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Livro | The Double Me - 6x05: When I Have a Crush, It's Bad [+18]

   6x05: When I Have a Crush, It's Bad
“Uma pessoa torna o mundo perfeccionista quando quer criar seu próprio caos".

— Aqui está bom — Disse Viola ao motorista da limusine.
Haviam parado a meio quarteirão da entrada do Restaurante Per Se, onde Cassidy estaria esperando. Mil coisas passaram pela sua cabeça e nenhuma delas fora tão prosaica quanto as observações de Andy.
— Você é a estilista — Ele disse. — Quantas outras vezes já almoçaram juntas e o assunto não tinha a ver com Liam?
— Você não o conhece, ele não saberia guardar este segredo.
— Mesmo pondo em risco seu casamento e o emprego dos sonhos?
— Nada disso importa para ele — Suspirou.
Parte sua realmente acreditava nessas palavras, apesar do que houve. Mas estava cada vez mais difícil se convencer de que aquilo era amor de verdade. Liam teve todas as chances para fazer a coisa certa e escolheu fugir, da mesma forma que ela não priorizou o sexo casual, não a amizade com Cassidy ou seu verdadeiro papel naquele casamento.
Pensar nisso a levava a crer que ambos sentiram vontade de fugir naquela manhã, no hotel, mas apenas Liam teve coragem.
— Tem certeza que quer vir junto? — Virou a Andy. — Não posso pedir que me acompanhe a um possível Casamento Vermelho.
— Você precisará de alguém que faça cena se as coisas saírem do controle. Esta é a minha especialidade.
Ela sorriu nervosa.
— Eu vou primeiro. Espere cinco minutos.
— Combinado.
Cassidy esperava por ela em uma das mesas com vista para a cidade. Seu vestido era um branco Dior de alças finas e renda solta na parte inferior, que cobria até os joelhos. Os cabelos foram amarrados em um rabo de cavalo e com nós de fitas de renda. Aqueles saltos também eram novos, assim como as argolas de ouro, em camadas triplas. Todas essas aquisições eram publicadas diariamente nos stories do seu Instagram, para mais de trezentos mil seguidores.
— Você está aqui — Disse a jovem moça, sorrindo.
Viola tomou o lugar a sua frente.
— Estou atrasada? — Perguntou.
— Na verdade, nunca conheci alguém tão pontual quanto você. Com licença? — Chamou um dos garçons.
As duas fizeram seus pedidos sem se prolongar.
Naquele exato momento, Andy passou pela portaria e tomou o lugar na mesa mais próxima. Seu pedido foi o dry martini de sempre, nada que fizesse estranhar seus velhos conhecidos do Per Se – mesmo àquele horário.
— Fico feliz por ter aceitado meu convite — Disse Cassidy. — Temo que a sobrecarreguei com minhas exigências para o casamento e não há como dispor de tanto tempo livre.
— Faltando duas semanas para subir ao altar, diria que toda noiva tem direito de exigir que as vinte e quatro horas diárias sejam prolongadas.
— Eu sei. Não tenho dormido muito bem ultimamente.
—Algum problema a qual deva me ater?
Cassidy tomou um gole de sua taça de Orange Glam.
— Não se preocupe, tenho profissionais cuidando dos arranjos. Queria mesmo saber o que a levou a foder com meu noivo em um hotel de estrada.
Oh, fuck, Viola só tinha em mente.
— Não me leve a mal — Disse Cassidy. — Isto não é um confronto direto, muito menos um ultimato. Estou aqui para ouvir de você, assim como ouvi de Liam. Diga-me a verdade.
Àquela altura, era só o que ela tinha.
— Nos conhecemos há alguns meses, na noite do atendado ao Capitale — Disse Viola. — Quando soube que era seu noivo, tudo o que queria era manter distância.
— Por isso aceitou fazer-me um vestido de noiva?
— Eu não tive escolha. Cassidy Rhae consegue absolutamente tudo o que quer.
— Nisto concordamos — Ela sorriu. — Se me perguntar o que quero agora, diria que nada me daria mais prazer do que estapeá-la. Mas a verdade é que meu ego de noiva traída diz muito pouco sobre minhas intenções. Você me deu um presente, Viola, que há muito tempo venho cobiçado. Uma reivindicação de liberdade.
— O que isso quer dizer?
— Todos nós desempenhamos o mesmo papel em corpo social. Escola, faculdade, emprego, casamento, reprodução, aposentadoria, morte. É isso que faz o mundo girar, de acordo a eles. Agora imagine chegar aos vinte e oito anos, ser herdeira de uma companhia bilionária, ter terminado os estudos, casar em duas semanas e saber como será o resto da sua vida, sem ao menos ter tido um orgasmo múltiplo para se orgulhar. Não acha a monogamia superestimada? Ela é, em toda sua contextura societária e dogmática. E este é meu passe-livre de culpa para simplesmente dizer... foda-se. Ou fodam-se. Ou fodam-me. Qualquer maldita coisa que eu bem entender.
Viola olhou discretamente para Andy; ali estava o sorriso maldoso que achou que veria.
— Você quis dizer... casamento aberto? — Ela perguntou.
— É disso que chamam hoje em dia? Não importa. Só preciso saber se tem interesse
— Em você?
— Em mim. Em Liam. Juntos. Você não contaria a alguém, não é?
Andy, em sua mesa, começara a engasgar. Todos os clientes correram ao mesmo tempo.
— Alguém faça alguma coisa! — Viola gritava.
— Há algum médico no restaurante? — Gritou outra moça.
O rosto de Andy enrubesceu por completo.
Cassidy, então, agarrou-o por trás e apertou os braços contra seu tórax, em um movimento rápido. Isso fez com que ele expelisse a azeitona ainda inteira sobre a toalha da mesa.
— Você está bem? — Viola perguntou ao rapaz.
Tinha certeza que não fora uma de suas cenas, ou ele não pareceria tão desesperado diante de seus olhos.
— Diga sim... — Ele sussurrou bem baixo. — Diga sim ao threesome ou mato você.
Cassidy já havia voltado a sua mesa para checar o celular, como Viola constatou. Qualquer coisa que dissessem agora, aos murmúrios, ela provavelmente não se atentaria.
— Não quer ir a um hospital? — Viola indagou.
— Não — Respondeu Andy. — Aceite o threesome.
— Okay, apenas... não morra. Na minha frente.
— Entendi — Ele saiu em passos curtos.
Não demorou muito tempo até Viola recobrar a compostura e voltar ao seu lugar.
— Não vemos isso todo dia... — Disse Cassidy, em tom casual. — Então, você tem uma resposta para mim?
— Na verdade... há um lugar onde podemos conversar com mais calma? — Perguntou Viola.
A próxima resposta causaria a Andy possíveis danos cerebrais.


Nate tentava ligar para Dominik enquanto procurava pelo outro lado do sapato. Tanta demora para atender o fez pensar que estivesse interrompendo uma de suas aulas.
— Pode falar agora? — Perguntou.
— Sim, desculpe — Respondeu Dominik. — Estava na aula de cálculo.
— Essa é a pior de todas. Enfim, só liguei para saber se está livre neste fim de semana. Pensei em nós dois, muito sol, água de coco e duas piscinas olímpicas.
— Parece ótimo, mas meus pais estão no meu pé desde que aquelas fotos viralizaram. Teríamos de inventar uma boa desculpa.
— Fale com Bethany, ela pode ser o seu álibi.
— Não mais. Disseram-me que vão ligar para os pais dos amigos com quem digo que vou sair para confirmar minha história.
Bom, era isto, ou ser exilado para Paris, pensou Nate.
Achava-o bastante sortudo por inúmeros motivos, incluindo namorar alguém que pudesse resolver todos os seus problemas.
— Haverá uma exposição artística neste sábado — Pegou o folheto de dentro de um livro. — Lembra do dia em que a Northview fez uma excursão ao museu? Você e Bethany poderiam publicar aquelas fotos nos stories para dizer que estão lá.
— Na verdade, isso é perfeito — Dominik sorria ao dizer. — Mas se eu estiver com você, onde Bethany estaria?
— Fazendo compras na Chanel e Judith Leiber com um dos meus cartões de crédito. Seria bom informar a ela que não há limites quanto a minha generosidade.
— Ela vai pirar.
— E você vai engolir tudo, não vai?
— Só porque eu te amo. E porque você é bem limpinho.
— Por isso tomamos banho juntos? Pra você ter certeza?
— É um dos motivos — Riu ele.
Nate sentou à poltrona e calçou o outro lado dos sapatos.
— Preciso ir agora — Disse a Dominik. — A audiência começas às treze.
— E está indo bem?
— Por enquanto. Ainda não desenterraram nenhum esqueleto no meu closet.
— Você sabe que vai vencer, não é? Você sempre vence.
Nate parou. Sempre?
Se dissesse isso meses atrás, antes de Theon, Gwen, as lentes de contato e os trabalhos de publicidade, não seria tão difícil acreditar.  
— Espero que esteja certo — Sussurrou Nate. — Eu te amo.
— Eu te amo — Respondeu Dominik.


       Naquele dia, em particular, após tocarem o sinal, Bethany chegou primeiro às arquibancadas e escolheu uma das fileiras do topo. Dominik apareceu minutos depois, com uma garrafa térmica e um pacote de sanduiches presos à mochila. Era quinta-feira, os garotos sempre treinavam futebol. Naquele horário. Ninguém mais estava por perto para dividir suas atenções.
— Se eu dissesse que acabei de pegar o número de dois meninos do terceiro ano, você acreditaria? — Ele mostrou.
— Ethan Clemonte e Tye Walker? — Ela leu. — No Shit! Como você fez?
— Não me pergunte. Fiquei tão surpreso quanto você quando chegaram em mim.
Hmm... — Ela pensou. — Talvez seja o lance de você se assumir publicamente. É muito mais fácil pra um cara dar em cima de você quando tem certeza sobre sua orientação sexual. Porque se houver o risco de você ser hétero...
— Não rola, eu sei. Prefiro ter certeza a levar um soco no meio da cara.
— E ainda dizem que o romantismo acabou — Ela sorriu ao dizer.
Dominik parecia ter outra coisa em mente.
— Então, o que fará com esses números, agora que está comprometido? — Perguntou Bethany.
— Guardarei como troféu. Talvez até mostre a Alex, para rir um pouco.
— Aposto que acontece mais com ele do que com você.
— Ele é Alex Strauss. Isso é óbvio.
— E você não sente ciúmes?
— Desesperadamente — Ele confessou. — O segredo é fingir que isso não me devora por dentro, para que não veja através da minha insegurança — Virou a ela.
Bethany mantinha os braços apoiados para trás, com a cabeça erguida ao solto, para o sol, de olhos fechados.
— Eu entendo, sabe — Disse ela. — Mostrar todos os nossos lados em uma relação pode exceder o fator da honestidade e transbordar os esqueletos que guardamos no closet. Ninguém é tão seguro que pudesse se arriscar.
— Fala por inexperiência própria?
Ela abriu apenas um olho.
— Conheço a teoria por ser mulher — Replicou. — Você conhece a prática por ser homem. Isso significa que você faz e eu falo um monte, mas no final, você se fode e eu assisto.
— Essa é a parte em que eu reconheço meus privilégios?
— Somos herdeiros de milhões de dólares, estudamos no segundo colégio mais caro de Nova York e temos a pele tão branca quanto a de uma princesa da Disney, ou de um soldado nazista. Para mim, somos todos uns fodidos. Por que não nos torraram durante a inquisição?
Aquilo, de alguma forma, lembrou a Dominik que sentia vontade de fumar.
— Acha que ele o ama de verdade? — Ela perguntou.
— Quem?
— Alex, duh.
— Ah, sim — Se recompôs. — Deve ser amor. Alex diz isso o tempo inteiro.  
— Mas você realmente acredita?
— Por que não? Ele é leal, dedicado e atencioso. E sempre faz carinho nos meus cabelos enquanto eu chupo seu pau. Não é o que todos procuram em um cara?
— Isso é bem íntimo, na verdade — Ela começara a refletir.
O treinador dividiu os atletas em dois grupos de sete para o aquecimento. A maioria deles optou por tirar a camiseta, por que estivessem mais à vontade. Dean Coswell assim também. Um jovem de pele morena, acobreada, olhos castanhos, e os cabelos penteados para cima, com as laterais raspadas. Seu porte físico era magro e musculoso, e ostentava definição nos braços, pernas e abdome – e formando um V até sua virilha. Impossível não notar.
Quanto à altura, não perdia muito para os outros garotos de sua idade. A diferença estava em seus traços de raça, como descendente latino.
— Lembra quando você tinha uma quedinha pelo Dean? — Mencionou Bethany.
— Eu não chamaria de quedinha e não gostaria de lembrar, por favor.
— Por que não? Foi seu primeiro crush novaiorquino; o primeiro pau que imaginou na sua boca desde que chegou aos portões da Northview Charter School...
Ah, não. Dominik balançou a cabeça negativamente para livrar-se daqueles pensamentos.
— Quando eu tenho uma quedinha, é horrível — Disse a ela. — Fico muito obcecado.
— Eu sei. Qual era mesmo o nome da menina da qual tentou se livrar porque flertava com ele?
— Do jeito que fala, parece que tentei matá-la.
— Bom, você realmente inventou todos aqueles boatos. O que esperava que acontecesse?
— Que fosse suspensa e parasse de infernizar minha vida. Não me assumi gay e peitei meus pais conservadores para sofrer bullying de qualquer garota branca.
— Se você diz... — Virou o beiço. — Eu morrerei sua amiga, a propósito.
Esse era o plano. Não teria de usar seus segredos contra ela, um dia. Nem ela usar os seus contra ele. E haviam muitos.
— Hey, qual o problema com a cafeteria? — Eles escutaram.
Por olhar na mesma direção, entenderam que Dean referia-se a eles dois.
— Há muitas pessoas! — Bethany gritou de volta.
— E qual o problema com as pessoas? — Gritou outro rapaz do time.
— Todas são héteros! — Foi a vez de Dominik.
Os outros rapazes soltaram uma gargalhada.
— O recreio acabou, senhoritas — Disse o treinador. — Coswell, em posição! — Assoprou o apito.
De todos eles, Dominik foi o único a ter percebido o sorriso provocante de Dean em sua direção, logo antes de alcançar os outros garotos que corriam em fila indiana. Bethany amarrava os cadarços, o treinador dava ordens, os meninos corriam às extremidades do campo e duas líderes de torcida gritavam por eles erguendo os pompons, em frente ao gradeado.
Talvez seja melhor não dizer nada.

Três homens de jaqueta de couro e jeans negro vieram buscar Mia no começo da tarde. O caminho por onde a levaram foi feito a pé, com ela usando capuz negro. Seu palpite era de que ainda estavam no complexo, pois em nenhum momento sentiu ar fresco, e que eram cento e três passos e duas curvas, muito bem contados, para chegar à sala onde fora deixada. Fede a plástico, perfume barato e produtos para cabelo. Logo ela descobriu o porquê.
O quarto fora decorado com bonecas em todos os tamanhos e variedades. Havia vitrines, prateleiras, armários e penteadeiras, todos como parte de uma encenação infantil e doentia. Próximo a janela, duas mulheres usavam máquinas de costura, onde imaginou que eram feitos os trajes em tamanho real, para bonecas ou pessoas. Os outros dois homens e seus guarda-costas, responsáveis pelas garotas, entraram minutos depois.
— O que temos aqui? — O de colete roxo tocou as mechas negras de Mia, ela recuou de maneira ríspida. — Uma lutadora, eu suponho. É como eles gostam. Afrodite? — Chamou uma das costureiras.
A moça de pele clara, peruca negra chanel e cicatriz no rosto foi até ele e entregou o vestido pronto.
— Encantador — Ele murmurou. — Deixem-nos a sós agora.
Mia entendeu que referia-se a ele, o outro homem de colete e seus três guarda-costas. As costureiras pareciam mais vítimas que cúmplices, com aqueles olhares desesperançosos. Foi bom não ter precisado encara-los por muito tempo antes de elas irem embora.
— Se está se perguntando qual o problema, saiba que cortamos suas línguas para que não falassem — Disse o outro homem de colete. — O salário é bom, o que não toleramos é correr riscos. Maquiagem, por favor — Pediu ao outro.
Mia tentou resistir, mas para isto serviam os três guarda-costas com o dobro do seu tamanho. Para impedi-la.
— Há tanto fogo dentro de você — Disse o de colete azul, enquanto a maquiava. — E também há sofisticação. Você não é como as outras garotas, não é?
— Ouvi algo sobre ela ter descoberto Noah — Comentou o de colete roxo. — É a primeira vez que acontece.
— Uma moça inteligente, agora vejo. Pode se tornar a minha favorita.
— Já vi melhores. Você se contenta com tão pouco, Belavista.
Belavista. Mia gravou este nome.
Não era difícil notar a feminilidade expressiva na postura dos dois de colete, uma vez que não fizessem questão de esconder. Não era porque a vestiam e maquiavam; estava em seu tom de voz, na pose, no olhar. No sorriso aguçado, no canto dos lábios. Nos cílios postiços. No blush que corava a pele de suas bochechas e na sombra dos olhos que combinava a cor de seus coletes. Por que se importariam com o que acontecia a todas aquelas mulheres, se não eram e nem podiam amá-las?
— Di-vi-no! — Cantarolou Belavista, ao finalizar os retoques. — Agora o vestido — Estalou os dedos.

     Três guarda-costas ficaram responsáveis por despir Mia de suas roupas sujas e os outros dois de colete por vestir cada peça de roupa. Mia reconheceu o vestido azul e branco de Dorothy, de O Mágico de Oz. Os sapatos vermelho Rubi, a cesta de palha e os laços azuis, que prendiam cada mecha de cabelo sobre um dos ombros, também foram providenciados. Havia um grande acervo de fantasias de personagens femininas da literatura e do cinema à sua disposição, no closet.
— Você é uma princesinha, não é mesmo? — Comentou o de colete roxo.
Os olhos de Mia lacrimejaram.
Minutos depois, dois outros homens adentraram a sala com equipamentos de iluminação e câmeras em tripés. Mia foi obrigada a posar para eles de todas as formas que objetificavam o corpo feminino e incitavam práticas sexuais impensáveis, como envolver sangue falso e beber suco de laranja com água fingindo que é urina. Não importava que ela chorasse e borrasse o vestido e a maquiagem; eles gostavam disto, como quem pagaria por todas aquelas fotos.
Ao final desta sessão, ela foi obrigada a fazer mais uma troca de roupas e retocar a maquiagem. Agora teria de ser Branca de Neve, usando lingerie azul e amarela. Mais roupas rasgadas, mais pele à mostra, mais flashes em sua direção.
Havia chegado ao ponto de não ter mais forças para lutar. Eles a maquiavam, a vestiam, a despiam, tiravam fotos, sujavam-na com sangue falso, falsos dejetos, depois repetiam o ciclo. Se não cedesse, eram feitas sérias ameaças contra sua dignidade. Cortar um de seus dedos e queimar sua pele funcionaram por pouquíssimo tempo, então começaram a dizer que a deixariam a sós com todos aqueles homens para que tirassem algum prazer de sua insubordinação. Não era estranho para ela temer por seu corpo mais que por sua sanidade, sempre fora assim.
Quando já era noite, eles a levaram de volta a sua cela e serviram-na um prato de comida. Lá ela ficou, deitada no chão.
— O homem de olhos azuis machucou você? — Ouviu perguntar a voz de Hannah, da outra sala.
Mia esperou um momento antes de responder.
— Não. Mas ele vai.

Amber bateu na parede ao lado da cama em código morse. Socorro.
Na primeira vez, Kerr achou não ter ouvido nada. Na segunda, tirou os fones para prestar mais atenção. Na terceira, fechou a tampa do notebook, levantou-se e foi até seu quarto. Embalagens de chocolate, batata frita e cereal formavam um lindo arco-íris ao lado dela, na cama. Os travesseiros, que antes havia acomodado à cabeceira, agora estavam no chão. Era evidente que ela os havia derrubado ao tentar escapar e não conseguiu pega-los de volta por causa da barriga.
— Como posso ajudar? — Perguntou Kerr.
— Estou morrendo de tédio. Tire-me daqui antes que meus ovários explodam.
— E contrariar a recomendação médica?
— Você não era traficante meses atrás?
Ele torceu o beiço.
— Bom, eu nunca deixaria uma grávida usar. Estou com a coincidência tranquila.
— Por favor, Kerr — Ela suplicou. — Eu também preciso de um pouco de contato humano que não seja minha família perguntando se sinto dores ou se quero comer. Não, não sinto dores. Não, não quero comer. Quero respirar ar fresco, fazer compras e constranger as pessoas com as minhas mudanças de humor como qualquer outra grávida normal. Faz tempo que não me divirto.
— Sua ideia de diversão é receber uma ordem restritiva?
— Ou... fazer compras. Pretty please?
Qualquer coisa para que ela parasse de falar.
— Uma hora, Amber — Ele estipulou. — Vamos ao shopping, tomamos um sorvete e voltamos para casa.
— Você é meu herói gay.
— Pansexual. Agora vem — Ajudou-a a levantar.
Mal eles haviam deixado o prédio e uma manada de repórteres e paparazzi os abordou. Entre eles, Patty Fischer, a responsável por divulgar na imprensa a carta que seu pai deixou ao abandonar a família, há mais de um ano. Por isto Amber já havia perdoado Nate, não ela. Nunca ela. Era por sua culpa que ninguém nunca havia esquecido.
— Afastem-se! — Kerr pôs-se em seu caminho, o que não adiantou de muita coisa.
Os repórteres e paparazzi estavam armados com suas câmeras e microfones e em maior número. Para que chegassem à limusine, teriam de passar por todos.
— Amber, é verdade que você e Michaela Strauss armaram para Dhiego Foster ir para cadeia por não ter assumido ser o pai do seu filho? — Patty gritava para que todos ouvissem.
— O que? — Amber virou. — O que sabe sobre Dhiego?
— O que ele mesmo me contou. Olhe ao redor.
Terno Armani cinza, gravata vermelha, sapatos oxford e um relógio Fendi negro, da coleção atemporal. Os cabelos cortados em drop fade – raspados nos lados, crescente ao topo. As duas mãos nos bolsos. A barba bem acabada, pela primeira vez em muito tempo.
Era ele.
— Entre na limusine — Kerr pediu a ela.
Dhiego, entretanto, chegara primeiro.
— Olá — Ele murmurou.
Patty havia acabado de dar sinal verde para seu cameraman iniciar a reportagem ao vivo.
— Estamos em frente ao Edifício York Avenue, onde podemos testemunhar o reencontro entre os primos Amber e Dhiego Foster, após ele ter sido acusado injustamente por ela e sua amante, Michaela Strauss, de promover um grande roubo no flat dos Foster meses atrás. É de conhecimento público que os filhos que Amber espera são dele, mas após ser mantido em cativeiro pela família de sua ex noiva em Londres durante quatro meses, e ter se tornado o mais novo milionário da cidade graças a investimentos na bolsa de valores, caberia a Dhiego Foster assumir o papel de pai, se assim Amber permitir? Conte-nos, Dhiego — Passou o microfone para ele. — Como se sentiu ao saber que a Senhorita Foster escondeu a gravidez por todo esse tempo?
— Eu gostaria de dizer que não há ressentimentos. Sei que cometi muitos erros que desqualificariam qualquer homem como um bom pai. Mas agora estou aqui, pronto para assumir minha responsabilidade.
A resposta de Kerr ao seu cinismo foi um soco no meio do nariz.
Dhiego caiu no chão, sangrando. Os repórteres e paparazzi seguiram os irmãos Foster até a limusine.
— Amber, você sabe que pode perder a guarda dos filhos? — Patty gritou.
Amber tomou o microfone de suas mãos e virou à câmera mais próxima.
— Olá, meu nome é Amber Margaret Foster, tenho dezenove anos e estou grávida de oito meses do homem que me embebedou para me levar para a cama e tentou acusar minha melhor amiga de um crime de estelionato, cuja autoria ficou comprovada sendo dele mesmo. Anos atrás, o mesmo homem que me engravidou também aplicou um golpe milionário em Magda Lambert, que foi deixada no altar e teve todas as joias de sua família roubadas. Posso provar tudo o que estou dizendo, ao contrário de Patty Fischer. Falando nisso, aqui está seu pico de audiência no horário nobre — acertou o microfone no rosto dela.
Patty caiu no chão, também sangrando. Ninguém mais tentou abordar um dos irmãos Foster no caminho até a limusine.
— Dirija, rápido! — Ordenou Kerr ao motorista.
Amber chorava bem baixinho ao seu lado, como se não quisesse que ele percebesse. Não havia nada que odiasse mais que vê-la desse jeito.
— Venha cá — Acolheu-a em seus braços.
— Acha que cometi um erro ao seguir com a gravidez?
— Não. Seus bebês são da família e os amaremos mais que qualquer outra coisa.
— Se ele os tirar de mim...
— Ele não vai.
Nem que precisasse cuidar disto pessoalmente.


Nate e sua advogada chegaram juntos ao escritório da Strauss International. Vasos, pinturas, porta-retratos, documentos e garrafas de bebida, todos sucumbiram a ira momentânea a qual o dominara.
— Senhor Strauss, por favor... — Pediu Diana.
— Você ouviu o que eles disseram? Que eu abusaria do meu próprio filho porque é isso que pessoas como eu fazem. Eu amo Gus mais que qualquer outra coisa, mais do que sobra amor para mim. Eu nunca... — Mal conseguia dizer. — Eu nunca faria nada para machuca-lo.
— Todos sabemos disso, Senhor Strauss — Ela tomou um lugar à poltrona. — A ideia é provocar esta mesma reação em frente ao juiz.
— Bom, eles conseguiram. Não aceitarei calado enquanto me chamam de pedófilo pela minha orientação sexual.
— Neste caso, eles vencem. Nenhum juiz cederia a guarda de uma criança a um homem instável e agressivo. Por que não se senta? — Gesticulou com uma mão.
Nate mostrou a ela um sorriso desdenhoso.
— Você é uma mulher negra, de trinta anos, que cresceu em Brownsville. De todos que conheço, achei que seria uma das poucas a entender.
— É exatamente o que me possibilita entender — Disse ela. — Acha que a única garota negra na faculdade de direito, acusada de bruxaria por usar um turbante, estaria aqui, agora, se desse tanta importância ao que não é? Você pode sentir raiva, Nate. Pode ter um posicionamento. Pode usar sua fortuna a seu favor. O que não pode fazer é dar-lhes motivos para tirar o que tens, pois eles podem e irão. Como um homem branco, sabe que é um dos que tem mais a perder.
— Eu só me importo com uma coisa agora.
— Este é o seu trabalho. O meu é me preocupar com todo o resto — Lançou-lhe um olhar.
Nate talvez soubesse da existência de uma linha tênue entre o admirável e o invejável em suas convicções, àquela altura. O que não queria dizer que estava disposto a depositar toda a sua confiança nas palavras que gostaria de ouvir. A juíza delegada ao caso foi Andrea Housenn, uma velha conhecida da promotoria, a quem todos se referiam como uma mulher inflexível, de forte opinião e extremamente conservadora. Uma audiência foi o bastante para Nate compreender que não era a pessoa mais indicada para tomar esta decisão. A pessoa mais indicada deixaria seus dogmas longe dos tribunais.
Deus, que pesadelo...
Ele sentou no sofá maior e suspirou profundamente.
— Isto não é sobre mim — Disse a ela. — Não é sobre o que eu preciso, o que me fará feliz. Eu sei que posso ser um bom pai para Gus. Sei que posso oferecer educação de qualidade, segurança e uma casa onde há amor. Ao meu lado ele conhecerá o mundo inteiro e colecionará boas lembranças. Aprenderá o que é certo e o que é errado, o que é amor e o que é ódio, e fará suas próprias escolhas, porque será livre para isto. Diga-me se Victor e Sarah Alonso podem oferecer algo melhor e eu desisto agora mesmo.
Diana baixou o olhar.
— Em dez anos de carreira, nunca vi alguém tão comprometido em ser pai — Ela confessou. — A maioria dos clientes usa os filhos como uma garantia de que não sairá perdendo em um divórcio, tanto emocional quanto financeiramente. Acredite, há quem seja capaz — Mostrou um sorriso amargo. — Se alguém perguntar, eu diria que não há qualquer outra pessoa mais capaz de oferecer tudo o que August precisa que Nathaniel Strauss. Não o represento somente pelo dinheiro, mas por acreditar que seja o único e verdadeiro pai a quem deveria ser dada uma chance.
— Tudo o que eu quero é vê-lo feliz. Se não for comigo, que seja com alguém que pode dar tudo o que precisa e que o ame como se fosse capaz de morrer, porque é assim que eu o amo.
— Mantenha isso em mente, é assim que venceremos — Ela levantou. — Agora vá dormir, ou comer alguma coisa. Este foi só o primeiro dia.
— Tudo bem — Ele assentiu. — Teria como convencê-la, neste exato momento, a usar meus pequenos trunfos?
Os saltos dela tilintaram um por vez em seu caminho até a porta.
— Isto não será necessário — Ela disse, já em retirada. — Mas como último recurso, poderia servir.
Se chegasse a tanto.
Do bolso do paletó Nate tirou seu celular e desbloqueou com a digital. Havia uma foto de Gus como plano de fundo, outra na tela de bloqueio, outra como background em aplicativos e muitas outras na galeria.
Era a razão pela qual tudo valia à pena.

Ele sonhou que estava nu e sozinho em um campo de neve. Doía-lhe o frio nos pés descalços; os flocos na pele, que fustigavam feito granito e derramavam sangue quente por onde passava. Não estou perdido, está logo ali, pensou. Era como se cabana se afastasse cada vez mais.
Não havia árvores, vegetação ou luz do sol a derredor. O céu era de um cinza lúgubre e merencório, sem nuvens ou estrelas. Que pudesse ouvir, distinguiu o trincar de seus dentes, os murmúrios da ventania... e gelo se partindo. Uma rachadura seguira do ponto mais distante de seu campo de visão até passar-lhe por debaixo das pernas e contorna-lo. Ali mesmo ele caiu, numa poça de água congelante.
— Alex! — Henry o sacudiu.
Estava ofegando em sua cama, coberto de suor. Foi preciso olha-lo nos olhos para convencer-se disto.
— Você está bem? — Perguntou Henry.
— Um pesadelo...
Ele imaginou.  
— Tudo bem. Acontece.
— Acordei você?
— Não, eu estava cuidando de algumas coisas.
— Certo — Sentou escorado à parede.
Ele, que nunca fora uma dessas crianças de ter pesadelo e molhar os lençois, no meio da noite, agora olhava envergonhado para a poça de água em sua cama.
— Lavarei tudo amanhã — Logo disse.
— Não se preocupe com isto, preocupe-se em tomar banho e trocar de roupas.
— Temos água quente?
— O bastante para os próximos dias.
Em outras palavras, seja rápido.
Alex levantou-se com a ajuda dele, foi ao quarto, pegou toalha e roupas limpas, caminhou até o banheiro. Por um descuido seu, Henry pôde vê-lo pela porta entreaberta, enquanto se despia. Um breve momento de curiosidade antes de Alex erguer a cabeça e encontrar seu olhar. Sutilmente.
Henry então pegou os lençois sobre o colchão e foi para o outro cômodo.

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   Semana que vem publicaremos dois capítulos de uma só vez, pra agilizar um pouco as coisas. Lembrando que a temporada só termina no 6x24. Então temos um longo caminho pela frente.

Amber: Aqui está seu pico de audiência no horário nobre! POW!

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