Livro | The Double Me - 6x19: Now You See Me, Now You Don't [+18]
6x19: Now You See Me, Now You Don't
“Como uma criatura que você liberta, eu volto rastejando".
Nate passou primeiro pela inspeção. Entregou
seus pertences. Tirou as roupas. Dois oficiais o examinaram. Vire de costas.
Abaixe-se. Abra os braços. As pernas. Vire de frente. Língua para
fora. You’re good to go. Finally.
Eles então o conduziram a uma van, sozinho,
rumo às instalações. Um assistente de guarda ficou responsável por registrar
fotos suas para o crachá de detento quando ele chegou, e um outro guarda de
escolta-lo à ala médica, onde passou por mais uma série de exames para detectar
doenças contagiosas. Nate ouviu calmamente e fez tudo como pediam.
Depois disso, levaram-no para conhecer as
quadras de esporte, o refeitório, as oficinas e a biblioteca. Só então ele foi
levado a sua cela, um cubículo de sete metros quadrados e paredes cinza ardósia,
onde cabia apenas um beliche, uma privada, uma pia, uma escrivaninha e um closet
compacto. A janela era uma fenda quadrada no centro superior da última
parede, com vista para os pátios. Mas tudo o que Nate via àquela distância era
o céu azul.
Na cama de cima, um homem negro, alto e
barbudo, de óculos de grau, entretinha-se com um livro acadêmico. The Prince, por Niccolò Machiavelli. Um amante
da ciência política, então.
Nate jogou seus pertences na outra cama e
esperou pacientemente até um oficial vir busca-los.
— Almoço, senhoritas — Avisou um deles.
Ele caminhou logo atrás de seu colega.
Era estranho para ele não ser reconhecido
pelos outros detentos, dado em questão a grande visibilidade de seu caso. O
rosto de Nathaniel Strauss estampava a frente de todos os jornais, revistas e
websites mais influentes das duas Américas. Seu nome estava no topo de assuntos
mais comentados desde sua prisão, em todas as redes sociais. Um grupo de
jornalistas chegou a montar acampamento do lado de fora do Manhattan Detention Complex, por um primeiro clique seu em uniforme
carcerário. Então por que não havia ninguém tentando se aproveitar disto?
Ele via homens de várias etnias, nacionalidades
e religiões. Seus olhares se cruzaram algumas vezes, não que significasse mais
que isto. Duas pessoas que dividiam o mesmo espaço, em um inferno de todos.
Nate seguiu em frente, dobrou um corredor, chegou
ao refeitório. Todos os detentos do Bloco C estavam lá. Entre eles, seu pai,
Simon. Seu rosto magro e envelhecido, cheio de cicatrizes, contavam a mesma
história que a dor que via em seus olhos azuis.
— Pai...? — Sussurrou-o, com os olhos cheios
de lágrimas.
Simon mancou alguns passos até ele e o
abraçou.
— Separem-se! — Gritou um guarda. — Agora! —
Puxou Nate pela camisa.
E mesmo explicando que era seu pai, ele foi
levado aos tropeços.
— Nos falamos outra hora — Prometeu Simon,
numa voz melancólica.
Isso interessava bastante a um grupo de
presos, em particular, que os observava da mesa ao lado.
൴
Alex e Thayer reuniram-se com um grupo de
advogados criminalistas naquela manhã, na sala de reuniões da Strauss
International. Nicole Rath liderou a bancada ao lado de Ezra Gallchobhair,
Direito Penal, Annette Walsh, Direito Penal, e Morgan Alistair, Direito Civil.
— O café, senhor — Informou a secretária.
Alex deu permissão, ela serviu a todos, depois
se retirou.
— Esse é o acordo? — Dizia Alex. — Vinte e
sete anos sem condicional?
— A situação de Nate é muito delicada, Senhor
Strauss — Explicou Ezra Gallchobhair. — Se não assinar este acordo, a
promotoria entrará com um pedido para prisão perpétua por homicídio qualificado com agravantes,
estupro de vulnerável e corrupção de menores.
— Talvez a pena diminua para quarenta e cinco
anos sem liberdade condicional — Apontou a Senhora Walsh. — Mas se formos a
julgamento, os resultados podem ser imprevisíveis.
— E quanto a execução? — Preocupou-se Alex. — Há
algum risco?
— Não, senhor — Respondeu Nicole Rath. — Nova
York não excuta um réu desde 1963, embora a última pena capital tenha sido
reduzida para prisão perpétua apenas em 2007.
Uma boa notícia, ao menos.
— Se ele assinar, — Disse Thayer. — Será
condenado apenas por homicídio?
— E sem qualquer agravante — Respondeu Morgan
Alistair.
Thayer virou ao namorado.
— Neste caso, deveríamos pensar. Nate pode ter
seu nome no Registro de Agressores Sexuais, mas não precisa pagar por isto.
— Ele não deveria pagar por nada — Disse Alex,
jogando os documentos sobre a mesa. — Só assumiu a culpa porque acha que ficaremos
melhor sem ele.
— De qualquer forma, — Interviu o Senhor
Alistair. — A confissão é o que vale. Seria quase impossível provar que o réu é
inocente se ele mesmo se declara culpado.
— Mas se eu pudesse falar com ele...
— Alex, ele não quer nos ver — Lembrou Thayer.
— Você o conhece melhor que ninguém. Talvez até melhor que ele mesmo.
Alex baixou o olhar.
— Temos quanto tempo?
— A
promotoria espera uma resposta para o dia dezenove de maio — Disse Nicole.
— Uma
semana — Contou Thayer.
Todos à mesa se entreolharam, em silêncio.
— Muito bem — Alex levantou-se. — Se algo
mudar, os ligarei.
— À sua disposição, Senhor — Ezra estendeu uma
mão.
Após eles saírem, Alex e Thayer ficaram um
momento em silêncio. Alex caminhou até a adega, pegou uma garrafa de whisky e
serviu-se de uma dose. Thayer observou-o distância.
— Eu não estava tentando convence-lo a
desistir — Explicou a ele. — Queria que pensássemos melhor sobre nossas únicas
opções.
— Bom, talvez haja outra opção... — Alex virou.
— Se você disser algo como Prison Break...
— Qual o problema? — Caminhou até ele. — Eu
não aceitaria passar vinte e sete anos na cadeia por um crime que não cometi.
— Nem por um que cometeu, aparentemente. De
onde tira essas ideias?
— Você tem um irmão, Thayer. Sabe do que somos
capazes de fazer por eles.
— Quer dizer, apoio? Porque uma fuga da
prisão não é um tipo de apoio.
— Você só diz isso porque seu irmão não é porra
louca igual os meus.
É, havia isso também.
— Talvez eu entenda — Disse Thayer. — Só não
quero que se envolva em nada perigoso. Acabei de tê-lo de volta.
— Você sabe que eu estava meio brincando, não
é? Cometer um crime federal seria ir além do longe demais.
— Tem certeza? — Thayer aproximou-se.
— Quase certeza...
— Então você é quase um infrator... — Puxou-o e
beijou-o.
E como em um mau presságio, Cameron adentrou à
sala.
— Isso é pay-per-view? — Disse a eles. —
Pois eu posso até apreciar... — E abriu os botões de seu blazer.
Alex segurou Thayer no braço, Thayer sussurrou
um filho da puta quase inaudível. Cameron disse ser conhecido por muitos nomes,
inclusive este. Thayer virou ao namorado com o rosto inexpressivo e perguntou:
— Quebramos a cara dele?
Eu sei. Quem nos dera.
— Não — Respondeu Alex. — Ouvimos primeiro o
que ele tem a dizer — Cruzou os braços.
Cameron sentia-se mais seguro para dar um
passo à frente.
— Sábia escolha. Estou aqui para ajudar no
problema Evil Twin.
— Em troca de que? — Perguntou Alex.
— Um threesome, talvez? — Viu Thayer
prestes a ataca-lo. — Uow, é brincadeira! — Logo disse. — Atenhamo-nos à civilidade, cavalheiros.
— Você não sabe o que é isso — Disse Thayer.
— Um homem deve tentar, não é? — Ele caminhou.
— E depois de tudo o que eu fiz, acho que devo uma vocês — Olhou uma pintura na
parede. — É uma das obras de Edward Hopper? Nice... — Tocou-a. — Tanto
faz — Virou a eles. — Preciso admitir que seria muito bom caminhar por Nova
York outra vez sem temer que Alex coloque drogas em minha limusine e chame a
polícia.
— Isso é bem provável — Alex validou.
— Eu sei dos riscos — Sorriu Cameron. — Agora,
Nate... — Caminhou na outra direção. — A promotoria já fez uma proposta?
Alex e Thayer se entreolharam.
— Sim — Disse Alex. — Vinte e sete anos sem
condicional por homicídio doloso.
— Parece bom... — Cameron pegou a bebida sobre
a mesa. — Para um assassino de verdade — Tomou um gole. — Agora, vejamos. O que
Annalise Keating, Dexter Morgan e o elenco de Riverdale fariam em nosso
lugar?
— Olha, Cameron, se não for direto ao ponto...
— Alertou Thayer.
— Este é o ponto. Primeiro organizamos as
cartas à mesa — Cameron sentou-se. — As acusações são: Número um; homicídio
qualificado com agravante por tortura e requintes de crueldade, já que nossos
queridos Senhor e Senhora Bettencourt foram amordaçados, espancados e cortados em
pedacinhos para facilitar o transporte. Número dois; ocultação de cadáver. Mas
isso é o de menos. Número três; abuso sexual. Por essa Nathaniel levaria boas
surras de seus companheiros de cela. E número quatro; corrupção de menores. As
drogas eu nem preciso mencionar, porque as palavras viciado tradicional
tiveram um grande impacto na tese da promotoria. Enfim, o que podemos fazer?
Ninguém respondeu.
— Exatamente, nada — Continuou Cameron. — Ou
ao menos, do ponto de vista legal. Se Nate for julgado, pode pegar prisão
perpétua. Se não puder ficar em uma cela individual, corre risco de vida junto
aos outros detentos. A única maneira de fazer algo pelo bem do nosso tão
querido gêmeo de olhos verdes é...
— Burlar o sistema — Completou Alex.
Cameron parecia realmente orgulhoso.
— Conhecem a música The Sweet Escape, da
Gwen Stefani?
— Ah, não... — Thayer virou de costas, com as
mãos na cintura.
— O que houve? Ele odeia os anos dois mil? — Cameron
perguntou a Alex.
— Falávamos sobre uma fuga da prisão antes de
você chegar. Ele acha impossível dar certo.
— Eu não acho — Thayer virou. — É realmente
impossível. Além de perigoso.
— Bom... — Cameron levantou, tirou um cartão e
uma caneta dos bolsos internos e escreveu um número na parte de trás. — Ainda
bem que pagaremos alguém para isto, em vez de fazer com nossas próprias mãos —
Entregou-os. — Vocês têm vinte milhões de dólares sobrando, não é?
Alex olhou para ele.
— Parece barato.
— Eles são. Eu não — Cameron deu meia volta. —
Quando ligarem para este número, não se esqueçam de dizer meu nome. Essas
pessoas trabalham melhor para mim.
— Não, espere — Pediu Alex. — Não pode estar
interessado somente em voltar à Nova York e ajudar Nate. Você não é assim.
— É claro que não. Eu nunca ajudaria alguém
por generosidade.
— Então o que mais vai nos custar, além de vinte
milhões de dólares?
— Pelo bem deste país, o seu voto. Tenho
planos de me candidatar à câmera nas próximas eleições.
Alex sorriu.
— No partido republicano?
— No partido democrata — Sorriu Cameron,
pensativo. — Uau. Isso deve significar o fim do multiverso em alguma história
em quadrinhos por aí.
— Sim, você é o maldito Lex Luthor.
— Ainda não — Deu meia volta outra vez. —
Salve Nate, não manche meu nome no processo e veremos até onde eu possa chegar —
Abriu as portas. — Estamos quites, Alex. Qualquer gracinha de sua parte pode
iniciar uma guerra desnecessária.
Ah, é?
– Pensou ele. Mas resolveu dizer:
— Obrigado, Cameron. Agora cai fora daqui.
— Às suas ordens — Ele sorriu uma última vez.
De certa forma, era melhor um diabo
conhecido a um arquirrival.
Ultimamente.
൴
Bethany rastreou seu celular até uma
área remota da propriedade da Northview Charter School, atrás do campo
do futebol. Primeiro ela viu o carro de Ansel, no caminho entre as árvores.
Chegando mais perto, viu os dois nos bancos traseiros. Ansel dominava-o por
trás.
— Hey! Babacas! — Ela bateu às janelas.
Dominik e Ansel vestiram-se apressados.
— O que você faz aqui? — Perguntou Dominik.
— Não, o que vocês dois fazem aqui? Isso é
propriedade do colégio!
— E daí? — Argumentou Ansel. — Você se
importa?
— Alguém poderia vê-los. Sorte que fui eu.
— É, muita sorte... — Ironizou Dominik.
Ela então abriu as portas.
— Saia do carro, Dominik.
— Eu não preciso fazer o que diz — Ele
respondeu. — Vá embora.
— Eu mandei sair da porra do carro! — Ela o
arrastou.
Lama e folhas secas impregnaram o sueter que
ele usava, ao cair. Mas ele levantou tão rápido quanto fosse investir em um
ataque.
— O que é isso? Enlouqueceu?
— Eu estou tentando ajuda-lo — Disse Bethany. —
Se pegam vocês aqui, expulsam os dois. Vocês perderiam o inteiro.
— Por transar em propriedade escolar ou por
sermos gays? — Ele insinuou — Porque
se eu bem me lembro, uma vez flagraram Sadie Bechtel fazendo sexo oral no Blake
atrás do ginásio, e a única medida que o colégio tomou foi promover uma
palestra sobre educação sexual na semana seguinte.
— Dominik, não é essa a questão. Você não vai
provar nada se comportando dessa forma, só vai pôr em risco o seu futuro
acadêmico e o de Ansel.
— Na verdade, vou para Yale daqui a um ano — Contou
o rapaz, enquanto vestia-se no banco do motorista, com as portas abertas. — Meu
tio faz parte do conselho desde 2009, então...
— Você cala a boca e cubra suas bolas —
Ordenou Bethany.
O garoto assim o fez.
— Olha, Beth, — Disse Dominik. — Isso precisa
parar. Não devo nenhuma satisfação a você e não estou aqui para ouvir os seus sermões.
— Então é assim? — Ela sorriu. — Best
Friends Not-Fucking-Forever?
— Para sermos amigos, você precisa respeitar
minhas decisões. Este é o princípio básico.
— Até quando seu amigo mente para a polícia?
— Que polícia? — Perguntou Ansel.
Dominik olhou para ele pelo canto dos olhos.
— Okay, Beth, já ouvimos o bastante. Agora vá.
— Eu vou — Ela assentiu. — Mas você sai da
minha casa ainda hoje.
— Como quiser — Ele deu de ombros.
Bethany os deixou sem revelar a expressão em
seu rosto, que dizia exatamente o que viria a acontecer. Vai ter volta.
൴
Um passo de cada vez, pensou Mia
O toque de Judit arrimava por sua área lombar,
em um aperto. A outra mão erguia a sua à altura do peito, com os dedos quase entrelaçados.
Ela era seus olhos nos corredores do Liberty County Hospital.
— Muito bem — Dizia sua mãe. — Agora as
escadas do pátio... — Alertou-a.
Mia desceu um, dois, três, quatro, cinco
degraus, até sentir terra firme. Fazia calor lá fora. Quase não ventava. Perguntou-se
se as cores do céu poente seriam tão encantadoras quanto em sua imaginação.
— Ainda está longe?
— Não, querida — Disse sua mãe. — Os bancos
ficam logo ali. Mantenha o ritmo.
— Okay — Ela suspirou.
O barulho dos carros indicava não estar tão
longe dos portões, à direita. O barulho de água corrente deu a ela a entender
que caminhavam próximo ao chafariz, uma enorme escultura em pedra e cascata
represetando cinco arcanjos recém-nascidos. Mia lembrava que suas flechas
apontavam para cada um dos pontos cardeais – com exceção do arcanjo no centro,
que apontava para os céus.
— Como está Nate? — Mia perguntou.
— Da última vez em que fomos visita-lo, ele se
recusou a nos ver — Disse Judit. — Pediu
aos advogados que nos informassem sobre sua confissão perante o juiz.
Aquele imbecil.
— Bom, ele é o Nate — Sibilou Mia. — Vai
escandalizar o quanto puder e depois quebrar até os cacos.
— Eu sei — Judit ajudou-a a acomodar-se; sentou
ao seu lado. — Uma vez, quando era pequeno, Nate obrigou Jensen a mentir para
Simon e eu sobre um acidente de bicicleta que eles sofreram nos arredores da mansão.
Pudemos ver em seus olhos que sentia muita dor e estava prestes a chorar, mas não
nos confessou em momento algum. Mais tarde uma empregada nos contou que ele havia
esperado que nos distraíssemos, pego o kit de primeiros socorros no armário e
cuidado ele mesmo de seus ferimentos. Havia gaze com sangue até o topo da
lixeira da cozinha.
Mia sorriu.
— Posso imaginar isso acontecendo.
— Você o conhece — Sorriu Judit. — A verdade é
que Nate sempre foi Nate, mesmo antes de tudo acontecer. Não gostava de dar
trabalho, ou nos preocupar. Temia o tempo inteiro que as pessoas que amava o
veriam como um fardo. Era tão sozinho... — Ela pensou. — Não sei se por um erro
nosso, ou por ser tarde demais quando percebemos; acho que ele nunca aprendeu
que o amor está acima de tudo. Que é, e sempre será um prazer ama-lo, cuida-lo
e tê-lo por perto. Mesmo que isso nos custe.
— Sempre custa alguma coisa?
— Sempre — Ela fitou o horizonte.
Ivy Vlasak estava ali, parada, ante às
esculturas de mármore dos benfeitores do Liberty County Hospital. O sobretudo todo negro, de largos botões, alcançava
a altura dos joelhos. Seus longos fios ruivos estavam presos em um coque por
baixo da boina francesa.
— Mia, você tem visitas — Revelou Judit.
— Quem é?
Ivy avançou alguns passos.
— Sou eu, querida. Eu vim dizer olá.
— Mãe? — Mia levantou abruptamente. — Onde
você está? — Ela procurou. — Diga alguma coisa. Por favor. Onde está?
— Aqui — Ivy tocou sua mão.
Mia tateou de seus dedos ao rosto, freneticamente.
Envolveu-a em um abraço.
— É melhor deixa-las a sós — Dispôs Judit. —
Com licença.
— Obrigada — Ivy agradeceu.
Um sorriso as fez em concordância.
— Onde estava? — Mia começou a perguntar. —
Por que só veio agora? Algo aconteceu? Ele fez alguma coisa com você?
— Tenha calma, querida — Ivy a afastou num
movimento delicado. — Nada aconteceu. Vim para informa-la sobre o andamento das
investigações, além do motivo óbivo. Preciso saber se está bem e segura.
— Estou bem — Mia logo disse. — Mas de que
investigações está falando?
— Venha aqui — Ivy guiou-a aos bancos; sentou
ao seu lado.
Após uma breve sondagem do local, ela começou
a dizer.
— Nas últimas semanas trabalhei como
informante do FBI, e juntos reunimos um grande número de informações sobre uma organização
criminosa chamada Isis, com sede em Montreal. Estive investigando possíveis
membros afiliados por todo esse tempo.
— Espere, FBI? — Perguntou Mia. — E quem é Isis?
— Isis é a organização responsável pelo
sequestro e abdução de pelo menos oitocentas jovens moças de treze a vinte e
seis anos nos seis continentes, tendo origem na Inglaterra, nos anos cinquenta,
durante a Guerra Fria. Eles acham que estou chegando perto demais, por isso
minha cabeça veio a prêmio.
— E você está?
— Eu não sei. Nenhuma evidência compromete os principais
suspeitos até agora, o que nos leva a possibilidade de queima de arquivo. Todos
que pareciam saber alguma coisa simplesmente desapareceram no ar.
— Entendo — Mia assentiu. — Eles podem usar a
mim para chegar até você, se estiver aqui.
— Ou pior, querida — Ivy tocou-a nas mãos.
Ela agora parecia distante.
— Olhe — Desabotou o colar. — É para você.
Pelo seu aniversário — Entregou-a.
Mia soube o que era toma-lo em mãos.
— Você nunca nos contou que dia nascemos de
verdade — Lembrou-a. — É no mês de maio?
— Não — Respondeu Ivy. — Vocês três nasceram
em nove de Junho, com quatro minutos de diferença um do outro. São do signo de
Gêmeos.
Previsível.
— Não podia ter dito antes? — Indagou Mia.
— Se dissesse, muitas pessoas fariam perguntas
e vocês se sentiriam um pouco mais velhos. Acha que Nate me perdoaria?
É, faz sentido.
— Permita-me — Ivy tomou o colar de suas mãos
e prendeu ela mesma.
O pingente era em placa, meio espesso. Pesava mais
do que aparentava.
— Obrigada, mãe — Disse Mia.
— Eu te amo, little puff — Ivy a
abraçou. — Mas agora, preocupe-se com sua saúde. Porque me verá outra vez quando
eu vir cobrar.
— Verei?
Ela deslizou uma mão sobre seu queixo.
— Com seus próprios olhos, querida — Beliscou
de leve.
൴
— Jensen? — Chamou o irmão.
Encontrou-o deitado, na cama, em seu quarto, com
os fones de ouvido. Uma bola de tênis o entretinha.
— O que foi? — Perguntou Jensen.
— Você tem visitas. Devo mandar subir?
— Não. Eu não quero ver ninguém.
— Mencionei esta possibilidade ao jovem rapaz,
que me instruiu a dizer algo do tipo: Você é um McPhee, afinal. É um
código para sexo gay?
Jensen sentou na cama.
— Trent está aqui?
— Sim! — Exclamou Jake. — Este era o nome que eu
tentava lembrar. Tem uma bela bunda de homem.
— Okay, dê-me dois minutos — Levantou-se.
Ou melhor, seriam dois minutos, até ver o
estado de suas roupas e cabelos.
Jensen precisou operar um milagre para não parecer que dormiu desde sexta-feira.
— Acordei você? — Perguntou Trent, quando ele
desceu.
— Não, tudo bem — Disse Jensen. — Quer dar uma
volta? Preciso de um pouco de ar.
— Se prender os pastores alemães...
— Eu prometo — Sorriu a ele.
A noite lá fora desvelava um milhar de
estrelas no céu enegrecido, sob o luar. Eles caminharam lado a lado pela
calçadas.
— Não me leve a mal, — Disse Jensen. — Mas o
que faz aqui?
— Você não respondeu minhas ligações. Fiquei
preocupado.
— Ah, sim... — Ele coçou a nuca. — É que está tudo
muito corrido ultimamente.
— Defina corrido.
— Bom, minha mãe está presa, a enteada dela
moveu um processo contra nossa família e meu ex namorado foi acusado de assassinato.
Trent olhou para ele.
— No shit?
— Shit happens — Supunha Jensen. — Às
vezes, uma atrás da outra.
— Sei bem — Ele entendia.
Haviam caminhado próximo ao chafariz central.
— Então, você e seu ex voltaram a se falar? —
Continuou Trent.
— Na verdade, ainda não nos vimos. A história
é meio complicada. Ele meio que... fingiu ser o irmão gêmeo por todo esse tempo,
enquanto o outro estava no Canadá. Agora dizem que matou esse cara e a esposa,
os pais de um de seus amigos de infância. Homicídio qualificado.
— Não me diga que isso também acontece fora
dos filmes.
— Nos Hamptons? O tempo inteiro — Deu um ar de
risos.
Trent chutou uma pequena pedra à sua frente.
— Olha, sobre nós dois... — Dizia Jensen. — Eu
acho melhor deixar as coisas como estão. Minha vida costuma ficar muito
complicada de uma hora para a outra.
— É, eu imaginei. Está tudo bem.
— De verdade?
— Sim, de verdade — Ele quase sorriu. — Não
sou tão inseguro, Jensen. Se nossas prioridades são outras, apertamos as mãos e
fazemos o melhor pela nossa amizade — Olhou para ele. — É por isso que estou
aqui. Eu ainda me importo. Como seu amigo.
Jensen assentiu.
— Não tenho muitos destes.
— Nem eu — Admitiu Trent. — Olha, se quiser,
podemos nos encontrar semana que vem para tomar um drink... ou na semana depois
dessa. Ainda é cedo demais?
— É, eu só preciso de mais algum tempo. Até
lá, mantenha essa ideia em mente.
— Eu escolho onde vamos?
— E eu pago — Sugeriu.
It’s a date.
— Agora eu preciso ir — Avisou Trent. — Diga-me
que vai ficar bem.
— Eu ficarei. Eventualmente.
— Não eventualmente. Inevitavelmente.
— Okay, inevitavelmente.
Trent o abraçou.
— Se cuida, beleza? Somos mais fortes que tudo
isso.
— Obrigado. De verdade.
— Você também — Ele se afastou, aos poucos.
Aquele sorriso lembrava a Jensen uma outra
pessoa. Inevitavelmente.
൴
Nate observou o local assim que entrou. Seu
pai estava no guichê número três, do outro lado da sala de visitas. Gwen
esperava por ele atrás da vidraça do guichê número sete, entre dois lugares
vazios. Os guichês dois, quatro, nove, dez, onze e doze também estavam
ocupados.
— Número sete — O guarda deu-o de empurrão.
Nate caminhou até lá de mãos algemadas,
sentou-se de frente para ela e tirou o telefone do gancho.
— Estava me perguntando se viria — Ela
confessou. — Informaram aos repórteres que se recusava a receber os familiares.
— Não todos, apenas os fracos de coração. Você
com certeza é algo mais.
— É verdade. Posso lidar com um pouquinho de
pressão — Olhou ao redor. — Aparentemente, este deve ser seu inferno pessoal. Admira-me
que fique tão bem de laranja e sem seus cosméticos.
— Você me odeia por isso?
— Entre outras razões. Não é muito difícil
odiar um homem branco, rico e americano — Ela olhou as unhas, com a palma
virada.
Nate observou por um momento.
— Como você fez, Gwen?
Um sorrisinho despontou nos lábios dela.
— Você sabe que não tem ninguém ouvindo, não
é? Se eu confessar agora, seria o único saber o que fizemos
— Você e Matthew?
— Kieran e eu, na verdade. Formamos uma boa
dupla — Ela reconhecia. — Se quiser mesmo saber, tudo começou na tarde do dia
cinco de maio. Primeiro fomos à sua suíte no Strauss Capital Hotel e pegamos o
revólver que você utiliza no tiro prático. Depois Kieran vestiu-se com suas
roupas e dirigiu até a mansão Bettencourt, onde rendeu as vítimas. Eu não
estava lá para saber de todos os detalhes sobre como invadiu o local ou de que
forma se livrou dos corpos, mas tenho certeza que os fez sofrer, acima de tudo,
pois eu pedi com jeitinho.
“O resto você já sabe ou já deve imaginar.
Escondemos os corpos, levamos suas roupas e a arma do crime de volta a suíte,
Dominik mentiu em troca de dinheiro, você disse a coisa errada, na hora errada,
e eu levei a gravação às autoridades. Blah Blah Blah. A porra de um
crime perfeito.
— Não, uma total displicência — Cuspiu Nate. —
Você envolveu muitas pessoas e deixou várias pontas soltas.
— Quem disse? — Ela retrucou.
Nate tentava encontrar as respostas
em seu olhar.
— Você...?
— Matthew está fora da jogada. Kieran está
preso. Lexi está em uma clínica de reabilitação do outro lado do mundo, graças
a você — Ela relatou. — Ninguém tem nada contra mim a essa altura.
— A não ser que eu diga a meus advogados para
procurar o DNA de Kieran nas minhas roupas — Jogou verde.
— Se fizer isto, é muito provável que
encontrem — Considerou ela. — Os registros comprovam que Kieran Murillo
trabalhou como serviçal no Strauss Capital Hotel desde que saiu da prisão, há
seis meses. Seu DNA deve estar por toda parte, inclusive nos quartos de
hóspedes.
Droga.
— A porra de um crime perfeito
— Ele repetiu o que ela disse.
— Sim, senhor. Você vai passar um bom tempo
aqui dentro, com seus colegas sociopatas. Não verá a cor do dinheiro, nem sua glória.
Vai esquecer do gosto de suas comidas preferidas, o cheiro de ar fresco e o que
é ter uma boa noite de sono. Talvez até esqueça o prazer sexual, se ninguém
tentar se aproveitar desse rostinho lindo. É inevitável, Nate. Você esquece e é
esquecido. Daqui a dez anos Alex terá uma família, Mia verá outra vez e seu pai
será um homem livre, mas você continuará aqui, sozinho, em uma cela de prisão. Sem
seu filho. O que costumava dizer sobre vencedores e perdedores, mesmo?
Ele prendeu as lágrimas.
— Quer que eu admita a derrota?
— Não, Nate. É um truque. Agora você me vê...
agora não vê mais — Ela se afastou.
E assim, de repente, Simon caiu da cadeira e
começou a convulsionar.
— Pai! — Gritou Nate.
Tudo aconteceu muito rápido.
Um guarda o imobilizou. Outros dois foram
prestar assistência. Gwen desapareceu pela porta, sem ninguém ver. Todos os detentos
e familiares pararam para observar.
— Depressa! — Gritou um guarda. — Levem-no à
enfermeira!
— Preciso de mais alguém aqui! — Gritou o de
cabelos ruivos.
Simon até chegou a estender uma mão ao filho, em
um último lampejo de consciência, o que também não durou muito tempo. Seus
olhos começaram a revirar, e as pálpebras tremeluziam. Uma substância roxa
espumosa, repleta de bolhas, escorria de seus lábios.
— É culpa dela! — Soluçou Nate. — Ela o
envenenou!
— Fique quieto! — Ordenou o guarda.
— Você não entende, por favor! Ela vai mata-lo!
— Eu mandei ficar quieto! — Ele gritou, então
que o pusera contra a parede.
Ali, de costas, sem poder se mover, Nate saboreou
pela primeira vez o gosto amargo de impotência. Gwen nunca pararia se não a
fizesse parar.
൴
Lola pesquisou a seu pedido sobre algumas
matérias relacionadas a Nate.
— Preste atenção — Aproximou o celular. — “De
acordo às autoridades, Nathaniel Strauss confessou todos os crimes ainda na
delegacia, mas acredita-se que mais pessoas podem estar envolvidas no
assassinato de William e Genevive Bettencourt. A polícia investiga agora a
origem do sinal que processou o comando para desligar todas as câmeras de
vigilância da Mansão Bettencourt na noite do crime, além do veículo utilizado
para transportar os corpos à uma área remota da cidade. Testemunhas afirmam que
viram um Mercedes-Benz SLS AMG da série Black pelas redondezas, o que
facilitará o processo de busca, pois há um número limitado de modelos nas ruas
de Nova York.
Kerr, pensou
Mia. Se procuram um hacker com um Mercedes Black, será uma questão de tempo
até chegarem nele.
Parece que o círculo está se fechando.
— O que você acha? — Perguntou Lola. — Alex e
você podem ser implicados? — A outra não respondeu. — Daí você transa com um cara
de jaqueta de couro e cavanhaque e vocês criam lindos bebês heterossexuais... —
Brincou ela, para saber se prestava atenção. — Michaela?
Ela virou o rosto.
— Não. Família hétero não.
— Você ao menos ouviu o que eu disse?
— Eu estava distraída... — Confessou.
A mão não deixava o pingente em seu colar.
— Okay, continuamos mais tarde — Decidiu Lola.
— Agora vou pegar algo na cafeteria. O que vai querer?
— Nada. Não se preocupe.
— Tudo bem — Ela saiu.
Nesse meio tempo, Mia refletiu sobre a
estranha conversa que teve com a mãe. Não o que foi dito, propriamente, porém sua
atitude. Ela arriscou tudo para vir até aqui. Agora este colar...
tinha-o em mãos.
Foi de tanto tatear o pingente, para cima e
para baixo, que ela liberou uma pequena trava de segurança, da qual se
desprendeu a maior parte da armação. Um pen drive escondido.
O que ele guardava?
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