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Livro | The Double Me - 6x09: I Told You, He Only Thinks About Himself [+18]

   6x09: I Told You, He Only Thinks About Himself
“Uma má reputação sempre fala mais alto".

Sou eu, Nate.
A essa altura, todos já devem ter ouvido falar sobre o término. Saiu nos jornais e nos tabloides. Há paparazzi nos perseguindo. Houve, inclusive, uma menção honrosa por parte de Ariana Grande em suas redes sociais. Se isso não grita ‘Fundo do Poço’, para que todos ouçam bem alto e bem claro, como um pedido de ajuda, é porque algo pior poderia defini-lo.
Eu não sei, talvez não deva falar sobre isto agora. Ainda é muito recente. Venho dedicado boa parte do meu tempo aos ensaios fotográficos, o processo de guarda de Gus, e até mesmo a cuidar da casa, junto aos serviçais. Acho que é exatamente do que preciso agora; um pouco de uma vida só minha, que independe do que houve entre nós dois.
Este período de término pode ser o mais desgastante em uma relação, porque não há nada que possamos fazer além de esperar que as coisas melhorem. Não posso negar que sinto falta dele o tempo inteiro. Que faço tudo com ele na cabeça, ou tentando tirá-lo da cabeça, ou fingindo que ele não está na minha cabeça, ao me perder nos versos de alguma canção e perceber que lá está ele outra vez. Ontem achei tê-lo visto em um comercial de protetor solar...
Ele riu.
Não sei porque isso me faz rir. Dominik foi a única pessoa, além de Jensen, que me fez sentir dessa forma. É muito difícil ter que aceitar que isso não depende mais de mim. Posso perdoar e esquecer o que houve, mas a decisão não é minha. O que posso decidir por mim mesmo é continuar sendo o ex amorado gentil e compreensivo, que respeita todas as suas escolhas e tenta não invadir seu espaço. Imagine agora porque é tão difícil para mim, o maníaco por controle.
Pergunto-me se alguma coisa mudou despois daquele dia. Se ele encontrou alguém, se está feliz. Não sei, eu me preocupo. Ainda que ele não admita, não sabe cuidar de si mesmo. Espero que não tenha que passar por tudo isso sozinho, como eu. É a parte mais difícil.
— Pretende viajar? — Nate perguntou a sua mãe.
Da porta ele via dois serviçais preparando as bagagens e Judit sentada à beira de sua cama, checando alguns documentos.
— Sou uma das voluntárias para o novo programa filantrópico da Global Vision International, na África do Sul — Ela respondeu. — Não mencionei antes?
— Not, really. E a Strauss International?
— Está em boas mãos — Virou outra folha.
Os dois serviçais passaram por ele com a bagagem.
— Faz isso para me punir? — Ele precisava saber.
Judit o olhou por cima dos óculos, da mesma forma que olharia alguém que tivesse feito péssimas escolhas de outfit.
— Não se dê tantos créditos, querido — Voltou a folhear. — Temo que o trabalho voluntário seja uma das poucas coisas que não giram ao seu redor.
— Por isso não me olha nos olhos?
— Você mentiu durante meses. O que esperava?
— Compreensão.
Seu corpo inteiro pareceu enrijecer, agora de pé.
— Pensei que estivesse morto — Disse a ele. — Por sete meses, pensei que estivesse morto. Agora descubro que esteve ao meu lado todo esse tempo, escondendo-me a verdade, e que talvez tenha perdido outro filho que eu amo muito. Como posso olhar para você?
— Com o único olho que aquele monstro permitiu que ficasse — Ele deu um passo à frente. — Olhe para mim e diga que vai embora por minha causa.
— Eu não sei mais o que fazer! — Ela gritou. — Você mente, finge e manipula o tempo inteiro. Não percebe que tomar o lugar do seu irmão era a única forma de fugir disso, porque você também não aguenta mais? Nate, isso precisa parar.
Quantas vezes o havia dito a si mesmo?
Ele virou-lhe às costas, pôs as mãos na cintura e suspirou, de cabeça erguida.
— Você só esqueceu de um detalhe... — Virou de volta. — Sua linda e preciosa Gwenett. Se ela descobrir meu segredo, virá por mim e pela nossa herança.
— Ela não faria...
— Há muitas linhas que ela cruzaria sem hesitar em uma guerra dos nossos — Nate garantiu. — Se não acredita em mim, é melhor que esteja longe para o que virá — E bateu a porta atrás de si.
Já em seu quarto, serviu-se de uma dose de whisky na bancada e caminhou em direção às janelas. Caia uma chuva fraca lá fora; um véu de neblina cobria os jardins. Se olhasse para o alto, veria apenas as silhuetas dos edifícios mais próximos. Nenhum sol, nenhuma nuvem. Nada para lá dos portões.
Nate não gostava de se sentir assim, tão vulnerável. Não gostava de exigir tanto das pessoas, questionar, manter um posicionamento inflexível. É que estava cansado de vê-las ir embora.


No caminho até o segundo terminal do aeroporto John F. Kennedy, logo ao deixar o balcão de atendimento, Thayer seu celular.
— Já embarcou? — Perguntou Colin, numa voz cínica.
— Onde conseguiu este número?
— No seu escritório. Não se surpreenda se descobrir que ainda tenho aliados no Linnard Report.
— Surpreendo-me por você ainda ter onde dormir. Adeus...
— Gahl Dae-Hyung — Colin logo disse. — Um e setenta e quatro de altura, dezenove anos, estudante do segundo ano da Brown University, signo de peixes. Aparentemente, o passivo ideal. Você já deve ter se aproveitado disto.
Não, agora não. Isso não.
— O que pretende indo atrás dele? — Thayer parou de caminhar.
— Que aceite brincar comigo de Daddy & Twink na cama de sua falecida mãe, é claro. Além de me ajudar a ter meu emprego de volta. Admita que são duas propostas irrecusáveis.
— Para alguém que carece de recursos, talvez. Ele nunca o ouvirá.
— Sou um ombro amigo, Senhor Van Der Wall, não um aproveitador. Não foi difícil convence-lo a me entregar as cartas escritas por seu pai, se tudo o eu queria era ser solidário. Difícil foi organizar uma coletiva de imprensa em seu nome, esta tarde, para que fale diante das câmeras. Chame-me de Rain Man, porque a sorte está meu favor.
Thayer fechou os olhos pausadamente.
— Você está morto — Disse.
— Não, seu pai está. É hora de seguir em frente — Desligou.
Um filme passou pela cabeça de Thayer naquele momento. Estava tudo em jogo. A empresa de seu pai, o Linnard Report, as ações, os novos investimentos, o dinheiro no banco. Não poderia arcar com as dívidas de quebra de contrato, nem pagar os direitos trabalhistas dos que perderiam o emprego por sua causa. Dawn, Paige, Russel e Olivia. Seus editores. Travis. O que mais o preocupava era Travis. Ele passou por muita coisa nas últimas semanas.
Thayer não achou ter muito tempo para agir, por isso se apressou. Um atendente de aeroporto ficou encarregado de sua bagagem, enquanto ele ia ao toilet.  O celular de Dae caia sempre na caixa postal.
— Sou eu, Thayer — Deixava uma mensagem. — Sei que acha que tudo o que eu faço é mim e pelo dinheiro e que nada do que eu disser vai inspirar alguma confiança, mas isso é maior que nós dois. Há pessoas que dependem de mim, do meu trabalho. Se fizer o que Colin está pedindo, perderemos tudo. Pessoas sem nenhum envolvimento pagarão por um erro meu... — Suspirou. — Por favor, me dê uma chance de consertar isto sem fazer um escândalo. Posso renunciar a meu cargo no Linnard Report e fazê-los assinar um documento que os impede de veicular notícias relacionadas ao acidente e nossos pais. A condição é que desista desta coletiva de imprensa e entregue-me as cartas que meu pai escreveu. Eu assumo a responsabilidade por tudo, se é isto o que quer. Retorne-me se estiver de acordo.
De volta ao salão, Thayer atentou as informações de embarque, no painel, ao alto. Seu voo sairia em cinquenta e cinco minutos, o mesmo tempo de voltar ao centro da cidade em um carro alugado.
Londres ou Manhattan?

Enquanto ele não vinha, Bethany checava as últimas notícias em seu smartphoneDomiAlex tinha subido mais uma posição nos assuntos mais comentados mundialmente. O tweet de Ariana Grande alcançou a marca dos cem mil favoritos e setenta mil retweets em menos de vinte e quatro horas.
— You’re trending, bitch! — Disse ela, mal ele deixara o toilet.
Os dois caminharam juntos pelos corredores.
— Deixe-me ver — Ele pegou de suas mãos. — Duzentos mil tweetsholy shit...
— Eu sei! Você é o mais ilustre homossexual da Northview Charter School.
— Que exagero. Se soubessem o real motivo do término, nem Ariana Grande os impediria de me linchar.
— Por que, afinal, ele não contou sobre a traição?
Dominik deu de ombros.
— Para me proteger, talvez. Alex é um dos mocinhos, não espero ter os problemas típicos de ex namorado que vemos por aí.
— Alto lá! — Proferiu uma voz.


    Aproximou-se deles um grupo de meninas geeks, todas na faixa dos dezesseis anos, usando moletons, estampas da cultura pop e mechas coloridas nos cabelos. A líder delas destacava-se por caminhar à frente, usando um moletom negro esverdeado da Sonserina um número maior que o seu. Tinha cabelos castanho-escuros, ondulados. Usava óculos de grau. A pinta negra no canto de seus lábios fora feita à caneta lápis, visivelmente.
— Dominik Belmont, você não tinha o direito! — Ela o intimou.
— Como pôde fazer isso a ele? — Perguntou a moça de trás, a de mechas azuis e verdes.
— Perdão? — Dominik franziu a testa.
Todos os outros pararam para observar.
— Acompanhamos o término pelas redes sociais — Mostrou a outra jovem, de dreads nos cabelos. — Espero que tenha uma boa desculpa para desistir de Alex Strauss.
— Ou podemos até cancela-lo — Ameaçou a de Moletom das Serpentes do Sul.
— Cancelar, tipo... a Demi Lovato? — Veio à mente de Dominik.
— Exatamente! — Confirmou a líder.
Bethany teve de prender um riso.
— Vocês deveriam ser end game, não sucumbir à catástrofe Brangelina — Disse a de mechas azuis e verdes.
— Acha que encontrará outro Three-Piece à altura? — A de franjas na testa levantou esta questão.
— Não irá! — Disse a outra jovem, de dreads nos cabelos.
De certa forma, Dominik até achava engraçado. Mas ao explicar que se atrasaria para a aula da Senhorita Fern e ver as garotas interceptarem seu caminho, a impaciência tomou o melhor de si.
— Não se atreva a nos deixar falando sozinhas, Dominik Belmont! — A Líder delas ergueu o indicador. — Você tem uma responsabilidade, não pode deixar as coisas desse jeito.
— Na verdade, eu posso. Esta é a minha vida. Não darei satisfações a ninguém.
Uma expressão de choque tomou o olhar das garotas.
— Eu disse, ele só pensa em si mesmo — Observou a de mechas azuis e verdes.
— Que decepção... — Comentou a morena, de estampa do Clã Uchiha.
Nesse meio tempo, sua líder tomou uma decisão.
— Tudo bem, meninas. Nós demos uma chance — Virou a Dominik. — A partir desta data, considere-se cancelado pela comunidade LGBTQI+. Vamos! — Chamou as outras.
Dominik e Bethany assistiram-nas ir embora sem saber o que dizer.
— O que aconteceu aqui? — Bethany mal acreditava.
— Literatura, por favor — Dominik clamou.
A Senhorita Fern recitou durante a aula um dos poemas de Edgar Allen Poe, chamado Annabel Lee, de 1849. Seus passos ecoavam a altura de sua voz, ao caminhar pelas fileiras.

[...]

E os anjos, menos felizes no céu,
       Ainda a nos invejar…
       Sim, foi essa a razão (como sabem todos,
       Neste reino ao pé do mar)
       Que o vento saiu da nuvem de noite
       Gelando e matando a que eu soube amar.

Mas o nosso amor era mais que o amor
       De muitos mais velhos a amar,
       De muitos de mais meditar,
       E nem os anjos do céu lá em cima,
       Nem demônios debaixo do mar
       Poderão separar a minha alma da alma
       Da linda que eu soube amar.

Porque os luares tristonhos só me trazem sonhos
       Da linda que eu soube amar;
       E as estrelas nos ares só me lembram olhares
       Da linda que eu soube amar;
       E assim ‘stou deitado toda a noite ao lado
       Do meu anjo, meu anjo, meu sonho e meu fado,
       No sepulcro ao pé do mar,
       Ao pé do murmúrio do mar.


— Alguém saberia dizer do que se trata este poema? — Inquiriu a professora.
— A morte de uma linda mulher, considerado o tema mais poético para Edgar Allen Poe — Disse Seth Ainsley, um dos alunos do time de basquete.
— E isso é tudo?
— Quer dizer, é óbvio que ele atribuía sua morte à crueldade divina.
— Eu acho que ele era novo demais para racionalizar os próprios sentimentos — Disse Madelaine Harmon, a garota de tranças loiras e tiara. — Quando culpa os anjos pela morte de sua amada, o narrador demonstra que não amadureceu muito desde que a conheceu, na infância.
O olhar da professora parecia ir além dos olhares na classe. Sua mania de morder uma perna dos óculos, sentada à beira da mesa, não passou despercebida a nenhum deles.
— Se isso é verdade, por que perdura após a morte? — Questionou-os.
— Porque não é sobre amor, é sobre adoração — Disse Dominik.
Todos fizeram silêncio.
— Prossiga — Pediu a professora.
— Ele a amou em vida, pois era só o que podia fazer. E ele a adorou na morte, pois sabia que não era o fim. ‘Nem os anjos do céu, lá em cima, nem demônios debaixo do mar, poderão separar a minha alma da alma da linda que eu soube amar’. Apenas a completa devoção tornaria suportável a distância entre eles, a qual só representaria o fim, verdadeiramente, se ele não pudesse adorá-la.
Um sorriso despontou nos lábios da professora.
— Muito bem, Senhor Belmont.
— É óbvio que ele entende disso — Disse Cole Myrin, o garoto de calças largas e camiseta listrada. — Não faz muito tempo que descobriu o verdadeiro amor.
— O que disse? — Dominik inclinou-se sobre a carteira.
— Não me venha com essa — Sorriu o garoto. — Todos o vimos beijar Alex Strauss no protesto. 
— Sem as camisetas... — Lembrou Kimmy Choi, a responsável pelo Boletim Informativo da Northview.
Por incrível que parecesse, aquilo não incomodava Dominik. Que falassem dele e de Alex, sem saber que Nate os enganou a todos. Que assistissem ao vídeo no YouTube quantas vezes quisessem. Que mencionassem na frente dos professores, não importava. Quantos deles poderiam dizer que beijaram Nathaniel Strauss em frente às câmeras e quantos se corroíam por não ter uma única chance?
— Silêncio, alunos — Pediu a professora. — Respeitem a intimidade de seu colega.
— Não, tudo bem — Dominik recostou-se à carteira. — Eu não me importo que saibam. O que nos torna interessantes é o que ainda guardamos para nós dois — Ele insinuou.
E a classe inteira caiu em rumor. Havia os que assoviavam, aplaudiam e o parabenizavam. Havia outros que o xingavam e jogavam-no coisas, não que quisessem machuca-lo de verdade. Bolinhas de papel e sobras de lápis apontados não serviam de objeção.
— Agora estou curioso — Cole voltou a dizer. — O que guardam para vocês dois? Uma noite de amor?
— Amor? Eu não sei... — Deu de ombros. — Se amor é ser fodido por uma pica e sentir-se especial por isto, a resposta é sim.
Outra vez, em seguida, a classe caiu em rumor. Os alunos que não riam até lagrimar, ou de doer o estômago, pareciam constrangidos demais para esboçar uma reação.
— Olhe o palavreado, Senhor Belmont — A professora o advertiu. — Sei que esta instituição vem falhado em combater a discriminação por gênero, identidade e orientação sexual. Entretanto, isto não é motivo para nos desrespeitar. Da próxima vez o mandarei à diretoria.
Ele assentiu.
Bethany esperou a professora virar a lousa para sussurrar-lhe:
— A vadia deve morrer de medo de ser chamada de homofóbica.
— Que bom — Ele também sussurrava. — É a vez deles de ter medo.
Assim que percebeu não ter mais a atenção sobre si, pediu a ela que emprestasse o smartphone outra vez, para checar seu e-mail. O que leu na última mensagem fez despontar um sorriso nos lábios.


— Amber, fale com os espíritos — Pediu seu irmão.
— What the fuck do you want?  — Ela arrastou as palavras.
Estava deitada no sofá maior, com uma compressa nos olhos. Ele se distraia com uma tábua Ouija, no chão, escorado aos pés dela.
— Vamos lá — Kerr movia a prancheta. — O que o espírito quer é... B... A... B... I...
Ela entendeu o recado.
— Pelo amor de Deus, Kerr. Pare com isso.
— É só uma brincadeira — Disse ele — Ainda sente náuseas?
— Um pouco. Falar é pior.
— Entendi — Deitou a cabeça sobre o estofado.
Ele pensava no que aconteceria daqui a um mês, depois que os bebês nascessem. Provavelmente teria de esconder em seu quarto tudo o que havia de impróprio para menores ou que amedrontasse as babás tailandesas, o que incluía seu novo tabuleiro Ouija, cujo material sintético retratava a textura de pele humana. Não poderiam assistir nada no volume mais alto, para não incomodar os bebês. Todos os lugares do flat teriam cheiro de xixi e vômito, mesmo se dobrassem o número de serviçais. Porque era o dobro o número de bebês.
Algo que também o preocupava era como iriam dormir. Os artigos que leu na internet frisavam bastante sobre o hábito dos recém nascidos de acordar à noite para se alimentar e avisar os pais que estão sujos. Para quem disse que a camisinha não era importante... meus pêsames.
— Escute isso — Ele atentou.
— O que?
— O silêncio. Nunca mais vai ser assim.
— A não ser que eles nasçam mudos.
Ele riu.
— Quer perguntar aos espíritos?
— Quero uma xícara de chá de camomila. 
— Malai? — Chamou pela empregada. Não houve resposta. — Ela deve ter se ocupado na área de serviços. Espere aqui — Levantou-se.
— Primeiro me ajude a voltar ao quarto, preciso deitar em uma cama de verdade.
Assim ele o fez.
Ela se acomodou no mesmo lugar, entre uma pilha de almofadas.
— Volto em quinze minutos — Disse Kerr.
Todos os dias, um pouco mais cedo, ou um pouco mais tarde, Amber costumava ler um livro de histórias infantis para os bebês. Da última vez, parou antes de ler João e Maria.  
— Era uma vez duas crianças, um irmão e uma irmã — Ela recitou. — Seus nomes eram João e Maria. Eles vinham de uma casa humilde, no meio da floresta. Pouco tinham o que comer todos os dias. Por esta razão, um dia, a madrasta convenceu o marido a deixa-los sozinhos na floresta, pois não podiam mais sustenta-los. João, sempre desconfiado de sua madrasta, usou as migalhas dos pães que a eles foram dados para marcar o caminho, mas os pássaros comiam todas elas e logo João e Maria se viram perdidos. Após dias de uma longa caminhada, sozinhos na floresta, uma casinha feita de chocolate, biscoitos e doces de todos os tipos os chamou atenção pelo cheiro e suas cores vibrantes. Estavam morrendo de fome, não podiam evitar em comer. O que não sabiam era que ali vivia uma velha bruxa... — Esfregou os olhos. — Uma velha bruxa... — A dor lhe atingiu de súbito. — Kerr? — Chamou uma vez.
No momento em que moveu o livro, percebeu que havia sangue nos lençois. Ao tocar a virilha, as mãos voltaram encharcadas.
— Ai meu Deus, Kerr! — Finalmente gritou.
Ele viu sangue na cama, sobre os livros, nas mãos dela, em toda parte.
— Venha comigo! — A tomou pelos braços.
Amber caiu desacordada no momento ao ser erguer.


Fazia algum tempo que Nate estava na cabine de provação, no camarim masculino. Cada um de seus dedos da mão esquerda envergava uma cápsula de pó de cristal, que inalava junto aos versos de uma antiga canção do Freddy Krueger.

One, two, Freddy’s coming for you... inalou a primeira e livrou-se da cápsula.
Three, four, better lock your door... inalou a segunda.
Five, six, grab your crucifix... a terceira.
Seven, eight, better stay up late... a quarta.
Nine, ten... never sleep again... a última.

Ele se escorou no espelho, ergueu a cabeça e fechou os olhos. As luzes oscilaram em várias cores, ou podia ser apenas o efeito instantâneo.
De volta ao estúdio, notou uma grande movimentação. Todos pareciam se ocupar com alguma coisa, por trás ou em frente aos holofotes. Nate reconheceu o fotógrafo pelos longos cabelos louro-escuros, o cavanhaque, o colete negro e a gravata borboleta na cor lilás – sua marca registrada.
— O que Wren Harold faz aqui? — Perguntou a uma assistente. — Ele não tinha sido acusado de abusar de um garoto de treze anos?
— Acusado, não condenado — Ela respondeu.
— E mesmo assim o deixaram voltar?
Olhou para ele.
— Você não namorava um garoto de quatorze anos ou algo do tipo?
— Dezesseis — Nate esclareceu. — E nosso relacionamento era totalmente legal e consensual.
— Bom para você, querido — Ela checou seu tablet. — Vá, é a sua vez.
Antes disso, Nate respirou fundo.
Fez o primeiro ensaio, trocou-se no camarim. Fez o segundo, trocou-se novamente. No terceiro, disseram que houve um problema de iluminação nas fotos do ensaio número dois e precisariam refazê-las. Isso levou mais tempo do que esperavam. A maioria dos funcionários deixou o estúdio até às dezoito horas, e ficaram apenas ele, Wren e suas duas assistentes até o fim do expediente. Nate nunca se sentiu tão desconfortável durante um ensaio.
— Você estava ótimo, Alex! — Parabenizou uma das garotas.
Ele pingava de suor por baixo de um sobretudo negro da Ralph Lauren.
— É pelos cheques — Disse, piscando.
As outras duas fizeram-se em risadinhas. Nate conseguiu ouvir as palavras lindocharmoso e sedutor, em seu caminho de volta aos camarins. Um sorrisinho despontou em seus lábios.
Levou alguns minutos no banho, mais alguns para vestir as roupas. Seu celular não parecia estar em lugar algum, então revolveu voltar ao estúdio, apenas por precaução. Não havia mais ninguém naquele andar, exceto o fotógrafo, ainda a organizar os equipamentos na mochila. Nate tentou fazer o mínimo de contato visual.
Ali está. Alguém esqueceu seu celular em cima de uma penteadeira.
— Escute... — Wren correu até ele. — Quer beber alguma coisa, saindo daqui?
— Não, obrigado. Acho que vou direto para casa — Respondeu Nate.
— Tem certeza? — Ele deslizou um dedo sobre o seu casaco, de maneira sugestiva. — Vou encontrar uns amigos agora, podíamos nos divertir juntos.
Nate recuou um passo.
— É que está um pouco tarde, não posso me atrasar para o evento — Disse.
— Vai atender a algum esta noite?
— No The Mezzanine. Sinto muito.
— Na verdade... — Interceptou-o. — Não sei se acredito em você. Esse não é mais um daqueles seus jogos, em que o cara precisa insistir até dizer sim?
— Não, eu realmente não estou interessado — Nate deu-lhe às costas.
O homem o segurou pelo braço.
— Qual é a sua, Strauss? Está agindo feito criança.
Nate deu um puxão.
— Já disse, não estou interessado. Não é não.
— Até para você? Sei que já fodeu a maioria dos caras da capital.
— Sim, exceto os pedófilos — Deu-lhe às costas outra vez.
Wren usou uma mão para toca-lo no ombro direito e vira-lo de volta, antes que se afastasse. Com a outra acertou-o de punhos cerrados, derrubando-o no chão.
— Você é tão melhor que eu, não é? — Sussurrou bem perto. — Com seu cabelinho perfeito, sua pele perfeita, torrando o dinheiro do papai e da mamãe... — Acertou-o outro golpe. — Você não é nada! — Golpeou-o outra vez, outra vez, outra vez e outra vez.
Nate perdia e recobrava a consciência momentaneamente, sufocado pelo próprio sangue. Mal podia ouvir.
— Sua bichinha! — Wren chutou-o no abdome. — Quero ver arrumar trabalho agora, sem os dentes — Cuspiu em seu rosto.
Nate ficou ali sozinho, no escuro, sem poder se mover. Parte sua lamentava que ele não tivesse terminado.

Mia usou a pinça de sobrancelha para livrar-se das algemas dos pés e das mãos. O plano era pegar a cadeira de madeira, esconder-ser atrás da parede e esperar que alguém entrasse na cela. Demorou horas até ter uma chance.


     Um homem careca, na faixa dos quarenta anos, vestido em couro negro e botas de combate, fora o responsável por levar seu jantar naquela noite. Mia esperou que ele desse os primeiros passos para dentro da cela e acertou-o na cabeça com a cadeira de madeira, quebrando-a em vários pedaços. Ele caiu no chão, desacordado. Ela o revistou e encontrou dinheiro, chaves... e uma arma de fogo totalmente carregada.
— Agora sim... — Destravou-a.
O próximo passo era ir até a cela de Hannah. Encontrou-a encolhida em um canto, cheia de sangue nas pernas e no vestido, seus cabelos à frente do rosto.
— Hey! — Sussurrou-a.
O olhar de Hannah pairou sobre ela, os portões entreabertos, a arma em sua mão e a ela de volta.
— O que está acontecendo? — Cochichou as palavras.
— É a nossa chance... — Mia a ergueu em seus braços.
Elas correram juntas pelo complexo, sem qualquer senso de direção. Vez ou outra eram surpreendidas por algum barulho, em qualquer lugar, sem que pudessem distinguir – o que as obrigava a esconder-se atrás de uma parede e prender a respiração até que tudo estivesse em silêncio. Desta forma, escaparam de ser vistas por alguém pelo menos duas vezes.
O local lembrava a elas algum tipo de instalação industrial, pelos canos nas paredes, a fumaça e o vapor. Em certo ponto, começaram a ouvir o barulho de máquinas.
Mia e ela seguiram os ruídos até encontrar um corredor de acesso a duas portas vermelhas, que as levou a um porão de máquinas inutilizadas, e cujos dois corredores interligavam a área subterrânea ao grande centro de produção. Quando abriram as últimas portas, viram dezenas, senão centenas de trabalhadores imigrantes operando máquinas industriais. Eles estavam tão surpresos em vê-las quanto elas demonstravam.
— Vocês duas! — Gritou um guarda-costas.
Elas correram entre a multidão, as máquinas, as caixas e a comida. Na sala onde entraram, um escritório, outro guarda-costas as surpreendeu. Mia e ele derraparam sobre a mesa, devido ao impacto. Hannah encolheu-se escorada à parede, ao lado da adega de vinhos.
— Hannah, corra! — Mia gritava.
Para onde?
A garota usou as duas mãos para tapar os ouvidos e fechou os olhos. Ela não viu quando o guarda-costas acertou dois golpes no rosto de Mia e ela furou de caneta esferográfica em uma das mãos. Também não viu quando Mia o chutou no estômago, se arrastou até a bancada e o acertou com um abajur na cabeça. Mas estava de olhos bem abertos quando ele envolveu as mãos em seu pescoço e tentou esgana-la.
Mia não tinha forças para revidar, nem estava perto o suficiente da arma, caída no chão, então precisava agir rápido. Pegou o monitor de cima da mesa, aproximou-se o quanto se atreveu e bateu tão forte na cabeça dele que o aparelho ficou preso ao corpo até depois que ele caiu no chão, desacordado. Mia também precisou agir rápido, pegando a arma no chão e atirando no guarda-costas que tinha acabado de aparecer na porta.  
Assim elas correram. Pela fábrica, pelos jardins, através das cercas, seguindo as estradas. Nenhuma residência à vista, nenhum carro de passagem. Foi sorte terem encontrado uma estação de trens à norte dali. As luzes da cabine as atraíram na direção certa.
— Ajude-nos! — Chegaram dizendo.
O problema é que o homem responsável só falava espanhol. Até que Mia se acalmasse, Hannah pudesse traduzir o que diziam e ele se mostrasse disposto a ouvi-las, o próximo trem chegou estação. Mia pensou que Noah pudesse estar ali, por isso gritava, desesperada. Por isso empurrou o homem em direção aos controles e trancou-se junto a Hannah na outra sala.
Com a arma apontada para a porta, ela esperou. Os passos ecoavam do outro lado.
— Mia? — Chamou seu pai, e ela puxou o gatilho. Nada aconteceu.
Ele então arrombou a porta e foi para cima delas.
— Hannah, corra! — Mia gritou.
Entre a porta e as janelas, o outro homem e os trilhos, lá fora, Hannah não pensou duas vezes em jogar-se contra a vidraça. Ninguém a seguiu em direção a floresta. Talvez eles nem a vissem.
— Por favor, pai... — Mia implorava, nos braços dele.
— Esta é a última vez que me dá prejuízos — Disse Noah.
Do bolso do paletó ele tirou um frasco contendo um líquido verde, para despejar sobre seus olhos. A dor tirou-lhe a visão em um rompente de sangue e lágrimas.

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   6x10: Thsis Asshole Says I'm Sorry (18 de Junho)
   6x11: Oops! (18 de Junho)
   Na próxima quinta teremos mais um combo com 2 novos capítulos. Estes vão ter um foco especial na Viola e no triângulo amoroso com Cassidy e Liam. Torceremos pelo ícone <3

   PS: Se tiverem perguntas sobre o que está acontecendo com a Mia neste momento, estarei aqui para responde-las. Sei que não deve ser fácil ler sobre violência sexual, mas para mim, como autor, também é difícil escreve-las. Só quero que saibam que nada aqui é aleatório, ou feito apenas para chocar o espectador. Mia tem uma das histórias mais importantes nesta temporada, e eu estou tomando todo o cuidado possível para passar a mensagem correta. Fiquem bem, meus queridos :)
       
Quem ama referências?
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