Livro | The Double Me - 6x05: When I Have a Crush, It's Bad [+18]
6x05: When I Have a Crush, It's Bad
“Uma pessoa torna o mundo perfeccionista quando quer criar seu próprio caos".
— Aqui está bom — Disse Viola ao motorista da
limusine.
Haviam parado a meio quarteirão da entrada do
Restaurante Per Se, onde Cassidy estaria esperando. Mil coisas passaram
pela sua cabeça e nenhuma delas fora tão prosaica quanto as observações de
Andy.
— Você é a estilista — Ele disse. — Quantas
outras vezes já almoçaram juntas e o assunto não tinha a ver com Liam?
— Você não o conhece, ele não saberia guardar
este segredo.
— Mesmo pondo em risco seu casamento e o
emprego dos sonhos?
— Nada disso importa para ele — Suspirou.
Parte sua realmente acreditava nessas palavras,
apesar do que houve. Mas estava cada vez mais difícil se convencer de que
aquilo era amor de verdade. Liam teve todas as chances para fazer a coisa certa
e escolheu fugir, da mesma forma que ela não priorizou o sexo casual, não a
amizade com Cassidy ou seu verdadeiro papel naquele casamento.
Pensar nisso a levava a crer que ambos
sentiram vontade de fugir naquela manhã, no hotel, mas apenas Liam teve coragem.
— Tem certeza que quer vir junto? — Virou a Andy.
— Não posso pedir que me acompanhe a um possível Casamento Vermelho.
— Você precisará de alguém que faça cena se as
coisas saírem do controle. Esta é a minha especialidade.
Ela sorriu nervosa.
— Eu vou primeiro. Espere cinco minutos.
— Combinado.
Cassidy esperava por ela em uma das mesas com
vista para a cidade. Seu vestido era um branco Dior de alças finas e
renda solta na parte inferior, que cobria até os joelhos. Os cabelos foram
amarrados em um rabo de cavalo e com nós de fitas de renda. Aqueles saltos
também eram novos, assim como as argolas de ouro, em camadas triplas. Todas
essas aquisições eram publicadas diariamente nos stories do seu
Instagram, para mais de trezentos mil seguidores.
— Você está aqui — Disse a jovem moça,
sorrindo.
Viola tomou o lugar a sua frente.
— Estou atrasada? — Perguntou.
— Na verdade, nunca conheci alguém tão pontual
quanto você. Com licença? — Chamou um dos garçons.
As duas fizeram seus pedidos sem se prolongar.
Naquele exato momento, Andy passou pela
portaria e tomou o lugar na mesa mais próxima. Seu pedido foi o dry martini
de sempre, nada que fizesse estranhar seus velhos conhecidos do Per Se –
mesmo àquele horário.
— Fico feliz por ter aceitado meu convite —
Disse Cassidy. — Temo que a sobrecarreguei com minhas exigências para o
casamento e não há como dispor de tanto tempo livre.
— Faltando duas semanas para subir ao altar, diria
que toda noiva tem direito de exigir que as vinte e quatro horas diárias sejam
prolongadas.
— Eu sei. Não tenho dormido muito bem
ultimamente.
—Algum problema a qual deva me ater?
Cassidy tomou um gole de sua taça de Orange
Glam.
— Não se preocupe, tenho profissionais
cuidando dos arranjos. Queria mesmo saber o que a levou a foder com meu noivo
em um hotel de estrada.
Oh, fuck,
Viola só tinha em mente.
— Não me leve a mal — Disse Cassidy. — Isto
não é um confronto direto, muito menos um ultimato. Estou aqui para ouvir de
você, assim como ouvi de Liam. Diga-me a verdade.
Àquela altura, era só o que ela tinha.
— Nos conhecemos há alguns meses, na noite do atendado
ao Capitale — Disse Viola. — Quando soube
que era seu noivo, tudo o que queria era manter distância.
— Por isso aceitou fazer-me um vestido de
noiva?
— Eu não tive escolha. Cassidy Rhae consegue
absolutamente tudo o que quer.
— Nisto concordamos — Ela sorriu. — Se me
perguntar o que quero agora, diria que nada me daria mais prazer do que
estapeá-la. Mas a verdade é que meu ego de noiva traída diz muito pouco sobre
minhas intenções. Você me deu um presente, Viola, que há muito tempo venho
cobiçado. Uma reivindicação de liberdade.
— O que isso quer dizer?
— Todos nós desempenhamos o mesmo papel em
corpo social. Escola, faculdade, emprego, casamento, reprodução, aposentadoria,
morte. É isso que faz o mundo girar, de acordo a eles. Agora imagine chegar aos
vinte e oito anos, ser herdeira de uma companhia bilionária, ter terminado os
estudos, casar em duas semanas e saber como será o resto da sua vida, sem ao
menos ter tido um orgasmo múltiplo para se orgulhar. Não acha a monogamia superestimada?
Ela é, em toda sua contextura societária e dogmática. E este é meu passe-livre
de culpa para simplesmente dizer... foda-se. Ou fodam-se. Ou fodam-me. Qualquer
maldita coisa que eu bem entender.
Viola olhou discretamente para Andy; ali
estava o sorriso maldoso que achou que veria.
— Você quis dizer... casamento aberto? — Ela
perguntou.
— É disso que chamam hoje em dia? Não importa.
Só preciso saber se tem interesse
— Em você?
— Em mim. Em Liam. Juntos. Você não contaria a
alguém, não é?
Andy, em sua mesa, começara a engasgar. Todos os
clientes correram ao mesmo tempo.
— Alguém faça alguma coisa! — Viola gritava.
— Há algum médico no restaurante? — Gritou
outra moça.
O rosto de Andy enrubesceu por completo.
Cassidy, então, agarrou-o por trás e apertou os
braços contra seu tórax, em um movimento rápido. Isso fez com que ele expelisse
a azeitona ainda inteira sobre a toalha da mesa.
— Você está bem? — Viola perguntou ao rapaz.
Tinha certeza que não fora uma de suas cenas,
ou ele não pareceria tão desesperado diante de seus olhos.
— Diga sim... — Ele sussurrou bem baixo. — Diga
sim ao threesome ou mato você.
Cassidy já havia voltado a sua mesa para
checar o celular, como Viola constatou. Qualquer coisa que dissessem agora, aos
murmúrios, ela provavelmente não se atentaria.
— Não quer ir a um hospital? — Viola indagou.
— Não — Respondeu Andy. — Aceite o threesome.
— Okay, apenas... não morra. Na minha frente.
— Entendi — Ele saiu em passos curtos.
Não demorou muito tempo até Viola recobrar a
compostura e voltar ao seu lugar.
— Não vemos isso todo dia... — Disse Cassidy,
em tom casual. — Então, você tem uma resposta para mim?
— Na verdade... há um lugar onde podemos
conversar com mais calma? — Perguntou Viola.
A próxima resposta causaria a Andy possíveis
danos cerebrais.
൴
Nate tentava ligar para Dominik enquanto
procurava pelo outro lado do sapato. Tanta demora para atender o fez pensar que
estivesse interrompendo uma de suas aulas.
— Pode falar agora? — Perguntou.
— Sim, desculpe — Respondeu Dominik. — Estava
na aula de cálculo.
— Essa é a pior de todas. Enfim, só liguei
para saber se está livre neste fim de semana. Pensei em nós dois, muito sol,
água de coco e duas piscinas olímpicas.
— Parece ótimo, mas meus pais estão no meu pé
desde que aquelas fotos viralizaram. Teríamos de inventar uma boa desculpa.
— Fale com Bethany, ela pode ser o seu álibi.
— Não mais. Disseram-me que vão ligar para os
pais dos amigos com quem digo que vou sair para confirmar minha história.
Bom, era isto, ou ser exilado para Paris, pensou Nate.
Achava-o bastante sortudo por inúmeros
motivos, incluindo namorar alguém que pudesse resolver todos os seus problemas.
— Haverá uma exposição artística neste sábado
— Pegou o folheto de dentro de um livro. — Lembra do dia em que a Northview
fez uma excursão ao museu? Você e Bethany poderiam publicar aquelas fotos nos stories
para dizer que estão lá.
— Na verdade,
isso é perfeito — Dominik sorria ao dizer. — Mas se eu estiver com você, onde
Bethany estaria?
— Fazendo compras
na Chanel e Judith Leiber com um dos meus cartões de crédito. Seria
bom informar a ela que não há limites quanto a minha generosidade.
— Ela vai pirar.
— E você vai engolir
tudo, não vai?
— Só porque eu te
amo. E porque você é bem limpinho.
— Por isso
tomamos banho juntos? Pra você ter certeza?
— É um dos
motivos — Riu ele.
Nate sentou à poltrona
e calçou o outro lado dos sapatos.
— Preciso ir
agora — Disse a Dominik. — A audiência começas às treze.
— E está indo
bem?
— Por enquanto.
Ainda não desenterraram nenhum esqueleto no meu closet.
— Você sabe que
vai vencer, não é? Você sempre vence.
Nate parou. Sempre?
Se dissesse isso meses
atrás, antes de Theon, Gwen, as lentes de contato e os trabalhos de
publicidade, não seria tão difícil acreditar.
— Espero que
esteja certo — Sussurrou Nate. — Eu te amo.
— Eu te amo —
Respondeu Dominik.
Naquele dia, em particular, após tocarem o sinal, Bethany chegou primeiro às arquibancadas e escolheu uma das fileiras do topo. Dominik apareceu minutos depois, com uma garrafa térmica e um pacote de sanduiches presos à mochila. Era quinta-feira, os garotos sempre treinavam futebol. Naquele horário. Ninguém mais estava por perto para dividir suas atenções.
— Se eu dissesse
que acabei de pegar o número de dois meninos do terceiro ano, você acreditaria?
— Ele mostrou.
— Ethan Clemonte
e Tye Walker? — Ela leu. — No Shit! Como você fez?
— Não me
pergunte. Fiquei tão surpreso quanto você quando chegaram em mim.
— Hmm... —
Ela pensou. — Talvez seja o lance de você se assumir publicamente. É muito mais
fácil pra um cara dar em cima de você quando tem certeza sobre sua orientação
sexual. Porque se houver o risco de você ser hétero...
— Não rola, eu
sei. Prefiro ter certeza a levar um soco no meio da cara.
— E ainda dizem
que o romantismo acabou — Ela sorriu ao dizer.
Dominik parecia
ter outra coisa em mente.
— Então, o que
fará com esses números, agora que está comprometido? — Perguntou Bethany.
— Guardarei como
troféu. Talvez até mostre a Alex, para rir um pouco.
— Aposto que
acontece mais com ele do que com você.
— Ele é Alex
Strauss. Isso é óbvio.
— E você não
sente ciúmes?
— Desesperadamente
— Ele confessou. — O segredo é fingir que isso não me devora por dentro, para
que não veja através da minha insegurança — Virou a ela.
Bethany mantinha
os braços apoiados para trás, com a cabeça erguida ao solto, para o sol, de
olhos fechados.
— Eu entendo,
sabe — Disse ela. — Mostrar todos os nossos lados em uma relação pode exceder o
fator da honestidade e transbordar os esqueletos que guardamos no closet.
Ninguém é tão seguro que pudesse se arriscar.
— Fala por inexperiência
própria?
Ela abriu apenas
um olho.
— Conheço a
teoria por ser mulher — Replicou. — Você conhece a prática por ser homem. Isso
significa que você faz e eu falo um monte, mas no final, você se fode e eu
assisto.
— Essa é a parte
em que eu reconheço meus privilégios?
— Somos herdeiros
de milhões de dólares, estudamos no segundo colégio mais caro de Nova York e temos
a pele tão branca quanto a de uma princesa da Disney, ou de um soldado nazista.
Para mim, somos todos uns fodidos. Por que não nos torraram durante a inquisição?
Aquilo, de alguma
forma, lembrou a Dominik que sentia vontade de fumar.
— Acha que ele o
ama de verdade? — Ela perguntou.
— Quem?
— Alex, duh.
— Ah, sim — Se
recompôs. — Deve ser amor. Alex diz isso o tempo inteiro.
— Mas você
realmente acredita?
— Por que não? Ele
é leal, dedicado e atencioso. E sempre faz carinho nos meus cabelos enquanto eu
chupo seu pau. Não é o que todos procuram em um cara?
— Isso é bem
íntimo, na verdade — Ela começara a refletir.
O treinador dividiu
os atletas em dois grupos de sete para o aquecimento. A maioria deles optou por
tirar a camiseta, por que estivessem mais à vontade. Dean Coswell assim também.
Um jovem de pele morena, acobreada, olhos castanhos, e os cabelos penteados
para cima, com as laterais raspadas. Seu porte físico era magro e musculoso, e ostentava
definição nos braços, pernas e abdome – e formando um V até sua virilha. Impossível
não notar.
Quanto à altura,
não perdia muito para os outros garotos de sua idade. A diferença estava em
seus traços de raça, como descendente latino.
— Lembra quando
você tinha uma quedinha pelo Dean? — Mencionou Bethany.
— Eu não chamaria
de quedinha e não gostaria de lembrar, por favor.
— Por que não?
Foi seu primeiro crush novaiorquino; o primeiro pau que imaginou na sua boca desde
que chegou aos portões da Northview Charter School...
Ah, não. Dominik balançou a cabeça negativamente para
livrar-se daqueles pensamentos.
— Quando eu tenho
uma quedinha, é horrível — Disse a
ela. — Fico muito obcecado.
— Eu sei. Qual
era mesmo o nome da menina da qual tentou se livrar porque flertava com ele?
— Do jeito que fala,
parece que tentei matá-la.
— Bom, você realmente
inventou todos aqueles boatos. O que esperava que acontecesse?
— Que fosse
suspensa e parasse de infernizar minha vida. Não me assumi gay e peitei meus
pais conservadores para sofrer bullying de qualquer garota branca.
— Se você diz...
— Virou o beiço. — Eu morrerei sua amiga, a propósito.
Esse era o
plano. Não teria de usar seus segredos
contra ela, um dia. Nem ela usar os seus contra ele. E haviam muitos.
— Hey, qual o
problema com a cafeteria? — Eles escutaram.
Por olhar na
mesma direção, entenderam que Dean referia-se a eles dois.
— Há muitas
pessoas! — Bethany gritou de volta.
— E qual o
problema com as pessoas? — Gritou outro rapaz do time.
— Todas são héteros!
— Foi a vez de Dominik.
Os outros rapazes
soltaram uma gargalhada.
— O recreio
acabou, senhoritas — Disse o treinador. — Coswell, em posição! — Assoprou o
apito.
De todos eles,
Dominik foi o único a ter percebido o sorriso provocante de Dean em sua
direção, logo antes de alcançar os outros garotos que corriam em fila indiana. Bethany
amarrava os cadarços, o treinador dava ordens, os meninos corriam às
extremidades do campo e duas líderes de torcida gritavam por eles erguendo os
pompons, em frente ao gradeado.
Talvez seja
melhor não dizer nada.
൴
Três homens de jaqueta
de couro e jeans negro vieram buscar Mia no começo da tarde. O caminho por onde
a levaram foi feito a pé, com ela usando capuz negro. Seu palpite era de que
ainda estavam no complexo, pois em nenhum momento sentiu ar fresco, e que eram
cento e três passos e duas curvas, muito bem contados, para chegar à sala onde
fora deixada. Fede a plástico, perfume barato e produtos para cabelo. Logo
ela descobriu o porquê.
O quarto fora
decorado com bonecas em todos os tamanhos e variedades. Havia vitrines, prateleiras,
armários e penteadeiras, todos como parte de uma encenação infantil e doentia. Próximo
a janela, duas mulheres usavam máquinas de costura, onde imaginou que eram
feitos os trajes em tamanho real, para bonecas ou pessoas. Os outros dois
homens e seus guarda-costas, responsáveis pelas garotas, entraram minutos
depois.
— O que temos
aqui? — O de colete roxo tocou as mechas negras de Mia, ela recuou de maneira ríspida.
— Uma lutadora, eu suponho. É como eles gostam. Afrodite? — Chamou uma das
costureiras.
A moça de pele
clara, peruca negra chanel e cicatriz no rosto foi até ele e entregou o
vestido pronto.
— Encantador —
Ele murmurou. — Deixem-nos a sós agora.
Mia entendeu que referia-se
a ele, o outro homem de colete e seus três guarda-costas. As costureiras
pareciam mais vítimas que cúmplices, com aqueles olhares desesperançosos. Foi bom
não ter precisado encara-los por muito tempo antes de elas irem embora.
— Se está se
perguntando qual o problema, saiba que cortamos suas línguas para que não
falassem — Disse o outro homem de colete. — O salário é bom, o que não toleramos
é correr riscos. Maquiagem, por favor — Pediu ao outro.
Mia tentou
resistir, mas para isto serviam os três guarda-costas com o dobro do seu
tamanho. Para impedi-la.
— Há tanto fogo
dentro de você — Disse o de colete azul, enquanto a maquiava. — E também há
sofisticação. Você não é como as outras garotas, não é?
— Ouvi algo sobre
ela ter descoberto Noah — Comentou o de colete roxo. — É a primeira vez que
acontece.
— Uma moça
inteligente, agora vejo. Pode se tornar a minha favorita.
— Já vi melhores.
Você se contenta com tão pouco, Belavista.
Belavista. Mia gravou este nome.
Não era difícil
notar a feminilidade expressiva na postura dos dois de colete, uma vez que não
fizessem questão de esconder. Não era porque a vestiam e maquiavam; estava em
seu tom de voz, na pose, no olhar. No sorriso aguçado, no canto dos lábios. Nos
cílios postiços. No blush que corava a pele de suas bochechas e na
sombra dos olhos que combinava a cor de seus coletes. Por que se importariam
com o que acontecia a todas aquelas mulheres, se não eram e nem podiam amá-las?
— Di-vi-no! —
Cantarolou Belavista, ao finalizar os retoques. — Agora o vestido — Estalou os
dedos.
Três guarda-costas ficaram responsáveis por despir Mia de suas roupas sujas e os outros dois de colete por vestir cada peça de roupa. Mia reconheceu o vestido azul e branco de Dorothy, de O Mágico de Oz. Os sapatos vermelho Rubi, a cesta de palha e os laços azuis, que prendiam cada mecha de cabelo sobre um dos ombros, também foram providenciados. Havia um grande acervo de fantasias de personagens femininas da literatura e do cinema à sua disposição, no closet.
— Você é uma
princesinha, não é mesmo? — Comentou o de colete roxo.
Os olhos de Mia
lacrimejaram.
Minutos depois, dois
outros homens adentraram a sala com equipamentos de iluminação e câmeras em
tripés. Mia foi obrigada a posar para eles de todas as formas que objetificavam
o corpo feminino e incitavam práticas sexuais impensáveis, como envolver sangue
falso e beber suco de laranja com água fingindo que é urina. Não importava que ela
chorasse e borrasse o vestido e a maquiagem; eles gostavam disto, como quem
pagaria por todas aquelas fotos.
Ao final desta
sessão, ela foi obrigada a fazer mais uma troca de roupas e retocar a
maquiagem. Agora teria de ser Branca de Neve, usando lingerie azul e amarela. Mais
roupas rasgadas, mais pele à mostra, mais flashes em sua direção.
Havia chegado ao
ponto de não ter mais forças para lutar. Eles a maquiavam, a vestiam, a despiam,
tiravam fotos, sujavam-na com sangue falso, falsos dejetos, depois repetiam o
ciclo. Se não cedesse, eram feitas sérias ameaças contra sua dignidade. Cortar
um de seus dedos e queimar sua pele funcionaram por pouquíssimo tempo, então
começaram a dizer que a deixariam a sós com todos aqueles homens para que
tirassem algum prazer de sua insubordinação. Não era estranho para ela temer
por seu corpo mais que por sua sanidade, sempre fora assim.
Quando já era
noite, eles a levaram de volta a sua cela e serviram-na um prato de comida. Lá
ela ficou, deitada no chão.
— O homem de
olhos azuis machucou você? — Ouviu perguntar a voz de Hannah, da outra sala.
Mia esperou um momento
antes de responder.
— Não. Mas ele
vai.
൴
Amber bateu na
parede ao lado da cama em código morse. Socorro.
Na primeira vez,
Kerr achou não ter ouvido nada. Na segunda, tirou os fones para prestar mais atenção.
Na terceira, fechou a tampa do notebook, levantou-se e foi até seu quarto. Embalagens
de chocolate, batata frita e cereal formavam um lindo arco-íris ao lado dela,
na cama. Os travesseiros, que antes havia acomodado à cabeceira, agora estavam
no chão. Era evidente que ela os havia derrubado ao tentar escapar e não
conseguiu pega-los de volta por causa da barriga.
— Como posso
ajudar? — Perguntou Kerr.
— Estou morrendo
de tédio. Tire-me daqui antes que meus ovários explodam.
— E contrariar a
recomendação médica?
— Você não era
traficante meses atrás?
Ele torceu o
beiço.
— Bom, eu nunca
deixaria uma grávida usar. Estou com a coincidência tranquila.
— Por favor, Kerr
— Ela suplicou. — Eu também preciso de um pouco de contato humano que não seja
minha família perguntando se sinto dores ou se quero comer. Não, não sinto
dores. Não, não quero comer. Quero respirar ar fresco, fazer compras e constranger
as pessoas com as minhas mudanças de humor como qualquer outra grávida normal.
Faz tempo que não me divirto.
— Sua ideia de
diversão é receber uma ordem restritiva?
— Ou... fazer
compras. Pretty please?
Qualquer
coisa para que ela parasse de falar.
— Uma hora, Amber
— Ele estipulou. — Vamos ao shopping, tomamos um sorvete e voltamos para casa.
— Você é meu
herói gay.
— Pansexual.
Agora vem — Ajudou-a a levantar.
Mal eles haviam
deixado o prédio e uma manada de repórteres e paparazzi os abordou. Entre eles,
Patty Fischer, a responsável por divulgar na imprensa a carta que seu pai
deixou ao abandonar a família, há mais de um ano. Por isto Amber já havia
perdoado Nate, não ela. Nunca ela. Era por sua culpa que ninguém nunca havia
esquecido.
— Afastem-se! —
Kerr pôs-se em seu caminho, o que não adiantou de muita coisa.
Os repórteres e
paparazzi estavam armados com suas câmeras e microfones e em maior número. Para
que chegassem à limusine, teriam de passar por todos.
— Amber, é
verdade que você e Michaela Strauss armaram para Dhiego Foster ir para cadeia
por não ter assumido ser o pai do seu filho? — Patty gritava para que todos
ouvissem.
— O que? — Amber
virou. — O que sabe sobre Dhiego?
— O que ele mesmo
me contou. Olhe ao redor.
Terno Armani
cinza, gravata vermelha, sapatos oxford e um relógio Fendi negro,
da coleção atemporal. Os cabelos cortados em drop fade – raspados nos
lados, crescente ao topo. As duas mãos nos bolsos. A barba bem acabada, pela primeira
vez em muito tempo.
Era ele.
— Entre na
limusine — Kerr pediu a ela.
Dhiego,
entretanto, chegara primeiro.
— Olá — Ele murmurou.
Patty havia
acabado de dar sinal verde para seu cameraman iniciar a reportagem ao
vivo.
— Estamos em
frente ao Edifício York Avenue, onde podemos testemunhar o reencontro entre os
primos Amber e Dhiego Foster, após ele ter sido acusado injustamente por ela e
sua amante, Michaela Strauss, de promover um grande roubo no flat dos
Foster meses atrás. É de conhecimento público que os filhos que Amber espera
são dele, mas após ser mantido em cativeiro pela família de sua ex noiva em
Londres durante quatro meses, e ter se tornado o mais novo milionário da cidade
graças a investimentos na bolsa de valores, caberia a Dhiego Foster assumir o
papel de pai, se assim Amber permitir? Conte-nos, Dhiego — Passou o microfone
para ele. — Como se sentiu ao saber que a Senhorita Foster escondeu a gravidez por
todo esse tempo?
— Eu gostaria de
dizer que não há ressentimentos. Sei que cometi muitos erros que desqualificariam
qualquer homem como um bom pai. Mas agora estou aqui, pronto para assumir minha
responsabilidade.
A resposta de
Kerr ao seu cinismo foi um soco no meio do nariz.
Dhiego caiu no
chão, sangrando. Os repórteres e paparazzi seguiram os irmãos Foster até a
limusine.
— Amber, você
sabe que pode perder a guarda dos filhos? — Patty gritou.
Amber tomou o
microfone de suas mãos e virou à câmera mais próxima.
— Olá, meu nome é
Amber Margaret Foster, tenho dezenove anos e estou grávida de oito meses do
homem que me embebedou para me levar para a cama e tentou acusar minha melhor
amiga de um crime de estelionato, cuja autoria ficou comprovada sendo dele
mesmo. Anos atrás, o mesmo homem que me engravidou também aplicou um golpe
milionário em Magda Lambert, que foi deixada no altar e teve todas as joias de
sua família roubadas. Posso provar tudo o que estou dizendo, ao contrário de
Patty Fischer. Falando nisso, aqui está seu pico de audiência no horário nobre
— acertou o microfone no rosto dela.
Patty caiu no
chão, também sangrando. Ninguém mais tentou abordar um dos irmãos Foster no
caminho até a limusine.
— Dirija, rápido!
— Ordenou Kerr ao motorista.
Amber chorava bem
baixinho ao seu lado, como se não quisesse que ele percebesse. Não havia nada
que odiasse mais que vê-la desse jeito.
— Venha cá — Acolheu-a
em seus braços.
— Acha que cometi
um erro ao seguir com a gravidez?
— Não. Seus bebês
são da família e os amaremos mais que qualquer outra coisa.
— Se ele os tirar
de mim...
— Ele não vai.
Nem que
precisasse cuidar disto pessoalmente.
൴
Nate e sua
advogada chegaram juntos ao escritório da Strauss International. Vasos,
pinturas, porta-retratos, documentos e garrafas de bebida, todos sucumbiram a
ira momentânea a qual o dominara.
— Senhor Strauss,
por favor... — Pediu Diana.
— Você ouviu o
que eles disseram? Que eu abusaria do meu próprio filho porque é isso que
pessoas como eu fazem. Eu amo Gus mais que qualquer outra coisa, mais do que
sobra amor para mim. Eu nunca... — Mal conseguia dizer. — Eu nunca faria nada
para machuca-lo.
— Todos sabemos
disso, Senhor Strauss — Ela tomou um lugar à poltrona. — A ideia é provocar
esta mesma reação em frente ao juiz.
— Bom, eles
conseguiram. Não aceitarei calado enquanto me chamam de pedófilo pela minha
orientação sexual.
— Neste caso,
eles vencem. Nenhum juiz cederia a guarda de uma criança a um homem instável e
agressivo. Por que não se senta? — Gesticulou com uma mão.
Nate mostrou a
ela um sorriso desdenhoso.
— Você é uma
mulher negra, de trinta anos, que cresceu em Brownsville. De todos que conheço,
achei que seria uma das poucas a entender.
— É exatamente o
que me possibilita entender — Disse ela. — Acha que a única garota negra na
faculdade de direito, acusada de bruxaria por usar um turbante, estaria aqui,
agora, se desse tanta importância ao que não é? Você pode sentir raiva, Nate.
Pode ter um posicionamento. Pode usar sua fortuna a seu favor. O que não pode
fazer é dar-lhes motivos para tirar o que tens, pois eles podem e irão. Como um
homem branco, sabe que é um dos que tem mais a perder.
— Eu só me
importo com uma coisa agora.
— Este é o seu trabalho.
O meu é me preocupar com todo o resto — Lançou-lhe um olhar.
Nate talvez
soubesse da existência de uma linha tênue entre o admirável e o invejável em
suas convicções, àquela altura. O que não queria dizer que estava disposto a
depositar toda a sua confiança nas palavras que gostaria de ouvir. A juíza
delegada ao caso foi Andrea Housenn, uma velha conhecida da promotoria, a quem
todos se referiam como uma mulher inflexível, de forte opinião e extremamente
conservadora. Uma audiência foi o bastante para Nate compreender que não era a
pessoa mais indicada para tomar esta decisão. A pessoa mais indicada deixaria seus
dogmas longe dos tribunais.
Deus, que
pesadelo...
Ele sentou no
sofá maior e suspirou profundamente.
— Isto não é
sobre mim — Disse a ela. — Não é sobre o que eu preciso, o que me fará feliz. Eu
sei que posso ser um bom pai para Gus. Sei que posso oferecer educação de
qualidade, segurança e uma casa onde há amor. Ao meu lado ele conhecerá o mundo
inteiro e colecionará boas lembranças. Aprenderá o que é certo e o que é
errado, o que é amor e o que é ódio, e fará suas próprias escolhas, porque será
livre para isto. Diga-me se Victor e Sarah Alonso podem oferecer algo melhor e
eu desisto agora mesmo.
Diana baixou o
olhar.
— Em dez anos de
carreira, nunca vi alguém tão comprometido em ser pai — Ela confessou. — A
maioria dos clientes usa os filhos como uma garantia de que não sairá perdendo
em um divórcio, tanto emocional quanto financeiramente. Acredite, há quem seja
capaz — Mostrou um sorriso amargo. — Se alguém perguntar, eu diria que não há
qualquer outra pessoa mais capaz de oferecer tudo o que August precisa que
Nathaniel Strauss. Não o represento somente pelo dinheiro, mas por acreditar
que seja o único e verdadeiro pai a quem deveria ser dada uma chance.
— Tudo o que eu quero
é vê-lo feliz. Se não for comigo, que seja com alguém que pode dar tudo o que
precisa e que o ame como se fosse capaz de morrer, porque é assim que eu o amo.
— Mantenha isso
em mente, é assim que venceremos — Ela levantou. — Agora vá dormir, ou comer
alguma coisa. Este foi só o primeiro dia.
— Tudo bem — Ele
assentiu. — Teria como convencê-la, neste exato momento, a usar meus pequenos trunfos?
Os saltos dela
tilintaram um por vez em seu caminho até a porta.
— Isto não será
necessário — Ela disse, já em retirada. — Mas como último recurso, poderia
servir.
Se chegasse
a tanto.
Do bolso do paletó
Nate tirou seu celular e desbloqueou com a digital. Havia uma foto de Gus como
plano de fundo, outra na tela de bloqueio, outra como background em
aplicativos e muitas outras na galeria.
Era a razão pela
qual tudo valia à pena.
൴
Ele sonhou que
estava nu e sozinho em um campo de neve. Doía-lhe o frio nos pés descalços; os
flocos na pele, que fustigavam feito granito e derramavam sangue quente por
onde passava. Não estou perdido, está logo ali, pensou. Era como se cabana
se afastasse cada vez mais.
Não havia
árvores, vegetação ou luz do sol a derredor. O céu era de um cinza lúgubre e
merencório, sem nuvens ou estrelas. Que pudesse ouvir, distinguiu o trincar de
seus dentes, os murmúrios da ventania... e gelo se partindo. Uma rachadura
seguira do ponto mais distante de seu campo de visão até passar-lhe por debaixo
das pernas e contorna-lo. Ali mesmo ele caiu, numa poça de água congelante.
— Alex! — Henry o
sacudiu.
Estava ofegando
em sua cama, coberto de suor. Foi preciso olha-lo nos olhos para convencer-se disto.
— Você está bem?
— Perguntou Henry.
— Um pesadelo...
Ele imaginou.
— Tudo bem. Acontece.
— Acordei você?
— Não, eu estava
cuidando de algumas coisas.
— Certo — Sentou escorado
à parede.
Ele, que nunca
fora uma dessas crianças de ter pesadelo e molhar os lençois, no meio da noite,
agora olhava envergonhado para a poça de água em sua cama.
— Lavarei tudo
amanhã — Logo disse.
— Não se preocupe
com isto, preocupe-se em tomar banho e trocar de roupas.
— Temos água
quente?
— O bastante para
os próximos dias.
Em outras
palavras, seja rápido.
Alex levantou-se
com a ajuda dele, foi ao quarto, pegou toalha e roupas limpas, caminhou até o
banheiro. Por um descuido seu, Henry pôde vê-lo pela porta entreaberta,
enquanto se despia. Um breve momento de curiosidade antes de Alex erguer a
cabeça e encontrar seu olhar. Sutilmente.
Henry então pegou
os lençois sobre o colchão e foi para o outro cômodo.
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