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Livro | The Double Me - 6x19: Now You See Me, Now You Don't [+18]

   6x19: Now You See Me, Now You Don't
“Como uma criatura que você liberta, eu volto rastejando". 


Nate passou primeiro pela inspeção. Entregou seus pertences. Tirou as roupas. Dois oficiais o examinaram. Vire de costas. Abaixe-se. Abra os braços. As pernas. Vire de frente. Língua para fora. You’re good to go. Finally. 
Eles então o conduziram a uma van, sozinho, rumo às instalações. Um assistente de guarda ficou responsável por registrar fotos suas para o crachá de detento quando ele chegou, e um outro guarda de escolta-lo à ala médica, onde passou por mais uma série de exames para detectar doenças contagiosas. Nate ouviu calmamente e fez tudo como pediam.
Depois disso, levaram-no para conhecer as quadras de esporte, o refeitório, as oficinas e a biblioteca. Só então ele foi levado a sua cela, um cubículo de sete metros quadrados e paredes cinza ardósia, onde cabia apenas um beliche, uma privada, uma pia, uma escrivaninha e um closet compacto. A janela era uma fenda quadrada no centro superior da última parede, com vista para os pátios. Mas tudo o que Nate via àquela distância era o céu azul.
Na cama de cima, um homem negro, alto e barbudo, de óculos de grau, entretinha-se com um livro acadêmico. The Prince, por Niccolò Machiavelli. Um amante da ciência política, então.
Nate jogou seus pertences na outra cama e esperou pacientemente até um oficial vir busca-los.
— Almoço, senhoritas — Avisou um deles.
Ele caminhou logo atrás de seu colega.
Era estranho para ele não ser reconhecido pelos outros detentos, dado em questão a grande visibilidade de seu caso. O rosto de Nathaniel Strauss estampava a frente de todos os jornais, revistas e websites mais influentes das duas Américas. Seu nome estava no topo de assuntos mais comentados desde sua prisão, em todas as redes sociais. Um grupo de jornalistas chegou a montar acampamento do lado de fora do Manhattan Detention Complex, por um primeiro clique seu em uniforme carcerário. Então por que não havia ninguém tentando se aproveitar disto?
Ele via homens de várias etnias, nacionalidades e religiões. Seus olhares se cruzaram algumas vezes, não que significasse mais que isto. Duas pessoas que dividiam o mesmo espaço, em um inferno de todos.
Nate seguiu em frente, dobrou um corredor, chegou ao refeitório. Todos os detentos do Bloco C estavam lá. Entre eles, seu pai, Simon. Seu rosto magro e envelhecido, cheio de cicatrizes, contavam a mesma história que a dor que via em seus olhos azuis.
— Pai...? — Sussurrou-o, com os olhos cheios de lágrimas.
Simon mancou alguns passos até ele e o abraçou.
— Separem-se! — Gritou um guarda. — Agora! — Puxou Nate pela camisa.
E mesmo explicando que era seu pai, ele foi levado aos tropeços.
— Nos falamos outra hora — Prometeu Simon, numa voz melancólica.
Isso interessava bastante a um grupo de presos, em particular, que os observava da mesa ao lado.

Alex e Thayer reuniram-se com um grupo de advogados criminalistas naquela manhã, na sala de reuniões da Strauss International. Nicole Rath liderou a bancada ao lado de Ezra Gallchobhair, Direito Penal, Annette Walsh, Direito Penal, e Morgan Alistair, Direito Civil.
— O café, senhor — Informou a secretária.
Alex deu permissão, ela serviu a todos, depois se retirou.
— Esse é o acordo? — Dizia Alex. — Vinte e sete anos sem condicional?
— A situação de Nate é muito delicada, Senhor Strauss — Explicou Ezra Gallchobhair. — Se não assinar este acordo, a promotoria entrará com um pedido para prisão perpétua por homicídio qualificado com agravantes, estupro de vulnerável e corrupção de menores.
— Talvez a pena diminua para quarenta e cinco anos sem liberdade condicional — Apontou a Senhora Walsh. — Mas se formos a julgamento, os resultados podem ser imprevisíveis.
— E quanto a execução? — Preocupou-se Alex. — Há algum risco?
— Não, senhor — Respondeu Nicole Rath. — Nova York não excuta um réu desde 1963, embora a última pena capital tenha sido reduzida para prisão perpétua apenas em 2007.
Uma boa notícia, ao menos.
— Se ele assinar, — Disse Thayer. — Será condenado apenas por homicídio?
— E sem qualquer agravante — Respondeu Morgan Alistair.
Thayer virou ao namorado.
— Neste caso, deveríamos pensar. Nate pode ter seu nome no Registro de Agressores Sexuais, mas não precisa pagar por isto.
— Ele não deveria pagar por nada — Disse Alex, jogando os documentos sobre a mesa. — Só assumiu a culpa porque acha que ficaremos melhor sem ele.
— De qualquer forma, — Interviu o Senhor Alistair. — A confissão é o que vale. Seria quase impossível provar que o réu é inocente se ele mesmo se declara culpado.
— Mas se eu pudesse falar com ele...
— Alex, ele não quer nos ver — Lembrou Thayer. — Você o conhece melhor que ninguém. Talvez até melhor que ele mesmo.
Alex baixou o olhar.
— Temos quanto tempo?
  A promotoria espera uma resposta para o dia dezenove de maio — Disse Nicole.
  Uma semana — Contou Thayer.
Todos à mesa se entreolharam, em silêncio.
— Muito bem — Alex levantou-se. — Se algo mudar, os ligarei.
— À sua disposição, Senhor — Ezra estendeu uma mão.
Após eles saírem, Alex e Thayer ficaram um momento em silêncio. Alex caminhou até a adega, pegou uma garrafa de whisky e serviu-se de uma dose. Thayer observou-o distância.
— Eu não estava tentando convence-lo a desistir — Explicou a ele. — Queria que pensássemos melhor sobre nossas únicas opções.
— Bom, talvez haja outra opção... — Alex virou.
— Se você disser algo como Prison Break...
— Qual o problema? — Caminhou até ele. — Eu não aceitaria passar vinte e sete anos na cadeia por um crime que não cometi.
— Nem por um que cometeu, aparentemente. De onde tira essas ideias?
— Você tem um irmão, Thayer. Sabe do que somos capazes de fazer por eles.
— Quer dizer, apoio? Porque uma fuga da prisão não é um tipo de apoio.
— Você só diz isso porque seu irmão não é porra louca igual os meus.
É, havia isso também.
— Talvez eu entenda — Disse Thayer. — Só não quero que se envolva em nada perigoso. Acabei de tê-lo de volta.
— Você sabe que eu estava meio brincando, não é? Cometer um crime federal seria ir além do longe demais.
— Tem certeza? — Thayer aproximou-se.
— Quase certeza...
— Então você é quase um infrator... — Puxou-o e beijou-o.
E como em um mau presságio, Cameron adentrou à sala.
— Isso é pay-per-view? — Disse a eles. — Pois eu posso até apreciar... — E abriu os botões de seu blazer.  
Alex segurou Thayer no braço, Thayer sussurrou um filho da puta quase inaudível.  Cameron disse ser conhecido por muitos nomes, inclusive este. Thayer virou ao namorado com o rosto inexpressivo e perguntou:
— Quebramos a cara dele?
Eu sei. Quem nos dera.
— Não — Respondeu Alex. — Ouvimos primeiro o que ele tem a dizer — Cruzou os braços.
Cameron sentia-se mais seguro para dar um passo à frente.
— Sábia escolha. Estou aqui para ajudar no problema Evil Twin.
— Em troca de que? — Perguntou Alex.
— Um threesome, talvez? — Viu Thayer prestes a ataca-lo. — Uow, é brincadeira! — Logo disse. — Atenhamo-nos à civilidade, cavalheiros.
— Você não sabe o que é isso — Disse Thayer.
— Um homem deve tentar, não é? — Ele caminhou. — E depois de tudo o que eu fiz, acho que devo uma vocês — Olhou uma pintura na parede. — É uma das obras de Edward Hopper? Nice... — Tocou-a. — Tanto faz — Virou a eles. — Preciso admitir que seria muito bom caminhar por Nova York outra vez sem temer que Alex coloque drogas em minha limusine e chame a polícia.
— Isso é bem provável — Alex validou.
— Eu sei dos riscos — Sorriu Cameron. — Agora, Nate... — Caminhou na outra direção. — A promotoria já fez uma proposta?
Alex e Thayer se entreolharam.
— Sim — Disse Alex. — Vinte e sete anos sem condicional por homicídio doloso.
— Parece bom... — Cameron pegou a bebida sobre a mesa. — Para um assassino de verdade — Tomou um gole. — Agora, vejamos. O que Annalise Keating, Dexter Morgan e o elenco de Riverdale fariam em nosso lugar?
— Olha, Cameron, se não for direto ao ponto... — Alertou Thayer.
— Este é o ponto. Primeiro organizamos as cartas à mesa — Cameron sentou-se. — As acusações são: Número um; homicídio qualificado com agravante por tortura e requintes de crueldade, já que nossos queridos Senhor e Senhora Bettencourt foram amordaçados, espancados e cortados em pedacinhos para facilitar o transporte. Número dois; ocultação de cadáver. Mas isso é o de menos. Número três; abuso sexual. Por essa Nathaniel levaria boas surras de seus companheiros de cela. E número quatro; corrupção de menores. As drogas eu nem preciso mencionar, porque as palavras viciado tradicional tiveram um grande impacto na tese da promotoria. Enfim, o que podemos fazer?
Ninguém respondeu.
— Exatamente, nada — Continuou Cameron. — Ou ao menos, do ponto de vista legal. Se Nate for julgado, pode pegar prisão perpétua. Se não puder ficar em uma cela individual, corre risco de vida junto aos outros detentos. A única maneira de fazer algo pelo bem do nosso tão querido gêmeo de olhos verdes é...
— Burlar o sistema — Completou Alex.
Cameron parecia realmente orgulhoso.
— Conhecem a música The Sweet Escape, da Gwen Stefani?
— Ah, não... — Thayer virou de costas, com as mãos na cintura.
— O que houve? Ele odeia os anos dois mil? — Cameron perguntou a Alex.
— Falávamos sobre uma fuga da prisão antes de você chegar. Ele acha impossível dar certo.
— Eu não acho — Thayer virou. — É realmente impossível. Além de perigoso.
— Bom... — Cameron levantou, tirou um cartão e uma caneta dos bolsos internos e escreveu um número na parte de trás. — Ainda bem que pagaremos alguém para isto, em vez de fazer com nossas próprias mãos — Entregou-os. — Vocês têm vinte milhões de dólares sobrando, não é?
Alex olhou para ele.
— Parece barato.
— Eles são. Eu não — Cameron deu meia volta. — Quando ligarem para este número, não se esqueçam de dizer meu nome. Essas pessoas trabalham melhor para mim.
— Não, espere — Pediu Alex. — Não pode estar interessado somente em voltar à Nova York e ajudar Nate. Você não é assim.
— É claro que não. Eu nunca ajudaria alguém por generosidade.
— Então o que mais vai nos custar, além de vinte milhões de dólares?
— Pelo bem deste país, o seu voto. Tenho planos de me candidatar à câmera nas próximas eleições.
Alex sorriu.
— No partido republicano?
— No partido democrata — Sorriu Cameron, pensativo. — Uau. Isso deve significar o fim do multiverso em alguma história em quadrinhos por aí.
— Sim, você é o maldito Lex Luthor.
— Ainda não — Deu meia volta outra vez. — Salve Nate, não manche meu nome no processo e veremos até onde eu possa chegar — Abriu as portas. — Estamos quites, Alex. Qualquer gracinha de sua parte pode iniciar uma guerra desnecessária.
Ah, é? – Pensou ele. Mas resolveu dizer:
— Obrigado, Cameron. Agora cai fora daqui.
— Às suas ordens — Ele sorriu uma última vez.
De certa forma, era melhor um diabo conhecido a um arquirrival.
Ultimamente.

Bethany rastreou seu celular até uma área remota da propriedade da Northview Charter School, atrás do campo do futebol. Primeiro ela viu o carro de Ansel, no caminho entre as árvores. Chegando mais perto, viu os dois nos bancos traseiros. Ansel dominava-o por trás.
— Hey! Babacas! — Ela bateu às janelas.
Dominik e Ansel vestiram-se apressados.
— O que você faz aqui? — Perguntou Dominik.
— Não, o que vocês dois fazem aqui? Isso é propriedade do colégio!
— E daí? — Argumentou Ansel. — Você se importa?
— Alguém poderia vê-los. Sorte que fui eu.
— É, muita sorte... — Ironizou Dominik.
Ela então abriu as portas.
— Saia do carro, Dominik.
— Eu não preciso fazer o que diz — Ele respondeu. — Vá embora.
— Eu mandei sair da porra do carro! — Ela o arrastou.
Lama e folhas secas impregnaram o sueter que ele usava, ao cair. Mas ele levantou tão rápido quanto fosse investir em um ataque.
— O que é isso? Enlouqueceu?  
— Eu estou tentando ajuda-lo — Disse Bethany. — Se pegam vocês aqui, expulsam os dois. Vocês perderiam o inteiro.
— Por transar em propriedade escolar ou por sermos gays? — Ele insinuou —  Porque se eu bem me lembro, uma vez flagraram Sadie Bechtel fazendo sexo oral no Blake atrás do ginásio, e a única medida que o colégio tomou foi promover uma palestra sobre educação sexual na semana seguinte.
— Dominik, não é essa a questão. Você não vai provar nada se comportando dessa forma, só vai pôr em risco o seu futuro acadêmico e o de Ansel.
— Na verdade, vou para Yale daqui a um ano — Contou o rapaz, enquanto vestia-se no banco do motorista, com as portas abertas. — Meu tio faz parte do conselho desde 2009, então...
— Você cala a boca e cubra suas bolas — Ordenou Bethany.
O garoto assim o fez.
— Olha, Beth, — Disse Dominik. — Isso precisa parar. Não devo nenhuma satisfação a você e não estou aqui para ouvir os seus sermões.
— Então é assim? — Ela sorriu. — Best Friends Not-Fucking-Forever?
— Para sermos amigos, você precisa respeitar minhas decisões. Este é o princípio básico.
— Até quando seu amigo mente para a polícia?
— Que polícia? — Perguntou Ansel.
Dominik olhou para ele pelo canto dos olhos.
— Okay, Beth, já ouvimos o bastante. Agora vá.
— Eu vou — Ela assentiu. — Mas você sai da minha casa ainda hoje.
— Como quiser — Ele deu de ombros.
Bethany os deixou sem revelar a expressão em seu rosto, que dizia exatamente o que viria a acontecer. Vai ter volta.


Um passo de cada vez, pensou Mia
O toque de Judit arrimava por sua área lombar, em um aperto. A outra mão erguia a sua à altura do peito, com os dedos quase entrelaçados. Ela era seus olhos nos corredores do Liberty County Hospital.
— Muito bem — Dizia sua mãe. — Agora as escadas do pátio... — Alertou-a.
Mia desceu um, dois, três, quatro, cinco degraus, até sentir terra firme. Fazia calor lá fora. Quase não ventava. Perguntou-se se as cores do céu poente seriam tão encantadoras quanto em sua imaginação.
— Ainda está longe?
— Não, querida — Disse sua mãe. — Os bancos ficam logo ali. Mantenha o ritmo.
— Okay — Ela suspirou.
O barulho dos carros indicava não estar tão longe dos portões, à direita. O barulho de água corrente deu a ela a entender que caminhavam próximo ao chafariz, uma enorme escultura em pedra e cascata represetando cinco arcanjos recém-nascidos. Mia lembrava que suas flechas apontavam para cada um dos pontos cardeais – com exceção do arcanjo no centro, que apontava para os céus.
— Como está Nate? — Mia perguntou.
— Da última vez em que fomos visita-lo, ele se recusou a nos ver — Disse Judit. —  Pediu aos advogados que nos informassem sobre sua confissão perante o juiz.
Aquele imbecil.
— Bom, ele é o Nate — Sibilou Mia. — Vai escandalizar o quanto puder e depois quebrar até os cacos.
— Eu sei — Judit ajudou-a a acomodar-se; sentou ao seu lado. — Uma vez, quando era pequeno, Nate obrigou Jensen a mentir para Simon e eu sobre um acidente de bicicleta que eles sofreram nos arredores da mansão. Pudemos ver em seus olhos que sentia muita dor e estava prestes a chorar, mas não nos confessou em momento algum. Mais tarde uma empregada nos contou que ele havia esperado que nos distraíssemos, pego o kit de primeiros socorros no armário e cuidado ele mesmo de seus ferimentos. Havia gaze com sangue até o topo da lixeira da cozinha.
Mia sorriu.
— Posso imaginar isso acontecendo.
— Você o conhece — Sorriu Judit. — A verdade é que Nate sempre foi Nate, mesmo antes de tudo acontecer. Não gostava de dar trabalho, ou nos preocupar. Temia o tempo inteiro que as pessoas que amava o veriam como um fardo. Era tão sozinho... — Ela pensou. — Não sei se por um erro nosso, ou por ser tarde demais quando percebemos; acho que ele nunca aprendeu que o amor está acima de tudo. Que é, e sempre será um prazer ama-lo, cuida-lo e tê-lo por perto. Mesmo que isso nos custe.
— Sempre custa alguma coisa?
— Sempre — Ela fitou o horizonte.


Ivy Vlasak estava ali, parada, ante às esculturas de mármore dos benfeitores do Liberty County Hospital.  O sobretudo todo negro, de largos botões, alcançava a altura dos joelhos. Seus longos fios ruivos estavam presos em um coque por baixo da boina francesa.
— Mia, você tem visitas — Revelou Judit.
— Quem é?
Ivy avançou alguns passos.
— Sou eu, querida. Eu vim dizer olá.
— Mãe? — Mia levantou abruptamente. — Onde você está? — Ela procurou. — Diga alguma coisa. Por favor. Onde está?
— Aqui — Ivy tocou sua mão.
Mia tateou de seus dedos ao rosto, freneticamente. Envolveu-a em um abraço.
— É melhor deixa-las a sós — Dispôs Judit. — Com licença.
— Obrigada — Ivy agradeceu.
Um sorriso as fez em concordância.  
— Onde estava? — Mia começou a perguntar. — Por que só veio agora? Algo aconteceu? Ele fez alguma coisa com você?
— Tenha calma, querida — Ivy a afastou num movimento delicado. — Nada aconteceu. Vim para informa-la sobre o andamento das investigações, além do motivo óbivo. Preciso saber se está bem e segura.
— Estou bem — Mia logo disse. — Mas de que investigações está falando?
— Venha aqui — Ivy guiou-a aos bancos; sentou ao seu lado.  
Após uma breve sondagem do local, ela começou a dizer.
— Nas últimas semanas trabalhei como informante do FBI, e juntos reunimos um grande número de informações sobre uma organização criminosa chamada Isis, com sede em Montreal. Estive investigando possíveis membros afiliados por todo esse tempo.
— Espere, FBI? — Perguntou Mia. — E quem é Isis?
Isis é a organização responsável pelo sequestro e abdução de pelo menos oitocentas jovens moças de treze a vinte e seis anos nos seis continentes, tendo origem na Inglaterra, nos anos cinquenta, durante a Guerra Fria. Eles acham que estou chegando perto demais, por isso minha cabeça veio a prêmio.
— E você está?
— Eu não sei. Nenhuma evidência compromete os principais suspeitos até agora, o que nos leva a possibilidade de queima de arquivo. Todos que pareciam saber alguma coisa simplesmente desapareceram no ar.
— Entendo — Mia assentiu. — Eles podem usar a mim para chegar até você, se estiver aqui.
— Ou pior, querida — Ivy tocou-a nas mãos.
Ela agora parecia distante.
— Olhe — Desabotou o colar. — É para você. Pelo seu aniversário — Entregou-a.
Mia soube o que era toma-lo em mãos.
— Você nunca nos contou que dia nascemos de verdade — Lembrou-a. — É no mês de maio?
— Não — Respondeu Ivy. — Vocês três nasceram em nove de Junho, com quatro minutos de diferença um do outro. São do signo de Gêmeos.
Previsível.
— Não podia ter dito antes? — Indagou Mia.
— Se dissesse, muitas pessoas fariam perguntas e vocês se sentiriam um pouco mais velhos. Acha que Nate me perdoaria?
É, faz sentido.
— Permita-me — Ivy tomou o colar de suas mãos e prendeu ela mesma.
O pingente era em placa, meio espesso. Pesava mais do que aparentava.
— Obrigada, mãe — Disse Mia.
— Eu te amo, little puff — Ivy a abraçou. — Mas agora, preocupe-se com sua saúde. Porque me verá outra vez quando eu vir cobrar.
— Verei?
Ela deslizou uma mão sobre seu queixo.
— Com seus próprios olhos, querida — Beliscou de leve.


— Jensen? — Chamou o irmão.
Encontrou-o deitado, na cama, em seu quarto, com os fones de ouvido. Uma bola de tênis o entretinha.  
— O que foi? — Perguntou Jensen.
— Você tem visitas. Devo mandar subir?
— Não. Eu não quero ver ninguém.
— Mencionei esta possibilidade ao jovem rapaz, que me instruiu a dizer algo do tipo: Você é um McPhee, afinal. É um código para sexo gay?
Jensen sentou na cama.
— Trent está aqui?
— Sim! — Exclamou Jake. — Este era o nome que eu tentava lembrar. Tem uma bela bunda de homem.
— Okay, dê-me dois minutos — Levantou-se.
Ou melhor, seriam dois minutos, até ver o estado de suas roupas e cabelos. Jensen precisou operar um milagre para não parecer que dormiu desde sexta-feira.
— Acordei você? — Perguntou Trent, quando ele desceu.
— Não, tudo bem — Disse Jensen. — Quer dar uma volta? Preciso de um pouco de ar.
— Se prender os pastores alemães...
— Eu prometo — Sorriu a ele.
A noite lá fora desvelava um milhar de estrelas no céu enegrecido, sob o luar. Eles caminharam lado a lado pela calçadas.
— Não me leve a mal, — Disse Jensen. — Mas o que faz aqui?
— Você não respondeu minhas ligações. Fiquei preocupado.  
— Ah, sim... — Ele coçou a nuca. — É que está tudo muito corrido ultimamente.
— Defina corrido.
— Bom, minha mãe está presa, a enteada dela moveu um processo contra nossa família e meu ex namorado foi acusado de assassinato.  
Trent olhou para ele.
No shit?
Shit happens — Supunha Jensen. — Às vezes, uma atrás da outra.
— Sei bem — Ele entendia.
Haviam caminhado próximo ao chafariz central.
— Então, você e seu ex voltaram a se falar? — Continuou Trent.
— Na verdade, ainda não nos vimos. A história é meio complicada. Ele meio que... fingiu ser o irmão gêmeo por todo esse tempo, enquanto o outro estava no Canadá. Agora dizem que matou esse cara e a esposa, os pais de um de seus amigos de infância. Homicídio qualificado.
— Não me diga que isso também acontece fora dos filmes.
— Nos Hamptons? O tempo inteiro — Deu um ar de risos.
Trent chutou uma pequena pedra à sua frente.
— Olha, sobre nós dois... — Dizia Jensen. — Eu acho melhor deixar as coisas como estão. Minha vida costuma ficar muito complicada de uma hora para a outra.
— É, eu imaginei. Está tudo bem.
— De verdade?
— Sim, de verdade — Ele quase sorriu. — Não sou tão inseguro, Jensen. Se nossas prioridades são outras, apertamos as mãos e fazemos o melhor pela nossa amizade — Olhou para ele. — É por isso que estou aqui. Eu ainda me importo. Como seu amigo.
Jensen assentiu.
— Não tenho muitos destes.
— Nem eu — Admitiu Trent. — Olha, se quiser, podemos nos encontrar semana que vem para tomar um drink... ou na semana depois dessa. Ainda é cedo demais?
— É, eu só preciso de mais algum tempo. Até lá, mantenha essa ideia em mente.
— Eu escolho onde vamos?
— E eu pago — Sugeriu.
It’s a date.
— Agora eu preciso ir — Avisou Trent. — Diga-me que vai ficar bem.
— Eu ficarei. Eventualmente.
— Não eventualmente. Inevitavelmente.
— Okay, inevitavelmente.
Trent o abraçou.
— Se cuida, beleza? Somos mais fortes que tudo isso.
— Obrigado. De verdade.
— Você também — Ele se afastou, aos poucos.   
Aquele sorriso lembrava a Jensen uma outra pessoa. Inevitavelmente.


Nate observou o local assim que entrou. Seu pai estava no guichê número três, do outro lado da sala de visitas. Gwen esperava por ele atrás da vidraça do guichê número sete, entre dois lugares vazios. Os guichês dois, quatro, nove, dez, onze e doze também estavam ocupados.
— Número sete — O guarda deu-o de empurrão.
Nate caminhou até lá de mãos algemadas, sentou-se de frente para ela e tirou o telefone do gancho.
— Estava me perguntando se viria — Ela confessou. — Informaram aos repórteres que se recusava a receber os familiares.
— Não todos, apenas os fracos de coração. Você com certeza é algo mais.
— É verdade. Posso lidar com um pouquinho de pressão — Olhou ao redor. — Aparentemente, este deve ser seu inferno pessoal. Admira-me que fique tão bem de laranja e sem seus cosméticos.
— Você me odeia por isso?
— Entre outras razões. Não é muito difícil odiar um homem branco, rico e americano — Ela olhou as unhas, com a palma virada.
Nate observou por um momento.
— Como você fez, Gwen?
Um sorrisinho despontou nos lábios dela.
— Você sabe que não tem ninguém ouvindo, não é? Se eu confessar agora, seria o único saber o que fizemos
— Você e Matthew?
— Kieran e eu, na verdade. Formamos uma boa dupla — Ela reconhecia. — Se quiser mesmo saber, tudo começou na tarde do dia cinco de maio. Primeiro fomos à sua suíte no Strauss Capital Hotel e pegamos o revólver que você utiliza no tiro prático. Depois Kieran vestiu-se com suas roupas e dirigiu até a mansão Bettencourt, onde rendeu as vítimas. Eu não estava lá para saber de todos os detalhes sobre como invadiu o local ou de que forma se livrou dos corpos, mas tenho certeza que os fez sofrer, acima de tudo, pois eu pedi com jeitinho.
“O resto você já sabe ou já deve imaginar. Escondemos os corpos, levamos suas roupas e a arma do crime de volta a suíte, Dominik mentiu em troca de dinheiro, você disse a coisa errada, na hora errada, e eu levei a gravação às autoridades. Blah Blah Blah. A porra de um crime perfeito.
— Não, uma total displicência — Cuspiu Nate. — Você envolveu muitas pessoas e deixou várias pontas soltas.
— Quem disse? — Ela retrucou.
Nate tentava encontrar as respostas em seu olhar.


— Você...?
— Matthew está fora da jogada. Kieran está preso. Lexi está em uma clínica de reabilitação do outro lado do mundo, graças a você — Ela relatou. — Ninguém tem nada contra mim a essa altura.
— A não ser que eu diga a meus advogados para procurar o DNA de Kieran nas minhas roupas — Jogou verde.
— Se fizer isto, é muito provável que encontrem — Considerou ela. — Os registros comprovam que Kieran Murillo trabalhou como serviçal no Strauss Capital Hotel desde que saiu da prisão, há seis meses. Seu DNA deve estar por toda parte, inclusive nos quartos de hóspedes.
Droga.
A porra de um crime perfeito — Ele repetiu o que ela disse.
— Sim, senhor. Você vai passar um bom tempo aqui dentro, com seus colegas sociopatas. Não verá a cor do dinheiro, nem sua glória. Vai esquecer do gosto de suas comidas preferidas, o cheiro de ar fresco e o que é ter uma boa noite de sono. Talvez até esqueça o prazer sexual, se ninguém tentar se aproveitar desse rostinho lindo. É inevitável, Nate. Você esquece e é esquecido. Daqui a dez anos Alex terá uma família, Mia verá outra vez e seu pai será um homem livre, mas você continuará aqui, sozinho, em uma cela de prisão. Sem seu filho. O que costumava dizer sobre vencedores e perdedores, mesmo?
Ele prendeu as lágrimas.
— Quer que eu admita a derrota?
— Não, Nate. É um truque. Agora você me vê... agora não vê mais — Ela se afastou.
E assim, de repente, Simon caiu da cadeira e começou a convulsionar.
— Pai! — Gritou Nate.
Tudo aconteceu muito rápido.
Um guarda o imobilizou. Outros dois foram prestar assistência. Gwen desapareceu pela porta, sem ninguém ver. Todos os detentos e familiares pararam para observar.
— Depressa! — Gritou um guarda. — Levem-no à enfermeira!
— Preciso de mais alguém aqui! — Gritou o de cabelos ruivos.
Simon até chegou a estender uma mão ao filho, em um último lampejo de consciência, o que também não durou muito tempo. Seus olhos começaram a revirar, e as pálpebras tremeluziam. Uma substância roxa espumosa, repleta de bolhas, escorria de seus lábios.
— É culpa dela! — Soluçou Nate. — Ela o envenenou!
— Fique quieto! — Ordenou o guarda.
— Você não entende, por favor! Ela vai mata-lo!
— Eu mandei ficar quieto! — Ele gritou, então que o pusera contra a parede.
Ali, de costas, sem poder se mover, Nate saboreou pela primeira vez o gosto amargo de impotência. Gwen nunca pararia se não a fizesse parar.


Lola pesquisou a seu pedido sobre algumas matérias relacionadas a Nate.
— Preste atenção — Aproximou o celular. — “De acordo às autoridades, Nathaniel Strauss confessou todos os crimes ainda na delegacia, mas acredita-se que mais pessoas podem estar envolvidas no assassinato de William e Genevive Bettencourt. A polícia investiga agora a origem do sinal que processou o comando para desligar todas as câmeras de vigilância da Mansão Bettencourt na noite do crime, além do veículo utilizado para transportar os corpos à uma área remota da cidade. Testemunhas afirmam que viram um Mercedes-Benz SLS AMG da série Black pelas redondezas, o que facilitará o processo de busca, pois há um número limitado de modelos nas ruas de Nova York.
Kerr, pensou Mia. Se procuram um hacker com um Mercedes Black, será uma questão de tempo até chegarem nele.
Parece que o círculo está se fechando.
— O que você acha? — Perguntou Lola. — Alex e você podem ser implicados? — A outra não respondeu. — Daí você transa com um cara de jaqueta de couro e cavanhaque e vocês criam lindos bebês heterossexuais... — Brincou ela, para saber se prestava atenção. — Michaela?
Ela virou o rosto.
— Não. Família hétero não.
— Você ao menos ouviu o que eu disse?
— Eu estava distraída... — Confessou.
A mão não deixava o pingente em seu colar.
— Okay, continuamos mais tarde — Decidiu Lola. — Agora vou pegar algo na cafeteria. O que vai querer?
— Nada. Não se preocupe.
— Tudo bem — Ela saiu.
Nesse meio tempo, Mia refletiu sobre a estranha conversa que teve com a mãe. Não o que foi dito, propriamente, porém sua atitude. Ela arriscou tudo para vir até aqui. Agora este colar... tinha-o em mãos.
Foi de tanto tatear o pingente, para cima e para baixo, que ela liberou uma pequena trava de segurança, da qual se desprendeu a maior parte da armação. Um pen drive escondido.  
O que ele guardava?

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Ninguém: a
O Nate na prisão:
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