Livro | The Double Me - 6x03: Not to Mention That His Boyfriend Hates Me [+18]
6x03: Not to Mention That
His Boyfriend Hates Me
His Boyfriend Hates Me
“Cobiçar o que não se pode ter também é entretenimento".
A Dartmouth College recebeu um grupo de
estudantes chilenos da Universidad Técnica Federico Santa María para a conferência semestral naquela
manhã. Até às dez, grande parte deles havia integrado a uma das classes de
engenharia civil, sendo a principal delas a de Tecnologias
de Construções, ministrada pelo Senhor Altman.
Jensen esperou até o final da classe para
tomar uma palavra.
— Podemos conversar, Senhor Altman? — Perguntou.
Os estudantes faziam fila, atrás dele, em
direção a saída.
— Será breve? Tenho um seminário em vinte
minutos.
— Só preciso que assine isto — Entregou-lhe os
papeis.
Uma solicitação de cancelamento disciplinar, leu o professor.
— Está deixando minha classe?
— Por enquanto — Disse Jensen. — Preciso de um
tempo para me organizar.
— E não há nenhuma outra razão?
— Eu já preenchi estes dados no formulário.
O professor assentiu.
— Sei que não cabe a mim perguntar, mas está
tudo bem?
— Como eu disse, só preciso de um tempo — Jensen
apertou a alça da mochila com uma mão.
Embora não mentisse, não conseguiu olhar em
seus olhos por muito tempo. Ver através de suas omissões havia se tornado um
hábito, por isto não poderia ficar.
— Ainda sente doer? — O professor foi para
trás de sua mesa pegar uma caneta.
— O que?
— As queimaduras — Disse, enquanto assinava.
Jensen só lembrou ao mencionar.
Fazia três dias desde o ataque; a vermelhidão
já não era tão aparente na área da face e nos ombros.
— Na verdade, não — Jensen engoliu em seco. — Mas
agora sei que o chuveiro é o último lugar onde se deve tirar uma soneca quando
está bêbado — Afinal, esta foi a versão contada.
— Seus lábios rachados também foram consequência
da água quente? — Observara o professor.
O silêncio acabou falando um pouco mais por
Jensen do que ele estava disposto a compartilhar.
— Aqui está — Entregou de volta os papeis. — É
triste ver partir um dos meus alunos mais promissores.
— Isso não precisa ser um adeus.
— Temo que ainda terá que decidir. De qualquer
forma, foi um prazer, Senhor McPhee — Estendeu uma mão.
Jensen respondeu ao cumprimento sem olha-lo
nos olhos.
— Igualmente — Disse, apenas quando ele já
havia ido embora.
Durante o trajeto, a caminho do restaurante,
Jensen aproveitou para checar as redes sociais e ler as últimas notícias de
Nova York em seu celular. O Linnard Report acabara de publicar uma série de
fotos expondo momentos íntimos do casal DomiAlex na varanda do Strauss
Capital Hotel, sem nenhum tipo de censura ao beijo de língua. Bom, pelo
menos não havia nudez.
Jensen não evitou de pensar que Alex estava a
cada dia mais parecido com seu irmão ao assumir a postura de aventureiro controvertido
que os tabloides precisavam. O sorriso em seus lábios foi por constatar que
talvez fosse o único, em seu antigo grupo social, a ter alguma diversão nos
últimos sete meses.
— Olá, Jane Levy — Rylee envolveu-o com um dos
braços. — Soube que foi possuído por um demônio e tomou banho de água fervente
como consequência espiritual.
— Foi exatamente o que aconteceu — Jensen também
zombou.
Emmett vinha logo atrás, de mochila nas costas.
— Sinto muito por não estar presente — Rylee
continuou a dizer. — Tive alguns problemas familiares. Deus, quanto drama
racial — Abriu a boca como uma cratera. — Mas você parece bem.
— Eu me sinto bem. Disseram-me que não deixará
marcas ou cicatrizes.
— Esse é o seu ex? — Emmett notou em seu
celular, e Rylee aproximou-se para ver também.
— É Alex, o irmão gêmeo.
Rylee ergueu as duas sobrancelhas.
— Este tipo de beijo é como foder com os
lábios — Disse. — Por isso vocês todos são gays?
— Entre outras grandes razões — Jensen
não precisava pensar muito a respeito.
Com um folheto em mãos, Emmett avançou para a
frente deles, caminhando de costas.
— Festa na Lambda
Tau Sigma, amanhã à noite —
Mostrou-os. — Nem mesmo estar morto é uma desculpa para não comparecer.
— Isso não será um problema, sou um ótimo
zumbi — Jensen tomou de suas mãos para ler.
Um de seus irmãos Delta havia dito que a líder
da Lambda Tau Sigma era Leah Hoffmann, a namorada de Austin. Seria
bom encontra-la durante a festa e mostrar quantos dedos de sua mão direita teve
de usar para estimular a próstata de seu namorado enrustido.
— E eu estou sempre pronta para conhecer novos
garotos... — Rylee tomou o panfleto das mãos de Jensen. — De Volta Aos Anos Setenta?
— Ela leu. — Bitch, I am the Seventy’s.
— O que acha de irmos como em The Rocky
Horror Picture Show? — Emmett sugeriu.
— Contanto seja original. Talvez trocar os
gêneros, ou algo assim...
De repente, eles foram abordados por um jovem de
gorro e jaqueta negra, que arremessou uma mala cheia de dinheiro em espécime
para Jensen agarrar. As notas de dólar espalharam-se aos montes sobre a calçada,
por meio a corrente.
— Acha que queremos o seu dinheiro? — Ele
gritava. — Acha que isso vai pagar pela vida do meu irmão?
— Hey, afaste-se! — Rylee empurrou-o com as duas
mãos.
Não era impressão de Jensen que já o havia
visto antes. Três dias atrás, eles cruzaram o caminho um do outro nos
corredores do The Lodge, na South House. Jensen não esqueceria
aqueles olhos azuis, cheios de agressividade.
— Ryan está morrendo em uma cama de hospital
por culpa sua e dos seus malditos irmãos da fraternidade! — O jovem ainda
gritou. — Seu dinheiro pode aliviar sua consciência, mas nunca vai mudar isso.
— Eu sinto muito... — Jensen tentou dizer, mas
logo foi interrompido.
— Você não tem direito de sentir muito. Espero
que um dia vocês estejam todos na cadeia; é exatamente o que merecem.
Suas palavras foram seguidas de um silêncio colossal,
que parecia atingir a todos em volta, não só a Jensen. E quando ele foi embora,
mesmo assim, a sensação não havia deixado quem ficou para ouvir até o final.
— Jensen... — Rylee chamou-o pelo nome.
Ele não respondeu. Só conseguia pensar que
todo aquele dinheiro não mais serviria a qualquer propósito. Ryan e sua família
não usariam para pagar as despesas médicas, mesmo em necessidade, e ele tampouco
o queria de volta, pois já não sentia mais ter direito sobre ele. De modo cabível,
chegava a ofender. Como se fosse mais importante pagar a alguém a punir os verdadeiros
responsáveis.
— Preciso sair daqui... — Jensen decidira.
Que os outros dividissem o dinheiro entre si,
ele não se importava.
൴
Haviam falado a manhã inteira no rádio sobre o congestionamento causado pela neve nas estradas à norte de Vaughan. Alex acompanhou as transmissões a manhã inteira, em sua cama, enquanto Henry, no outro cômodo, cortava lenha para abastecer a chaminé e cuidava da comida. Nos últimos dias, pouquíssimas vezes haviam saído desta rotina.
— Está com fome? — Henry perguntou, ao tomar
seu lugar.
À mesa foi servido carne de alce com sementes
de cogumelo e molho de frutos, que ele mesmo preparou.
Alex olhou para a comida com desconfiança.
— Você é um serial killer? — Seus olhos
estreitaram.
— Um serial killer não tentaria
mantê-lo vivo — Henry respondeu.
— É, faz sentido. Para um médico.
Aquela seria a primeira refeição de Alex após
deixar a restrição alimentar do pós-operatório. Henry sugeriu que mastigasse
bem os alimentos antes de engolir e que comesse em menor quantidade nos
primeiros dias, pois assim evitaria sintomas indesejáveis.
— Isso está incrível — Alex disse com a boca
cheia.
— É uma receita simples, nada tão sofisticado
quanto o que costuma comer.
— Como sabe o que costumo comer?
— Pelas roupas que usava quando o encontrei. Seus
sapatos custam mais que minha caminhonete.
Muito observador, Alex havia notado.
— Bom, se está pensando em pedir resgate à
minha família, pode esquecer. Eles não me querem de volta.
— São sua família — Henry contrapôs. — Não
acho que tenham escolha.
— Não importa, eu escolhi Toronto — Tomou um
gole de água.
Agora ao pensar nisso, não parecia longe o
bastante. Canadá ficava em seu quintal, diferente de todas as outras cidades em
sua lista de destino. Isso o levava a pensar que Toronto foi mais um porto
seguro, perto de casa, que uma chance para recomeçar.
— Eu vou pagar tudo de volta, sabia? — Alex
disse a ele.
— O que?
— O que está fazendo por mim. Sei o quanto é
trabalhoso manter alguém vivo, por isso o aborto é legalizado.
Henry serviu-se de mais uma porção de salada
crua com a espátula.
— Você não costuma aceitar a ajuda de outras
pessoas com muita frequência, não é? — Perguntou, sorrindo.
— Não gosto de dever favores.
— Neste caso, são dezoito mil dólares pela
cirurgia e três mil dólares em utensílios e equipamentos.
— Claro. Pode ficar com meus sapatos de vinte
e sete mil dólares.
— Eu poderia vende-los na cidade — Ele ainda
sorria. — E falando nisso... — Levantou-se e foi ao cabideiro na parede, de
onde tirou as chaves da caminhonete. — Termine de comer, precisamos sair.
Alex engoliu rapidamente para dizer:
— Precisa ser agora?
— A tempestade finamente deu trégua, não
queremos que nos pegue no caminho.
— Okay, dê-me três minutos — Para comer também
o que Henry havia deixado em seu prato.
Lá fora a neve encobria uma vasta extensão da
floresta e vias de acesso em altos picos, com a neblina diurna a paliar maviosamente
as montanhas. Na estrada principal, havia apenas as placas de trânsito para
guia-los – que por anos resistiram ao clima ruim.
Alex pensava consigo se seria uma boa ideia
falar sobre as fotos. Henry não só mantinha um porta-retratos e cada cômodo da cabana,
como levava um acervo inteiro consigo no para-choque da caminhonete e atrás do
retrovisor interno. Sempre as mesmas pessoas, os mesmos sorrisos, realizando
alguma atividade esportiva para testar seus limites. Alex conviveu por tempo
demais com todas aquelas lembranças para não se perguntar o que havia
acontecido.
— São sua família? — Apontou com o indicador.
— Meu pai e meu irmão — Henry disse. — Eles
morreram há cincos anos, em um acidente na estação de esqui. Uma avalanche os
pegou de surpresa.
Alex baixou o olhar.
— Eu não sabia, sinto muito.
— Tudo bem — Henry apaziguou. — Passamos os
últimos dias juntos, seria inevitável tocar neste assunto. E sei que vem
pensando sobre isso durante algum tempo, ou não daria tanta atenção a meus
porta-retratos — Sorriu ao dizer.
O traço nos lábios de Alex também se assemelhava
a um sorriso.
— De onde venho, não me conhecem pela minha
discrição... — Disse, como se já estivesse distante demais. — Meu pai adotivo
foi embora quando eu tinha doze anos — Achou justo também compartilhar. — Ele
era um jogador patológico, então achou que eu, minha irmã e minha mãe estaríamos
melhores sem ele. Lembro de pensar, depois disto, que nada poderia ser pior... —
Um ar de risos. — Que estupidez. Agora
sigo seu exemplo e digo a mim mesmo que é o melhor para todos.
— Sabe, às vezes há um espaço grande demais para
ser preenchido somente com o que se tem. Não há nada de errado em querer mais.
— Mas quando se é pequeno, a grandeza parece
não ter sido feita para você — Gwen lhe havia dito uma vez.
Chegando àquele trecho, os dois já estavam
convencidos de que não teria como ultrapassar a barreira de neve. Àquela
velocidade, naquele tempo, eles atolaram na próxima curva.
— Agora não... — Henry girava as chaves, movia
o volante, trocava as marchas. Nada resolveu. — Acho que teremos de fazer à
moda antiga.
— Eu ajudo — Alex prontificou-se.
As ferramentas eles pegaram na parte traseira
da caminhonete, para retirar o excesso de neve. Alex as conduzia, Henry as manuseava,
em frente ao pneu dianteiro.
— Quanto tempo leva até que as estradas
estejam liberadas? — Alex fitou o horizonte.
Neve e neblina, nada além disto.
— Geralmente uma semana — Henry tinha em
média. — Chegamos o mais perto da rodovia que a tempestade nos permitiu.
Ou seja, lugar algum.
Alex odiava que tivesse sido ideia sua.
— Passe uma pá — Pediu Henry.
A peça caiu das mãos de Alex e o outro teve de
juntá-la de um montante de neve.
— Você está bem? — Henry precisava ter
certeza.
O frio fazia trincar os dentes de Alex e
matizava a pele de suas bochechas em um tom azulado.
— Sim... — Alex gaguejou. — Só preciso me
aquecer.
— Tudo bem, dê a partida no carro.
Assim ele o fez.
Quando voltou ao seu lugar, no banco do
motorista, Henry tirou um manto do porta-luvas e cobriu-o até o pescoço. Alex fez
somente fechar os olhos e imaginar-se em frente a uma lareira.
— Pode ficar com seus sapatos — Lembrou Henry.
— O que?
— Os de vinte e sete mil dólares. Eles o
manterão aquecido.
Foi naquele momento que Alex percebeu estar
com os lábios grudados e não poder esboçar um sorriso. Em casa isto foi
resolvido com uma xícara de chocolate quente.
൴
Mia achou ter ouvido a canção de ninar somente em seus sonhos. A voz da jovem moça era familiar, assim como a melodia, mas era extremamente difícil distinguir suas palavras. Talvez estivesse longe demais para ouvi-la com clareza, como chegou a pensar. Ou talvez estivesse ouvindo uma canção em outra língua. Isso aos poucos foi fazendo sentido.
Não estava sozinha, afinal.
— Olá? — Ela gritou, em frente ao duto de
ventilação na parede.
A canção foi interrompida no mesmo instante.
— Tem alguém aí? — Ela bateu no gradeado com
uma das mãos. — Eu a ouvi antes, por favor... — Bateu outra vez.
Nenhuma resposta.
Não era possível que estivesse enlouquecendo. Não
passara mais que alguns dias no cativeiro, não fora privada de água ou comida, nem
mesmo torturada. Precisava haver alguém ali.
— Por favor... — Ela tentou outra vez, numa
voz de choro. — Diga-me que não estou sozinha... por favor.
Nenhuma resposta... A princípio.
— Não chore — A outra voz finalmente
respondeu. — Ele diz que isso nos torna feias.
Mia mudou de posição para ficar em frente ao
gradeado.
— Quem disse isso? — Ela perguntou.
— O homem de olhos azuis — A outra voz
respondeu.
Ali havia um traço de sotaque estrangeiro.
Alemão, talvez. Ou russo.
Não, alemão.
— Qual o seu nome? — Mia fez outra pergunta.
— Hannah.
— Sabe onde estamos, Hannah?
— Estamos aqui, não é?
A Mia soou como se não tivesse entendido sua
língua. Ela não era americana, afinal.
— Quis dizer, geograficamente — Mia reformulou.
— Ainda estamos na América?
— América... — Cantarolou a jovem Hannah. —
Nunca estive na América.
Agora Mia tinha a certeza que havia algo
errado. Podia ouvir seus passos na outra sala, como se dançasse ao redor de si
mesma. Podia ver pequenos traços pelas brechas, como algo parecido a um longo
vestido branco, ou uma roupa hospitalar.
— Você está bem, Hannah?
— Estou com fome.
— Eu também — Sorriu, deprimida. — E quantos
anos você tem?
— Quatorze.
Aquele desgraçado...
As lágrimas vieram contra a vontade de Mia.
— Oh... — Tentou controlar em seu tom de voz.
— Tudo bem... vai ficar tudo bem. Você não está sozinha.
— Eu sei. Ele me contou sobre você.
— E ele... ele a machucou alguma vez?
— Ele disse que não mais faria. É um
mentiroso.
— Sim, ele é.
A garota se aproximou do seu lado do gradeado.
— E você, também é uma mentirosa?
— Não — Disse Mia. — Eu prometo.
— Então tudo vai ficar bem?
— Um dia, sim.
— Dia... — Ela afastou-se outra vez. — Faz
tempo que não vejo o dia... o dia... o dia... — Cantarolou inocentemente.
Mia não teve dúvidas de que tudo ocorria de
acordo aos planos de Noah. Hannah convinha em ser o mais apropriado entre os
seus peões, para mostrar-lhe o que acontecia às garotas que se recusavam a
seguir as regras e permaneciam tempo demais em cativeiro. Havia, contudo, uma
mensagem implícita, que dependia inteiramente das informações que a jovem garota
resolvesse compartilhar. Se o homem de olhos azuis era capaz de machucar uma
adolescente de quatorze anos, não teria problema algum em fazer o mesmo com uma
filha que mal conhecia.
— Quer que eu cante outra canção? — Hannah perguntou.
Mia disse que sim, enxugando as lágrimas.
A canção escolhida foi uma antiga versão de “Somewhere
Over the Rainbow”, em alemão. Mia manteve os olhos fechados o tempo
inteiro. Sua mente a levou de volta à manhã do voo para Londres, quando Nate
descobriu que iria partir. Os dois tiveram uma discussão enquanto ela terminava
de arrumar as malas.
— Você pode parar, por um minuto? — Nate a
seguiu para dentro do quarto. — Não acho que esteja me ouvindo.
— Eu não estou. Você não pode me convencer a
ficar.
— Já lhe ocorreu que este suposto doador de
esperma não queira ter nada a ver conosco? Nossos rostos estão por toda parte, ele
poderia nos encontrar se quisesse.
— A menos que haja motivos para acreditar que
não queremos ser encontrados.
Dessa vez, Nate tomou como pessoal.
— Você fala como se o que tivesse aqui não
fosse o bastante.
— É o bastante — Ela guardou outra peça de
roupa. — Eu só preciso saber a verdade.
— Por ter sido abandona? É o que estou
dizendo, você nunca foi abandonada.
— Bom, eu não espero que você entenda.
Nate caminhou dois passos em sua direção.
— Mia, esta é a sua casa. Precisamos de você
aqui.
— Desde quando? Desde que Alex foi embora? A
família Strauss precisa de dos gêmeos sob o mesmo teto para que a Terra
continue a girar?
— Não acredito que está dizendo isso. Você é
minha irmã, caralho.
— Mas esta não é a porra da minha casa! — Ela
virou. — Esta não é minha família, nunca foi. E não importa o que diga, este é
o último lugar onde quero estar.
— Perto de mim?
— Longe de tudo o que eu preciso... — Veio um
suspiro.
Nate talvez soubesse que ela se arrependeu
logo ao dizer, mas isso não mudava as coisas. Ele assentiu relutante, sem
olha-la nos olhos. A bolsa de mãos, que ela havia preparado sobre a cama, ele
jogou de maneira ríspida contra o seu peito.
— Vá — Apenas disse.
Agora ela lembrava de tudo com pesar.
Há lugares piores, meu irmão. Eu sinto muito.
൴
— Isso é tudo? — Perguntou Donato Foster ao assinar os papeis.
Amber e Kerr aproveitaram a distração para
sair de fininho pela porta.
— Não, senhor — Respondeu o Doutor Elam. — Amber,
ainda precisamos...
— Tchauzinho, Doutor Elam! — Ela o
interrompeu.
Kerr a estava levando para uma maratona em
cadeira de rodas pelos corredores do Bellevue Hospital Center, também
como forma de impedir a cena de despedida que Amber imaginava estar sendo
preparada para ela. Quanto mais rápido chegassem ao carro, menos tempo teriam
para alguma surpresa indesejável.
— Devagar, crianças! — Seu pai pediu.
A futura mamãe com os pés e as mãos para cima,
em alta velocidade, chamou atenção por onde passava.
— Sabia que você seria uma grávida radical —
Kerr disse a ela.
Haviam acabado de dobrar o corredor para a
recepção.
— Está brincando? — Amber respirou fundo. — Se
tivesse de ouvir mais uma vez o Doutor Elam sugerindo que um dos meus bebês
tivesse seu nome, eu seria uma grávida suicida.
— O que você tem contra Cosmo Griffith Elam?
— Pra começar, ninguém gozou dentro de mim em
gravidade zero. Ele acha que estou esperando o que? Um Padrinho Mágico?
Kerr soltou uma gargalhada.
— Pensei termos concordado que seriam Os
Bebês de Rosemary — Brincou.
— Não diga isso, meus filhos serão totalmente
normais e saudáveis.
— Não se viverem no Upper East Side com a
nossa mãe.
— Neste caso, talvez apenas saudáveis — Ela
pensou sobre isso por um instante. — Você acha... você acha que eles serão como
nós?
Kerr não pareceu ter entendido.
— Nós, como família? — Perguntou.
— Não, quis dizer, nós, como jovens, da forma
que somos — Amber desenvolveu. — E se eu estiver grávida dos próximos Nate e
Alex e só descobrir daqui a dezoito anos, quando alguém perder os dentes porque
roubou o namorado de outra pessoa? — Fez uma careta.
Não lhes era difícil imaginar este cenário. Os
pequenos gêmeos Foster em uma escola de elite, no clube de piscinas ou no playground
do Central Park, reivindicando lugares e caixinhas de areia que outra criança
viu primeiro – e somente porque outra criança viu primeiro. Afinal, era uma
tradição das famílias nobres de Hamptons e Manhattan.
— Pode ser — Kerr disse à irmã. — Nate e Alex
deveriam passar a coroa a eles dois quando fizerem quatorze anos.
— Eu não quero isto. Quero para eles o que
temos agora, sem todo aquele drama.
— Não teríamos o que temos agora sem todo
aquele drama.
— Então que sejam melhores.
— Bom, isso não é difícil.
O carro havia sido estacionado próximo àquele
perímetro. Kerr pressionou os botões no chaveiro para identifica-lo ao acender
os faróis.
— Ali está — Disse a ela.
Devido a mobilidade reduzida, Amber precisou
da ajuda dele para acomodar-se no banco de trás. Aquela era pior parte,
depender das outras pessoas. Isto, além de não poder sentar no banco da frente,
pois a barriga estava grande demais.
— Então, sobre aquele assunto... — Ele escorou
os braços na janela do carro. — Você realmente deveria considerar a
possibilidade de deixar o drama para trás. Manhattan pode ser como um sonho lúcido,
mas há outros lugares onde se pode dormir de olhos fechados.
— Está dizendo que a solução é me mudar?
— Diga-me você. Onde imagina que seus filhos
seriam mais felizes?
Ela pensou a respeito.
— Eu tenho essa fantasia, em que sou uma mãe
de subúrbio e estou saindo de casa com um avental na cintura e uma caixa de
primeiros socorros nas mãos, porque um dos meus filhos caiu de bicicleta e
ralou os joelhos. Vejo a mim mesma cuidando de seus ferimentos, dando-lhe um
beijo na testa, dizendo que vai ficar tudo bem. E meu marido, ou esposa, o que
for, está sempre olhando da janela, com um sorriso no rosto. Todas as vezes em que
penso nisso, é como se... tudo fizesse sentido. Na minha cabeça.
— Acha que pode ter essa vida em Manhattan? —
Seu irmão perguntou.
— Não sem meu filho e eu sermos atropelados
por um ônibus.
— Resposta mórbida e totalmente válida.
— Então, o que eu faço agora?
Kerr torceu o beiço e virou uma mão, como quem
desse de ombros.
— Ligar para um corretor? — Sugeriu.
— E simplesmente me mudar? Desse jeito?
— Ao menos pense sobre isso. Você vai ficar de
cama pelas próximas semanas — Olhou para trás de relance. — O pai está vindo,
finja que nunca fodeu na vida.
— Eu queria não ter fodido. Hi, dad!
Donato posicionou as malas no chão.
— Por que a pressa? — Perguntou aos dois.
Amber e Kerr trocaram um olhar.
— Ela nunca gozou em gravidade zero — Kerr redarguiu.
Pela expressão no rosto do pai, não faria mais
perguntas.
൴
Sou eu, Nate.
Como é mesmo aquela expressão que os franceses
usam para se referir ao orgasmo? ‘Le Petit Mort’, A Pequena Morte. Não acho que
haja um termo mais apropriado para descrever o instinto sexual.
Estou falando sobre espírito, não carne. É sobre
a transcedência. O esgotamento das forças vitais. A perda momentânea da
consciência. Você sente que pode fazer para sempre, mesmo que venha a mata-lo.
E você quer morrer tão lentamente que possa aproveitar toda a viagem. De novo e
de novo.
Eu me arriscaria a dizer que esta a primeira
vez na minha vida em que sexo não acarreta uma em enorme quantidade de drama.
Com Jensen havia tanta pressão para ser perfeito e não cometer erros que eu era
incapaz de relaxar. Agora, com Dominik, cheguei a descobrir partes do eu corpo
que eu não sabia que poderiam me dar prazer. Quer dizer, orelhas? Por que
ninguém me disse que é exatamente onde o passivo deve morde-lo enquanto você
faz o seu trabalho?
Há muita sensibilidade a ser explorada, basta
um pouco de imaginação.
Agora eu não me importaria em levar o jogo a
outro nível. Dominik parece pronto, para alguém que não estava poucos meses
atrás. Eu não sei. Hoje é seu aniversário, e quero que tudo gire ao seu redor. Talvez
até aceite ser o passivo novamente. Se o fizesse feliz, também me faria feliz.
Estou fodido, não é? Quer dizer... apaixonado.
— “Obrigado por me matar”? — Dominik
leu em seu cartão presente.
Nate e ele haviam parado no final do corredor,
ante a uma réplica da obra de Wassily Kandinsky da década de vinte: Dominant
Curve. Naquele ponto da festa, a música não repercutia tão alto que não
pudessem conversar, e as luzes fluorescentes, em tons de rosa e lilás, em alternância,
clareavam apenas suas expressões, não por todo o âmbito.
— É uma metáfora — Nate explicou. — Abra só
quando chegar em casa.
— Por que não agora?
— Porque arruinaria a surpresa. Não quer fazer
isso direito?
— Sabe que confio em você, só estou curioso.
— Hey, vocês dois — Disse Bethany, que tinha
acabado de deixar a sala de trocas.
Mais quatro pessoas, já em trajes de banho,
acompanhavam-na de volta a festa; entre elas, o garoto de cabelos negros e
olhos castanhos, usando agora camiseta verde, shorts vermelhos de praia e touca
de natação. Seu olhar envergonhado fez Nate soltar uma risadinha discreta.
— O que foi? — Dominik perguntou.
— Acho que encontrei um de seus amigos no Grindr
noite passada.
— O que? Quem?
— Shorts vermelhos.
Dominik olhou.
— Luke Henderson? — Deu risada. — Você tem
certeza?
— Eu reconheceria. Não é todo mundo que usa
foto do rosto no perfil.
— Aquela vadiazinha... — Dominik olhou mais
uma vez.
— Vadia estúpida. Quem quer ver rostos em um
aplicativo gay?
— E o que você disse?
Nate tocou-o com dois dedos na ponta do queixo.
— Querido, eu não respondo mensagens. Sou o
babaca que os deixa queimar no purgatório dos ignorados.
— Por que eu ainda perguntei? — Dominik sorria.
Do bolso da bermuda, Nate tirou uma cápsula contendo
pó de cristal. Bastava posicionar o dedo mindinho na abertura traseira do
invólucro e desenroscar a parte de cima para abrir.
— Olhe para o outro lado — Pediu a Dominik.
— O que é isto?
— Você sabe o que é — Então inalou.
Seus olhos reviraram por um segundo.
— Eu quero um pouco — Dominik decidira.
— Não é para você.
— Isso sou eu quem decide.
— Talvez daqui a uns cinco anos — Nate o
sorriu acintoso.
Dominik tentou pegar a força, ele pôs os
braços para trás. Dominik foi para pegar de suas costas, ele ergueu os braços.
Dominik esticou uma mão, ele retorceu seu braço e o imobilizou contra a parede.
— Este relacionamento só irá funcionar se
apenas um de nós for o autodestrutivo — Nate sussurrou bem perto.
— Tudo bem — Dominik o empurrou, passando por
ele.
Um minuto depois, Nate foi na mesma direção.
O apartamento havia sido decorado com balões
azul e branco, falsos aquários, algas artificiais e boias de animais marinhos gigantes,
em exceção aos que faziam parte da própria fantasia dos convidados. Na mesa
serviam bebidas cor azul piscina, com uma cereja cortada em dois e pintada com
listras brancas para representar boias salva-vidas, ou pequenas latinhas de
energético com canudo, que vinham sempre acompanhadas de uma boia porta-copos. Nate
havia provado alguns destes no começo da festa – tinham gosto de ponche
batizado de baile de formatura.
O traje de Dominik era o clássico de camiseta
branca e shorts azuis acima dos joelhos. Bethany estava de sereia; algo que
para ela ornara-se indispensável. Já Nate havia optado por um traje discreto de
salva-vidas, com regata vermelha, calças azuis e um apito que pendia no
pescoço. Isso seria importante para que decidissem o melhor traje de banho no
fim da noite.
— Eu não devia estar aqui — Nate ouviu quando
Luke Henderson sussurrou à Bethany, ao se aproximar da mesa de bebidas. — Ele
só me convidou por sua causa, porque se sente mal pela última festa. Sem
mencionar que o namorado dele me odeia — Tomou um gole.
Que bonitinho.
Aquela parecia uma ótima oportunidade para
Nate se apresentar.
— Olá — Disse a ele, escorado à mesa.
O outro garoto parecia ter visto uma assombração.
— O-o-olá — Gaguejou.
— Ódio é uma palavra tão forte, não acha? —
Nate tomou a cereja inteira de sua bebida e colocou na boca. — Mas que outra
forma há de nos referirmos aos garotos que nos rejeitam em aplicativos gays? —
Retirou a haste com um nó. — Eu sou o kinney19, a propósito — Pôs de
volta na bebida dele. — Você deveria pensar em atualizar sua foto de perfil,
parece mais velho pessoalmente.
Bethany literalmente gritou, não apenas riu.
Aquela seria a deixa de Nate.
Havia um grupo de pessoas reunido na sala de estar, entre os sofás e as poltronas da janela, onde fora improvisada uma pequena pista de dança. Nate tomou um dos lugares para assistir a performance de Dominik. A cada movimento, as luzes traçavam o formato de seu corpo e refletiam em cores diversas à garrafa de vodka que ele tinha em mãos. Havia brio e impudor em sua postura, ao mesmo em que o fazia de uma hombridade exordial, que não o tomava por inexperiente. Nate não lembrava de ter visto algo tão sedutor.
Quando chegou o refrão, ele o abordou na
pista. Dançaram os dois de testa colada, suas mãos a deslizar ao seu alcance. Nate
virou-o de costas, encaixou-o na frente. Dominik virou de volta, roubou o apito
que ele tinha no pescoço. O beijo que a audiência pedia só não aconteceu porque
Dominik virou o rosto no momento exato. Agora não, Nate pôde ler em seus
lábios. Foi assim que entendeu tratar-se de mais um jogo.
— Meu pau está tão duro agora — Disse um dos
jovens no sofá, que assistia tudo.
— O meu também — Disse a garota ao lado dele.
Ele olhou para ela como se não tivesse
entendido.
— Ah, não — Nate ouviu tocar seu celular.
A foto de Denise Bennett estampava o visor.
— Sem celulares, esta era a regra — Dominik
lembrou.
— Eu sei, perdão. Dê-me apenas dois minutos — Despediu-se
com um beijo.
O lugar mais apropriado para se ter aquela
conversa era na sala de trocas. A porta abafava o som da música alta lá fora,
além de não haver curiosos para escutar.
— Oi, mãe — Nate disse. — Está tudo bem?
— Diga-me você. Eu e sua irmã esperamos sua
ligação a noite inteira.
— Ligação...? — Ele finalmente lembrou. — O
aniversário de Tina, é mesmo.
Como pudera esquecer? O destino quis que Dominik e a irmã adotiva
de Alex fizessem aniversário no mesmo dia.
Malditos arianos nascidos em abril.
— Sinto muito — Ele disse. — Judit pediu-me
para resolver um problema na Strauss International.
— Que barulho é esse? — Denise ouvia ao longe.
— Está em alguma festa?
— Hoje é a recepção, achei que havia contado.
— Bom, você não contou. Ou contou?
— Eu acho que contei — Ele sorriu.
Denise já tinha certa idade, não era difícil
convencê-la de que sua memória gostava de pregar-lhe peças uma vez ou outra.
Foram sete meses cobrindo seus rastros com esta mesma desculpa.
— Sinto muito, filho — Disse Denise. — Sei o
quanto tem se ocupado ultimamente.
— Não, é culpa minha. Deveria saber que
estavam contando comigo.
— Tina realmente contava com um enorme
presente — Ela brincou.
Isso fez Nate sorrir.
— O que acham de sairmos nós três, no próximo
final de semana? — Sugeriu. — Tiraremos um dia só para a família Bennett em
Nova York. Tina pode escolher o presente que quiser.
— Contanto que não seja um carro esportivo ou
um apartamento.
— Mãe! — Tina contestou.
Nate sorriu outra vez.
— Temos um acordo, velha senhora.
— Obrigada, querido — Disse sua mãe. — Não
irei mais tomar seu tempo. Eu te amo, boa noite.
— Eu... eu também te amo — Sussurrou bem
baixo.
Aquela sensação de peso, que se instalava de
repente, era sua velha conhecida. Sempre pesava um pouco mais depois de colocar
as lentes de contato azuis. Um pouco mais, também, ao contar uma mentira
deslavada para proteger sua identidade. Talvez mais que somente um pouco sempre
que era deixado sozinho para lidar com tudo o que ninguém conseguiu descobrir. Este
era um daqueles momentos.
Se algo acontecesse antes de Alex voltar,
haveria apenas mentiras para preencher o vazio de sete meses que ele deixou. Nate
estava começando a perceber que isso afetaria as pessoas de forma irreversível.
— Vou comer essa buceta! — Alguém gritou do
outro lado da porta.
Era uma festa, pelo amor de Deus. Não podia se ausentar por tanto tempo assim.
Eles agora tocavam música romântica no
primeiro ambiente. Havia chantilly colorido, boias estouradas e fitas de cetim
por toda parte. Nate seguiu caminho por onde era possível, a procura de Dominik,
mas só foi encontra-lo ao se aproximar da varanda externa, onde viu que
conversava com outro garoto usando o uniforme da equipe de natação da Northview
Charter School. A proximidade entre eles era bastante sugestiva, mesmo
antes que cedessem a um beijo.
Nate observou até o final.
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6x04: Do You Love Him, Or He Just Keeps Activating Your Attachment System? (14 de Maio)
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