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Livro | The Double Me - 6x01: I'm Nathaniel Fucking Strauss! [+18]

   6x01: I'm Nathaniel Fucking Strauss!
“Não esqueça o meu nome".

Nate acordou em sua própria cama, na suíte da Mansão Strauss, cercado de aparelhos hospitalares. A forte incandescência das luzes obrigou-o a abrir e fechar os olhos algumas vezes antes de poder enxergar qualquer coisa.
— Querido... — Sua mãe chamou.
Ele a lembrava da forma que a via; os cabelos negros amarrados em um coque traseiro, o sobretudo negro cobrindo o blazer, o colar de pérolas brancas em quatro camadas, um de seus olhos mostrando-lhe vida, o outro em contrafação. Seu toque marcava uma pequena área de calor no pulso esquerdo, o que a Nate também era familiar.
— Dominik... — Foi a primeira coisa que lhe veio à mente.
— Ele está bem — Disse sua mãe. — Há dois dias liga sem parar perguntando por você.
Dois dias, então. Era tempo demais.
— Preciso sair daqui... — Nate tentou erguer-se, mas ela o interceptou.
— Não tão depressa. O Doutor Reymond recomendou repouso pelos próximos dias.
— É, não vai rolar.
— Você teve uma concussão, querido.
— Viu? Poderia ter sido pior — Livrando-se dos fios e agulhas que o conectavam aos aparelhos, ele levantou e foi ao closet.
Não precisava se ater ao velho hábito de combinar marcas e cores; a primeira peça de roupas confortáveis que encontrou serviria para uma fuga clandestina.
— Se pensa em ir a algum lugar, deixe que um de nossos motoristas o leve — Judit dizia. — É perigoso dirigir no seu estado.
— Eu estou bem! — Ele gritou lá de dentro.
Um minuto depois, saiu vestindo um moletom vermelho com capuz, calça comprida, também em moletom, e um par de tênis para corrida. Seu celular ele encontrou na primeira gaveta da escrivaninha, junto ao passaporte e outros documentos de identificação. Na mochila azul embaixo da cama encontrou os papeis de disputa de guarda de Gus. E de trás da banheira, sem que Judit pudesse ver, tirou uma seringa e várias embalagens de pó de heroína para guardar nos bolsos.
— Você pode parar por um segundo? — Sua mãe pediu.
Nate posicionou a mochila azul sobre a cama e foi outra vez ao closet. Sua mãe assistiu-o organizar cada peça de roupa com o olhar impassível.
— Senhora Strauss? — Uma empregada bateu à porta.
— Entre.
Assim a jovem o fez.
Pelo uniforme que usava, e pelo rumor de conversas indistintas que podiam ouvir com a porta aberta, Nate supôs que algo deveria estar acontecendo no primeiro andar. Uma celebração, talvez. Pela riqueza que não foi perdida no último terremoto que atingiu Nova York. 
— Estamos prontos para servir o vinho — Informou a jovem moça. — Devemos esperar que junte-se a nós?
— Não, vá em frente — Permitiu Judit.  
— Sim, senhora — Ela virou a Nate. — É bom vê-lo recuperado, Senhor — Disse, antes de se retirar.   
Nate observou algum tempo em silêncio.     
— Qual a ocasião? — Perguntou à mãe. — Faz meses que não damos uma festa.
— Não é uma festa, é uma reunião informal — Disse Judit. — Agora podemos conversar?
— Não é um bom momento — Ele foi novamente ao closet.
Ao retornar, sua mãe jogou o estojo de lentes de contato sobre a cama. Nate deu-se por vencido com um suspiro.
— Você foi levado ao hospital naquela noite — Ela esclareceu. — Imagine minha surpresa ao ouvir do Doutor Reymond que precisou remover suas lentes de contato para realizar os procedimentos necessários.
É claro. Eles fazem isso em hospitais. O que também explicava a ausência de suas pulseiras e seu colar, como havia constatado minutos antes.
Mas Nate não achou que fosse possível cometer um erro tão amador após sete meses de investimento bruto em sua interpretação. Nas primeiras semanas, fez aulas todas às terças e quintas com um tutor particular para aprender a ser ambidestro como Alex. No último encontro com Gwen, teve de fingir um ataque de pânico ao usar os elevadores do hotel, pois assim a convenceria de estar sofrendo de estresse pós-traumático como seu irmão, devido ao sequestro relâmpago. Até a tomar café da manhã aos domingos com Denise Bennett, a mãe adotiva, ele se submeteu.
Tudo em vão.
— E quanto a confidencialidade entre médico e paciente? — Perguntou Nate, cinicamente, forçando a mordida no canto dos lábios e franzindo o cenho.
Judit levantou de seu lugar.
— Este era o seu plano o tempo inteiro? Me fazer de boba?
— É como se sente? — Dizia e dobrava as roupas para organizar na mochila. — Dizem que uma mãe sempre sabe, mas talvez as regras não se apliquem a quem ainda está tentando.  
— Isto não é sobre mim, Nate. É sobre as mentiras que contou. Por quanto tempo manteria sua farsa se eu não tivesse descoberto?
— Honestamente, achei que já estaria morto por agora.
— Nunca mais diga uma coisa dessas para mim. Nunca.
Nate suspirou.
— O que quer de mim? Um pedido de desculpas? Eu não sinto muito. Tenho meus motivos para fazer o que fiz e sei que ninguém se importa com eles.
— Eu quero saber o que houve com seu irmão. Para onde ele foi, porque não voltou. Se vocês tiveram uma briga...
— Não foi algo que eu disse ou que eu tenha feito; Alex partiu por vontade própria. Eu fui a pessoa que implorou para que ele ficasse e teve de voltar sozinha para casa na noite do atentado. Agora eu acho que ele estava certo, eu também deveria ter ido embora quando tive a chance.
— Nate, eu amo você — Ela afagou-o no ombro. — Não sabe o quanto senti sua falta todos esses meses, pensando que estava longe. Mas você mentiu para mim todos os dias, e todos os dias me fez acreditar que eu o tinha perdido. Ao menos diga-me que não se divertiu com isso, para que eu possa olhar em seus olhos.
Ele também não podia olhar nos seus.
— Entre nós dois, Alex é de quem mais precisam — Disse. — Só dei a vocês o que queriam.
— É como se sente?
Nate fechou o zíper da mochila e caminhou até a porta com uma alça no ombro direito.
— Entendo se decidir contar a alguém, eu também estou farto disso — Ele decidira.
Já no primeiro andar, esbarrou em meia dúzia de convidados que cruzaram as escadarias. Ouvia o tilintar das taças, as risadas despretensiosas, os cochichos indiscretos, em especial os que envolviam o nome de Alex. Alguns conhecidos o chamaram por este nome, não que tivesse lhes dado atenção. Apenas ao ouvir o chamado de Lydia, pela segunda vez, ele parou de caminhar. A porta estava aberta a sua frente para que fizesse uma escolha.
— Querido, você está bem? — Ela o tocou no braço.
Nate virou de forma abrupta para gritar-lhes.
My name’s not Alex. I’m Nathaniel Fucking Strauss! Nathaniel... — Tomou em mãos uma taça de vinho. — ...Fucking Strauss! — Arremessou-a na parede. — Não se esqueçam o meu nome. Nunca.
Os convidados se entreolharam. Fez-se um silêncio absoluto.
— Já estava na hora, querido — Um sorriso de satisfação despontou nos lábios de Lydia.
Nate já estava longe demais para vê-la ou ouvi-la, agora a caminho do estacionamento. Um dia, talvez, ela contasse que sabia sobre as lentes de contato, e que este segredo sempre foi de ambos para guardar, como há não muito tempo, em Paris.
O refúgio que Nate tinha em mente ao deixar a mansão era seu quarto de hotel no Strauss Capital, em Manhattan. Uma hora se passou com ele no volante.
Deixando os elevadores, ele se deparou com um cenário caótico. Lâmpadas e esculturas de vidro estilhaçadas, roupas espalhadas por todos os lados, gavetas fora do lugar, a estante de filmes e jogos virada sobre cacos de vidro e pedaços de madeira no chão, almofadas rasgadas e sem seu estofo, restos de comida sobre o chão e os tapetes. Nada fora roubado, pelo que ele observou. Quem fez aquilo estava procurando por algo em específico, ou tentando passar uma mensagem.
O único móvel intacto era a mesinha de centro da sala de estar, onde Nate viu um notebook com um bilhete em papel amarelo. Ao aproximar-se, reconheceu a grafia de Lexi. A mensagem dizia:
“Não encontrei seu irmão, mas encontrei algo interessante. Obrigada”.
Nate clicou na barra de espaço e o monitor acendeu. O player de vídeo exibia uma matéria de telejornal sobre um vídeo gravado por Theon De Beaufort, na mansão Strauss, durante as três semanas em que manteve Nate como prisioneiro. Alguns trechos tiveram de ser censurados devido ao material explícito, mas a descrição detalhada de cenas preenchia todas as lacunas.
Nate lembrava daquela noite como se ainda estivesse lá. Theon o abordou, bêbado, em sua cela, minutos após dispensar os empregados. Mal haviam trocado uma palavra antes de Nate ser atingido por um jato de urina no rosto, que se estendeu a todo seu corpo nu.
— Gosta quando é sujo, não é? — Ouvia-o dizer em vídeo e nas suas lembranças.
Seus olhos eram o alvo principal de Theon. Ardia feito água salgada.
O gosto fazia seu estômago revirar.
— Abra a boca, vagabunda! — Theon tentava obriga-lo.
Ele só fez se encolher nos pés do sofá e chorar amargamente diante do vídeo.
Sou eu, Nate – Escrevera em seu diário.
Eles sabem a verdade agora. Toda a verdade. Quem eu sou, as mentiras que contei, o que houve comigo. E agora eu não posso mais me esconder atrás das lentes de contato e fingir que isso não é responsabilidade minha.
 Se alguém perguntar, não saberia dizer porque guardei aquele vídeo comigo em um pen drive. Nunca o assisti, para ser franco. Talvez quisesse algo para temer sempre que estivesse entre o certo e o errado. Ou talvez quisesse me manter no controle, saber que tinha autoridade sobre o legado doentio que Theon deixou. Poderia queima-lo na lareira, talvez. Isso me traria algum alívio nos dias difíceis. Só não agora.
Nunca contei a ninguém o que realmente aconteceu dentro daquela mansão. Eles sabiam um terço, até aquela matéria ser veiculada nos jornais de todo o país. Agora sinto que nunca mais vou ser o mesmo. Pergunto-me se Dominik, ou qualquer outra pessoa, me tocaria outra vez sabendo o que ele fez comigo. Eu mal consigo me deixar ser tocado sem me sentir asqueroso e repugnante como ele me fez.
E agora é o que todos podem ver.

Alex tentava prender-se a qualquer indício de que ainda estava ali. Podia ser o canto dos pássaros, ou o barulho dos carros na estrada. Algumas vezes foi capaz de desprender-se de seu cobertor de neve e abrir os olhos para encarar o céu por uma fração de segundos, antes de apagar novamente. Foi assim que soube que o dia havia amanhecido.
Em algum momento do dia, ele acordou ouvindo um disparo de arma de fogo e viu um homem com botas de caça se aproximar. Na vez seguinte, sentiu que o corpo estava em movimento sem fazer nenhum esforço. Alguém o levava consigo em um ritmo acelerado de passos, o que bastou a acreditar que sua vida dependesse disso. Talvez a mesma pessoa que o enrolou em um cobertor de lã que cheirava a floresta molhada e aquecia-o tão mal.
Na próxima vez em que acordou, estava deitado em uma cama estreita, improvisada, à janela lateral da sala de estar da cabana. Troncos de ciprestes e pinheiros secos constituíam as paredes, teto e móveis, e a lareira era formada por uma estrada vertical de pedras e concreto, onde, no centro superior, havia um amuleto indígena circular feito de palha.
A tapeçaria era um atrativo à parte. Alex sentiu-se abstraído pela imagem dos três reis e das três rainhas, uma peça à esquerda da lareira e a outra à direita.
 — Você acordou — Ouviu uma voz masculina.
O homem de barba, calças jeans e camiseta xadrez trazia consigo um pequeno porte de ferramentas de marcenaria e uma pilha de toras de madeira recém-cortadas. Tinha a pele clara, branco marfim. Os olhos de um azul penetrante. Seus fios negros, mesmo atrapalhados, denotavam elegância. Não parecia um homem comum; Alex não arriscaria mais de trinta e dois anos em um palpite.
— Sinto muito pelas velas — Disse ele. — Ficamos sem energia elétrica quando há tempestade de neve.
— Onde estou? — Perguntara Alex.
— Vaughan, Ontário, a norte de Toronto. — Deixou os equipamentos sobre o balcão da cozinha. — Meu pai construiu este lugar há mais ou menos trinta anos. Costumo caçar durante o inverno pelas redondezas.
— E o que aconteceu?
— Diga-me você. Encontrei-o desacordado na floresta ontem de manhã, com sérias lesões a faca. Sabe quem fez isso?
— Tinha uma van... alguns caras mascarados... eu não sei — Cerrou os olhos.
Ao tentar se erguer, uma súbita dor na área peitoral o fez cair de volta na cama, quase inconsciente. O homem precisou correr às pressas.
— Não faça isso outra vez — Pediu gentilmente, com seus braços em volta. — Está debilitado demais para levantar.
— Você é médico ou algo do tipo? — Alex perguntou, numa voz de súplica.
Podia sentir o cheiro impregnado em suas roupas – colônia masculina e madeira nova. Podia ver a pequena vereda de pelos que corria através da abertura de botões em sua camiseta, que antes não notara.
Aquela proximidade o deixava desconcertado.
— Cirurgião — O homem respondeu, posicionando um travesseiro debaixo de suas pernas. — Eu era, na verdade. Até a manhã de ontem, fazia quatro anos que não realizava um procedimento cirúrgico.
— Bom, obrigado, Senhor...?
O homem sorriu.
— Henry Langford. E não precisa me chamar de Senhor, gosto da pronúncia do meu nome — Sorriu-lhe cortês.  — Sente-se bem?
— Como em um abatedouro.
Henry tomou em mãos os resíduos de gaze e atadura aos pés da cama, para então desfazer-se na lata de lixo embaixo da pia da cozinha.
— Bom, você sofreu uma perfuração estomacal— Dizia a ele. — Teve sorte de ter sido o único órgão atingido, mesmo que tenha levado dois golpes. E mais sorte ainda em ser encontrado por um cirurgião aposentado que sempre viaja com seus equipamentos cirúrgicos.
— Por que viaja com seus equipamentos se não pratica mais?
— Esta é uma área de risco — Abriu o armário na parte superior e tirou louças para dois. — Há muitos relatos de alpinistas, mochileiros e esquiadores se acidentando nesta região. Eu encontrei alguns deles, outros me encontraram. É bom estar sempre preparado para ajudar.
— É algo que um médico diria...
— A propósito, há alguém para quem deseja ligar? Amigos, família? Não temos sinal nesta região, mas posso ir à cidade quando passar a tempestade.
Alex olhou através da janela o pouco que a posição lhe permitiu. Havia apenas neve. Em todo lugar.
— Não — Respondeu. — Eu não tenho ninguém.
— Seria bom se conseguíssemos chegar à propriedade vizinha — Henry continuou. — Mas pode não haver ninguém, ou podem não ter um aparelho telefônico. O rádio é outra opção, se conseguirmos conserta-lo. Mas de qualquer forma, não sei se uma ambulância passaria pelo congestionamento nas rodovias principais. Estas estradas costumam ficar intransitáveis nesta época do ano.
— Sorte a minha — Ironizou Alex.
Henry não tinha tanta certeza se ele havia entendido.  
— Ouviu o que eu disse?
— Sim — Alex virou. — Estou preso aqui com você. Nós dois morreremos de fome.
— Não se preocupe com isso — Ele abriu a geladeira. — Como está de restrição alimentar e só pode consumir líquidos pelos próximos três dias, preparei uma sopa de abóbora com gengibre.
— Você está brincando.
— Se não houver complicações, é claro.
A última vez em que Alex tomou sopa de abóbora foi quando visitou sua avó, a mãe de Denise, em Nova Jersey. Tinha por volta dos seis, sete anos de idade. Naquela época, recusava-se a comer qualquer coisa com cheiro ou aparência esquisita. A sopa de abóbora só se tornou uma delas depois de descobrir que esta era a fruta usada para compor monumentos assustadores na noite de Halloween, com olhos, bocas e dentes afiados.
Traumatizante.
— E quando vou poder sair da cama? — Alex precisava de apenas uma vitória.
— Dentro de cinco ou sete dias. Não se esqueça que perdeu muito sangue e seu corpo precisa de tempo para recupera-lo.
— Você não teria um estoque de O Positivo na sua geladeira?
A resposta de Henry veio acompanhada de um sorriso.
— Isso faria de mim um homem extremamente perturbado.
No shit — Alex concordava.
— Deixe-me esquentar isto para você — Com o fogão ao lado, ele só precisou dar meia volta.
Não houve muito com o que Alex pudesse se distrair enquanto esperava. Momentos como aquele faziam qualquer coisa parecer interessante aos seus olhos, como a ferrugem na parte inferior da geladeira, que lembrava o mapa mundi quando olhava com a cabeça inclinada. O balcão que dividia a cozinha e a sala de estar era feito de carvalho vermelho e exibia marcas de desenhos animalescos que só uma criança poderia ter feito, há muito tempo atrás.
A ausência de troféus de caça fez com que Alex se sentisse um pouco mais confortável em dividir o cômodo com alguém que tinha experiência em lidar com lâminas. Henry talvez caçasse para ter o que comer durante o inverno, pois o congestionamento causado pelas tempestades de neve o impediria de chegar à cidade e comprar mantimentos. A espingarda no balcão, entretanto, incomodava só de olhar.
Detestava armas. Só serviam a um propósito.
Sobre a escrivaninha, ao lado do único sofá, ele notou um porta-retratos com moldura dourada, aos padrões antigos. O jovem rapaz à esquerda, de camiseta vermelha e bermuda justa, se semelhava muito ao Henry que acabara de conhecer. O jovem à direita, de capacete, joelheira e camiseta amarela poderia ser um irmão ou um primo, devido a idade e semelhança. E o homem ao centro, que unia os três em um grande abraço, no topo de uma montanha, tinha idade para ser o pai de ambos.
Alex não sabia se tinha permissão para perguntar.
Era melhor não.

A chuva lá fora a despertou outra vez.
Seu captor não retirou o capuz, como havia prometido. Tudo o que sabia sobre o lugar onde fora deixada, presa a correntes, na parede, vinha através dos cheiros. Mofo, esgoto e comida estragada. Não à toa que preferisse dormir a pensar na fome.
Ouvindo os portões de ferro, escorou-se sentada à parede, de frente para o que imaginou ser a entrada da cela. E estava certa.
Noah caminhou até ela, tirou o capuz e posicionou-se a sua frente, em uma cadeira de madeira. Agora ela podia ver tudo. Os chuveiros, torneiras, mictórios. As marcas de infiltração na parede, o lixo acumulado. A pichação nas paredes, na grafia incorreta da língua espanhola. A única abertura no canto superior direito, na parede à esquerda, que emitia luz do dia – mas não era uma janela.
A água infiltrada não havia alcançado o lugar onde Mia fora mantida devido a um declínio no assoalho que proporcionava o escoamento pelos ralos. O que realmente a preocupava era a exposição a dejetos. Se não havia latrinas, como faria? O porcelanato estava em pedaços. Das cabines, restavam apenas as peças de suporte ao chão, pois as portas foram arrancadas.
Um banheiro masculino, ela entendeu. Década atrás, teria servido a este propósito. Agora havia pouco a se distinguir entre a lama e os entulhos.
— Não sou quem você pensa — Noah discorreu. — Os souvenires que encontrou no fundo falso, em meu apartamento, contam uma história totalmente diferente da verdade — Hesitou por um momento. — Eu não matei aquelas garotas. O trato era transportá-las em segurança até o local indicado e receber o dinheiro em espécime de meus compradores. Eles sim podem ser assassinos, até onde eu sei.
E você um mentiroso patológico.
Mia não acreditaria em nenhuma palavra.
— Sabe por que está aqui? — Ele prosseguiu. — Preciso me certificar de que nenhuma dessas informações chegue até a polícia. Se você fosse qualquer outra garota, teria o mesmo destino de todas elas. Mas você é meu sangue. Entende minha hesitação?
Dessa vez, ela o encarou nos olhos.
— Onde está Lola?
— Praga, Dubai, Berlim, Istambul, ou até mesmo em uma viela, em Londres. Eu não faço perguntas — Suspirou. — Você realmente se importa com ela, não é? Nunca tive intenção de desrespeitar o vínculo entre vocês, mas sua amiga foi especificamente requisitada. Este comprador sempre consegue tudo o que quer.
Era o que temia.
— Está pronta para fazer um trato? — Ele tirou um isqueiro banhado a ouro e um charuto francês do bolso do paletó, que acendeu numa fração de segundos. — Se precisar de tempo para avaliar suas opções, continuará sendo um prazer tê-la como hóspede.
— Por que não me mata de uma vez?
— A minha própria filha? Há linhas que um homem nunca deve cruzar — Levantou-se, de súbito, e foi para trás do assento, com as mãos no recosto e o charuto entre os dedos. — E convenhamos, não seria bom para os negócios se começassem a procurar por você. Michaela Strauss tem um nome; não é uma qualquer, de quem não dariam falta.
— Você tem escolha? A primeira coisa que farei, quando sair daqui, é contar sobre você.
— Mesmo custando a vida de sua família? — Soltou uma tragada.
Ela sentiu como se a atingisse por debaixo de sua pele.
— Eles também são seus filhos — Reiterou.
— Se realmente deseja me colocar em uma posição desfavorável, haverá consequências — Explicou Noah. —  Não percebe que tem todo o poder? Pode sair daqui como uma mulher livre, deixando tudo para trás. Ou pode apodrecer em um porão imundo e morrer arrependida.
— Seu doente desgraçado — Ela cuspiu. — Minha vida não vale mais que a de Lola e de todas as outras garotas para que eu simplesmente esqueça o que fez a elas. Alguém virá por mim. E por você.
— Eu não contaria com isso — De dentro do paletó, tirou um smartphone. — Aparelho interessante este aqui. A ferramenta de localização facilita muito meu trabalho. Só precisei fazer download de tudo o que havia no seu aparelho e depois deixa-lo em Londres, caso precisassem rastrear. Agora posso fazer publicações em seu nome diariamente nas redes sociais, e inclusive publicar fotos suas, salvas na memória, sem que alguém desconfie que há algo errado. Quando enfim perceberem que Michaela Strauss não fica tanto tempo sem atender ligações, estarei tão longe, tão mudado, que será um desperdício de recursos tentar me encontrar. E você... bom, eu não sei o que será de você até lá — Aproximou-se para sussurrar-lhe. — Você não está mais na América, não ganhará este jogo sendo uma garota mimada que pode comprar o que quiser. Se há uma parte sua que gostaria de sobreviver a tudo isso, faça exatamente o que eu digo.
Mia respondeu cravando as unhas em seu pescoço em um movimento rápido. Noah cambaleou para trás, com uma mão pressionada no ferimento. O sangue pingava em gotas por seu terno Armani.
— Olhe para você, lutando de volta — Ele sorria. No caco de vidro espelhado, na parede, viu que não estava tão ruim assim. — Quatro cortes imprecisos, nada Freddy Krueger da sua parte. Colocarei alguns band-aids — Virou a ela novamente. — Então, acordo nenhum. Talvez precise de mais algum tempo.
— Alguém virá por mim — Ela o afirmou.
— Quer ouvir uma história? — Ele enrolou as mangas. — Era uma vez uma jovem moça de dezoito anos, com lindos cachos ruivos e sardas nas bochechas. Um dia, caminhando à beira de um lago, ela conheceu um homem maldoso e cruel, que embora tenha feito seu coração bater mais forte, a levou por todos os lugares sombrios que não gostaria de conhecer. Três crianças abençoadas nasceram dessa união, mas à jovem moça só foi permitido viver com a condição de manter tudo o que viu em segredo. Você poderia perguntar como o homem mau faria para encontra-la outra vez, caso quebrasse o trato. E eu diria que ele deixou uma marca em sua pele, algo que poderia sempre levá-lo de volta ao que mais se aproximou de seu verdadeiro amor.
Uma marca... Ivy disse ter obtido a cicatriz de queimadura, nas costas, durante um incêndio em um set de filmagens. Outra mentira para acobertar seu pai.
— A única saída é fazer o que eu digo — Ele olhou para trás uma última vez, prestes a deixa-la. — É claro, uma garota pode sonhar. Mas na sua posição, não será com diamantes.
O feixe de luz se estreitou até que Mia voltasse a completa escuridão.
E nada mais se ouviu ao cerrar os portões de ferro.

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