Especial

Foto:

Livro | The Double Me - 6x11: Oops! [+18]

   6x11: Oops!
“Quebre uma perna".

— Inale, segure por cinco segundos e assopre lentamente — Instruiu Jensen.
Trent não achou ter se saído tão mal, para uma primeira vez. Incomodava-o apenas o cheiro forte de fumaça e a tosse; precisaria praticar.
Estavam os dois na cama, sentados, de costas para a janela. Mais cedo jogaram Mario Kart online, e Jensen perdeu a maioria das partidas por falta de interesse. Pediram comidas e bebidas por aplicativo – outro desrespeito às normas do campus. Experimentaram pelo menos três tipos de diferentes de erva do acervo pessoal de Emmett. Mais uma regra quebrada, menos uma regra quebrada, não importava.
— Você quer mesmo ser expulso — Disse Trent, passando o baseado.
— Acontecerá de qualquer forma — Jensen tragou.
— Algum arrependimento?
— Nenhum — Soprou a fumaça.
Trent talvez não soubesse que via a expulsão como um favor que o conselho estudantil o faria, mas refletia nos olhos de Jensen uma estranha serenidade. Depois de tudo o enfrentou, o mínimo que poderiam fazer era poupa-lo.
— Vai ao jogo de Baseball nesta sexta? — Perguntou Trent.
— Eu não sei. Todos estarão lá — Passou a ele. — Por quê?
— Pensei que podíamos ir juntos... — Deu um trago.
Dessa vez não tossiu.
— Tipo... um encontro? — Jensen tomou-o.
— Já era hora, não acha?
Sorriu-lhe de cigarro na boca.
— Você levaria a um encontro alguém que pode ser expulso por agredir outro aluno no campus?
— Acho isso muito viril, na verdade — Trent tomou-o. — Você tem os músculos necessários.
— Procura isto em um cara?
— Nunca. Esse é o meu ponto — Entregou-o de volta.
Fora contado em um trago o tempo de Jensen para responder.
— Você sabe que posso não estar aqui no próximo semestre, não é?
— Sim. E eu adorei conhece-lo.
— Então é isto?
— Sinto muito, Jensen — Ele fingia tristeza. — Fique, por favor. Eu imploro. Minha vida não é nada sem você.
Jensen jogou a almofada contra o rosto dele.
— Se você sabe os riscos, tudo bem — Levantou-se. — Ainda assim preciso informa-lo sobre minha política de renúncia ao sexo no primeiro encontro.
— Isso nunca existiu — Disse Emmett, que tinha acabado de entrar. — Estão fumando os meus bagulhos? — Encarou um por vez.
— Temos dinheiro — Alegou Trent.
— Não é necessário, basta me incluir — Tomou o cigarro das mãos de Jensen.
As coisas ficaram meio estranhas depois disso. Emmett revirou os olhos e gemeu algo obsceno na língua nativa japonesa, após ter tragado. Trent não sabia muito bem o que fazer. Jensen se esforçou para não olhar por muito tempo.
— Tinha esquecido o quanto a Magda me faz bem... — Sussurrou Emmett, numa voz rouca. — Pegue.
— Não precisa — Declinou Jensen. — Vocês dois já fizeram amor.
— Como quiser — Torceu o beiço.
Trent tinha acabado de pegar o celular na cama para ler as últimas notificações e Jensen caminhava em direção ao toilet.
— A propósito, o Senhor Altman pediu para vê-lo depois da aula — Lembrou Emmett. — Disse que precisam conversar.
— Certo — Jensen assentiu. — Alguém sabe a hora certa?
— Quase meio dia — Trent checou. — A aula já deve ter acabado.
O mesmo que dizer apresse-se.
— Está na hora — Temia Jensen. — Os vejo do outro lado, cavalheiros.
— Não faça tanto drama — Trent redarguiu. — Você é um McPhee, afinal. Seria mais difícil para qualquer outro de nós.
— Não sei se meu pai pode ajudar dessa vez... — Ele caminhou até a porta. — Enfim, ligarei quando estiver terminado.
— Talvez queira trocar de roupas e tirar esse cheiro de cannabis primeiro — Emmett aconselhou.
Os três tiveram de cooperar para resolver o problema em menos de vinte minutos.
Jensen encontrou o Professor Altman na saída do Horace Cummings Memorial Hall, no lado oeste do campus. Eles conversaram a caminho dos dormitórios.
— A boa notícia é que os Van Leigh decidiram não prestar queixa — Relatou o professor.
— Por que?
— Você é um McPhee, afinal.
Jensen esperava que ele não dissesse algo assim.
— Então não serei expulso?
— Na condição de escrever um trabalho mensal sobre ética até o próximo semestre e fornecer pequenos serviços aos docentes. Eu me candidatei para ser seu supervisor.
— Menos mal — Supunha Jensen.
— Eu não diria isso — Alertou-o. — Sou o mais comprometido em ensina-lhe, de uma vez por todas, que a violência não resolverá os seus problemas. Não se surpreenda caso utilize de métodos não tão didáticos para alcançar bons resultados.
Escravidão? Tudo bem.
Eles pararam em frente ao Peugeot 205 GTi vermelho do Professor Altman.
— A propósito, não há mais restrições quanto a ingressar em outra fraternidade neste semestre — Disse Neil. — Tem interesse em alguma?  
— Na verdade, não.
— Ainda tem interesse na faculdade?
Jensen levou um segundo para pensar.
— Da forma que vejo, há o que eu quero e há o que é bom para mim — Disse a ele. — E eu sei o que tenho a perder se não fizer o que é bom para mim.
— Todo o seu futuro.
— É, isso também — Tentou sorrir. — Podemos deixar o papo motivacional para mais tarde? Estava no meio de uma coisa.
— Tudo bem — Neil sentou ao volante e bateu as portas. — Avise-me quando não estiver chapado — Deu a partida.
Via-se no olhar de Jensen que fora pego de surpresa.
— Eu realmente o odeio — Murmurou, entre o ranger dos motores.
— Este é o meu trabalho — Ele acenou.
Nenhum dos dois parecia ter notado Nick Denholm ali, sozinho, com sua câmera, nas escadarias do Tuck Hall. Um clique para cada verdade maleável e seus verdadeiros interesses. 


As enfermeiras instruíram Amber a tirar quaisquer objetos de metal antes de adentrar à sala de ressonância, como brincos, anéis, colares, botões e zíperes. Fazia frio lá dentro – mais que o normal. Talvez pela ansiedade, por estar tão próxima do aparelho. Amber nunca vira nada igual. Uma estrutura cilíndrica e de abertura redonda e que cobria uma parede inteira, repleto de luzes numéricas. 
Por insistência sua, permitiram a Kerr estar na mesma sala durante o procedimento. Ele concordou em se limitar ao canteiro do lado oposto para evitar qualquer exposição.
— Vamos começar — Ouviram pelo microfone.
 A cama deslizou alguns centímetros, então parou.
— Conte-me aquela história sobre o vidente — Pediu Amber, ao irmão.
Kerr esperou um momento até dizer.
— Uma jornalista recém-formada da cidade de Healdsburg, California, um dia recebeu uma proposta de trabalho em um famoso jornal de Nova York. A mudança nunca seria um problema, pois não tinha uma família para deixar para trás e não criou muitos laços em sua cidade natal. O problema tornou-se a simples rotina. Todo dia de sua vida era o mesmo. Acordar cedo, trabalhar, ir ao bar da esquina, tomar algumas doses, voltar para casa, dormir. Nos fins de semana reservava algum tempo para fazer compras, ir ao cinema ou a um encontro casual, ao lado de qualquer cara suficientemente inapropriado para se arrepender no dia seguinte. De fato, nada que a satisfizesse por completo.
“Suas últimas esperanças foram depositadas em uma viagem para Madrid, onde cobriria uma matéria sobre as novas eleições. Foi quando ela o conheceu. Sam, o Vidente. Ele era um homem robusto, de pele negra, bochechas redondas, sem barba ou bigode. Diziam ser descendente indiano, por isso não abria mão das batas e túnicas, nas mais diversas cores. E também diziam ter perdido a visão ainda muito novo”.
 “Porém, o que mais lhe chamava atenção, se é que algo neste homem lhe chamava atenção, era o fato de sempre estar lá. Podia ser noite ou dia. Às dezoito horas, às onze da noite ou às dez da manhã. Sempre o encontraria no mesmo lugar, na mesma mesa, lendo a mão de alguém, jogando búzios, virando cartas. Cada consulta custava cinco dólares, dizia a placa no letreiro. Ela achava caro demais para uma encenação”.
“Um dia ela se preparava para sair, quando, de repente, ele a tomou pelo braço e disse: Não entre naquele avião, ou não voltará. A princípio, ela achou ser uma ameaça, mas isso não explicava como aquele homem descobriu sobre sua viagem. Nem mesmo alguns colegas de trabalho sabiam, por não ter o costume de compartilhar de sua vida. Era impossível... ou não era?”.
 “Os dias então se passaram. Ela não conseguiu parar de pensar naquilo. Ela, que nunca se considerou uma pessoa supersticiosa, temendo a previsão de um vidente de bar. Que bobagem, tentava convencer-se, sem saber que fez a escolha certa. Mais tarde, no dia do voo que perdeu, o noticiário relatou o acidente de um avião com destino a Madrid, o qual não deixou sobreviventes. O qual ela estaria, se não fosse pela intervenção milagrosa de Sam, O Vidente”.
“Depois disso, sua vida mudou. Sam se tornara parte essencial de sua rotina. Dependia de suas previsões para recuperar objetos perdidos, gastar seu dinheiro, ser bem-sucedida no novo emprego, investir em novos negócios, mudar de apartamento, intervir por um ente querido, ou um amigo. Em certa ocasião até chegou a pedir conselhos para saber quem escolher entre dois caras. Tudo pelo medo de tomar as próprias decisões, pois uma vez a quase a levaram a um avião em chamas”.
“Certo dia ela chegou muito tarde ao bar e não o encontrou. Após perguntar ao atendente, que disse tê-lo visto acabado de sair, ela correu pela porta e procurou-o na multidão. As roupas coloridas tornaram bem mais fácil identifica-lo”.
‘Sam!’ – Gritou seu nome.
“Ele só teve tempo de olhar para trás antes de ser atingido por um carro”.
“Algumas pessoas correram para ajudar, entre os curiosos. Ela caiu de joelhos e as mãos estendidas ao chão. Em seus pensamentos, perguntava-se: É possível confiar em minhas próprias decisões?
“Somos apenas humanos, afinal”.
Amber deu longo suspiro.
— Por que gosta tanto dessa história? — Perguntou seu irmão.
— É sobre tomar o controle. Escolher seu próprio caminho.
— Não se sente no controle?
— Não mais... — Ela engoliu em seco.
Após o exame a enfermeira ajudou-a a se vestir e levou-a em uma cadeira de rodas à sala de diagnósticos. Estavam à espera sua família e os Doutores Griffith Elam e Marion Breslin.
— Chamamos de DPP, Deslocamento Prematuro da Placenta — Explicou o Doutor Elam. — Uma condição na qual a placenta desprende-se da parede uterina durante a gravidez e pode causar sangramento vaginal, aumento da dor e contrações de forte intensidade. É possível que o acidente o tenha causado e nenhum outro exame pudesse detectar o problema por se tratar de um rompimento de lento progresso.
 A noite do terremoto, ela lembrou.
Seu olhar ia além dos monitores.
— Como tratamos? — Perguntou Julianne.
— Em casos de deslocamento parcial, com um único episódio de sangramento, e na ausência de outros sinais e sintomas de gravidade, podemos levar a gestação até a trigésima sétima semana — Esclareceu a Doutora Breslin. — Agora o mais indicado é a internação, pois será necessário vigilância constante.
— Entendo — Amber sussurrou.
Nunca havia antes se identificado à mulher da história de seu irmão. Era um fardo saber. Esperar. Afligir-se pelo que não pode mudar. Mas agora ela sabia tudo. Não chegaria à última semana de gravidez. Não faria um parto normal. Não passaria o aniversário de seu pai em casa, devido a internação. Não poderia fazer viagens e voltar a malhar de seis meses a um ano. Talvez não pudesse mais engravidar e comprometesse diretamente sua saúde física, dali para frente.
Pensar nisso lhe custava caro.
— Podemos dar entrada na documentação agora mesmo — Sugeriu o Doutor Elam.
— Obrigado, eu o acompanho — Donato se prontificou.
Os olhos de Amber não deixaram os monitores nem por um segundo.
— Não se preocupe, três semanas passam rápido — Kerr afagou-a nos ombros. — Algum problema?
— Não — Disse ela. — Só preciso de um tempo. Sozinha.
— Tudo bem. Estarei do outro lado da porta — Ele caminhou.
— Cuide-se, querida — Sua mãe beijou-a na testa.
Assim que se retiraram, ela aproximou a cadeira de rodas e deslizou dois dedos sobre os monitores. Via as formas de seus rostinhos, seus pezinhos, suas mãozinhas, os olhinhos fechados. Estavam tão perto e ao mesmo tempo tão distantes.
— Nada acontecerá a vocês — Prometeu-lhes. — Eu ainda estou aqui.


Nem acolhedor, nem inóspito. Thayer considerava o Cittie of Yorke, em High Holborn, de uma conformidade efetiva a um pub no centro de Londres. Era um ambiente grande e espaçoso, de mesas, sofás, cadeiras e pilares esculpidos em madeira escura e adornados ao estilo vitoriano, no mesmo tom marcante das paredes e assoalho. O bar localizava-se ao centro do salão principal, entre ambos os toilets. Lustres redondos pendiam ao alto e enormes barris cobriam as plataformas na parte de cima. 
Thayer não sabia há quanto tempo estava esperando. Homens e mulheres iam e vinham. Os atendentes caminhavam de um lado a outro. Nenhum sinal dele.
— Mais uma? — Ofereceu a bartender.
— Por favor — Entregou-a o copo. — Quais as chances de você ter visto por aqui um homem branco, loiro, na faixa dos quarenta anos e com cara de amargurado?
— Bem altas — Ela riu. — Você acabou de descrever metade da nossa clientela.
— Estou vendo...
Um casal gay trocava carícias na mesa dos fundos. Um grupo de policiais apostava no jogo de cartas, na outra mesa. Duas jovens turistas posavam para fotos no final do salão. Um jovem universitário bebia sozinho no último lugar ao bar.
— Agora, diga-me... — Ela guardou a garrafa embaixo do balcão. — Você procura alguém específico ou tem um tipo?
— Um tipo?
— De homem. Eles precisam ser sempre loiros e mais velhos?
O olhar de Thayer externava sua hesitação.
— Não se preocupe, você não é óbvio — Disse a mulher. — Eu que sempre sei dessas coisas.
— Menos mal — Ele bebeu. — Cheguei a culpar meus cabelos.
— Não, seus cabelos exalam masculinidade. Coloque isso em seu perfil no Jack’d.
— Bom, geralmente funciona — Bebeu outra vez.
Enquanto ela atendia outro cliente no balcão, Thayer usou os rótulos na adega para testar seu nível de embriaguez. Os da primeira fileira mostraram-se os mais complexos, pela proximidade às lâmpadas fluorescentes. Ao menos vendiam algo além da cerveja artesanal pela qual o Cittie of Yorke era conhecido.
— Você já tentou terapia? — Insinuou a bartender.
— A terapia é tão ineficaz quanto qualquer outra bebida no bar — Ele respondeu. — Nenhuma delas me impede de ceder a meus impulsos.
— É o que faz em um pub? Cede aos seus impulsos?
— Primeiro invisto nisso.
— Muito bem — Ela pôs-se em frente a ele, com os braços abertos sobre o balcão. — Eu posso ajudar. Conte-me sobre o seu homem misterioso.
— Tenho algo melhor — Mostrou-lhe a foto.
Ela observou.
— Você é um jornalista?
— Você tem mesmo um dom, não é?
Ela riu.
— Estou familiarizada aos jornalistas que o Lilo atrai ao Cittie of Yorke toda semana.
— Lilo? — Ele fez uma careta.
— É a nossa celebridade local, o vencedor dos três últimos campeonatos de luta livre — Mostrou um dos panfletos.
— Ele não era um policial?
— Ele pode ter sido muitas coisas.
Incluindo cúmplice de Noah Borchardt, Thayer pensou.
— Onde posso encontra-lo?
— Sobre isto... — Ela se aproximou para sussurrar-lhe. — Você não pode. Não sem um convite... — Passou-o o cartão. — Mostre isto na entrada e o deixarão entrar.
VEGA – PARA SÓCIOS E MEMBROS.
Thayer ainda não tinha entendido.
— Isso é um lugar?
— Aqui está o endereço — Ela anotou. — Bata duas vezes nos portões e espere.
— Devo tomar alguma precaução?
— Todas elas. A luta livre é o nosso legado e não toleramos descortesia.
— Um legado ilegal, eu espero — Isso o excitava.
— Totalmente.
Ele tomou o último gole e entregou-lhe o dinheiro.
— Obrigado pela atenção, Senhorita...?
— Sheri Moon Zombie.
Onde ouvira isso antes?
— Combina com o tom lilás do seu cabelo — Disse ele, antes de sair.
Ela sorriu uma última vez pelo elogio e pela enorme gorjeta no balcão.
No endereço indicado, um homem de barba ruiva o recebeu. Lá dentro, um homem negro, alto e forte, de jaqueta de couro, abriu-lhes as portas para o estádio. O público era composto em grande maioria por homens adultos e aglomerava-se entre os dois andares, ao redor de uma gaiola de ferro. Toda a atenção era voltada aos lutadores no ringue.
O ar rescendia a xixi, sangue e vômito.
— Mate-o! — Ouvia-os gritar.
— Quebre-o no meio! — Ouvira também.
Thayer levou um tempo até relacionar o único lutador desmascarado, no ringue, ao homem de sua foto. Loiro, alto, forte, acima dos trinta. Cabelos curtos, olhos azuis. Tatuagem de serpente no pescoço, várias cicatrizes à bala e à faca nas costas e na parte inferior do abdome. Nunca sorria. Nunca tirava os olhos de seu alvo. Nunca fazia um movimento involuntário.
Okay, plano B, vasculhar a casa do filho da puta antes que a luta termine. 


A sua direita via a seção de hortifruti. À esquerda, o açougue. À frente, os laticínios. Alex resolveu começar pelo mais próximo.
Caminhou entre as fileiras, escolheu de produtos lácteos, derivados do leite, comida entalada, frios e cereais. Caminhou entre as bancadas, adicionou de frutas, verduras, legumes, carnes e bebidas. Algumas frutas mereciam uma atenção em especial, visto não estarem boas para consumo. Alex preferiu descartar os pacotes lacrados e selecionar uma por uma.
Quando olhou através das bancadas, logo abaixo, viu dois pares de olhinhos curiosos. O menino tinha cabelos loiros, lindos olhos azuis e usava uma camiseta cor de vinho. A menina tinha lindos cachos afro; seus olhos cor de amêndoa. Era tudo o que via. Eles nada diziam.
Alex, então, teve uma ideia para quebrar o gelo. Dependia de cinco ou seis laranjas, sua técnica infalível de malabarismo cruzado e errar os movimentos de propósito para faze-los sorrir.
Deu certo.
— Aí estão vocês! — Clamou a mãe. Ela levou uma mão ao peito, os abraçou, os beijou. — Não se afastem de mim outra vez... — Dito isso, sorriu a Alex. — Sinto muito pelo incômodo, senhor.
— Não, tudo bem — Ele disse. — Estavam apenas me ajudando a escolher.
— Mamãe, ele sabe fazer malabarismo melhor que o tio Linderman! — Gritou o menininho.
— E com seis laranjas! — Completou a menininha.
A jovem mãe sorriu-lhes docemente.  
— Queridos, qualquer um é melhor nisto que o Tio Linderman — Sussurrou-lhes. — Crianças... — Disse a Alex.
— É, eu entendo.
— Você é novo na cidade? — Ela tentava ser gentil.
Alex não sabia muito bem por onde começar a responder.
— Estou na casa de um amigo — Resolveu, então. — Se meus planos não mudarem, ficarei por mais algumas semanas.
— Americano?
— Sim. De Nova York.
— Não muito de longe de casa, então — Ela pegou entre os produtos na bancada. — Você escolheu o momento ideal para nos visitar, o clima em Vaughan é mais agradável na primavera.
— Assim eu li.
De repente, Henry o abordou.
— Vinho branco ou rosé? — Ergueu as duas garrafas.
— Na dúvida, leve sempre o Chateau.
— Entendi — Pôs no carrinho.
— É uma ocasião especial? — Sugestionou a mulher.
Alex e Henry se entreolharam.
— É para o jantar — Respondeu Alex. — Nada especial.
— Eu acho muito romântico — Ela sorria. — Há quanto tempo estão juntos?
Entreolharam-se outra vez.
— Ainda estamos tentando descobrir como isso funciona... — Confessou Alex.
— Não conheço um único casal que não tenha passado pelo mesmo — Contou ela.
O menininho puxou a barra de sua blusa.
— Mamãe, vamos ao parque.
— Sim, mãe — Disse também a irmã.
A mãe pediu que esperassem cinco minutos, entregou-os os brinquedos da caixa de bombons e depois voltou sua atenção a Alex e Henry.
— Ainda não me disseram seus nomes. Me chamo Kristen, a propósito.
— Eu sou Alex — Estendeu uma mão.
— Henry — Estendeu a sua.
A mãe cumprimentou-os.
— Bom, preciso ir agora, mas foi um prazer. Quem sabe não nos esbarramos por aí, em outro supermercado.
— Cidade pequena, não é? — Comentou Henry.
— Nem me fale. Vamos, garotos — Chamou-os.
À medida que eles se afastavam, Alex e Henry os perdiam de vista.
— Nunca imaginei que os cidadãos de Vaughan fossem tão receptivos — Disse Alex. A tensão nos olhos de Henry lhe era indubitável. — Algum problema?
— É só uma dor de cabeça, não se preocupe.
— Eles devem ter analgésico no caixa.
— Não, já vai passar — Seguiu à frente.
Mas o problema era a dor de cabeça ou alguém tê-los visto juntos pela primeira vez?


Gwen ouviu tocar seu celular.
— Está me ligando da cadeia? — Provocou a Matt.
— Nem mesmo sou um suspeito — Ele disse. — Os promotores acreditam na hipótese de um grupo de vândalos da região ser o responsável pelo incêndio.
— E as câmeras de vigilância?
— Não mostram nossos rostos. Devemos celebrar — Estourou o champanhe.
Gwen ouviu-o através da chamada.
— Agora estou no meio de uma investigação — Falou a ele. — Encontramo-nos às sete, no mesmo quarto de hotel?
— Combinado. Vista algo bonitinho.
— Vai tomar no seu cu — Desligou.
O quadro a sua frente entremeava as informações coletadas nos últimos dias de busca. Fotos de suspeitos descartados, possíveis localidades, os postos de gasolina mais próximos e as rotas que interligavam todos eles à rodovia principal. Setenta por cento das habitações florestais já tinham sido investigadas naquela região. Muitas delas não possuíam residentes, pois tratavam-se de casas de veraneio. O restante estava limpo. Aparentemente.
Gwen adentrou ao banheiro, olhou-se no espelho, prendeu os cabelos em um rabo de cavalo. Voltou, pegou o mapa, pôs a jaqueta e dirigiu pela rota marcada. Algo que veio a descobrir sobre as estradas à leste da fronteira de Vaughan é que eram todas iguais. Floresta densa cercava os arredores, sob uma camada de neve derretida, e grandes montanhas erguiam-se ao longe. Nada se via além disto e a faixa amarela que dividia a estrada em dois.
A alguns quilômetros encontraria o posto de gasolina da Mobil, a lojinha de conveniência, o supermercado e a área de pesca. Gwen observou cada detalhe.
— Você viu este rapaz? — Perguntava aos moradores, mostrando uma foto.
Eles sempre diziam não e pediam desculpas por não poder ajudar.
Ah... suspirou.
Ouvira tocar seu celular dentro do veículo.
— Kieran — Cumprimentou-o.
— Onde está agora?
— Em um posto de gasolina, à leste da fronteira de Vaughan. Algo aconteceu?
— Encontrei uma coisa, mas talvez não faça sentido.
— Conte-me — Escorou-se no banco.
Podia ouvi-lo remexer alguns papeis.
— Recebemos a informação de que Nathaniel Strauss responderá a um processo de guarda amanhã de manhã, na New York Surrogate's Court — Ele revelou. — De acordo as informações, este mesmo processo teve início no mês passado.
— Isso é impossível. Se Nate voltasse à cidade, nós saberíamos. A não ser...
— A não ser...?
Ela temia a simples hipótese.
— Kieran, ligarei mais tarde. Guarde esta informação.
— Tudo bem — Desligou.
Era isto.
A não ser que Nate tenha tomado o lugar de Alex em Nova York.


Ironicamente, o clube gay que Cassidy alugou para sua despedida de solteira chamava-se Therapy. Os convidados dispunham de um palco, dois bares, camarote, salão negro, área de fumantes e um segundo ambiente no andar de cima. Homens seminus, ou fantasiados, dançavam sobre pedestais gregos e dentro de cubículos de vidro. No palco, uma dupla de crossdressers encenava comicamente um trecho do filme Twilight, de 2008. A escolha de Edward entre sugar o veneno das veias de Bella ou permitir sua transformação.
 — Carlisle, qual a minha outra opção? — Entoou um dos garotos. — Carlisle! — Chegou a gritar.
O público fez-se em risadas.
— Deixa a garota se transformar, seu babaca! — Gritou.
Mais risos ecoaram na plateia.
— Você pode tentar chupar o veneno — Entoou o outro rapaz.
— Não, eu não serei capaz de parar.
— Então encontre uma maneira.
De repente, ali, parado, Andy o viu; em meio a escuridão da área dos fundos. Cabelos negros, olhos castanhos. Casaco marrom, camisa quadriculada, jeans enegrecido. E um olhar de peixe fora d’água, contrastado a uma inocência suspicaz. Liam.
Andy correu em sua direção e levou-o por trás de um dos pilares, onde ninguém os veria.
— Por que está aqui? — Prensou-o contra a parede. — Noivos não têm local de fala na despedida de solteira de suas noivas.
— Eu estava curioso, este não é o meu mundo.
— É, não brinca. Viu o homem na entrada com o piercing que atravessa as bolas?
— Infelizmente. Nem posso imaginar a dor do sexo.  
Andy suspirou.
— Você tem um sério problema em cumprir sua palavra, não acha?
— Não é minha intenção.
— É claro. Agora vá, antes que Cassidy o veja.
— Viola está aqui? — Ficou na ponta dos pés para ver melhor.
— Cheque os stories no Instagram. Agora vá — Empurrou-o.
Enquanto ele saia pelos fundos, Andy voltava ao salão. Adore Delano, a convidada de honra, acabara de anunciar o próximo número.
— Senhora e Senhores, Viola Sebert.
Liam parou ao ouvir seu nome. Todos olharam.
Ela usava um vestido roxo de calda longa, sem decote e alças largas, estufadas. As luvas eram em um tom mais claro e corriam até os cotovelos. Seus saltos eram finos e discretos. A maquiagem também.
— Boa noite — Cumprimentou-os, ao microfone.
O audio estourado levou a plateia a fazer caretas; Andy, entre eles.
— Música, por favor — Pediu Viola.
Assim cantou os primeiros versos de Satisfaction, dos Rolling Stones. Ou Britney Spears? O público não reconhecia aquela versão... até o verdadeiro espetáculo começar. Durante o refrão, Viola rasgou seu vestido de péssimo gosto e revelou o top de alças finas e calças transparentes, por baixo, cheios de brilho. Outras drag queens uniram-se a ela na coreografia.
Ai. Meu. Deus. — Sussurrou Cassidy.
Um minuto depois, outra música começou a tocar. Todos conheciam.


     I think I did it again
     I made you believe
     We're more than just friends
     Oh baby it might seem like a crush
     But it doesn't mean that I'm serious


     Ela começou a caminhar entre as mesas.

     'Cause to lose all my senses
     That is just so typically me
     Oh baby, baby


     Sentou no colo de um dos convidados, fingiu estar prestes a beija-lo e o derrubou de costas, juntos a cadeira.

     Oops, I did it again
     I played with your heart
     Got lost in the game
     Oh baby, baby


     — Gostosa! — Gritava Andy.  

     Oops, you think I'm in love
     That I'm sent from above
     I'm not that innocent


      Liam sorria feito um bobo.

     Yeah, Yeah, Yeah, Yeah, Yeah, Yeah
     Yeah, Yeah, Yeah, Yeah, Yeah, Yeah


       Para o ato final, chamaram um ator vestido de astronauta.
— Britney, antes que vá, há algo que gostaria de dar a você — Entregou-a um boneco de voodoo muito parecido ao Presidente Trump.
A plateia gargalhou.
— Oh, é lindo — Disse ela. — Mas espere um pouco, isto não é...?
— Sim, é sim.
— Mas eu pensei que a velhinha o tivesse jogado no mar, no final.
— Bom, querida, eu mergulhei e peguei para você.
— Aww, você não deveria! — Acertou-o com ele no rosto.
E mais uma vez, a plateia fez-se em risadas.
Ao final, as drag queens, os atores, os músicos, figurinistas e maquiadores se reuniram lado a lado no palco.
— Viola! Viola! Viola! Viola! Viola! — Eles a aplaudiram de pé.
Nos camarins, Viola tirou um tempo para dar autógrafos e posar para algumas fotos com seus admiradores. Depois disso sentou em frente a um dos espelhos e começou a remover a maquiagem. As lágrimas vieram por conta própria. Nunca antes fora reconhecida por seu talento. Nunca antes gritaram seu nome tão alto que não pudesse ouvir mais nada ao seu redor.
— Estou indo, querida — Ouviu Adore dizer.
— Tão cedo?
— Este não é meu único show esta noite. Cuide-se, nos vemos em breve. — Deu uma piscadela.
Uma hora depois Viola encontrou Liam em um lugar solitário no bar. Andy dançava e bebia por aí, não exatamente nessa ordem. Os gritos na pista de dança não poderiam ser de ninguém mais.
— Cassidy sabe que está aqui? — Perguntou Viola, a Liam.
— Ela acabou de dizer que sou um babaca egoísta por não respeitar seu espaço e não suportar a ideia de que há uma parte de sua vida que não gira ao meu redor.
— Pegou pesado.
— Não é? — Fez sinal para o bartender.
Ele serviu uma dose de vodka com gelo para cada.
— Pergunto-me constantemente se não é um erro nos mudar — Liam comentou.
— Vocês vão mudar?
— Sim, para a Itália. Após a Lua de Mel — Encarou-a. — Cassidy não contou?
— Não...
— Okay... — Ele sorriu sem graça.
Viola manteve os ombros encolhidos. Pensava em tudo. No tempo que gastou, em todos os jogos que insistiu em jogar, no quão comprometida estava em provar alguma coisa a ela mesma e todos os outros. Se soubesse que Liam e Cassidy estavam de viagem marcada, além de uma lua de mel, em algum lugar afrodisíaco, teria dito sim a proposta?
— Sentirei sua falta — Ela precisava dizer.
— Faremos chamada de vídeo igual você e seu irmão.
— Você sabe que não é a mesma coisa.
— Para isto temos os aviões.
Ela sorriu.
— Liam, sua noiva o invoca ao campo de batalha — Andy chegou dizendo. Duas transformistas com argolas de penas de pluma e perucas chanel cor de rosa o acompanhavam.
— Acho melhor eu ir — Disse Liam. — Mais tarde brindamos às mudanças?
— Mais tarde — Ela concordou. Ele partiu.
Viola estava familiarizada àquela sensação. A impotência, o peso em suas costas. Seu pai a fez sentir por uma vida inteira. Agora Liam... eu sou o problema, não é?
Tomou de sua dose. O celular, na bolsa, apitou duas vezes.
A caminho de Nova York, dizia a mensagem de Cameron. Vamos arruinar esse casamento juntos.


Os pais de Dominik o confrontaram na sala de estar da mansão Belmont.
— Que porra você tem na cabeça? — Questionou seu pai. — Não sabe que um escândalo dessa magnitude pode prejudicar meus negócios?
— Eu sou a vítima aqui — Contestou Dominik. — Eu fui agredido.
— Foi mesmo?
Dominik olhou para sua mãe.
— Nós vimos o sangue e os cacos de vidro no seu quarto — Ela relatou. — A menos que Alex Strauss tenha sabotado nossas câmeras de vigilância e entrado escondido, não aconteceu como diz.
— Eu não sei, talvez ele tenha hackeado o sistema...  
— Dominik, já chega! — Gritou seu pai.
Logo ele sentou ao sofá, tentando manter a calma.
— Eu desisto — Admitiu. — Ainda que a Fellon Industrial não tenha seus contratos revogados, isso prejudica a imagem da empresa. Muito mais que deitar-se com garotos — Suspirou. — Não sei se ainda há lugar para você nesta casa, Dominik.
— O que quer dizer?
— Que seria melhor passar um tempo na casa de sua Tia Carol, em New Jersey — Propôs sua mãe.
— Sério? Dias antes do campeonato de natação?
— Você não nos deu escolha — Corroborou seu pai.
Furioso, Dominik chutou o abajur da sala e correu para o andar de cima.
— Você tinha razão — Disse Kerr, a Nate, pelo celular. — Diana Baldwin e o casal Alonso trocam informações desde o início do processo. Tive acesso às conversas — Enviou-o.
Nos prints Diana os orientava sobre as principais questões do último interrogatório.
— Posso usar isto a meu favor? — Perguntou Nate.
— Não estou certo disso. Ligo assim que tiver mais informações.
— Certo.
Ele deu um longo suspiro.
— Pai...? — Chamou Gus, ao seu lado na cama.  — Você está triste? Eles vão me levar embora?
— Não — Nate o abraçou. — Ninguém vai tira-lo de mim, eu prometo.
Esta mesma verdade coruscava em seus olhos verdes.
Nesse meio tempo, Thayer deixou a casa de Lilo Young e levou as evidências que encontrou para analisar em seu carro. O investigador particular disse por chamada que tinha uma boa e uma má notícia.
— [...] Fale mais devagar — Thayer pediu a ele. — [...] Hospital? No México? — Esperou a resposta. —[...] Ai meu Deus... estou a caminho.
Talvez chegasse a tempo, talvez não. Mia sofrera uma parada cardíaca na mesa de cirurgia e a trouxeram de volta após duas descargas elétricas.
— Não morra aqui, por favor — Implorou o cirurgião.
O homem responsável por leva-la ao hospital e seu filho de dez anos aguardavam na sala de espera.  Duas enfermeiras rezavam em um altar em frente a eles, dedicado a uma vítima de leucemia.
— Volto logo, okay? — Kerr a deixou.
Amber chorava bem baixinho, na cama, de rosto virado.
Knock, knock. Alguém bateu.
Viola não disse nada, não deu indícios. Ao abrir das portas, envolveu Cassidy em seus braços e beijou-a selvagemente. Liam, que voltava do outro cômodo, em mãos de uma garrafa de Perrier-Jouët, parou assim que as viu juntas. Viola guardara alguns beijos molhados para ele também.
Juntos deitaram na cama, despiram-se, beijaram-se. Sempre que Cassidy pedia por favor, mais rápido e mais forte, davam a ela o que queria. Seu corpo tinha uma maneira própria de atrai-los para dentro e para fora.
— Te peguei... — Sussurrou Gwen.
Alex e Henry foram vistos na entrada do posto de gasolina.

  Next...   
   6x12: There's Something Wrong with Me and You Know What It Is (25 de Junho)   
    Semana que vem encerramos mais um ciclo nesta temporada, para dar início ao terceiro, focado mais na narrativa do Nate. Todos devem ter sentido saudades do Nate vingativo do primeiro livro...

Referências em todo lugar...
Comentário(s)
0 Comentário(s)

Nenhum comentário