Livro | The Double Me - 6x11: Oops! [+18]
6x11: Oops!
“Quebre uma perna".
— Inale, segure por cinco segundos e assopre
lentamente — Instruiu Jensen.
Trent não achou ter se saído tão mal, para uma
primeira vez. Incomodava-o apenas o cheiro forte de fumaça e a tosse; precisaria
praticar.
Estavam os dois na cama, sentados, de costas
para a janela. Mais cedo jogaram Mario Kart online, e Jensen perdeu a
maioria das partidas por falta de interesse. Pediram comidas e bebidas por
aplicativo – outro desrespeito às normas do campus. Experimentaram pelo menos
três tipos de diferentes de erva do acervo pessoal de Emmett. Mais uma regra
quebrada, menos uma regra quebrada, não importava.
— Você quer mesmo ser expulso — Disse Trent,
passando o baseado.
— Acontecerá de qualquer forma — Jensen
tragou.
— Algum arrependimento?
— Nenhum — Soprou a fumaça.
Trent talvez não soubesse que via a expulsão
como um favor que o conselho estudantil o faria, mas refletia nos olhos de Jensen
uma estranha serenidade. Depois de tudo o enfrentou, o mínimo que poderiam
fazer era poupa-lo.
— Vai ao jogo de Baseball nesta sexta?
— Perguntou Trent.
— Eu não sei. Todos estarão lá — Passou a ele.
— Por quê?
— Pensei que podíamos ir juntos... — Deu um
trago.
Dessa vez não tossiu.
— Tipo... um encontro? — Jensen tomou-o.
— Já era hora, não acha?
Sorriu-lhe de cigarro na boca.
— Você levaria a um encontro alguém que pode
ser expulso por agredir outro aluno no campus?
— Acho isso muito viril, na verdade — Trent tomou-o.
— Você tem os músculos necessários.
— Procura isto em um cara?
— Nunca. Esse é o meu ponto — Entregou-o de
volta.
Fora contado em um trago o tempo de Jensen
para responder.
— Você sabe que posso não estar aqui no
próximo semestre, não é?
— Sim. E eu adorei conhece-lo.
— Então é isto?
— Sinto muito, Jensen — Ele fingia tristeza. —
Fique, por favor. Eu imploro. Minha vida não é nada sem você.
Jensen jogou a almofada contra o rosto dele.
— Se você sabe os riscos, tudo bem —
Levantou-se. — Ainda assim preciso informa-lo sobre minha política de renúncia
ao sexo no primeiro encontro.
— Isso nunca existiu — Disse Emmett, que tinha
acabado de entrar. — Estão fumando os meus bagulhos? — Encarou um por vez.
— Temos dinheiro — Alegou Trent.
— Não é necessário, basta me incluir — Tomou o
cigarro das mãos de Jensen.
As coisas ficaram meio estranhas depois disso.
Emmett revirou os olhos e gemeu algo obsceno na língua nativa japonesa, após
ter tragado. Trent não sabia muito bem o que fazer. Jensen se esforçou para não
olhar por muito tempo.
— Tinha esquecido o quanto a Magda me
faz bem... — Sussurrou Emmett, numa voz rouca. — Pegue.
— Não precisa — Declinou Jensen. — Vocês dois
já fizeram amor.
— Como quiser — Torceu o beiço.
Trent tinha acabado de pegar o celular na cama
para ler as últimas notificações e Jensen caminhava em direção ao toilet.
— A propósito, o Senhor Altman pediu para
vê-lo depois da aula — Lembrou Emmett. — Disse que precisam conversar.
— Certo — Jensen assentiu. — Alguém sabe a
hora certa?
— Quase meio dia — Trent checou. — A aula já
deve ter acabado.
O mesmo que dizer apresse-se.
— Está na hora — Temia Jensen. — Os vejo do
outro lado, cavalheiros.
— Não faça tanto drama — Trent redarguiu. —
Você é um McPhee, afinal. Seria mais difícil para qualquer outro de nós.
— Não sei se meu pai pode ajudar dessa vez...
— Ele caminhou até a porta. — Enfim, ligarei quando estiver terminado.
— Talvez queira trocar de roupas e tirar esse
cheiro de cannabis primeiro — Emmett aconselhou.
Os três tiveram de cooperar para resolver o
problema em menos de vinte minutos.
Jensen encontrou o Professor Altman na saída
do Horace Cummings
Memorial Hall, no
lado oeste do campus. Eles conversaram a caminho dos dormitórios.
— A boa notícia é que os Van Leigh decidiram
não prestar queixa — Relatou o professor.
— Por que?
— Você é um McPhee, afinal.
Jensen esperava que ele não dissesse algo
assim.
— Então não serei expulso?
— Na condição de escrever um trabalho mensal
sobre ética até o próximo semestre e fornecer pequenos serviços aos docentes.
Eu me candidatei para ser seu supervisor.
— Menos mal — Supunha Jensen.
— Eu não diria isso — Alertou-o. — Sou o mais comprometido
em ensina-lhe, de uma vez por todas, que a violência não resolverá os seus
problemas. Não se surpreenda caso utilize de métodos não tão didáticos para
alcançar bons resultados.
Escravidão? Tudo bem.
Eles pararam em frente ao Peugeot 205 GTi vermelho do Professor Altman.
— A propósito, não há mais restrições quanto a
ingressar em outra fraternidade neste semestre — Disse Neil. — Tem interesse em
alguma?
— Na verdade, não.
— Ainda tem interesse na faculdade?
Jensen levou um segundo para pensar.
— Da forma que vejo, há o que eu quero e há o
que é bom para mim — Disse a ele. — E eu sei o que tenho a perder se não fizer
o que é bom para mim.
— Todo o seu futuro.
— É, isso também — Tentou sorrir. — Podemos
deixar o papo motivacional para mais tarde? Estava no meio de uma coisa.
— Tudo bem — Neil sentou ao volante e bateu as
portas. — Avise-me quando não estiver chapado — Deu a partida.
Via-se no olhar de Jensen que fora pego de surpresa.
— Eu realmente o odeio — Murmurou, entre o
ranger dos motores.
— Este é o meu trabalho — Ele acenou.
Nenhum dos dois parecia ter notado Nick Denholm
ali, sozinho, com sua câmera, nas escadarias do Tuck Hall. Um clique para
cada verdade maleável e seus verdadeiros interesses.
൴
As enfermeiras instruíram Amber a tirar
quaisquer objetos de metal antes de adentrar à sala de ressonância, como
brincos, anéis, colares, botões e zíperes. Fazia frio lá dentro – mais que o normal.
Talvez pela ansiedade, por estar tão próxima do aparelho. Amber nunca vira nada
igual. Uma estrutura cilíndrica e de abertura redonda e que cobria uma parede
inteira, repleto de luzes numéricas.
Por insistência sua, permitiram a Kerr estar
na mesma sala durante o procedimento. Ele concordou em se limitar ao canteiro
do lado oposto para evitar qualquer exposição.
— Vamos começar — Ouviram pelo microfone.
A cama
deslizou alguns centímetros, então parou.
— Conte-me aquela história sobre o vidente —
Pediu Amber, ao irmão.
Kerr esperou um momento até dizer.
— Uma jornalista recém-formada da cidade de Healdsburg, California, um dia
recebeu uma proposta de trabalho em um famoso jornal de Nova York. A mudança
nunca seria um problema, pois não tinha uma família para deixar para trás e não
criou muitos laços em sua cidade natal. O problema tornou-se a simples rotina. Todo
dia de sua vida era o mesmo. Acordar cedo, trabalhar, ir ao bar da esquina,
tomar algumas doses, voltar para casa, dormir. Nos fins de semana reservava
algum tempo para fazer compras, ir ao cinema ou a um encontro casual, ao lado
de qualquer cara suficientemente inapropriado para se arrepender no dia
seguinte. De fato, nada que a satisfizesse por completo.
“Suas últimas esperanças foram
depositadas em uma viagem para Madrid, onde cobriria uma matéria sobre as novas
eleições. Foi quando ela o conheceu. Sam, o Vidente. Ele era um homem robusto,
de pele negra, bochechas redondas, sem barba ou bigode. Diziam ser descendente
indiano, por isso não abria mão das batas e túnicas, nas mais diversas cores. E
também diziam ter perdido a visão ainda muito novo”.
“Porém, o que mais lhe chamava atenção, se é
que algo neste homem lhe chamava atenção, era o fato de sempre estar lá. Podia
ser noite ou dia. Às dezoito horas, às onze da noite ou às dez da manhã. Sempre
o encontraria no mesmo lugar, na mesma mesa, lendo a mão de alguém, jogando
búzios, virando cartas. Cada consulta custava cinco dólares, dizia a placa no
letreiro. Ela achava caro demais para uma encenação”.
“Um dia ela se preparava para sair, quando,
de repente, ele a tomou pelo braço e disse: Não entre naquele avião, ou não
voltará. A princípio, ela achou ser uma ameaça, mas isso não explicava como
aquele homem descobriu sobre sua viagem. Nem mesmo alguns colegas de trabalho
sabiam, por não ter o costume de compartilhar de sua vida. Era impossível... ou
não era?”.
“Os dias então se passaram. Ela não conseguiu
parar de pensar naquilo. Ela, que nunca se considerou uma pessoa supersticiosa,
temendo a previsão de um vidente de bar. Que bobagem, tentava convencer-se,
sem saber que fez a escolha certa. Mais tarde, no dia do voo que perdeu, o
noticiário relatou o acidente de um avião com destino a Madrid, o qual não
deixou sobreviventes. O qual ela estaria, se não fosse pela intervenção
milagrosa de Sam, O Vidente”.
“Depois disso, sua vida mudou. Sam se
tornara parte essencial de sua rotina. Dependia de suas previsões para recuperar
objetos perdidos, gastar seu dinheiro, ser bem-sucedida no novo emprego, investir
em novos negócios, mudar de apartamento, intervir por um ente querido, ou um
amigo. Em certa ocasião até chegou a pedir conselhos para saber quem escolher
entre dois caras. Tudo pelo medo de tomar as próprias decisões, pois uma vez a
quase a levaram a um avião em chamas”.
“Certo dia ela chegou muito tarde ao
bar e não o encontrou. Após perguntar ao atendente, que disse tê-lo visto
acabado de sair, ela correu pela porta e procurou-o na multidão. As roupas
coloridas tornaram bem mais fácil identifica-lo”.
‘Sam!’ – Gritou seu nome.
“Ele só teve tempo de olhar para trás
antes de ser atingido por um carro”.
“Algumas pessoas correram para
ajudar, entre os curiosos. Ela caiu de joelhos e as mãos estendidas ao chão. Em
seus pensamentos, perguntava-se: É possível confiar em minhas próprias decisões?
“Somos apenas humanos, afinal”.
Amber deu longo suspiro.
— Por que gosta tanto dessa história? — Perguntou
seu irmão.
— É sobre tomar o controle. Escolher seu
próprio caminho.
— Não se sente no controle?
— Não mais... — Ela engoliu em seco.
Após o exame a enfermeira ajudou-a a se vestir
e levou-a em uma cadeira de rodas à sala de diagnósticos. Estavam à espera sua
família e os Doutores Griffith Elam e Marion Breslin.
— Chamamos de DPP, Deslocamento Prematuro da
Placenta — Explicou o Doutor Elam. — Uma condição na qual a placenta desprende-se
da parede uterina durante a gravidez e pode causar sangramento vaginal, aumento
da dor e contrações de forte intensidade. É possível que o acidente o tenha
causado e nenhum outro exame pudesse detectar o problema por se tratar de um
rompimento de lento progresso.
A
noite do terremoto, ela lembrou.
Seu olhar ia além dos monitores.
— Como tratamos? — Perguntou Julianne.
— Em casos de deslocamento parcial, com um
único episódio de sangramento, e na ausência de outros sinais e sintomas de
gravidade, podemos levar a gestação até a trigésima sétima semana — Esclareceu
a Doutora Breslin. — Agora o mais indicado é a internação, pois será necessário
vigilância constante.
— Entendo — Amber sussurrou.
Nunca havia antes se identificado à mulher da
história de seu irmão. Era um fardo saber. Esperar. Afligir-se pelo que não
pode mudar. Mas agora ela sabia tudo. Não chegaria à última semana de gravidez. Não faria um parto
normal. Não passaria o aniversário de seu pai em casa, devido a internação. Não
poderia fazer viagens e voltar a malhar de seis meses a um ano. Talvez não
pudesse mais engravidar e comprometesse diretamente sua saúde física, dali para
frente.
Pensar nisso lhe custava caro.
— Podemos dar entrada na documentação agora
mesmo — Sugeriu o Doutor Elam.
— Obrigado, eu o acompanho — Donato se prontificou.
Os olhos de Amber não deixaram os
monitores nem por um segundo.
— Não se preocupe, três semanas passam rápido —
Kerr afagou-a nos ombros. — Algum problema?
— Não — Disse ela. — Só preciso de um tempo. Sozinha.
— Tudo bem. Estarei do outro lado da porta —
Ele caminhou.
— Cuide-se, querida — Sua mãe beijou-a na
testa.
Assim que se retiraram, ela aproximou a
cadeira de rodas e deslizou dois dedos sobre os monitores. Via as formas de seus
rostinhos, seus pezinhos, suas mãozinhas, os olhinhos fechados. Estavam tão
perto e ao mesmo tempo tão distantes.
— Nada acontecerá a vocês — Prometeu-lhes. — Eu
ainda estou aqui.
൴
Nem acolhedor, nem inóspito. Thayer
considerava o Cittie
of Yorke, em High
Holborn, de uma conformidade efetiva a um pub no centro de Londres. Era
um ambiente grande e espaçoso, de mesas, sofás, cadeiras e pilares esculpidos
em madeira escura e adornados ao estilo vitoriano, no mesmo tom marcante das
paredes e assoalho. O bar localizava-se ao centro do salão principal, entre
ambos os toilets. Lustres redondos pendiam ao alto e enormes barris
cobriam as plataformas na parte de cima.
Thayer não sabia há quanto tempo
estava esperando. Homens e mulheres iam e vinham. Os atendentes caminhavam de
um lado a outro. Nenhum sinal dele.
— Mais uma? — Ofereceu a bartender.
— Por favor — Entregou-a o copo. — Quais as
chances de você ter visto por aqui um homem branco, loiro, na faixa dos quarenta
anos e com cara de amargurado?
— Bem altas — Ela riu. — Você acabou de
descrever metade da nossa clientela.
— Estou vendo...
Um casal gay trocava carícias na mesa dos
fundos. Um grupo de policiais apostava no jogo de cartas, na outra mesa. Duas
jovens turistas posavam para fotos no final do salão. Um jovem universitário
bebia sozinho no último lugar ao bar.
— Agora, diga-me... — Ela guardou a garrafa
embaixo do balcão. — Você procura alguém específico ou tem um tipo?
— Um tipo?
— De homem. Eles precisam ser sempre loiros e
mais velhos?
O olhar de Thayer externava sua hesitação.
— Não se preocupe, você não é óbvio — Disse a mulher.
— Eu que sempre sei dessas coisas.
— Menos mal — Ele bebeu. — Cheguei a culpar
meus cabelos.
— Não, seus cabelos exalam masculinidade. Coloque
isso em seu perfil no Jack’d.
— Bom, geralmente funciona — Bebeu outra vez.
Enquanto ela atendia outro cliente no balcão,
Thayer usou os rótulos na adega para testar seu nível de embriaguez. Os da primeira
fileira mostraram-se os mais complexos, pela proximidade às lâmpadas
fluorescentes. Ao menos vendiam algo além da cerveja artesanal pela qual o Cittie
of Yorke era conhecido.
— Você já tentou terapia? — Insinuou a
bartender.
— A terapia é tão ineficaz quanto qualquer
outra bebida no bar — Ele respondeu. — Nenhuma delas me impede de ceder a meus
impulsos.
— É o que faz em um pub? Cede aos seus
impulsos?
— Primeiro invisto nisso.
— Muito bem — Ela pôs-se em frente a ele, com os
braços abertos sobre o balcão. — Eu posso ajudar. Conte-me sobre o seu homem
misterioso.
— Tenho algo melhor — Mostrou-lhe a foto.
Ela observou.
— Você é um jornalista?
— Você tem mesmo um dom, não é?
Ela riu.
— Estou familiarizada aos jornalistas que o
Lilo atrai ao Cittie of Yorke toda semana.
— Lilo? — Ele fez uma careta.
— É a nossa celebridade local, o vencedor dos
três últimos campeonatos de luta livre — Mostrou um dos panfletos.
— Ele não era um policial?
— Ele pode ter sido muitas coisas.
Incluindo cúmplice de Noah Borchardt, Thayer pensou.
— Onde posso encontra-lo?
— Sobre isto... — Ela se aproximou para
sussurrar-lhe. — Você não pode. Não sem um convite... — Passou-o o cartão. —
Mostre isto na entrada e o deixarão entrar.
VEGA – PARA SÓCIOS E MEMBROS.
Thayer ainda não tinha entendido.
— Isso é um lugar?
— Aqui está o endereço — Ela anotou. — Bata
duas vezes nos portões e espere.
— Devo tomar alguma precaução?
— Todas elas. A luta livre é o nosso legado e
não toleramos descortesia.
— Um legado ilegal, eu espero — Isso o
excitava.
— Totalmente.
Ele tomou o último gole e entregou-lhe o
dinheiro.
— Obrigado pela atenção, Senhorita...?
— Sheri Moon Zombie.
Onde ouvira isso antes?
— Combina com o tom lilás do seu cabelo — Disse
ele, antes de sair.
Ela sorriu uma última vez pelo elogio e pela
enorme gorjeta no balcão.
No endereço indicado, um homem de barba ruiva
o recebeu. Lá dentro, um homem negro, alto e forte, de jaqueta de couro,
abriu-lhes as portas para o estádio. O público era composto em grande maioria
por homens adultos e aglomerava-se entre os dois andares, ao redor de uma gaiola
de ferro. Toda a atenção era voltada aos lutadores no ringue.
O ar rescendia a xixi, sangue e vômito.
— Mate-o! — Ouvia-os gritar.
— Quebre-o no meio! — Ouvira também.
Thayer levou um tempo até relacionar o único
lutador desmascarado, no ringue, ao homem de sua foto. Loiro, alto, forte,
acima dos trinta. Cabelos curtos, olhos azuis. Tatuagem de serpente no pescoço,
várias cicatrizes à bala e à faca nas costas e na parte inferior do abdome. Nunca
sorria. Nunca tirava os olhos de seu alvo. Nunca fazia um movimento
involuntário.
Okay, plano B, vasculhar a casa do filho da
puta antes que a luta termine.
൴
A sua direita via a seção de hortifruti. À
esquerda, o açougue. À frente, os laticínios. Alex resolveu começar pelo mais
próximo.
Caminhou entre as fileiras, escolheu de produtos
lácteos, derivados do leite, comida entalada, frios e cereais. Caminhou entre
as bancadas, adicionou de frutas, verduras, legumes, carnes e bebidas. Algumas
frutas mereciam uma atenção em especial, visto não estarem boas para consumo.
Alex preferiu descartar os pacotes lacrados e selecionar uma por uma.
Quando olhou através das bancadas, logo abaixo,
viu dois pares de olhinhos curiosos. O menino tinha cabelos loiros, lindos
olhos azuis e usava uma camiseta cor de vinho. A menina tinha lindos cachos
afro; seus olhos cor de amêndoa. Era tudo o que via. Eles nada diziam.
Alex, então, teve uma ideia para quebrar o
gelo. Dependia de cinco ou seis laranjas, sua técnica infalível de malabarismo
cruzado e errar os movimentos de propósito para faze-los sorrir.
Deu certo.
— Aí estão vocês! — Clamou a mãe. Ela levou
uma mão ao peito, os abraçou, os beijou. — Não se afastem de mim outra vez... —
Dito isso, sorriu a Alex. — Sinto muito pelo incômodo, senhor.
— Não, tudo bem — Ele disse. — Estavam apenas
me ajudando a escolher.
— Mamãe, ele sabe fazer malabarismo melhor que
o tio Linderman! — Gritou o menininho.
— E com seis laranjas! — Completou a
menininha.
A jovem mãe sorriu-lhes docemente.
— Queridos, qualquer um é melhor nisto que o
Tio Linderman — Sussurrou-lhes. — Crianças... — Disse a Alex.
— É, eu entendo.
— Você é novo na cidade? — Ela tentava ser
gentil.
Alex não sabia muito bem por onde começar a
responder.
— Estou na casa de um amigo — Resolveu, então.
— Se meus planos não mudarem, ficarei por mais algumas semanas.
— Americano?
— Sim. De Nova York.
— Não muito de longe de casa, então — Ela
pegou entre os produtos na bancada. — Você escolheu o momento ideal para nos
visitar, o clima em Vaughan é mais agradável na primavera.
— Assim eu li.
De repente, Henry o abordou.
— Vinho branco ou rosé? — Ergueu as duas
garrafas.
— Na dúvida, leve sempre o Chateau.
— Entendi — Pôs no carrinho.
— É uma ocasião especial? — Sugestionou a
mulher.
Alex e Henry se entreolharam.
— É para o jantar — Respondeu Alex. — Nada especial.
— Eu acho muito romântico — Ela sorria. — Há
quanto tempo estão juntos?
Entreolharam-se outra vez.
— Ainda estamos tentando descobrir como isso
funciona... — Confessou Alex.
— Não conheço um único casal que não tenha
passado pelo mesmo — Contou ela.
O menininho puxou a barra de sua blusa.
— Mamãe, vamos ao parque.
— Sim, mãe — Disse também a irmã.
A mãe pediu que esperassem cinco minutos, entregou-os
os brinquedos da caixa de bombons e depois voltou sua atenção a Alex e Henry.
— Ainda não me disseram seus nomes. Me chamo
Kristen, a propósito.
— Eu sou Alex — Estendeu uma mão.
— Henry — Estendeu a sua.
A mãe cumprimentou-os.
— Bom, preciso ir agora, mas foi um prazer.
Quem sabe não nos esbarramos por aí, em outro supermercado.
— Cidade pequena, não é? — Comentou Henry.
— Nem me fale. Vamos, garotos — Chamou-os.
À medida que eles se afastavam, Alex e Henry
os perdiam de vista.
— Nunca imaginei que os cidadãos de Vaughan fossem
tão receptivos — Disse Alex. A tensão nos olhos de Henry lhe era indubitável. —
Algum problema?
— É só uma dor de cabeça, não se preocupe.
— Eles devem ter analgésico no caixa.
— Não, já vai passar — Seguiu à frente.
Mas o problema era a dor de cabeça ou alguém
tê-los visto juntos pela primeira vez?
൴
Gwen ouviu tocar seu celular.
— Está me ligando da cadeia? — Provocou a
Matt.
— Nem mesmo sou um suspeito — Ele disse. — Os
promotores acreditam na hipótese de um grupo de vândalos da região ser o
responsável pelo incêndio.
— E as câmeras de vigilância?
— Não mostram nossos rostos. Devemos celebrar —
Estourou o champanhe.
Gwen ouviu-o através da chamada.
— Agora estou no meio de uma investigação —
Falou a ele. — Encontramo-nos às sete, no mesmo quarto de hotel?
— Combinado. Vista algo bonitinho.
— Vai tomar no seu cu — Desligou.
O quadro a sua frente entremeava as
informações coletadas nos últimos dias de busca. Fotos de suspeitos
descartados, possíveis localidades, os postos de gasolina mais próximos e as
rotas que interligavam todos eles à rodovia principal. Setenta por cento das
habitações florestais já tinham sido investigadas naquela região. Muitas delas
não possuíam residentes, pois tratavam-se de casas de veraneio. O restante
estava limpo. Aparentemente.
Gwen adentrou ao banheiro, olhou-se no
espelho, prendeu os cabelos em um rabo de cavalo. Voltou, pegou o mapa, pôs a
jaqueta e dirigiu pela rota marcada. Algo que veio a descobrir sobre as
estradas à leste da fronteira de Vaughan é que eram todas iguais. Floresta
densa cercava os arredores, sob uma camada de neve derretida, e grandes
montanhas erguiam-se ao longe. Nada se via além disto e a faixa amarela que
dividia a estrada em dois.
A alguns quilômetros encontraria o posto de
gasolina da Mobil, a lojinha de conveniência, o supermercado e a área de
pesca. Gwen observou cada detalhe.
— Você viu este rapaz? — Perguntava aos
moradores, mostrando uma foto.
Eles sempre diziam não e pediam desculpas por
não poder ajudar.
Ah...
suspirou.
Ouvira tocar seu celular dentro do veículo.
— Kieran — Cumprimentou-o.
— Onde está agora?
— Em um posto de gasolina, à leste da
fronteira de Vaughan. Algo aconteceu?
— Encontrei uma coisa, mas talvez não faça
sentido.
— Conte-me — Escorou-se no banco.
Podia ouvi-lo remexer alguns papeis.
— Recebemos a informação de que Nathaniel
Strauss responderá a um processo de guarda amanhã de manhã, na New York Surrogate's Court — Ele revelou. — De acordo as informações, este
mesmo processo teve início no mês passado.
— Isso é impossível. Se Nate voltasse à
cidade, nós saberíamos. A não ser...
— A não ser...?
Ela temia a simples hipótese.
— Kieran, ligarei mais tarde. Guarde esta
informação.
— Tudo bem — Desligou.
Era isto.
A não ser que Nate tenha tomado o lugar de
Alex em Nova York.
൴
Ironicamente, o clube gay que Cassidy alugou
para sua despedida de solteira chamava-se Therapy. Os convidados
dispunham de um palco, dois bares, camarote, salão negro, área de fumantes e um
segundo ambiente no andar de cima. Homens seminus, ou fantasiados, dançavam sobre
pedestais gregos e dentro de cubículos de vidro. No palco, uma dupla de crossdressers
encenava comicamente um trecho do filme Twilight, de 2008. A escolha de
Edward entre sugar o veneno das veias de Bella ou permitir sua transformação.
— Carlisle,
qual a minha outra opção? — Entoou um dos garotos. — Carlisle! — Chegou a
gritar.
O público fez-se em risadas.
— Deixa a garota se transformar, seu babaca! —
Gritou.
Mais risos ecoaram na plateia.
— Você pode tentar chupar o veneno — Entoou o
outro rapaz.
— Não, eu não serei capaz de parar.
— Então encontre uma maneira.
De repente, ali, parado, Andy o viu; em meio a
escuridão da área dos fundos. Cabelos negros, olhos castanhos. Casaco marrom,
camisa quadriculada, jeans enegrecido. E um olhar de peixe fora d’água, contrastado
a uma inocência suspicaz. Liam.
Andy correu em sua direção e levou-o por trás
de um dos pilares, onde ninguém os veria.
— Por que está aqui? — Prensou-o contra a
parede. — Noivos não têm local de fala na despedida de solteira de suas noivas.
— Eu estava curioso, este não é o meu mundo.
— É, não brinca. Viu o homem na entrada com o
piercing que atravessa as bolas?
— Infelizmente. Nem posso imaginar a dor do
sexo.
Andy suspirou.
— Você tem um sério problema em cumprir sua
palavra, não acha?
— Não é minha intenção.
— É claro. Agora vá, antes que Cassidy o veja.
— Viola está aqui? — Ficou na ponta dos pés
para ver melhor.
— Cheque os stories no Instagram. Agora
vá — Empurrou-o.
Enquanto ele saia pelos fundos, Andy voltava
ao salão. Adore Delano, a convidada de honra, acabara de anunciar o próximo
número.
— Senhora e Senhores, Viola Sebert.
Liam parou ao ouvir seu nome. Todos olharam.
Ela usava um vestido roxo de calda longa, sem
decote e alças largas, estufadas. As luvas eram em um tom mais claro e corriam
até os cotovelos. Seus saltos eram finos e discretos. A maquiagem também.
— Boa noite — Cumprimentou-os, ao microfone.
O audio estourado levou a plateia a fazer
caretas; Andy, entre eles.
— Música, por favor — Pediu Viola.
Assim cantou os primeiros versos de Satisfaction,
dos Rolling Stones. Ou Britney Spears? O público não reconhecia aquela
versão... até o verdadeiro espetáculo começar. Durante o refrão, Viola rasgou
seu vestido de péssimo gosto e revelou o top de alças finas e calças
transparentes, por baixo, cheios de brilho. Outras drag queens uniram-se
a ela na coreografia.
—
Ai. Meu. Deus. — Sussurrou Cassidy.
Um minuto depois, outra música começou a
tocar. Todos conheciam.
I think I did it again
I made you believe
We're more than just friends
Oh baby it might seem like a crush
But it doesn't mean that I'm serious
Ela começou
a caminhar entre as mesas.
'Cause to lose all my senses
That is just so typically me
Oh baby, baby
That is just so typically me
Oh baby, baby
Sentou no
colo de um dos convidados, fingiu estar prestes a beija-lo e o derrubou de
costas, juntos a cadeira.
Oops, I did it again
I played with your heart
Got lost in the game
Oh baby, baby
I played with your heart
Got lost in the game
Oh baby, baby
— Gostosa! — Gritava Andy.
Oops, you think I'm in love
That I'm sent from above
I'm not that innocent
That I'm sent from above
I'm not that innocent
Liam sorria feito um bobo.
Yeah, Yeah, Yeah, Yeah, Yeah, Yeah
Yeah, Yeah, Yeah, Yeah, Yeah, Yeah
Yeah, Yeah, Yeah, Yeah, Yeah, Yeah
Para o ato
final, chamaram um ator vestido de astronauta.
— Britney, antes que vá, há algo que gostaria
de dar a você — Entregou-a um boneco de voodoo muito parecido ao Presidente
Trump.
A plateia gargalhou.
— Oh, é lindo — Disse ela. — Mas espere um
pouco, isto não é...?
— Sim, é sim.
— Mas eu pensei que a velhinha o tivesse jogado
no mar, no final.
— Bom, querida, eu mergulhei e peguei para
você.
— Aww, você não deveria! — Acertou-o com ele
no rosto.
E mais uma vez, a plateia fez-se em risadas.
Ao final, as drag queens, os atores, os
músicos, figurinistas e maquiadores se reuniram lado a lado no palco.
— Viola! Viola! Viola! Viola! Viola! — Eles a
aplaudiram de pé.
Nos camarins, Viola tirou um tempo para dar
autógrafos e posar para algumas fotos com seus admiradores. Depois disso sentou
em frente a um dos espelhos e começou a remover a maquiagem. As lágrimas vieram
por conta própria. Nunca antes fora reconhecida por seu talento. Nunca antes
gritaram seu nome tão alto que não pudesse ouvir mais nada ao seu redor.
— Estou indo, querida — Ouviu Adore dizer.
— Tão cedo?
— Este não é meu único show esta noite. Cuide-se,
nos vemos em breve. — Deu uma piscadela.
Uma hora depois Viola encontrou Liam em um
lugar solitário no bar. Andy dançava e bebia por aí, não exatamente nessa ordem.
Os gritos na pista de dança não poderiam ser de ninguém mais.
— Cassidy sabe que está aqui? — Perguntou Viola,
a Liam.
— Ela acabou de dizer que sou um babaca
egoísta por não respeitar seu espaço e não suportar a ideia de que há uma parte
de sua vida que não gira ao meu redor.
— Pegou pesado.
— Não é? — Fez sinal para o bartender.
Ele serviu uma dose de vodka com gelo para
cada.
— Pergunto-me constantemente se não é um erro nos
mudar — Liam comentou.
— Vocês vão mudar?
— Sim, para a Itália. Após a Lua de Mel — Encarou-a.
— Cassidy não contou?
— Não...
— Okay... — Ele sorriu sem graça.
Viola manteve os ombros encolhidos. Pensava em
tudo. No tempo que gastou, em todos os jogos que insistiu em jogar, no quão
comprometida estava em provar alguma coisa a ela mesma e todos os outros. Se soubesse
que Liam e Cassidy estavam de viagem marcada, além de uma lua de mel, em algum lugar
afrodisíaco, teria dito sim a proposta?
— Sentirei sua falta — Ela precisava dizer.
— Faremos chamada de vídeo igual você e seu
irmão.
— Você sabe que não é a mesma coisa.
— Para isto temos os aviões.
Ela sorriu.
— Liam, sua noiva o invoca ao campo de batalha
— Andy chegou dizendo. Duas transformistas com argolas de penas de pluma e
perucas chanel cor de rosa o acompanhavam.
— Acho melhor eu ir — Disse Liam. — Mais tarde
brindamos às mudanças?
— Mais tarde — Ela concordou. Ele partiu.
Viola estava familiarizada àquela sensação. A
impotência, o peso em suas costas. Seu pai a fez sentir por uma vida inteira.
Agora Liam... eu sou o problema, não é?
Tomou de sua dose. O celular, na bolsa, apitou
duas vezes.
A caminho de Nova York, dizia a mensagem de Cameron. Vamos arruinar
esse casamento juntos.
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Os pais de Dominik o confrontaram na sala de
estar da mansão Belmont.
— Que porra você tem na cabeça? — Questionou
seu pai. — Não sabe que um escândalo dessa magnitude pode prejudicar meus
negócios?
— Eu sou a vítima aqui — Contestou Dominik. —
Eu fui agredido.
— Foi mesmo?
Dominik olhou para sua mãe.
— Nós vimos o sangue e os cacos de vidro no
seu quarto — Ela relatou. — A menos que Alex Strauss tenha sabotado nossas
câmeras de vigilância e entrado escondido, não aconteceu como diz.
— Eu não sei, talvez ele tenha hackeado
o sistema...
— Dominik, já chega! — Gritou seu pai.
Logo ele sentou ao sofá, tentando manter a
calma.
— Eu desisto — Admitiu. — Ainda que a Fellon
Industrial não tenha seus contratos revogados, isso prejudica a imagem da
empresa. Muito mais que deitar-se com garotos — Suspirou. — Não sei se ainda há
lugar para você nesta casa, Dominik.
— O que quer dizer?
— Que seria melhor passar um tempo na casa de
sua Tia Carol, em New Jersey — Propôs sua mãe.
— Sério? Dias antes do campeonato de natação?
— Você não nos deu escolha — Corroborou seu
pai.
Furioso, Dominik chutou o abajur da sala e
correu para o andar de cima.
— Você tinha razão — Disse Kerr, a Nate, pelo celular.
— Diana Baldwin e o casal Alonso trocam informações desde o início do processo.
Tive acesso às conversas — Enviou-o.
Nos prints Diana os orientava sobre as principais
questões do último interrogatório.
— Posso usar isto a meu favor? — Perguntou
Nate.
— Não estou certo disso. Ligo assim que tiver mais
informações.
— Certo.
Ele deu um longo suspiro.
— Pai...? — Chamou Gus, ao seu lado na cama. — Você está triste? Eles vão me levar embora?
— Não — Nate o abraçou. — Ninguém vai tira-lo
de mim, eu prometo.
Esta mesma verdade coruscava em seus olhos
verdes.
Nesse meio tempo, Thayer deixou a casa de Lilo
Young e levou as evidências que encontrou para analisar em seu carro. O
investigador particular disse por chamada que tinha uma boa e uma má notícia.
— [...] Fale mais devagar — Thayer pediu a ele.
— [...] Hospital? No México? — Esperou a resposta. —[...] Ai meu Deus... estou
a caminho.
Talvez chegasse a tempo, talvez não. Mia sofrera uma parada cardíaca na mesa de
cirurgia e a trouxeram de volta após duas descargas elétricas.
— Não morra aqui, por favor — Implorou o
cirurgião.
O homem responsável por leva-la ao hospital e
seu filho de dez anos aguardavam na sala de espera. Duas enfermeiras rezavam em um altar em frente
a eles, dedicado a uma vítima de leucemia.
— Volto logo, okay? — Kerr a deixou.
Amber chorava bem baixinho, na cama, de rosto
virado.
Knock, knock.
Alguém bateu.
Viola não disse nada, não deu indícios. Ao
abrir das portas, envolveu Cassidy em seus braços e beijou-a selvagemente.
Liam, que voltava do outro cômodo, em mãos de uma garrafa de Perrier-Jouët,
parou assim que as viu juntas. Viola guardara alguns beijos molhados para ele
também.
Juntos deitaram na cama, despiram-se,
beijaram-se. Sempre que Cassidy pedia por favor, mais rápido e
mais forte, davam a ela o que queria. Seu corpo tinha uma maneira própria
de atrai-los para dentro e para fora.
— Te peguei... — Sussurrou Gwen.
Alex e Henry foram vistos na entrada do posto
de gasolina.
Next...
6x12: There's Something Wrong with Me and You Know What It Is (25 de Junho)
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