Livro | The Double Me - 6x01: I'm Nathaniel Fucking Strauss! [+18]
6x01: I'm Nathaniel Fucking Strauss!
“Não esqueça o meu nome".
Nate acordou em sua própria cama, na suíte da
Mansão Strauss, cercado de aparelhos hospitalares. A forte incandescência das
luzes obrigou-o a abrir e fechar os olhos algumas vezes antes de poder enxergar
qualquer coisa.
— Querido... — Sua mãe chamou.
Ele a lembrava da forma que a via; os cabelos
negros amarrados em um coque traseiro, o sobretudo negro cobrindo o blazer, o
colar de pérolas brancas em quatro camadas, um de seus olhos mostrando-lhe
vida, o outro em contrafação. Seu toque marcava uma pequena área de calor no
pulso esquerdo, o que a Nate também era familiar.
— Dominik... — Foi a primeira coisa que lhe
veio à mente.
— Ele está bem — Disse sua mãe. — Há dois dias
liga sem parar perguntando por você.
Dois dias, então. Era tempo demais.
— Preciso sair daqui... — Nate tentou
erguer-se, mas ela o interceptou.
— Não tão depressa. O Doutor Reymond
recomendou repouso pelos próximos dias.
— É, não vai rolar.
— Você teve uma concussão, querido.
— Viu? Poderia ter sido pior — Livrando-se dos
fios e agulhas que o conectavam aos aparelhos, ele levantou e foi ao closet.
Não precisava se ater ao velho hábito de
combinar marcas e cores; a primeira peça de roupas confortáveis que encontrou
serviria para uma fuga clandestina.
— Se pensa em ir a algum lugar, deixe que um
de nossos motoristas o leve — Judit dizia. — É perigoso dirigir no seu estado.
— Eu estou bem! — Ele gritou lá de dentro.
Um minuto depois, saiu vestindo um moletom
vermelho com capuz, calça comprida, também em moletom, e um par de tênis para
corrida. Seu celular ele encontrou na primeira gaveta da escrivaninha, junto ao
passaporte e outros documentos de identificação. Na mochila azul embaixo da
cama encontrou os papeis de disputa de guarda de Gus. E de trás da banheira,
sem que Judit pudesse ver, tirou uma seringa e várias embalagens de pó de
heroína para guardar nos bolsos.
— Você pode parar por um segundo? — Sua mãe
pediu.
Nate posicionou a mochila azul sobre a cama e
foi outra vez ao closet. Sua mãe assistiu-o organizar cada peça de roupa com o
olhar impassível.
— Senhora Strauss? — Uma empregada bateu à
porta.
— Entre.
Assim a jovem o fez.
Pelo uniforme que usava, e pelo rumor de
conversas indistintas que podiam ouvir com a porta aberta, Nate supôs que algo
deveria estar acontecendo no primeiro andar. Uma celebração, talvez. Pela riqueza
que não foi perdida no último terremoto que atingiu Nova York.
— Estamos prontos para servir o vinho —
Informou a jovem moça. — Devemos esperar que junte-se a nós?
— Não, vá em frente — Permitiu Judit.
— Sim, senhora — Ela virou a Nate. — É bom vê-lo
recuperado, Senhor — Disse, antes de se retirar.
Nate observou algum tempo em silêncio.
— Qual a ocasião? — Perguntou à mãe. — Faz meses
que não damos uma festa.
— Não é uma festa, é uma reunião informal — Disse Judit. — Agora podemos conversar?
— Não é um bom momento — Ele foi novamente ao
closet.
Ao retornar, sua mãe jogou o estojo de lentes
de contato sobre a cama. Nate deu-se por vencido com um suspiro.
— Você foi levado ao hospital naquela noite — Ela
esclareceu. — Imagine minha surpresa ao ouvir do Doutor Reymond que precisou
remover suas lentes de contato para realizar os procedimentos necessários.
É claro. Eles fazem isso em hospitais. O que também explicava a ausência de suas
pulseiras e seu colar, como havia constatado minutos antes.
Mas Nate não achou que fosse possível cometer
um erro tão amador após sete meses de investimento bruto em sua interpretação. Nas
primeiras semanas, fez aulas todas às terças e quintas com um tutor particular para
aprender a ser ambidestro como Alex. No último encontro com Gwen, teve de fingir
um ataque de pânico ao usar os elevadores do hotel, pois assim a convenceria de
estar sofrendo de estresse pós-traumático como seu irmão, devido ao sequestro
relâmpago. Até a tomar café da manhã aos domingos com Denise Bennett, a mãe
adotiva, ele se submeteu.
Tudo em vão.
— E quanto a confidencialidade entre médico e
paciente? — Perguntou Nate, cinicamente, forçando a mordida no canto dos lábios
e franzindo o cenho.
Judit levantou de seu lugar.
— Este era o seu plano o tempo inteiro? Me
fazer de boba?
— É como se sente? — Dizia e dobrava as roupas
para organizar na mochila. — Dizem que uma mãe sempre sabe, mas talvez as
regras não se apliquem a quem ainda está tentando.
— Isto não é sobre mim, Nate. É sobre as
mentiras que contou. Por quanto tempo manteria sua farsa se eu não tivesse
descoberto?
— Honestamente, achei que já estaria morto por
agora.
— Nunca mais diga uma coisa dessas para mim. Nunca.
Nate suspirou.
— O que quer de mim? Um pedido de desculpas?
Eu não sinto muito. Tenho meus motivos para fazer o que fiz e sei que ninguém
se importa com eles.
— Eu quero saber o que houve com seu irmão.
Para onde ele foi, porque não voltou. Se vocês tiveram uma briga...
— Não foi algo que eu disse ou que eu tenha
feito; Alex partiu por vontade própria. Eu fui a pessoa que implorou para que
ele ficasse e teve de voltar sozinha para casa na noite do atentado. Agora eu
acho que ele estava certo, eu também deveria ter ido embora quando tive a
chance.
— Nate, eu amo você — Ela afagou-o no ombro. —
Não sabe o quanto senti sua falta todos esses meses, pensando que estava longe.
Mas você mentiu para mim todos os dias, e todos os dias me fez acreditar que eu
o tinha perdido. Ao menos diga-me que não se divertiu com isso, para que eu
possa olhar em seus olhos.
Ele também não podia olhar nos seus.
— Entre nós dois, Alex é de quem mais precisam
— Disse. — Só dei a vocês o que queriam.
— É como se sente?
Nate fechou o zíper da mochila e caminhou até
a porta com uma alça no ombro direito.
— Entendo se decidir contar a alguém, eu
também estou farto disso — Ele decidira.
Já no primeiro andar, esbarrou em meia dúzia
de convidados que cruzaram as escadarias. Ouvia o tilintar das taças, as
risadas despretensiosas, os cochichos indiscretos, em especial os que envolviam
o nome de Alex. Alguns conhecidos o chamaram por este nome, não que tivesse
lhes dado atenção. Apenas ao ouvir o chamado de Lydia, pela segunda vez, ele
parou de caminhar. A porta estava aberta a sua frente para que fizesse uma
escolha.
— Querido, você está bem? — Ela o tocou no
braço.
Nate virou de forma abrupta para gritar-lhes.
— My name’s not Alex. I’m Nathaniel Fucking
Strauss! Nathaniel... — Tomou em mãos uma taça de vinho. — ...Fucking
Strauss! — Arremessou-a na parede. — Não se esqueçam o meu nome. Nunca.
Os convidados se entreolharam. Fez-se um silêncio
absoluto.
— Já estava na hora, querido — Um sorriso de
satisfação despontou nos lábios de Lydia.
Nate já estava longe demais para vê-la ou
ouvi-la, agora a caminho do estacionamento. Um dia, talvez, ela contasse que
sabia sobre as lentes de contato, e que este segredo sempre foi de ambos para
guardar, como há não muito tempo, em Paris.
O refúgio que Nate tinha em mente ao deixar a
mansão era seu quarto de hotel no Strauss Capital, em Manhattan. Uma
hora se passou com ele no volante.
Deixando os elevadores, ele se deparou com um
cenário caótico. Lâmpadas e esculturas de vidro estilhaçadas, roupas espalhadas
por todos os lados, gavetas fora do lugar, a estante de filmes e jogos virada
sobre cacos de vidro e pedaços de madeira no chão, almofadas rasgadas e sem seu
estofo, restos de comida sobre o chão e os tapetes. Nada fora roubado, pelo que
ele observou. Quem fez aquilo estava procurando por algo em específico, ou
tentando passar uma mensagem.
O único móvel intacto era a mesinha de centro
da sala de estar, onde Nate viu um notebook com um bilhete em papel amarelo. Ao
aproximar-se, reconheceu a grafia de Lexi. A mensagem dizia:
“Não encontrei seu irmão, mas encontrei algo
interessante. Obrigada”.
Nate clicou na barra de espaço e o monitor
acendeu. O player de vídeo exibia uma matéria de telejornal sobre um
vídeo gravado por Theon De Beaufort, na mansão Strauss, durante as três semanas
em que manteve Nate como prisioneiro. Alguns trechos tiveram de ser censurados devido
ao material explícito, mas a descrição detalhada de cenas preenchia todas as
lacunas.
Nate lembrava daquela noite como se ainda
estivesse lá. Theon o abordou, bêbado, em sua cela, minutos após dispensar os
empregados. Mal haviam trocado uma palavra antes de Nate ser atingido por um jato
de urina no rosto, que se estendeu a todo seu corpo nu.
— Gosta quando é sujo, não é? — Ouvia-o dizer
em vídeo e nas suas lembranças.
Seus olhos eram o alvo principal de Theon. Ardia
feito água salgada.
O gosto fazia seu estômago revirar.
— Abra a boca, vagabunda! — Theon tentava
obriga-lo.
Ele só fez se encolher nos pés do sofá e
chorar amargamente diante do vídeo.
Sou eu, Nate – Escrevera em seu diário.
Eles sabem a verdade agora. Toda a verdade. Quem
eu sou, as mentiras que contei, o que houve comigo. E agora eu não posso mais me
esconder atrás das lentes de contato e fingir que isso não é responsabilidade
minha.
Se
alguém perguntar, não saberia dizer porque guardei aquele vídeo comigo em um
pen drive. Nunca o assisti, para ser franco. Talvez quisesse algo para temer
sempre que estivesse entre o certo e o errado. Ou talvez quisesse me manter no
controle, saber que tinha autoridade sobre o legado doentio que Theon deixou. Poderia
queima-lo na lareira, talvez. Isso me traria algum alívio nos dias difíceis. Só
não agora.
Nunca contei a ninguém o que realmente aconteceu
dentro daquela mansão. Eles sabiam um terço, até aquela matéria ser veiculada nos
jornais de todo o país. Agora sinto que nunca mais vou ser o mesmo. Pergunto-me
se Dominik, ou qualquer outra pessoa, me tocaria outra vez sabendo o que ele
fez comigo. Eu mal consigo me deixar ser tocado sem me sentir asqueroso e
repugnante como ele me fez.
E agora é o que todos podem ver.
൴
Alex tentava prender-se a qualquer indício de
que ainda estava ali. Podia ser o canto dos pássaros, ou o barulho dos carros
na estrada. Algumas vezes foi capaz de desprender-se de seu cobertor de neve e
abrir os olhos para encarar o céu por uma fração de segundos, antes de apagar
novamente. Foi assim que soube que o dia havia amanhecido.
Em algum momento do dia, ele acordou ouvindo um
disparo de arma de fogo e viu um homem com botas de caça se aproximar. Na vez seguinte,
sentiu que o corpo estava em movimento sem fazer nenhum esforço. Alguém o
levava consigo em um ritmo acelerado de passos, o que bastou a acreditar que
sua vida dependesse disso. Talvez a mesma pessoa que o enrolou em um cobertor
de lã que cheirava a floresta molhada e aquecia-o tão mal.
Na próxima vez em que acordou, estava deitado
em uma cama estreita, improvisada, à janela lateral da sala de estar da cabana.
Troncos de ciprestes e pinheiros secos constituíam as paredes, teto e móveis, e
a lareira era formada por uma estrada vertical de pedras e concreto, onde, no
centro superior, havia um amuleto indígena circular feito de palha.
A tapeçaria era um atrativo à parte. Alex
sentiu-se abstraído pela imagem dos três reis e das três rainhas, uma peça à
esquerda da lareira e a outra à direita.
— Você
acordou — Ouviu uma voz masculina.
O homem de barba, calças jeans e camiseta
xadrez trazia consigo um pequeno porte de ferramentas de marcenaria e uma pilha
de toras de madeira recém-cortadas. Tinha a pele clara, branco marfim. Os olhos
de um azul penetrante. Seus fios negros, mesmo atrapalhados, denotavam elegância.
Não parecia um homem comum; Alex não arriscaria mais de trinta e dois anos em
um palpite.
— Sinto muito pelas velas — Disse ele. — Ficamos
sem energia elétrica quando há tempestade de neve.
— Onde estou? — Perguntara Alex.
— Vaughan, Ontário, a norte de Toronto. —
Deixou os equipamentos sobre o balcão da cozinha. — Meu pai construiu este
lugar há mais ou menos trinta anos. Costumo caçar durante o inverno pelas
redondezas.
— E o que aconteceu?
— Diga-me você. Encontrei-o desacordado na
floresta ontem de manhã, com sérias lesões a faca. Sabe quem fez isso?
— Tinha uma van... alguns caras mascarados... eu
não sei — Cerrou os olhos.
Ao tentar se erguer, uma súbita dor na área
peitoral o fez cair de volta na cama, quase inconsciente. O homem precisou
correr às pressas.
— Não faça isso outra vez — Pediu gentilmente,
com seus braços em volta. — Está debilitado demais para levantar.
— Você é médico ou algo do tipo? — Alex perguntou,
numa voz de súplica.
Podia sentir o cheiro impregnado em suas
roupas – colônia masculina e madeira nova. Podia ver a pequena vereda de pelos
que corria através da abertura de botões em sua camiseta, que antes não notara.
Aquela proximidade o deixava desconcertado.
— Cirurgião — O homem respondeu, posicionando
um travesseiro debaixo de suas pernas. — Eu era, na verdade. Até a manhã de
ontem, fazia quatro anos que não realizava um procedimento cirúrgico.
— Bom, obrigado, Senhor...?
O homem sorriu.
— Henry Langford. E não precisa me chamar de Senhor,
gosto da pronúncia do meu nome — Sorriu-lhe cortês. — Sente-se bem?
— Como em um abatedouro.
Henry tomou em mãos os resíduos de gaze e
atadura aos pés da cama, para então desfazer-se na lata de lixo embaixo da pia
da cozinha.
— Bom, você sofreu uma perfuração estomacal— Dizia
a ele. — Teve sorte de ter sido o único órgão atingido, mesmo que tenha levado dois
golpes. E mais sorte ainda em ser encontrado por um cirurgião aposentado que
sempre viaja com seus equipamentos cirúrgicos.
— Por que viaja com seus equipamentos se não
pratica mais?
— Esta é uma área de risco — Abriu o armário
na parte superior e tirou louças para dois. — Há muitos relatos de alpinistas,
mochileiros e esquiadores se acidentando nesta região. Eu encontrei alguns
deles, outros me encontraram. É bom estar sempre preparado para ajudar.
— É algo que um médico diria...
— A propósito, há alguém para quem deseja
ligar? Amigos, família? Não temos sinal nesta região, mas posso ir à cidade quando
passar a tempestade.
Alex olhou através da janela o pouco que a
posição lhe permitiu. Havia apenas neve. Em todo lugar.
— Não — Respondeu. — Eu não tenho ninguém.
— Seria bom se conseguíssemos chegar à
propriedade vizinha — Henry continuou. — Mas pode não haver ninguém, ou podem
não ter um aparelho telefônico. O rádio é outra opção, se conseguirmos
conserta-lo. Mas de qualquer forma, não sei se uma ambulância passaria pelo
congestionamento nas rodovias principais. Estas estradas costumam ficar
intransitáveis nesta época do ano.
— Sorte a minha — Ironizou Alex.
Henry não tinha tanta certeza se ele havia
entendido.
— Ouviu o que eu disse?
— Sim — Alex virou. — Estou preso aqui com
você. Nós dois morreremos de fome.
— Não se preocupe com isso — Ele abriu a
geladeira. — Como está de restrição alimentar e só pode consumir líquidos pelos
próximos três dias, preparei uma sopa de abóbora com gengibre.
— Você está brincando.
— Se não houver complicações, é claro.
A última vez em que Alex tomou sopa de abóbora
foi quando visitou sua avó, a mãe de Denise, em Nova Jersey. Tinha por volta
dos seis, sete anos de idade. Naquela época, recusava-se a comer qualquer coisa
com cheiro ou aparência esquisita. A sopa de abóbora só se tornou uma delas
depois de descobrir que esta era a fruta usada para compor monumentos
assustadores na noite de Halloween, com olhos, bocas e dentes afiados.
Traumatizante.
— E quando vou poder sair da cama? — Alex precisava
de apenas uma vitória.
— Dentro de cinco ou sete dias. Não se esqueça
que perdeu muito sangue e seu corpo precisa de tempo para recupera-lo.
— Você não teria um estoque de O Positivo
na sua geladeira?
A resposta de Henry veio acompanhada de um
sorriso.
— Isso faria de mim um homem extremamente
perturbado.
— No shit — Alex concordava.
— Deixe-me esquentar isto para você — Com o
fogão ao lado, ele só precisou dar meia volta.
Não houve muito com o que Alex pudesse se
distrair enquanto esperava. Momentos como aquele faziam qualquer coisa parecer
interessante aos seus olhos, como a ferrugem na parte inferior da geladeira, que
lembrava o mapa mundi quando olhava com a cabeça inclinada. O balcão que
dividia a cozinha e a sala de estar era feito de carvalho vermelho e exibia
marcas de desenhos animalescos que só uma criança poderia ter feito, há muito
tempo atrás.
A ausência de troféus de caça fez com que Alex
se sentisse um pouco mais confortável em dividir o cômodo com alguém que tinha
experiência em lidar com lâminas. Henry talvez caçasse para ter o que comer
durante o inverno, pois o congestionamento causado pelas tempestades de neve o
impediria de chegar à cidade e comprar mantimentos. A espingarda no balcão,
entretanto, incomodava só de olhar.
Detestava armas. Só serviam a um propósito.
Sobre a escrivaninha, ao lado do único sofá, ele
notou um porta-retratos com moldura dourada, aos padrões antigos. O jovem rapaz
à esquerda, de camiseta vermelha e bermuda justa, se semelhava muito ao Henry
que acabara de conhecer. O jovem à direita, de capacete, joelheira e camiseta
amarela poderia ser um irmão ou um primo, devido a idade e semelhança. E o
homem ao centro, que unia os três em um grande abraço, no topo de uma montanha,
tinha idade para ser o pai de ambos.
Alex não sabia se tinha permissão para
perguntar.
Era melhor não.
൴
A chuva lá fora a despertou outra vez.
Seu captor não retirou o capuz, como havia
prometido. Tudo o que sabia sobre o lugar onde fora deixada, presa a correntes,
na parede, vinha através dos cheiros. Mofo, esgoto e comida estragada.
Não à toa que preferisse dormir a pensar na fome.
Ouvindo os portões de ferro, escorou-se
sentada à parede, de frente para o que imaginou ser a entrada da cela. E estava
certa.
Noah caminhou até ela, tirou o capuz e
posicionou-se a sua frente, em uma cadeira de madeira. Agora ela podia ver
tudo. Os chuveiros, torneiras, mictórios. As marcas de infiltração na parede, o
lixo acumulado. A pichação nas paredes, na grafia incorreta da língua
espanhola. A única abertura no canto superior direito, na parede à esquerda,
que emitia luz do dia – mas não era uma janela.
A água infiltrada não havia alcançado o lugar
onde Mia fora mantida devido a um declínio no assoalho que proporcionava o escoamento
pelos ralos. O que realmente a preocupava era a exposição a dejetos. Se não havia
latrinas, como faria? O porcelanato estava em pedaços. Das cabines, restavam
apenas as peças de suporte ao chão, pois as portas foram arrancadas.
Um banheiro masculino, ela entendeu. Década atrás, teria servido a
este propósito. Agora havia pouco a se distinguir entre a lama e os entulhos.
— Não sou quem você pensa — Noah discorreu. —
Os souvenires que encontrou no fundo falso, em meu apartamento, contam
uma história totalmente diferente da verdade — Hesitou por um momento. — Eu não
matei aquelas garotas. O trato era transportá-las em segurança até o local
indicado e receber o dinheiro em espécime de meus compradores. Eles sim podem ser
assassinos, até onde eu sei.
E você um mentiroso patológico.
Mia não acreditaria em nenhuma palavra.
— Sabe por que está aqui? — Ele prosseguiu. —
Preciso me certificar de que nenhuma dessas informações chegue até a polícia. Se
você fosse qualquer outra garota, teria o mesmo destino de todas elas. Mas você
é meu sangue. Entende minha hesitação?
Dessa vez, ela o encarou nos olhos.
— Onde está Lola?
— Praga, Dubai, Berlim, Istambul, ou até mesmo
em uma viela, em Londres. Eu não faço perguntas — Suspirou. — Você realmente se
importa com ela, não é? Nunca tive intenção de desrespeitar o vínculo entre
vocês, mas sua amiga foi especificamente requisitada. Este comprador sempre
consegue tudo o que quer.
Era o que temia.
— Está pronta para fazer um trato? — Ele tirou
um isqueiro banhado a ouro e um charuto francês do bolso do paletó, que acendeu
numa fração de segundos. — Se precisar de tempo para avaliar suas opções,
continuará sendo um prazer tê-la como hóspede.
— Por que não me mata de uma vez?
— A minha própria filha? Há linhas que um
homem nunca deve cruzar — Levantou-se, de súbito, e foi para trás do assento,
com as mãos no recosto e o charuto entre os dedos. — E convenhamos, não seria
bom para os negócios se começassem a procurar por você. Michaela Strauss tem um
nome; não é uma qualquer, de quem não dariam falta.
— Você tem escolha? A primeira coisa que
farei, quando sair daqui, é contar sobre você.
— Mesmo custando a vida de sua família? —
Soltou uma tragada.
Ela sentiu como se a atingisse por debaixo de
sua pele.
— Eles também são seus filhos — Reiterou.
— Se realmente deseja me colocar em uma
posição desfavorável, haverá consequências — Explicou Noah. — Não percebe que tem todo o poder? Pode sair
daqui como uma mulher livre, deixando tudo para trás. Ou pode apodrecer em um
porão imundo e morrer arrependida.
— Seu doente desgraçado — Ela cuspiu. — Minha
vida não vale mais que a de Lola e de todas as outras garotas para que eu
simplesmente esqueça o que fez a elas. Alguém virá por mim. E por você.
— Eu não contaria com isso — De dentro do
paletó, tirou um smartphone. — Aparelho interessante este aqui. A
ferramenta de localização facilita muito meu trabalho. Só precisei fazer
download de tudo o que havia no seu aparelho e depois deixa-lo em Londres, caso
precisassem rastrear. Agora posso fazer publicações em seu nome diariamente nas
redes sociais, e inclusive publicar fotos suas, salvas na memória, sem que
alguém desconfie que há algo errado. Quando enfim perceberem que Michaela
Strauss não fica tanto tempo sem atender ligações, estarei tão longe, tão mudado,
que será um desperdício de recursos tentar me encontrar. E você... bom, eu não
sei o que será de você até lá — Aproximou-se para sussurrar-lhe. — Você não
está mais na América, não ganhará este jogo sendo uma garota mimada que pode
comprar o que quiser. Se há uma parte sua que gostaria de sobreviver a tudo
isso, faça exatamente o que eu digo.
Mia respondeu cravando as unhas em seu pescoço
em um movimento rápido. Noah cambaleou para trás, com uma mão pressionada no
ferimento. O sangue pingava em gotas por seu terno Armani.
— Olhe para você, lutando de volta — Ele
sorria. No caco de vidro espelhado, na parede, viu que não estava tão ruim
assim. — Quatro cortes imprecisos, nada Freddy Krueger da sua parte. Colocarei
alguns band-aids — Virou a ela novamente. — Então, acordo nenhum. Talvez
precise de mais algum tempo.
— Alguém virá por mim — Ela o afirmou.
— Quer ouvir uma história? — Ele enrolou as
mangas. — Era uma vez uma jovem moça de dezoito anos, com lindos cachos ruivos
e sardas nas bochechas. Um dia, caminhando à beira de um lago, ela conheceu um
homem maldoso e cruel, que embora tenha feito seu coração bater mais forte, a
levou por todos os lugares sombrios que não gostaria de conhecer. Três crianças
abençoadas nasceram dessa união, mas à jovem moça só foi permitido viver com a
condição de manter tudo o que viu em segredo. Você poderia perguntar como o
homem mau faria para encontra-la outra vez, caso quebrasse o trato. E eu diria
que ele deixou uma marca em sua pele, algo que poderia sempre levá-lo de volta
ao que mais se aproximou de seu verdadeiro amor.
Uma marca...
Ivy disse ter obtido a cicatriz de queimadura, nas costas, durante um incêndio
em um set de filmagens. Outra mentira para acobertar seu pai.
— A única saída é fazer o que eu digo — Ele olhou
para trás uma última vez, prestes a deixa-la. — É claro, uma garota pode
sonhar. Mas na sua posição, não será com diamantes.
O feixe de luz se estreitou até que Mia
voltasse a completa escuridão.
E nada mais se ouviu ao cerrar os portões de
ferro.
Next...
6x02: If He Finds You First, You'll Know How Personal It Gets (30 de Abril)
Como perceberam, esse capítulo de estreia foi focado apenas nos trigêmeos e no que aconteceu dois após o incidente do terremoto em Nova York. Os outros personagens aparecem no próximo capítulo. Clique aqui para ler.
Post a Comment