor — Ele beijou-a na testa. — Estou aqui. Sempre estarei.

De repente, ela percebeu.

— Você ouve isto?

— O que?

— A música...

Ele parou para ouvir.

— São os vizinhos de baixo?

— Todos os dias a mesma música — No último volume.

Andy afastou-se um passo e estendeu uma mão.

— Dança comigo, Senhorita?

Linger, do The Cranberries? — Ela enfatizou. — Isso é meio vintage.

— Sou um homem à moda antiga, o que posso fazer? — Estendeu a outra mão. — Esta é a nossa chance, senhorita. Não me deixe esperando.

— Neste caso... — Ela adotou a pose. — Será um prazer, senhor.

Andy tomou-a nos braços, firmou a postura, girou duas vezes e segurou-a no ar, com os lábios bem próximos dos seus.

— Sabe qual o segredo da felicidade? — Disse ele. — Um romance brega e clichê — Girou-a de volta. — You’re in or you’re out?

I’m all in — Ela disse.

Eles riram e dançaram até o pôr-do-sol.

Ele clicou para reassistir o vídeo no celular.

— Bom dia, nenenzinhos sem nome — Disse Kerr, com a câmera nas mãos. — Esta aqui é a mamãe... — Virou para Amber.

— Não! — Ela tapou o rosto. — Esta é a mamãe feia. A mamãe de verdade é mais encantadora quando não tem dois bebês prestes a sair da sua vagina.

— Amber, não diga vagina. Eles vão assistir no aniversário de cinco anos.

— Se você exibir no primeiro aniversário, não irão entender.

— Mas nossos pais sim.

Amber suspirou.

— Tudo bem, pai, mãe, peço desculpas. Vagina! Vagina! Vagina! Vagina! Vagina! Vagina! — Ela gritou.

Kerr tentou tapar sua boca com uma mão.

— Anda logo, Amber. Diga algo legal a seus filhos.

— Por que agora? — Ela replicou. — Teremos a vida inteira pela frente.

— Porque eles gostariam de saber como tudo ocorreu.

— Aos cinco anos de idade?

— Bom, depois que se é adulto, você simplesmente finge que partos não acontecem.

Ela riu.

— Okay, okay. Como eu começo?

— Fale com o seu coração — Sugeriu Kerr.

Amber olhou diretamente para a câmera.

— Pequenos, não vou mentir para vocês — Ela disse. — Não é fácil estar na minha posição. Ser mãe solteira, tão jovem, com dois filhos para criar. E não vamos esquecer do parto, que pode ser uma experiência tão boa quanto traumatizante para qualquer mulher. Mas se estão se perguntando, agora, se eu teria feito diferente, a resposta é não. Eu não desistiria de vocês por medo do que as pessoas vão pensar. Não desistiria de vocês por saber que teremos muitos desafios pela frente, como toda família. E definitivamente não desistiria de vocês para ter outra vida, porque vocês são a única vida que eu quero. Esta foi a minha escolha. Eu escolhi vocês. Para sempre.

Alguém bateu à porta.

— Kerr? — Chamou seu pai.

Kerr enxugou as lágrimas e ajeitou-se na cadeira.

— Sim?

— Está na hora — Disse Donato.

Eles caminharam juntos até o quarto de Amber. Julianne estava lá. Tiveram tempo de despedir-se, pessoalmente. Dizer as últimas palavras. Kerr foi o único a recusar. Não é um adeus, é um até logo, pensava ele. Nos veremos outra vez. Mesmo que leve tempo.

— Podemos começar? — Perguntou a Doutra Breslin.

— Sim — Respondeu Donato, com a esposa abraçada.

Os médicos e enfermeiros posicionaram-se.

— Eu não quero ver... — Julianne tapou o rosto.

— Tudo bem, querida, tudo bem — O marido a confortou.  

Primeiro desligaram os monitores, em seguida as máquinas de tratamento intensivo. A desentubaram, desligaram o respirador, retiraram as intravenosas. O sinal de saturação manteve-se em zero. O apito soou.

— Te vejo em breve, little mouse — Kerr beijou-a na testa.

Um andar abaixo, Mia preparava-se para sua cirurgia. Judit levou-a até os portões azuis, onde a informaram que não poderia prosseguir.

— Chegou a hora — Disse ela. — Seja forte.

— Eu serei — Prometeu Mia, com a voz trêmula.

Assim que voltou ao quarto, Judit caminhou até as janelas, posicionou uma mão em sua borda e começou a arranha-la com a outra, até sangrar. A paisagem nas janelas não lhe prendia ao mundo real. A dor sim.

— Ela não é a única que terá uma chance por causa de Nate — Disse Lydia, atrás dela. — Tente pensar por este lado.

— Eu sei — Sussurrou Judit. — Quando ela abrir os olhos, ele também estará lá. E em todos os lugares.

As córneas devolveriam a visão de Mia. O coração daria uma chance a um jovem de dezoito anos que sonhava em jogar hóquei na faculdade. Os pulmões salvariam um pai de família, de quarenta e um anos, para que pudesse estar presente na formatura dos filhos. Os dois rins dariam tempo a uma mulher do Arizona, de cinquenta e cinco anos, para livrar-se de um casamento infeliz e viajar pelo mundo. As válvulas cardíacas salvariam um menino de dez anos que sonhava em abrir um restaurante italiano.

De uma forma ou de outra, ele também viverá, pensou Judit.

Um momento depois, Parker chegou ao quarto para avisar que o carro esperava por eles.

— Tudo bem — Disse Kerr, com um bebê em cada braço. — Estamos quase prontos.

— Olhe para eles — Parker se aproximou. — Parecem tanto com ela.

— Eu sei. São perfeitos.

As mãozinhas perfeitas. Os olhinhos perfeitos. Boquinhas e narizinhos perfeitos.

— Então, já decidiram os nomes? — Indagou Parker.

A resposta veio à mente de Kerr sem muito ele hesitar.

— Sim — Sussurrou-o. — Nate e Amber, bem-vindos à família.

O quarto estava como Nate o haveria deixado. Lençois caindo da cama. Travesseiros no chão. Roupas espalhadas sobre os móveis. Um hall de garrafas vazias na adega.

Alex acendeu as luzes ao entrar.

— Precisa de ajuda? — Ofereceu Thayer.

— Não, tudo bem — Ele disse. — Farei isto sozinho.

— Okay. Eu espero na outra sala — Assim deixou-o.

Alex avançou lentamente alguns passos, focado em cada detalhe. Na cômoda encontrou um bloco de anotações; ele o folheou. Na adega viu garrafas e copos fora do lugar; organizou-os em fileira. Nas gavetas encontrou produtos estéticos, como creme capilar e loção hidratante; não mexeu em nada ali. Na estante viu sua coleção de filmes em blu-ray; passou os dedos sobre cada título. Então, sobre a cama, ele sentou, mas uma parte dela acabou não cedendo com seu peso. Tem algo aqui.

Alex ajoelhou-se, posicionou as duas mãos, empurrou e ergueu o estofado. Estavam ali os diários de Nate; uma dúzia deles. As folhas pareciam desgastadas com o tempo e emitiam um forte cheiro de bebida.

Primeiro Alex jogou todos eles no chão, depois arrumou a cama no lugar e colocou-os sobre os lençois. Leu cada palavra com a voz de Nate em seus pensamentos.

“...Eu sei quem eu sou e quais são meus limites. Existe uma estratégia melhor?...”

“...Essa é a perfeição. Encantadora por fora, repulsiva por dentro...”

“...Ou talvez eu nunca melhore. Talvez este seja eu até o fim...”

“...Você entende?...”

“...Eu o amei como se fosse minha pequena tragédia...”

“...Mantenho sua memória viva, mas a sensação é a de ter você debaixo da minha pele...”

 “...Quantos de nós podem dizer que foram até o inferno e voltaram?...”

“...Eu já...”

“...Não tenho controle algum sobre o que me fode, o que eu insisto em foder e o que me enche de serotonina...”

“...Se eu não fosse tão incisivo em minhas idealizações, talvez visse pelo lado bom.

“...A verdade é que eu ainda estou tentando encontrar o que me mantém aqui...”

“...E se eu dissesse que todos os monstros que tememos na infância são reais, embora nada além de humanos? Seria seguro teme-los?...”

“...Isso só pode terminar de uma forma para mim. E está tudo bem...”

“...Eu não temo o fim...”

Alex suspirou.

O último ensaio terminou por volta das dezessete horas, quando chegaram os carregadores de mudança. Noah deu a eles permissão para entrar e pediu que a modelo trocasse de roupas no outro cômodo.

— É por aqui? — Perguntou a jovem de cabelos loiros.

— A última porta à esquerda — Ele disse.

— Ah, sim. Obrigada — Ela foi em direção.

Assim que dobrou o corredor, Noah tirou o celular do bolso e ligou para seu contato. Os carregadores tinham trazido um montante de caixas de papelão com isopor e lonas de plástico, além de dois carrinhos de carga para facilitar a locomoção. Não se importou com eles ali.

— Dê-me vinte e quatro horas — Dizia ele, no idioma francês. — Ela estará pronta até lá — Hesitou. — Não é necessário, basta transferir o dinheiro para a conta principal — [...] — Eu entendo. É nossa melhor oportunidade — [...] — Entraremos em contato, Senhor — Desligou.

E de repente, um estranho barulho. Noah olhou para trás e viu um artigo de porcelana em mil pedaços, no chão, sobre o tapete vermelho. Os carregadores olhavam assustados para ele e um para o outro.

— O que aconteceu...? — Indagou Noah, antes de tudo acontecer.  

A jovem modelo aproveitou a distração para se aproximar sem ser vista e acerta-lo com um martelo na parte de trás da cabeça, deixando-o inconsciente. Sangue esguichou por seus olhos, suas roupas e pequenos traços de sua pele escura.

Os homens uniformizados – na verdade, seus tios –, largaram tudo o que tinham em mãos e aproximaram-se a passos curtos.

— Você foi ótima — Sussurrou o mais alto, ao que tomou-lhe a arma.

 Ela limpou o sangue no rosto com as costas de uma mão.

Noah acordou ouvindo a doce canção de Hannah. Estava nu, em uma banheira, coberto por pedras de gelo; mas não sentia frio. Sentia dor. Muita dor.

Quando ergueu a cabeça, o quanto permitiu a posição, viu-a no tapete, sentada, junto a uma dúzia de bonecas de pano com os olhos vermelhos e as bocas costuradas. A poltrona ao seu lado era velha e decrépita. As paredes sujas, com manchas de sangue e fezes. Quase não entrava sol pela única janela que ele conseguiu ver, atrás da garota, mesmo com as cortinas em afaste.

Okay, isso não é bom.

— Hannah... — Chamou ele.

A garota olhou assustada. Parou de cantar, de repente. Então saiu correndo.

— Mãe! — Gritava.  

A mulher que surgiu junto a ela, do outro cômodo, usava uniforme azul, luvas e máscara de cirurgião, e carregava no cinto uma variedade de utensílios médicos. Bisturi, tesouras, pinças, afastadores, fórceps, saca bocado, curetas e agulhas. O sorriso em seus lábios era assassino.

Acorda, acorda — Ela cantarolou, enquanto tirava as luvas.  

O que Noah tentara dizer, inutilmente, fora interrompido por um acesso de tosse. Sangue escorreu pela porcelana da banheira.

— Ah, é — Ouviu-a dizer. — Você está morrendo. Vagarosamente — Colocou outras luvas. — Bom que esteja acordado para isto.

— Para que? — Ele arrastou as palavras.

A mulher ajoelhou-se ao lado da banheira.

— Hoje você perderá tudo o que há dentro de você, Noah. O coração, os pulmões, os rins, o pâncreas, o intestino. Córneas, ossos peles e válvulas cardíacas. Olhe... — Apontou para a cicatriz em seu abdome. — Começamos pelo fígado. Isso quer dizer que você só tem algumas horas até receber o beijo frio e ominoso da morte.

— Não! — Ele tentou segura-la.

Ela se afastou.

— É o que acontece quando um de nós é posto ao inferno, Noah — Disse a ele. — Nós damos o inferno de volta — Virou menina. — Hannah, este homem deve morrer pelo que fez?

— Sim, mamãe — Concordou. — Ele é um homem muito mau.

— Vendemos seus órgãos ou os destruímos?

— Vendemos todos. Precisamos do dinheiro para transplante dentário do vovô.

— Boa garota — Sorriu sua mãe. — Está decidido, Senhor Borchardt. Você mexeu com a família errada.

Noah se debateu.

— Hannah, traga o anestésico, por favor — Pediu sua mãe.

— Sim — Prontificou-se a menina.

Noah gritou o mais alto de seus pulmões quando a agulha perfurou sua pele.

 Ela esperou enquanto retiravam a venda. Contou vinte e duas voltas, ao todo. Seu corpo parecia mais leve ao final de cada uma delas.

— Abra os olhos, por favor — Disse a Doutora Tammin.

Mia não hesitou.

Viu primeiro um relógio circular na parede, do outro lado do cômodo. A penteadeira, os sofás e o closet estavam à sua frente. Quando virou a cabeça, viu a mãe, parada, em frente as janelas, com as duas mãos nos bolsos do sobretudo branco. Nos pés ela usava um par de scarpins da mesma cor, e seus longos fios negros caiam à altura dos ombros, em um penteado ondulado.  

O jovem loiro, alto e de jaqueta vermelha poderia ser Alex, mas Mia não estava certa disso. A mulher ao seu lado, com luvas, chapéu e um colar de pérolas brancas, reconheceu como Lydia. Os rostos no grupo de médicos e enfermeiros pareciam indistintos.

— Sente alguma dor? — Perguntou a Doutora Tammin.

— A luz incomoda um pouco... — Disse Mia.

A doutora realizou uma breve análise.

— Bom, parece tudo normal — Informou-a. — O embaço deve melhorar nas próximas semanas com a terapia. Há grande chances de recuperar até oitenta por cento da visão.

— Em quanto tempo? — Perguntou Judit.

— De seis a dezoito meses. É muito relativo.

— É muito tempo — Sussurrou Alex.

Enquanto eles conversavam, Mia levantou da cadeira, caminhou em passos curtos até o espelho, na parede, e encarou seu reflexo. A conversa cessou por um breve instante. Eles olhavam diretamente para ela, mas ela enxergava além dos cabelos negros, emaranhados; da pele marcada por cortes e arranhões, e seus lindos olhos verdes. Seus e dele agora.

Mia ergueu uma mão para tocar o rosto, chegou à ponta de um dos olhos. O medo de vê-lo outra vez obrigou-a a fecha-los. Era cedo demais.  

Passado algum tempo, Mia recebeu a liberação e foi acompanhada por Judit, Lydia e Alex até a limusine. Natasha apareceu por lá. Usava luvas, botas, boina, um sobretudo negro, de botões largos, e um cachecol de lãs em volta do pescoço. Seus olhos brilharam cheios de lágrimas presas quando encontrou os de Mia.

— Vá — Alex incentivou a irmã.

Mia levantou da cadeira de rodas e seguiu até ela. Encontraram-se no meio do caminho.

— Senti sua falta — Disse Natasha

— Senti sua falta — Respondeu Mia, em seus braços.

Como ela estava de costas, Alex e Natasha podiam se ver. Ele assentiu para ela, em cumprimento. Ela chegou a sorrir.

Era um sorriso que dizia a verdade.

Jensen e o irmão terminavam de organizar a bagagem no porta-malas ao fim daquela manhã.

— Essa é a última? — Perguntou Jake.

— Por agora — Disse Jensen, posicionando-a no espaço vago. — O pai enviará o restante em um voo particular — Empurrou para trás.

O olhar de Jake era um pré, pós e presente julgamento.

— Calma, é brincadeira— Jensen logo disse.

— Ah, é. Eu nem imaginei — Ironizou o irmão. — Você é cem por cento essa pessoa.

— Não mais — Ele fechou o porta-malas.

Juntos começaram a caminhar.

— Então, — Disse Jake. — Sua aventura começa por onde?

— Ainda não decidi. Não é o momento certo.

— Eu achei que você tinha comprado as passagens com antecedência.

— Sim, comprei trinta e sete passagens aéreas para trinta e sete destinos diferentes. Estão todas no porta-luvas.

O irmão torceu o beiço, meio impressionado.

— Bom, essa é uma maneira de gastar sua parte da herança.

— Talvez 0,0001% dela. Preciso ser criativo.

— Você pensará em algo — Ele sabia. 

Jensen escorou-se na porta da frente, de braços cruzados. Jake parou a um metro, de frente para ele. O silêncio quase os pegou desprevenidos.

— Vejo você em breve, não é? — Jake pensava nisto.

— Não sei o quão breve, mas sim — Prometeu Jensen. — O pai gostaria que eu estivesse ao seu lado ano que vem, durante as eleições. Sem mencionar a faculdade.

— Você pretende voltar?

— Pretendo pensar a respeito. É minha única estratégia.

— Eu posso pressiona-lo, se quiser. Melhor eu que nosso pai.

— Acha que eu vou precisar?

Jake deu de ombros.

— Só Deus sabe que tipo de descoberta espiritual está prestes a fazer — Ele disse. —  Sendo assim, partimos para as despedidas.

— Você quer me abraçar ou algo do tipo?

— Eu não falei por mim. Olhe... — Fez sinal com a cabeça.

Alex caminhava em direção a eles, dos portões ao chafariz.

— Não se preocupe — Sorriu Jake. — Os deixarei a sós — Ele acenou. — Bom ver você, Alex.

— Bom ver você — Alex acenou de volta.

Agora eram apenas ele e Jensen.

— Vai viajar? — Notara Alex, pela bagagem.

Jensen olhou de reflexo para o banco de trás.

— É, eu... sinto muito por não ter avisado. Achei que seria bom tirar um tempo só para mim.

— Isso geralmente funciona — Ele hesitou. — Quer dizer, se encontrar o lugar certo — Hesitou outra vez.

Jensen analisava-o com o olhar.

— Você está bem?

— Sim, tudo bem — Sussurrou Alex. — Só estava pensando em propor um último papo motivacional antes de você cair no mundo. Acha que podemos conversar?

— Depende. É sobre garotos?

— Sobre todos os garotos possíveis.

Jensen sorriu.

— Tudo bem, vamos dar uma volta.

— Você primeiro — Insistiu Alex.

Juntos eles caminharam através dos jardins, em meio às muradas de bosco e ao redor do grande anel que formava as ramificações principais. Jensen manteve as mãos nos bolsos todo o caminho. Alex acompanhava-o de cabeça baixa.

— Então, como foi o memorial? — Lembrou Jensen.

— Foi tudo bem — Disse Alex. — Achamos que viria, entretanto.   

— Eu não estava na cidade. Meu pai, ele... ele nos fez ir juntos em sua viagem de negócios. Parte de mim acha que isso foi bom.

— Por que?

— Porque assim não precisei enfrentar.

Alex assentiu.

— Sabe, há alguns dias, eu estava vasculhando o quarto de hotel de Nate. Encontrei todos os seus diários.

— Os que ele escreveu em Paris?

— Sim. A maioria.

Hmm — Jensen ponderou. — Eu achei que os tivesse destruído.

— Foi o que ele nos disse, mas sei que não faria algo assim. É a sua verdade em jogo.

— Ele escreveu sobre Gwenett?

— Entre outras coisas — Reiterou Alex. — Alguns trechos eram perturbadores demais para serem mencionados. Enfim... eu terminei de ler há algumas noites. Não sei bem o que pensar... — Balançou a cabeça. — Você sabia sobre o armário da cozinha, que ele tanto tinha medo? — Olhou para ele.

A resposta era Sim e Não. Nate nunca terminou de contar a história.

— Quer dizer, o quarto escuro? — Jensen mencionou.

— Ele usou esse termo algumas vezes — Lembrou Alex. — Sempre que Gwen e ele desobedeciam às regras, Simon os trancava no armário da cozinha até o anoitecer. Os empregados tinham ordens para ignorar seus gritos e fingir que estava tudo bem.

Jensen franziu a testa.

— Nossa, isso é horrível. Quantos anos eles tinham?

— Seis e sete. Nate passou um de seus aniversários ali — De acordo ao que leu.

A expressão no rosto de Jensen era de total descrença.

— Como alguém pode fazer algo assim com seus filhos?

— Pergunto-me a mesma coisa — Disse Alex. — Mas pensando agora, talvez tenha sido o único momento em que agiram feito irmãos. Ela sempre levava uma lanterna no bolso do pijama, pois lá dentro era muito escuro. E ele sempre cantava para ela dormir, em seus braços, até alguém vir busca-los. Não acho que teriam conseguido se estivessem sozinhos. Você entende?

Jensen fez que sim.

— Acha que é mais fácil se apegar a essas lembranças, não as que temos? — Perguntou-o.

— Talvez para um de nós, mas não para eles — Alex respondeu.

Ele agora fitava o horizonte.

— Vamos ficar bem, não é? O pior já passou.

— Não. Ainda devemos uma festa de despedida para ele.

— Ah... — Jensen sorriu. — O último pedido.

— O último dos últimos. Uma grande orgia na mansão Strauss.

Eles gargalharam.

— Se cuida, ta bom? — Alex o abraçou. — Não vamos nos distanciar como antes.

— Eu não pretendo. Logo estarei de volta.

— Então, boa viagem — Ele acenou.

— E você, boas festas — Também acenou.

O sol havia se escondido por trás de uma espessa camada de nuvens, num céu branco e azulado. Alex caminhou pelas sombras das árvores até os portões, e dos portões até seu Aston Martin One-77. Um último aceno fez de despedida.

Depois que ele saiu, Jensen entrou no carro, regulou os bancos e checou ambos os porta-luvas e o painel. A viseira desprendeu-se sem ele dar o comando, mas preferiu deixar assim. A foto número um mostrava Nate na cama, tapando o rosto – tinha acabado de acordar. A segunda era um take meio tremido de quando caminhavam pelas ruas de Nova York e Jensen o surpreendeu com as lentes da câmera. Na foto seguinte, Nate aparecia ao lado de dois desconhecidos em um bar qualquer, usando um moletom azul escuro com capuz que dizia Yale University e um boné amarelo virado para trás que dizia Ivy League.

Jensen não pensou em mais nada ao vê-lo sorrir.

— Pronto para conhecer o mundo? — Sussurrou-o.

A viseira voltou ao lugar. Jensen deu partida.

Travis encontrou-o em frente a lareira, no escritório, com uma pasta de documentos em mãos. As bolinhas de papel alimentavam as chamas.

— Seria mais fácil usar o triturador — Comentou com ele.

— Na verdade, estou em busca do efeito shakespeariano — Disse Thayer. — Você deve entender.

— Eu entendo — Concordou o irmão.

As chamas cresceram diante os olhos de Thayer.

— Não vai se juntar a nós na sala de estar? — Insistiu Travis.

O irmão talvez não lembrasse que os convidados esperavam por eles.

— Sim, em um minuto — Ele virou. — Mas antes... — Entregou-o. — Feliz aniversário, irmãozinho — Sorriu a ele.

Travis olhou sem entender para a pasta em suas mãos.

— Eu deveria revisar esse texto, ou...?

— Não, é apenas informativo. As ações majoritárias do Linnard Report já estão em seu nome.

— O que? — Ele quase gritou. — Thayer, você não pode...

— Bom, eu posso. É tudo seu agora. Não precisa mais responder a mim.

— Se isso for uma de suas brincadeiras...

— Travis, leia os documentos — Pediu o irmão.

Estava tudo ali.

— Ai meu deus... — Sussurrou Travis. — Isso é... isso é... ah, cara! — Abraçou-o. — Muito obrigado. De verdade.

— Não há de quê — Disse Thayer. — Agora sua primeira tarefa, e também a mais importante... — Afastou-o. — Você precisa me despedir.

— Por que seria o mais importante?

— Porque é você quem vai se apresentar formalmente para o conselho.

— Oh... — Travis pensou melhor. — Talvez você não possa mais trabalhar como jornalista em lugar algum.

— Pois é — Ele virou.

Os olhos de Travis acompanharam-no.

— Então, o que pretende fazer agora?

— Eu não sei... — Ele mexia a lareira com o atiçador. — Talvez eu tente algo novo e descubra que sou muito bom nisso. Ou talvez continue no que sempre fui bom e supere meus limites. Mas seja o que for, farei de toda minha vontade. Não há tempo a perder.

— É algo que Nate disse?

Thayer virou.

— Ele dizia muitas coisas. Eu nunca dava ouvidos.

— Quase nunca — Travis quis dizer.

A porta do escritório então se abriu, ruidosamente. Eles dois olharam.

— Olá — Disse Parker. — Eu interrompo vocês?

— Não, tudo bem — Respondeu Travis. — Estava indo encontra-lo — Virou ao irmão. — Você vem?

— Em um minuto — Disse Thayer. — Guarde uma taça para mim.

Travis concordou, Parker cumprimentou-o, Thayer cumprimentou-o de volta, os dois saíram. Nada mais se ouviu ao bater das portas.

Thayer, do bolso do paletó, tirou um dos diários de Nate, que há tanto tempo guardara para si. Era estranho que todas as vezes em que pensou em atea-lo fogo, ou dar a descarga, ou atirar no mar, algo parecia impedi-lo. Por quê?

Ele folheou algumas páginas, depois fechou com a presilha e guardou de volta no bolso. Suas últimas palavras não seriam as últimas se não lesse agora.

Eles o conduziram ao pavilhão do segundo andar, onde ficava seu quarto. Trazia nas mãos lençois de cama, produtos de higiene pessoal e o uniforme da Crossroads Juvenile Center, com uma marca estampada da ponte do Brooklyn. 

— Belmont, quarto vinte e cinco, cama três — Entoou o inspetor.

Outros dois garotos esperavam no quarto, cada um em uma cama. Dominik ficou com a mais próxima às janelas. Ótimo. Podia ver a quadra de basquete, o parque e o pátio central. Passara algum tempo ali.  

— Hey, Rapunzel! — Chamou um dos garotos, na outra cama. Dominik não respondeu. — Hey! — Jogou-o uma tampa de caneta. Dominik encarou-o. — Você tem algum doce?

— Não — Ele virou de volta.

O garoto, então, balançou uma caixinha de pastilhas de menta para que ele ouvisse.

— E quer um?

— Não, obrigado.

— Tem certeza? — Balançou outra vez.

Dominik não disse mais nada.

— Ele gostou do quarto — Disse o outro rapaz, na cama de baixo.

— É, somos um quatro estrelas — O amigo completou.

Até parece. Faltavam-lhe todas as estrelas.

— Diz aí, o que fez pra merecer o reformatório? — Perguntou o da cama de cima. Dominik o ignorou. — Estou falando com você, Rapunzel. Por que está aqui?

— Quer mesmo saber? — Virou a ele.

— Por isso perguntei — Insistiu o garoto.

O olhar de Dominik pairou ao nada.

— Eu conheci alguém — Contou-os. — Ele era perfeito para mim. Mas de tão perfeito, tão encantador, nos mínimos detalhes, tornou-se aquilo que eu mais temia. Meu oponente — Hesitou. — Eu destruí tudo o que ele amava, tudo o que um dia foi seu. E isso inclui a mim — Deu u ar de risos. — Talvez eu esteja no único lugar onde podem fazer justiça em seu nome.

— Ele está morto? — Perguntou o da cama de cima.

Dominik respondeu-o com o olhar, primeiramente.

— Ele está por aí — Disse, então.

Os garotos ficaram em silêncio.

Quando o inspetor retornou, eles receberam ordens para trocar de roupas e ir ao refeitório. Dominik saiu na frente. Eles desceram as escadas, cruzaram três corredores. Lá embaixo, os rapazes do Bloco A se uniram aos do Bloco B, C e D. Entre eles estava o rapaz de boné verde e camiseta listrada que passou pela inspeção junto a ele.

— Hey, loirinha! — Cuspiu o garoto.

Dominik parou de caminhar e olhou para trás. Havia uma marca vermelha de suco de morango em seu uniforme.

— Mas que porra? — Ele gritou.

— Relaxa, é suco natural — Cuspiu outra vez.

Os olhos de Dominik não fecharam a tempo.

Ah, não. Seu merdinha.

Para revidar, Dominik sopapeou o copo das mãos dele e golpeou-o no nariz. O rapaz conseguiu equilibrar-se nas solas dos sapatos, malmente, no que então devolvera o golpe.

Eles dois se embolaram no chão.

Hit! Hit! Hit! Hit! — Gritavam os outros garotos.  

Ao final, o rapaz havia perdido seu boné, mas apenas as roupas de Dominik ficaram manchadas de sangue... ou suco de cranberry? Tanto faz.  

 Eles dois foram levados ao setor de isolamento. Uma cela com paredes vazias, cama e latrina, fedendo a mofo. Dominik não imaginava quanto tempo passaria ali, sentado à beira de uma cama de concreto. Sua realidade limitava-se ao que conseguia ver no pequeno espelho de cabeceira. Arranhões no rosto. Olhos inchados. Dois dentes em falta. Calvo na parte da frente, onde os cabelos foram arrancados.

— Droga! — Gritou ele, ao que socara o espelho.      

Os fragmentos refletiram a imagem distorcida que ele via por dentro.

Passava seus dias em frente as janelas, observando a paisagem e os jardins. Não dizia nada. Não se movia. Os únicos a manusear a cadeira de rodas eram as enfermeiras de plantão.

— Olha só — Comentou uma delas, com outra amiga. — Essa é a garota que eu falei.

— A Death Stalker?

— Ela mesma. Dizem que tentou incriminar o próprio irmão pelo assassinato que ela e o namorado cometeram, mas não terminou bem para nenhum deles. Seu namorado foi preso, seu irmão morreu em um acidente de carro, durante uma perseguição. E ela... bem. Esta é sua vida agora. Ao nosso lado.

A enfermeira observou.

— Ela nunca mais vai andar?

— Ou mover-se do pescoço para baixo — Relatou a amiga. — Karma’s a bitch, right?

— Eu chamaria de maldição familiar. Mas sim — Deu de ombros. — Uma pena ela ter feito um voto de silêncio antes que a trouxessem para cá.

— Eu sei. Poderíamos pedir sua autorização para escrever um roteiro.

— Um roteiro e duas sequências — A outra completou.

Elas riram juntas.

Havia adentrado ao salão uma mulher de sobretudo branco, salto alto e óculos escuros, com os longos cabelos ruivo-borgonha a ondular sob a brisa matinal. As outras duas acompanharam-na do momento em que tomou a cadeira de rodas, com ambas as mãos, ao levar a paciente em direção aos dormitórios.

— Quem é ela? — Perguntou uma enfermeira.

— Deve ser nova — Respondeu a outra.

Já nos aposentos, a mulher trancou a porta com uma chave dourada e escondeu-a por baixo do uniforme, entre os seios. Seus olhos verdes gateados encaravam Gwen a sete centímetros de distância.

— Sabe quem eu sou? — Perguntou-a. Gwen não respondeu. — Mia costumava me chamar de mamãe — Ela caminhou. — Nate e Alex passaram a me chamar de Mãe — Aproximou-se das janelas. — Há quem me chame de Ivy Vlasak... — Abriu as cortinas. — E há alguém que esteja diante dos seus olhos — Virou a ela. — Diga-me, Senhorita Strauss. O que posso fazer para melhorar sua estadia?

Gwen lançou-lhe um olhar nervoso.

— Foi o que eu pensei — Ivy virou outra vez, fechou as cortinas com um puxão. — Seu tratamento começa agora.

Jensen dirigiu até o topo de uma colina no Porto de Makarska, Croácia. As casas amontoavam-se quilômetros abaixo da rodovia principal. As florestas projetavam-se à extensão das superfícies montanhosas, na parte mais alta do relevo. Cheiro de praia salgada e vegetação por quilômetros ao sul.

Jensen saiu do carro, caminhou à beira da penedia e inspirou o ar matinal pela primeira vez desde que deixou o aeroporto. Ah, finalmente, pensou consigo. Ao mudar seu campo de visão, achou tê-los visto ali, parados, de mãos dadas, sorrindo para ele. As roupas de Nate eram as mesmas do dia do acidente – casaco negro, camiseta, jeans e botas. Já as de Gus, as mesmas que viu na foto que Nate mostrou – calças de pijama e um moletom cinza claro com o símbolo de um super herói.

Jensen começou a lembrar de tudo. O hospital. A ponte. A última noite na cabana. O dia do término. A queda da mansão Strauss. O olhar entre Nate e Theon. Suas duras palavras. A cor de seus olhos. A viagem à Wilmington. A viagem ao Brasil. Os The Judges. O natal em família. A arma nas mãos de Justin. O disparo. O sonho que teve. O beijo na porta da mansão, com as lentes azuis. Seu retorno triunfal. O pedido de namoro. A noite da armação. O acampamento de verão, aos quatorze anos. Eles na Disney World, aos dez.

 E finalmente, o dia em que se conheceram. Era uma tarde de sexta-feira, seus pais tinham acabado de se casar. Nate veio correndo em direção a ele, na festa, e eles deram de encontro.

— Está fugindo de quem? — Perguntou o pequeno Jensen, assim que o ajudou a se erguer.

— Da minha irmã — Queixou-se o pequeno Nate. — Ela quer jogar Chateau no meu terninho.

— O que é um Chateau?

— É o que os adultos usam para brindar — Nate olhou para o lado. — Aí vem ela, esconda-se! — Puxou-o pela mão.

Ele e Jensen esconderam-se embaixo de uma mesa.

— O que é isto? — Notara o pequeno Jensen, nas mãos dele.   

— Ah, eu me cortei nos arbustos — Disse Nate.

— Ainda dói?

— Só se eu ficar suado.

— Por que?

— Porque dói — Retrucou o menino.

Jensen olhou por trás da toalha.

— Ela já foi — Avisou-o. — Vamos, eu sei onde podemos nos esconder.

— Onde?

— Na casa da árvore. Meninas não sobem lá.

— Claro que sobem. Elas podem fazer qualquer coisa.

— Mas a sua irmã nunca vai saber. Vamos! — Puxou-o por uma mão.

Ah, Nate. Eu deveria tê-lo escutado. Gwen nos encontrou minutos depois e eu também fiquei com meu terninho todo sujo — Riu ele.

De volta à penedia, fechou e abriu os olhos lentamente. A luz do sol pareceu tê-los levado embora por cada lampejo.

— Vocês também vieram ver? — Sussurrou Jensen.

Sabia que não estavam ali – não de verdade. Mas por um momento, e só por um momento, permitiu-se acreditar.

Epílogo

“Ninguém parte sozinho”.

Olá.

Sou eu, Alex. Esta é a primeira vez que escrevo em um diário, então perdoe minha falta de jeito, querido irmão. Não sou tão experiente quanto você.

Hoje, dois de setembro, é a noite de cerimônia dos hotéis Strauss. Estão todos no salão de festas, enquanto eu escrevo em meu quarto. Alguns deles você nem conheceu pessoalmente. Quanto tempo faz? Sete? Oito anos? A contagem não é exata. Mas se você, como alguns de nós, também está perdido, aí vai um ‘supercut’ do que se tornou nossas vidas.

Após quinze meses, Mia recebeu alta do hospital e mudou-se para o apartamento de Natasha, onde, anos depois, oficializaram a união. Hoje elas têm um filho de dois anos gerado por Mia, o pequeno Ezra; e Natasha dará à luz a duas meninas daqui a alguns meses. Por isso eu digo que é melhor se acostumar. Não seremos os únicos e nem os últimos gêmeos Strauss com uma típica vocação para o drama e as disputas de poder.  

Jensen, após alguns anos, e muitas, muitas milhas depois, finalmente voltou para casa e concluiu a universidade. Hoje ele assina como o responsável pela projeção do Strauss Imperial Hotel, o maior, mais luxuoso e mais sofisticado das três Américas. Diz a lenda que o homem solitário construiu seu império em memória a um grande amor, e que todos os dias vai sozinho ao topo da cidade para assistir ao pôr-do-sol e esperar por aquele que nunca vai voltar.

Poucos sabem que isso realmente acontece, embora não em um contexto das obras da Shonda Rhimes. Ele é feliz, sabe? Mesmo sozinho, conseguiu se encontrar. Está sempre com um sorriso no rosto.

Kerr casou-se quatro anos atrás com um cirurgião do Liberty County Hospital – você já ouviu falar. Isso ele e Travis têm em comum, pois agora seus maridos trabalham juntos e disputam os mesmos pacientes na área de cirurgia geral. Nate e Amber, os sobrinhos, vão para a mesma escola que você e Jensen foram. Imagine só? A próxima geração já tem uma dupla de gêmeos para seguir e uma dupla substituta no vente de Natasha. Por favor, não conte isso a ela.

E falando em números, aqui vai uma menção honrosa a Viola e Andy, os novos papais. Eles casaram há seis anos, adotaram quatro crianças e já estão se preparando para adotar mais duas durante a viagem à África do Sul. A única família capaz de rivalizar estes números é a de Dae e Cameron, vencendo por um novo integrante de poliamor a cada dois meses. Soube que agora estão morando em Tóquio, Japão. Isto é o que eu chamo de final involuntário.

Quanto a nossa família, não se preocupe. As coisas terminaram muito bem para eles. Lydia casou-se com o namorado, Judit e Simon renovaram os votos assim que ele deixou a prisão e Ivy engatou um romance com o produtor responsável pelo seu primeiro papel no cinema. Até Valeska e Boris conseguiram se acertar – inacreditavelmente. Sabemos que eles também são parte da família.

Você lembra do Henry, não é? O cara que me ajudou em Vaughan, no Canadá. Ele ligou um ano depois, dizendo ter reencontrado um antigo amor da época da escola. Hoje ele vive em Toronto, tem uma filha de três anos e trabalha como cirurgião no St. Joseph’s Health Centre. Octavia vive ali perto, ela pode ficar de olho nele.

 Agora, sobre Thayer... não se espante se eu disser que ele se formou em fisioterapia e atende a todos os eventos da alta sociedade como Doutor Van Der Wall, mas sei que vai erguer as sobrancelhas quando eu disser que estamos casados há sete anos, adotamos três crianças e vivemos no antigo apartamento de Jensen após a reforma geral. Sim, Nate, você tem sobrinhos. Aiden, o mais velho, com seis anos. Juliet, a do meio, com quatro. E Froy, o recém-nascido.

Sempre que eles me perguntam sobre você, eu conto uma de nossas histórias em versão censurada. As mais leves, é claro. Eles ainda não têm idade para saber dos detalhes que o comprometem.

Pergunte-me agora, irmão, se eu sou a pessoa mais feliz do mundo, e minha resposta será uma pluralidade de ‘sins’ e ‘não consigo explicar’. Eu só quero que saiba que ainda o considero parte disso tudo, mesmo sem você aqui. Ou melhor, mesmo estando tão longe. Pois sei que nunca deixaria de olhar por todos nós.

Lembra daquela música que ouvimos juntos, na rádio, depois de abrirmos os presentes de natal? Faço dela as minhas últimas palavras.

‘Você me ensinou a coragem das estrelas antes de partir’.

‘Como a luz perdura eternamente, mesmo após a morte’.

‘Sem poder respirar, você explicou o infinito’.

‘Quão raro e belo é o fato de simplesmente existirmos’.

 Até algum dia, irmão. Eu amo você.

Alex.

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Considerações Finais

Quando perguntado o que o inspira a escrever, meu autor favorito, George R. R. Martin, geralmente responde com um trecho do discurso de vitória de William Faulkner, em 1949, vencedor do Prêmio Nobel de Literatura. “O jovem homem ou mulher, escrevendo hoje, se esqueceu dos problemas do coração humano em conflito consigo mesmo. Que por si só gera uma boa escrita, porque é apenas sobre isso que vale a pena escrever. Que vale a agonia e o suor”.

É muito fácil se identificar com essa citação, seja você um escritor de longas datas, já publicado, um aspirante, começando agora, ou um fã de sagas e filmes, que só tem seu trabalho reconhecido na internet. Mas alguns de nós – e sim, me incluo nisto –, podem atribuir um significado muito mais pessoal. Já pensou na possibilidade de alguém que nunca conheceu, ouviu falar e nunca leu nada a respeito, saber exatamente o que te inspira a fazer o que faz? Isso só é possível se vocês acreditarem em uma única verdade: É nossa vida no papel, até quando escrevemos fantasia.

Meus leitores sabem que minhas histórias não são pra qualquer um. Temas como depressão, bullying, suicídio, tortura, uso de drogas e violência sexual são os mais corriqueiros, e geralmente compõem uma estrutura narrativa mais densa e pesada. Se algum de vocês já se perguntou porque me interesso tanto em explorar a fraqueza e a crueldade humana, e principalmente do ponto de vista dos vilões e anti-heróis, esse é o motivo. O ser humano em conflito consigo mesmo é a única coisa sobre o que vale a pena escrever. É o que vale a agonia e o suor. Palavras não minhas.

O que posso dizer, por mim mesmo, é que me chamo João Lindley, estou nos meus vinte e tantos anos (não me pergunte quais), e desde que me entendo por gente sei que sou um escritor. Em 2015 fui diagnosticado com transtorno de personalidade borderline, o que pode explicar a excentricidade da minha inclinação criativa. Mas eu não saberia o que responder se me perguntassem pela minha orientação sexual. Na maioria das vezes digo que sou Pan, embora, às vezes, seja tão confuso que eu prefiro não dizer nada. É melhor assim.

Este sou eu. Estes são os meus conflitos. Minhas histórias são uma combinação de tudo o que já vi, vivi, senti, toquei e quebrei. Meus personagens são pessoas que eu tive o prazer e o desprazer de conhecer, seja na vida real, em um filme, uma série ou nos meus livros preferidos. Eu escrevo, sim, tentando fazer a diferença, mas também para me livrar de alguns demônios que perambulam minha mente. São tantos e falam tão alto que eu não saberia lidar com eles se não os pusesse no papel.

Dito isso, deixo aqui minhas palavras de gratidão. Se você me acompanhou até agora, muito obrigado. Se desistiu no caminho porque viu o número de páginas aumentar, não tenha pressa; vai ter tempo para nos alcançar. E se já não é mais do seu interesse saber como termina a história de Nate, Alex e Mia, tudo bem também. Foi bom enquanto estivemos todos juntos e pudemos compartilhar de nossas paixões e expectativas.

Para The Double Me, isso é um adeus. Para os livros que virão, é um até logo.

Então até logo.


Nas Entrelinhas...

Sabemos que os elementos ficcionais de The Double Me foram inspirados na vida pessoal do próprio autor, João Lindley. Mas até onde é verdade e até onde é ficção?

Abrimos este espaço, aqui, para contar algumas histórias de fogueira.

Mas tome cuidado! Esta é a versão de quem vos conta – e podem haver muitas outras por aí.

 Nate x Jensen x Dominik

João Lindley: Já disse antes que cada um dos trigêmeos representa um traço distinto da minha personalidade, mas esta é a única exceção. A maioria dos personagens do primeiro livro é inspirado em alguém que eu realmente conheci. Jensen, por exemplo, foi primeiro namorado. A diferença é que nos livros ele é loiro (na vida real, branco de cabelos bem negros); e acreditem, ele nunca me traiu. Digo isso para deixar claro que a cena do flagra no primeiro livro não teve inspiração na vida real. Fiquem despreocupados.

Agora, falando em boy lixo, temos Dominik, meu segundo número dois (se é que posso chama-lo assim, porque ele nunca me chama de ex). Nos conhecemos em meados de 2015 e ficamos juntos por dois meses, apenas. Mas foi o suficiente pra virar a minha vida de cabeça pra baixo.

Essa adaptação foi muito fiel, na verdade. Nossos amigos em comum até disseram que eu captei a essência da pessoa que conhecemos, embora em um contexto totalmente diferente. Bom, eu não quero julgar ninguém. Espero que o Dominik da vida real tenha aprendido valiosas lições e mudado enquanto havia tempo. Faz anos que não nos falamos. Nem pretendemos.

Gwenett

A meia-irmã de Nate é inspirada na minha própria meia irmã, filha do meu ex padrasto. Minha mãe até hoje tem ela como filha, mas eu tenho muita dificuldade de aceitar isso, porque muita coisa aconteceu. Eu fui literalmente roubado e enganado por ela – isso porque fomos criados para ser da “família”.

Talvez o diferencial esteja na conclusão dos fatos, além da vingança que eu nunca efetivei contra ela.  A Gwen da vida real nunca sofreu um “acidente”, nunca teve cicatrizes no rosto e nunca foi internada em uma clínica psiquiátrica. Mas às vezes eu acho que merecia. Ninguém a puniu pelas coisas que fez comigo, porque era “melhor esquecer”. Eu não sei se posso esquecer.

Personagens Secundários

Com poucas exceções, todos os outros personagens também foram inspirados em pessoas da vida real. Kerr é uma homenagem ao meu leitor mais antigo, que lê tudo o que escrevo desde os meus treze anos e publicava em comunidades do Orkut. Seu talento como violinista foi uma grande inspiração para mim, além de me tirar da minha zona de conforto. Tive que aprender muita coisa desse meio para me aprofundar no personagem.

Amber, a irmã de Kerr, é inspirada na melhor amiga da minha adolescência, que também era amiga do Jensen da vida real. A história não adaptada em The Double Me é que ela era apaixonada pelo meu namorado, Jensen. Mas eu desisti da ideia quando percebi que já tínhamos outros cinco personagens apaixonados por ele. Pois é, o Jensen da vida real também tinha esse efeito nas pessoas.

Cameron não é inspirada por alguém, especificamente. Quer dizer, não totalmente. Eu lembro desse garoto dos meus tempos de colégio, que era como um parque de diversão pras meninas. Acho que fiquei meio obcecado por ele e toda aquela beleza óbvia, embora os traços tóxicos, tão comuns nesse tipo de garoto, fossem totalmente visíveis. Cameron é do tipo que te conquista porque sim e te abandona porque ficou entediado. Acostume-se.

Viola é uma homenagem a um amigo meu que costumava fazer drag, mas hoje em dia não nos falamos mais. A vida deu um jeito de nos separar. Que pena. Gostaria muito que ele lesse o desfecho de sua personagem.

Justin pode ser considerado uma mistura dos pequenos vilões de séries de tv, como Gossip Girl, e o cara por quem eu fui trocado duas vezes. Ele realmente não tinha muitos atrativos, se for parar pra pensar. Meu namorado só era obcecado por ele porque ele não era obcecado pelo meu namorado, e isso o transformava em alguém irresistível aos olhos de um conquistador.

Fiquem tranquilos, ele não é um psicopata da vida real. Seria até mais fácil se ele fosse, então eu não precisaria me sentir culpado por odia-lo.

Talvez seja estranho pra vocês se eu disser que o Quentin foi inspirado por uma garota, ou não? É que essa história se repete aos montes. Tinha essa garota da internet, dizendo estar apaixonada por mim. Mas eu estava apaixonado por outro cara, que ficava indo e vindo. No final todo mundo acabou solteiro. Essa é a vida real. Mas sim, consegui manter a amizade dela. Hoje é uma pessoa que eu faço questão de levar comigo.

E sobre a troca de gêneros, eu achei melhor assim. Muitas pessoas poderiam alegar que o Nate é machista ou misógino por sempre tratar Quentin como uma segunda opção. E eu não gostaria que esse estigma caísse sobre o personagem quando ele já carrega o fardo de ser o protagonista sofredor e o vilão ao mesmo tempo.

Theon x Thayer

Desde já os asseguro que Theon é um personagem totalmente fictício, e que nunca, jamais, machucou a mim ou a qualquer pessoa como machucou Nate. Estou citando-o aqui, na verdade, para confirmar os boatos. O tapa-olho é uma referência a Elle Driver de Kill Bill, meu filme favorito. Mas o sobrenome foi inspirado diretamente por Pam de Beaufort, de True Blood, a parceira/cria de Eric.

Outro personagem que não existe na vida real é o Thayer (Mas acaba existindo na ficção, de certa forma). Ele é inspirado em um personagem do mesmo nome da série The Lying Game, da ABC, sobre irmãs gêmeas que se reencontram na adolescência e acabam trocando de lugar. Por isso Thayer só aparece pela primeira vez lá pelo oitavo capítulo do primeiro livro. Ele foi uma ideia de última hora que fez toda a diferença.


Sobre o final...

Não sei se é justo dizer que The Double Me é uma dessas histórias com um final trágico, mesmo levando em consideração a morte de um dos protagonistas. Não falo isso por mim, que estou longe de ter uma vida espiritual, mas por todas as pessoas que acreditam que a morte não é o fim de tudo. E se essa é uma questão de fé, não há motivos para que não se aplique aos personagens que amamos na ficção.

Nate merecia ter um pouco de paz, assim como merecia reencontrar seu filho. Assim como todos, sem exceção, puderam seguir em frente e manter sua memória viva. Isso é o que importa mais. Como você é lembrado, não tudo o que perdeu quando nos deixou.

Sabemos que Nate odiaria envelhecer, mesmo que ao lado de seus entes queridos. Sabemos, também, que ele nunca quis uma vida normal. Casar, ter filhos, um cachorro, chegar em casa depois do trabalho, assistir televisão, dormir de conchinha. Esse não era ele. O verdadeiro Nate faria questão de partir à sua maneira; e a sua maneira é sempre algo a mais.

Se um dia me perdoarem pela decisão que tomei, estarei aqui, explorando novas maneiras de matar meus personagens tentando organizar meus novos projetos. Não é a última vez que ouvem sobre mim.

       Até lá.

The Double Me

24/08/2013     /   17/09/2020

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