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Livro | A Punhalada 4 - Capítulo 1: O Fantasma de Fort Lawder


A estrada se abriu em uma maré de escuridão. No céu, nuvens carregadas dispersavam-se outra vez para despontar o encanto de uma lua minguante. Melissa podia ver o cair de gotículas com a ajuda dos faróis, mas sabia que o pior da tempestade havia ficado para trás.
A viagem para Fort Lawder começou em Denver, capital, até encontrar a paisagem outonal da cidade de Aurora. Folhas caídas e árvores mortas podiam ser encontradas ao longo de toda a avenida principal, além de rios e córregos de água congelante que acompanhavam os motoristas que seguiam para o oeste. Havia uma beleza melancólica, ela atinava. E talvez tudo estivesse conectado a sua querida mãe.
Em Denver, quando o tempo faz por si e toma o controle de uma vida, é normal que todas as outras lhe cortem o vínculo. Todos terminamos em Fort Lawder, dizia sua avó. E agora era a própria mãe quem provava desta infeliz tradição. A visita, entretanto, não dizia respeito aos médicos ou ao diretor do grande hospital psiquiátrico. A ajuda viria de baixo; discreto e ilegal, do jeito que haviam lhe prometido.
Dentro das instalações, a poucos minutos de sua chegada, duas enfermeiras aguardavam no balcão de atendimento. Assim como em todas as outras noites chuvosas, esta implorava por uma boa história de terror.
— Como termina? — Perguntou Foxy, a jovem atraente de cabelos ruivos e tatuagens chamativas. Por um momento, ouviu-se apenas o ranger de sua cadeira giratória.
Sua companheira se chamava Drew Hetson, outro prodígio adolescente que fazia todas as noites seu caminho de Denver à Aurora. Olhos negros, cabelos castanhos e um sorriso encantador bastavam para que fosse popular até mesmo entre os confinados. Quando finalmente tivesse dinheiro o suficiente para arcar com os gastos da faculdade de medicina, Fort Lawder perderia sua melhor enfermeira.
— Não termina — Sorriu com o canto da boca e virou para encarar a amiga. — Ninguém sabe o que Jeremy encontrou nas montanhas. Quando seus irmãos o trouxeram de volta, estava nu, desorientado e cheio de arranhões pelo corpo. A única palavra que ele consegue dizer até hoje é Mirka. Os médicos dizem não haver significado, mas em muitas culturas ela é bem clara. Homem Selvagem.
— Você quer que eu acredite que nosso Jeremy foi vítima do Pé Grande ou algo do tipo? — Os olhos de Foxy eram céticos por trás dos óculos.
— Você não leu os prontuários? Os moradores relataram mais de quarenta casos de ataques inexplicáveis na região só nos últimos vinte anos. Pessoas desaparecidas, restos mortais, acampamentos destruídos... não estou dizendo que existe algo como o Pé Grande ou Yeti, mas há algo matando pessoas naquelas montanhas. Ignorar as evidências seria um grande erro. Eu sei que os moradores daquela região não ignoram.
Foxy sorriu.
— Okay, há uma possibilidade — Sentou-se ereta na cadeira e brincou com a caneta vermelha entre os dedos. — Mas já vimos essa história antes. Dyatlov Pass, Rússia, nove esquiadores que morreram de maneira misteriosa. O mundo está cheio desses contos sobrenaturais que sobrevivem através do tempo pela simples falta de evidências. Se não há ao menos um sobrevivente, como saberíamos ao certo o que aconteceu? Se Jeremy viu o que viu, por que, convenientemente, ele perdeu a habilidade de se comunicar com as pessoas?
— Então devemos considerar falsas todas as afirmações que recebemos até que provem sua veracidade? Isso não faz o menor sentido. Muitas coisas que sabemos hoje não eram do nosso conhecimento há cem, mil ou dois mil anos. Houve uma época em que não acreditávamos que a Terra era redonda, mas ela não deixou de ser redonda apenas pelo que decidimos acreditar naquela época.
— Neste caso, só precisamos esperar. As coisas mudam o tempo inteiro. Daqui a cem anos alguém pode provar a existência do sobrenatural para que as pessoas das gerações futuras saibam com o que podem estar lidando. Mas agora, tudo o que temos é a morte. Seja por negligência, acidentes no transporte, velhice ou serial killers. Isso é real. É isso que devemos temer, não o que está nas montanhas e convenientemente ninguém pode provar que existe.
Drew se deu por vencida, com um ar de risos.
— Não sei quanto a você, mas nunca esquiarei naquelas montanhas — Pegou um dos prontuários e deu a volta no balcão.
— A morte está em todo lugar, Drew, não apenas nas montanhas. Ela está aqui, basta olhar ao redor. Todas essas pessoas andando por aí, sem alma...
— Lendo muito Stephen King? — Pegou a caneta presa ao cordão da mesa e focou em suas anotações.
— Nem tanto. As vozes da minha cabeça são muito insistentes.
— Você sabe o que acontece com os personagens céticos nas histórias de terror?
— Eles morrem. Violentamente. E cedo. É bem excitante. Aliás, é por isso que gostamos.
Drew deixou a caneta no lugar, pronta para se retirar.
— Carnificina? Sua mãe deve estar orgulhosa de você.
— Desde que eu tatuei as unhas de Freddy Krueger nas costas! — Foxy exclamou. E no mesmo instante ouviram o telefone tocar.
Estando ainda tão próxima, Drew chegara mais rápido até o gancho. Sua expressão mudou de um segundo para o outro, à medida com que a conversa avançava no telefone.
— Quem era? — A amiga perguntou assim que a viu desligar.
— Você sabe — Deu meia volta e seguiu rumo a porta da frente.
Então Melissa havia chegado. Foxy colocara esta no topo da lista de péssimas ideias desde que a jovem fez sua primeira ligação para Fort Lawder, há poucos dias.
— Por favor, — Levantou da cadeira e encarou-a com reprovação. — Me diga que você não vai ajudar aquela lunática.
— Ela não é uma lunática, é minha amiga — Drew passou o cartão no leitor para liberar o primeiro portão branco. — E está apenas preocupada com a sua mãe.
— Você está mesmo fazendo isso? Você, a boa garota?
— Talvez eu não seja assim tão boa. Pergunte ao Henry — E com um sorriso confiante, desapareceu na primeira cur.va
Foxy sorriu de volta, apenas para constatar o quanto estava surpresa com o vocabulário da Madre Teresa. 
— Vadia... — Sussurrou para o vento. Sentou-se novamente na cadeira giratória e pôs-se em frente ao computador. Era melhor fingir que absolutamente nada – que pudesse causar sua demissão – estava prestes a acontecer.
Parada em frente ao pátio, sob o chuvisco do fim de noite, Drew já podia ver os faróis brilhantes do carro de Melissa. Fez um sinal para o porteiro, esperou alguns instantes e avançou. Os portões se abriram vagarosamente para deixar a visitante entrar, e novamente as duas amigas se reencontraram.
Fazia anos, não? Conheceram-se na escola, quando a professora ensinou Drew a pedir educadamente a tinta de seus colegas. Cursaram juntas a primeira e a segunda série. E depois a sétima, quando Melissa voltou a morar na cidade. Se todas as decisões que tomaram em suas vidas as levaram aos portões de Fort Lawder, àquela hora da noite, talvez destino fosse, de fato, algo insignificante.
O abraço apertado veio logo então, enquanto os portões se fechavam atrás delas.
— Eu vim o mais rápido que pude — Melissa lhe disse.
— Venha comigo — Drew a puxou pela mão. — Não temos muito tempo.
Juntas caminharam da entrada da fortaleza às acomodações do segundo andar. Pelos elevadores de serviço, conseguiram passar longe de todos os enfermeiros de plantão e os médicos que ainda residiam no local, até chegarem a ala B. Ninguém as iria incomodar, uma vez que estivessem do lado de dentro.
— É aqui — Drew fez menção ao quarto de número doze. Havia temor no olhar da outra jovem, como se precisasse ser confortada. — Não tenha medo. Ela não reconhece ninguém, mas não é agressiva. Nenhum paciente desta ala é perigoso.
— Eu sei, eu só... — Melissa parecia a ponto de chorar. — A última coisa que eu lhe disse foi para que ela desaparecesse.
— E agora você pode corrigir seu erro — Passou seu cartão na fechadura eletrônica e a porta se abriu.
As duas fizeram uma entrada cautelosa; Drew tomando à frente, Melissa logo depois, em um ritmo vagaroso. A paciente estava sentada em sua cama, usando uma camisola branca e uma fita azul nos cabelos grisalhos. Parecia bastante interessada na parede a sua frente, ou apenas ausente demais para perceber que não havia nada ali. Melissa arfou ao notar sua magreza excessiva; por decisão sua, deixou que suas emoções a levassem só até aí.
 — Senhora Carter... — Drew sussurrou. — Alguém veio visita-la. É Melissa, sua filha — E afastou-se dando três passos para a esquerda.
Melissa caminhou pausadamente até a cama.
— Oi... — Foi tudo o que conseguiu dizer. O que a incomodava eram os olhos dela, que pairavam sobre o nada como se não tivesse visto-as ali. — Isso é normal? — Perguntou a Drew.
— Ela tem Alzheimer, sua mente é capaz de resetar sem sua permissão. Há momentos em que talvez ela não saiba que ainda existe.
— Okay — Melissa resolveu se aproximar. Sentou ao lado da mãe no colchão e tocou sua mão. Não havia mais vontade naquele olhar, tão como calor em seu toque. — Eu não sei o que dizer, não sei se você está ouvindo, mas eu sinto muito. Eu deveria... Você deveria estar comigo. Eu sei que posso cuidar de você, estou tentando... — Limpou uma lágrima que escorria na bochecha. — Estou tentando tirá-la daqui. Você está... você está aí?
Drew virou o olhar por alguns instantes. Continuava difícil, não importava quantas vezes havia acontecido.
— Ela não responde — Melissa a encarou com o olhar suplicante cheio de lágrimas.
— Eu sinto muito.
Olhou novamente para a mãe, depois para a enfermeira.
— Há um tratamento em Nova York. Talvez funcione...
— Não! — Gritou a Senhora Carter.
O susto fez com que Melissa caísse em cima de uma poça de urina no chão.
— Não! Não! Não! — A paciente continuava gritando. Levantou da cama, apanhou alguns objetos da escrivaninha e arremessou-os na parede.
Tentando contê-la, Drew foi arremessada no espelho do quarto. O mesmo teria acontecido a Melissa se Henry não aparecesse de surpresa para controlar a situação. Imobilizou a paciente como um lutador, pedindo, então, para que as meninas deixassem os aposentos. Pela gritaria no corredor, metade de Fort Lawder decidira se juntar a baderna.
— Vocês todos vão morrer! — Gritava a paciente. — Ele já está aqui! O fantasma já está aqui!
— Vá! — Drew ordenou a amiga. Olhou uma última vez para a Senhora Carter, tentando encontrar sentido em suas últimas palavras. Algo no seu discurso de morte fez com que todos os cabelos de seu corpo se arrepiassem.
— O fantasma o quer! É ele quem deve morrer!
— Drew, vá! — Henry ordenou.
E ela obedeceu sem pestanejar.

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Drew observava a partida de Melissa do topo da escadaria, ao lado de seus dois companheiros de rotina. A noite havia finalmente terminado, e agora seriam apenas ela e sua consciência... e o julgamento de Foxy e Henry.
— Okay, a lunática foi embora — Foxy comentou. Fez-se um estalo dos lábios, dentes e saliva, com a boca retorcida de desgosto.
— Ela não é... melhor esquecermos.
Drew colocou seu cartão de volta no bolso do uniforme. Só conseguiu dar dois passos em direção a porta antes que Henry a segurasse pelo braço. Quando não bancava o irmão protetor, quando não fazia cantadas idiotas, ou quando não tentava provar que ela era uma garotinha frágil e ingênua, poderia até ser atraente, com seus cabelos negros penteados para trás e o olhar desafiador. Azuis, ela sempre teve uma queda por olhos azuis.
— Hey, aonde você pensa que vai? — Ele indagou. — Você está de castigo.
— Desculpa, Henry, não estou no clima — Livrou-se dele com um puxão.
— Eu não estou brincando. O que você tem na cabeça para fazer algo assim? Ainda bem que eu troquei de turno, porque se fosse Charles ou uma das meninas, seria justa causa para você.
— Acabou. Vamos apenas esquecer isso, okay?
— Nada disso — Foxy a envolveu num abraço amigável e guiou-a para o lado de dentro. — Agora vai começar a Chantagem Tour. Pode dizer adeus ao seu bracelete de ouro.
— Você sabe que foi roubado.
— Você sabe que é apenas algo que diz para se safar dessa.
— Beleza, é loucura demais para uma só noite — Henry passou por elas em passos ligeiros. — Se vocês precisarem de mim, estarei na minha sala não assistindo pornô.
As garotas sorriram com uma expressão enojada.
— Não seja idiota! — Foxy atirou seu chiclete; acertou o alto da camisa de Henry e caiu no chão. Mais alguns passos e o pisoteou sem perceber. — Preciso ir a lavanderia. Você vai ficar bem sozinha por vinte minutos? — Olhou para a amiga, ainda em seus braços.
Drew precisou verificar o relógio de pulso antes de responder.
— São onze e meia, acho melhor começar minhas rondas.
— Te encontro na recepção.
— Tudo bem.
Henry pegou um elevador, Foxy desceu as escadas subterrâneas e Drew caminhou de volta à recepção. A jovem enfermeira checou novamente a ordem dos documentos, desativou a tela do computador e apanhou o próximo elevador, na extremidade do salão principal. Sem que pudesse ver, o computador local iniciou o processo de compartilhamento de dados através de uma brecha no servidor, mostrando dígitos sequenciais e quebrando todos os mecanismos de segurança. Agora Fort Lawder pertencia ao hacker anônimo. E Drew nunca saberia.
Começou sua ronda na ala um do segundo andar. Caminhou até a fechadura eletrônica, aproximando seu cartão de acesso sobre o leitor. Os portões brancos a sua frente se abriram com um ruído estridente; pacientes reclusos, que aprenderam a passar as noites de olhos abertos, saudaram a gritos a nova companheira de ronda noturna. “Docinho de coco”, “Colírio para os olhos” e “Vadia pagã” formavam o ranking de palavras que ela aprendera a ignorar pacificamente.
O corredor dois veio em seguida. E então o terceiro, o quarto e o quinto, para que depois fosse a próxima ala. Drew aproximou seu cartão do leitor, mas por algum motivo, viu-o ser negativado. Aproximou de novo, mas a luz vermelha e o apito de acesso restrito persistiram. Esperou alguns instantes, limpou o cartão no uniforme e aproximou novamente do leitor. Nada parecia funcionar, e talvez nada desse certo enquanto estivesse sendo bombardeada pelos gritos incessantes dos pacientes.
— Foda-se — Desistiu enfim. Trancou novamente os portões brancos e voltou ao elevador.
Já no primeiro andar, passou pela recepção e caminhou até as escadas subterrâneas. Começou a chamar pelo nome da amiga ainda nos primeiros degraus, sem obter qualquer tipo de sinal de que estava sendo ouvida.
Não era para menos; a lavanderia encontrava-se completamente desabitada.
— Foxy? — Chamou. Tudo o que ouvia era o barulho de seus passos... além da máquina ligada no fim da sala, batendo roupas de porta aberta. Deveria saber que Foxy era capaz daquilo. — Você é inacreditável... — Marchou até lá, juntou as roupas que caíram no chão, organizou-as numa pilha suja e fechou a porta.
O barulho incessante do vidro contra a máquina havia cessado; agora só precisava encontrar Foxy.
Dois toques depois, sua chamada no celular foi atendida.
— Foxy, sou eu — Falava enquanto organizava o restante das roupas em cima da mesa. — Meu cartão parou de funcionar. Acho que você estava certa, não poderia guarda-lo no bolso. Pode me emprestar o seu para eu continuar as rondas? Explico para Tatler depois.
— Explicar o que? — Uma voz medonha a respondeu.
Drew sorriu retraída. Aquela voz a havia intimidado de um instante para o outro.
— Me desculpe. Este não é o telefone da Foxy?
— Agora é meu.
— Que tipo de brincadeira é essa?
— Não é uma brincadeira, Drew. Não assiste filmes de terror? Nunca é uma brincadeira.
— É o Henry? — Ela sentou na ponta da mesa, cheia de sorrisos. Agora estava claro, estavam tentando lhe pregar uma peça. — Prometo brincar de Vítima e Serial Killer depois, mas agora preciso mesmo falar com Foxy.
— Os mortos não falam. Mas eu prometo, você terá a sua chance.
Drew afastou o celular da orelha vagarosamente, ouvindo os bipes de chamada encerrada. De todas as peças que Henry era capaz de pregar, finalmente havia encontrado a que passou dos limites. Falar sobre morte, no horário de trabalho?
— Idiota — Resmungou em voz baixa. Guardou o celular no bolso do uniforme e voltou às escadas.
A ligação martelava em sua cabeça a cada passo que seguia. Não parecia Henry, dizia a si mesma. Ou ele sabe exatamente o que me assusta e está usando tudo contra mim. Apesar de que, Henry não fazia o tipo que pregava peças. Não tinha criatividade para isso – ou para escrever o próprio currículo. Foxy era a amante do terror, não seu namorado que não conseguia ficar uma hora e meia acordado para terminar um filme, no sofá.
Um estranho ruído, de repente, acabou tirando toda a sua singela confiança. A poucos metros de onde estava, a porta da sala de remédios abria-se vagarosa e ruidosamente, como se empurrada por uma força invisível.
— Henry? Foxy? — Perguntou num sussurro. Não havia por que temer. O que diria a si mesma depois, quando lembrasse que hesitou por causa de uma porta entreaberta? — Isso é besteira — E correu para trancar de volta.
Mal conseguiu dar dois passos em direção ao salão antes que a porta se abrisse novamente pela mesma força misteriosa. Drew fitou a maçaneta e pensou por um segundo. Tem alguém lá dentro.
— Quem está aí? — Ela gritou, com as mãos na maçaneta, um passo adentro na sala. Nada havia além de prateleiras, remédios e estofados brancos. — Alguém está aí?
Ninguém respondeu.
Ela suspirou profundamente e fechou a porta mais uma vez. Quando achou que estava tudo acabado, ouviu algo quebrar do lado de dentro. Abriu a porta o mais rápido que pôde, mas tudo o que encontrou foram os cacos do que parecia ser um frasco de remédio. Havia sangue, ou estava enganada? Precisou aproximar-se para ter certeza. Mais um pouco, um pouco mais, com os dedos quase lá...
— Te peguei! — Henry a agarrou de surpresa, imprensando-a na estante da esquerda. Por um segundo, achou que o grito alarmante de Drew acordaria o hospital inteiro.
— Filho da puta! — Ela o estapeou no peitoral. — Por que você fez isso?
— Fique calma. Jesus, que veia é essa na sua testa?
— Cala a boca! — Tentou empurrá-lo.
— O que você está fazendo aqui? Pensei que ainda estivesse nas rondas.
Só então Drew conseguiu se afastar.
— Não importa, me deixe em paz!
— Hey, volte aqui — Ele a puxou pelo braço. Mesmo impaciente, ela virou para encará-lo. — Me desculpe, eu só estava brincando. Desde quando você se importa com as minhas brincadeiras?
— Desde que quase perdi o meu emprego tentando ajudar uma amiga e meu cartão de acesso parou de funcionar.
— Fique calma. Você precisa relaxar... — Ele se aproximou para um beijo sereno.
— Não estou no clima...
— Sério?  Porque eu tenho um cartão de acesso em perfeito estado que você poderia usar... — Levantou entre os dedos para que ela visse. E com um sorriso provocante caminhava para trás, passo a passo. — Você... só precisa... merecer...
Então um anjo surgiu à esquerda para contradizer o demônio que surgia à direita. O anjo pedia para que Drew voltasse a suas rondas, pois teria que se esforçar para compensar o erro que cometera deixando Melissa entrar clandestinamente. Mas o demônio, ah, este queria que arrancasse as roupas de Henry para que ele a fizesse se sentir completa.
Podia ouvir os, a princípio, em seu breve raciocínio. Mas para que? O demônio sabia que não resistiria a tentação.
Ela correu para os braços dele e o imprensou contra a porta do armário, os lábios movendo-se em uma sincronia selvagem.
— Diga que veio preparado — Ela sussurrou entre os beijos, apalpando seus bolsos traseiros. Um sorriso a rendeu quando suas unhas encontraram o preservativo.
— Querida, eu nasci preparado.
No futuro, ela esperava agradecer por isso.
Abriu os botões da camisa dele e desprendeu seus cabelos. Beijaram-se intensos, de olhos fechado, suas mãos por cada parte. E então veio o sangue. Henry gaguejou e Drew se afastou. Tudo o que viam era um jorro vermelho que parecia não ter fim... e a ponta da faca de açougueiro que atravessou a porta do armário e perfurou o tórax dele.
— Ai meu Deus! Ai meu Deus! — Drew começou a gritar.
O assassino puxou a arma de volta e arrombou a porta por cima do jovem que sufocava com o próprio sangue. Ela correu, aos gritos, em direção a entrada do hospital. Mexeu na maçaneta e gritou por ajuda, mas nada aconteceu. A porta fora selada bem antes que pensasse em fugir, e nem mesmo os seguranças do portão poderiam ajuda-la.
Quando notou a aproximação do assassino, desistiu de sua saída fácil e correu para o outro lado. Não poderia usar os elevadores, nem subir as escadas. Em um raciocínio rápido, decidiu correr pela porta da esquerda, para o corredor da primeira ala. Havia apenas duas janelas em seu trajeto, com nenhuma das grades aposta para facilitar sua fuga. Era desesperador saber que estava no único lugar que foi feito para manter as pessoas dentro.
Saindo pela próxima porta, encontrou o primeiro corredor da ala um. Mais uma vez estava diante da tranca eletrônica e dos portões brancos. Tirou o cartão do bolso de seu uniforme.
— Funciona! Por favor, funciona! — Ela implorava. Sempre a mesma maldita negativação. — Por favor! Por favor! — Olhava para trás, apenas para se certificar de que o assassino não estava por perto. — Por favor! Calem a boca! — Gritou para os pacientes barulhentos depois do portão.
Em sua sétima tentativa no leitor de cartões, notou o assassino no final do corredor. Ele caminhou devagar nos primeiros passos; aumentou a velocidade deliberadamente, à medida de seu avanço; então revelou sua faca de açougueiro, numa corrida insana. Drew conseguiu, por sorte, liberar seu acesso antes de ser alcançada. Por um segundo estava do lado do lado de dentro da ala, com a grade entre eles.
Quem é você? Pensou enquanto encarava o fantasma branco de capa negra. Ele partiu logo então, furioso. Era uma ótima ideia.
Drew tirou o celular do bolso. Limpou a mão suja de sangue no uniforme, em deslize, e passou direto pelo salão de música totalmente desabitado ao cair da noite. Nenhuma de suas tentativas de contatar ajuda deu certo. Sempre que discava um número, a chamada a redirecionava para o atendimento virtual de uma empresa de hospedagem. O que ele fez com meu celular? Ela pensava. Ninguém poderia lhe ajudar.
De repente era seu celular quem estava tocando. Sabia quem estaria do outro lado da linha.
— Alô...?
— Olá, Drew — Disse o assassino. — Está gostando do meu filme de terror?
— Quem é você? — Ela tremia ao dizer. — Por que você está fazendo isso?
— Pense nisso como um jogo. Você não tem habilidades para vencer, mas ainda podemos nos divertir.
— Por favor... — Ela soluçava.
— Brinque comigo, Drew. Eu só tenho uma pergunta a fazer. Se responder corretamente, lhe darei uma chance.
— Não, por favor...
— Quem é você no meu filme?
— O que?
— Você é a sobrevivente, a heroína, a última a ficar de pé... ou a vadia estúpida que está no lugar errado e na hora errada?
— Isso não é a porra de um filme! — Ela gritou.
— Agora é.
Ao encerra a chamada, notou que havia algo de errado com seu aparelho. Primeiro vieram os apitos, depois as imagens fantasmagóricas no visor. De tão quente que havia ficado, seus dedos sofreram queimaduras superficiais, obrigando-a a derrubá-lo no chão. Então o viu implodir, como se alguém tivesse lhe jogado ácido e a destruição viesse de dentro para fora.
— Não! Por favor! — Queria toca-lo com a ponta dos dedos, mas recuou ao notar as bolhas que se formavam em meio ao visor.
Foi quando ouviu o ranger de um dos portões se abrindo na próxima ala. O celular já não importava; deixou-o no mesmo lugar e caminhou em silêncio pelo único caminho no segmento. Ouviu passos ao longe e móveis sendo arrastados. Via luzes piscando do lado de fora e pequenos insetos na vidraça da janela. O melhor esconderijo seria atrás das cortinas, de onde tinha uma visão ampla de todas as mesas e cadeiras do refeitório, além dos três corredores seguintes.
Lá ela esperou por alguns minutos, sem fazer qualquer barulho. E das mesmas sombras que a protegiam, ele saiu.
Atacou-a por trás, fazendo com que ambos caíssem sobre duas mesas do refeitório. Conseguiu esfaqueá-la na perna, ainda no chão, e mesmo assim ela deslizou como uma gata por entre seus dedos e acertou-o no rosto com uma cadeira. Correu pela porta mais próxima, mancando, com sangue escorrendo pelas pernas, mãos e bochechas.
A saída dos fundos, ela lembrou. A estreita porta cinzenta que levava ao estacionamento de funcionários. Só precisava digitar a senha na tranca eletrônica e ela se abriria para o mundo.
— Por favor, abra! — Implorava enquanto sujavas os números de sangue.
Tentou uma vez; duas, três, quatro e cinco. Quanto mais rápido tentava digitar, mais irritante soava o bipe de invalidação.
— Por favor, fique calma — Disse a si mesma. Só assim conseguiu digitar a sequência exata para que a porta se abrisse.
Ela tropeçou logo no primeiro passo de sua fuga, em algo que julgava ser duro como pedra. Era o corpo de Foxy que jazia no chão, com a garganta cortada e um grande vazio no lugar dos olhos. Não foi capaz de conter o grito de pavor, conquanto o susto não a tenha impedido de levantar rapidamente em busca de sua salvação.
Ao longe avistou seu carro; com o de Henry ocupando sua vaga, escolher estacionar embaixo de uma fileira de árvores mortas. Sempre deixava as chaves na ignição para não perde-las, como da última vez. Era o velho costume de seus pais que agora salvaria sua vida.
Assim ela correu. Pedindo, ansiando, implorando para viver. Instante a instante, passo a passo mais perto. Era exatamente o que Ghostface planejava.
Faltando apenas dois metros, seus passos acabaram acionando uma armadilha no chão que a pendurou numa corda de cabeça para baixo.
— Não, por favor! Alguém me ajude! — Ela gritava ao balançar, o sangue fervendo em sua cabeça.
Não demorou muito para que o assassino passasse pela mesma porta que usara para fugir. Via-o avançando vagarosamente, com a faca em mãos, e uma vontade insaciável de derramar sangue.
— Não, não, por favor, não me mate! — Ela continuava implorando. — Não! Por favor! Por favor!
Ele parou em frente a ela e ergueu a faca. Em um breve momento de reverência, olhou nos olhos da vítima para prestar respeito a vida que designou a tirar.
Drew foi cortada da virilha ao pescoço em linha reta, tal e qual faziam em um animal no abatedouro. Se último grito de sofrimento ecoou como se o inferno já estivesse aqui.

φ

Kyle permutava do torpor de sua mente à lenta rotina da realidade. Batendo o punho na parede, de três em três, seus pensamentos tornavam-se seus, apenas seus. Costumava ser um “nós”, ele sabia. Agora Natalie e Carter se foram.
— A lucidez impede a humanidade, a lucidez impede a humanidade — Cantarolava enquanto batia na parede.
Quando a porta se abriu, ele ergueu a cabeça, em silêncio. Virou vagarosamente para a entrada; lá estava ele, o último fantasma, em carne e osso. Era tão bonito quanto todos os outros. E tão letal... sabia muito bem o motivo de sua visita. Ele me quer, pensou. Ou quer o Kyle que antes fora? A barba gigantesca e a magreza excessiva não diziam nada sobre quem costumava ser.
O assassino deu um passo à frente, e em cortesia a sua vítima, tirou a máscara para revelar sua verdadeira identidade. Kyle quase sorriu quando percebeu o que lhe estava diante.
— Finalmente — Entoou. O assassino correu em sua direção e o esfaqueou três vezes no abdome.
Kyle caiu de joelhos, sangue escorrendo pela boca. Deixou-se desabar no mesmo lugar, sobre o estofado branco. Pouco a pouco falhavam seus sentidos.
— Oh, Kyle — Ouviu Chloe dizer. Ao abrir de olhos, avistou-a sobre o seu corpo, de ponta cabeça, com os olhos a apenas dez centímetros dos dele e os cachos loiros caindo sobre seu rosto. Não envelheceu um só dia nos dez anos que passou visitando sua mente.
— Por favor...
— Eu avisei que isso iria acontecer.
— Chloe...
— Shh — Ela colocou o indicador sobre os lábios dele. — Está tudo bem. Você está apenas indo para o inferno agora — Murmurava melancolicamente. — Estamos todos esperando por você.
Ele engasgou com o sangue na garganta.
— Chloe... Eu sinto... eu sinto muito...
— É claro que sente — Passou os dedos sobre o rosto dele. — Você é apenas mais uma vítima, não é?
— Você nem está aqui...
— Oh, eu estou — Ela se aproximou para sussurrar em seu ouvido. — O filme acabou, filho da puta!
— Oh, but I am — She got closer to whisper on his ears. — Movie’s over, motherfucker!

Um grito poderoso da inexistência de Chloe Field e tudo se transformou em escuridão.

Curiosidades:
- O nome Chloe Field foi criado em homenagem a Ginny Field, a protagonista de Sexta-Feira 13: Parte 2. Para quem não lembra, é ela quem veste o moletom de Pamela Vhoorees e finge ser a mãe do Jason para se salvar. O final deste capítulo foi em homenagem tanto a ela quanto a Chloe, que morreu no livro anterior. Espero que tenham gostado!



Capítulo 2: Bem-Vindo ao Fim das Eras (Dia 14/07)
Megan recebe um antigo amigo de volta enquanto Matty tenta lidar com os problemas dentro de casa. Ao contrário do que Aaron esperava, ao realizar a adoção por baixo dos panos, sua família está longe de ser perfeita. É o começo de uma nova história, mas o fim de uma era.
Comentário(s)
4 Comentário(s)

4 comentários:

  1. amei o capitulo muito bom. Fiquei confuso quando a Chloe apareceu kkkkk
    quero muito ver megan e amanda

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    1. Hahaha, Chloe safadinha, até morta ela causa. Mas é bom deixar claro que foi só uma homenagem a ela e não uma aparição de verdade. Kyle ficou meio tan tan no final do livro anterior e passou os últimos 10 anos alucinando com ela. É óbvio que a própria apareceria pra ele no momento da morte pra se vangloriar mais uma vez.
      Espero que goste do próximo, quinta que vem \o

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    2. PUTA Q PARIU TO ESPERANDO ISSO DESDE 2015 AAAAA SOCORRO

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    3. Isso ae Void Stiles, bem vindo ao fim das eras xD

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