Livro | A Punhalada 4 - Capítulo 13: Nêmesis [Series Finale]
Era como se estivesse caindo devagar.
Do momento em que as palavras foram ditas ao
arrancar das mordaças de seus pais, passou-se um instante e horas afundo.
— Últimas palavras? — Dylan perguntou-lhes.
— Matty, não ouça o que ele diz — Disse sua
mãe, numa baforada suplicante. — Amanda vai ajuda-lo, não importa o que
aconteça com a gente.
Seu castigo imediato fora uma pancada na
cabeça com as costas da mão do assassino.
— Não a machuque! — Matty esbravejou.
— Não alimente falsas esperanças — Dylan disse
a ela. — Nenhum de vocês sairá vivo daqui.
— Se você machuca-la...
— O que você vai fazer? Gritar até que eu me
sinta culpado? Acho que você não está prestando atenção, Matty. Eles já estão
mortos... — Posicionou-se atrás deles. — A faca, Elena. Por favor.
Matty acompanhou a trajetória da assassina com
os olhos. Gritava e esperneava, não tão como seus pais aguardavam por seu
julgamento. Seus olhos lacrimosos eram de um conformismo inaceitável.
— Feche os olhos, querido — Seu pai lhe pediu.
— Dylan, por favor! — Amanda tentava pela
última vez.
Mas tudo em vão.
— Isto é por você, Matty — O assassino posicionou
a faca. — Pela mãe que merecíamos — E lhes cortou a garganta em dois movimentos
rubros. Primeiro a mãe, depois o pai.
Seus rostos desabaram estrondosamente sobre os
pratos de porcelana em cima da mesa. Havia gritos, sangue e dor. Matty sentia
que iria durar para sempre.
— Eu vou matar você — As palavras de Amanda
eram mais cortantes que a lâmina do assassino.
— Você pode tentar — Virou para Matty. — E por
que você está chorando? Eles eram pais terríveis. Meu pai de mentira era um pai
melhor para você do que eles jamais foram. Deveria me agradecer por tira-los da
sua vida.
Matty abaixou a cabeça. Por um momento, não
teve qualquer reação. O choro cessou, aos poucos, e finalmente havia parado de
tremer. Amanda assistia tudo do seu lugar privilegiado
— Não... — O garoto lhe disse. Erguendo a
cabeça, lançou ao assassino de seus pais um olhar fulminante. — Você deveria me
agradecer por dar sentido a sua vida. Sem mim, você seria apenas mais um pobre
coitado em busca de um propósito. Tudo o que você tem agora foi conquistado por
Carter, não por você. Você só teve a sorte de estar vivo quando ele não podia.
— Você é mesmo filho da sua mãe, não é?
— E você é o filhinho do papai — Notou os
punhos de Dylan enrijecerem. — Talvez tenha gostado demais da maneira como
Carter o tocava quando era criança.
E assim, de súbito, levou um soco no rosto.
Totalmente pretendido, àquela altura; mas inevitavelmente doloroso. Matty
cuspiu uma bola de sangue aos pés da mesa.
— Continue falando — Era o último aviso de
Dylan.
Matty, conquanto sangrasse, ainda não estava
convencido.
— Pensei que tivesse um plano.
— Ele inclui matar você, de uma forma ou de
outra.
— Matty, pare — Amanda pediu.
Matty não sabia o que aquele olhar significava.
Estava assustada? Preocupada? Ou tinha um
plano? Movia os olhos de forma irregular, ao mesmo tempo em que levantava
uma sobrancelha.
— É isso o que uma mãe deveria fazer — Dylan provocou.
— Defender sua cria, lutar com os lobos. Não imaginam o que pode acontecer com
alguém que é privado disso. Enfim, vamos continuar com o show, não é, Amanda? —
Fez sinal para Elena se posicionar atrás da cadeira. Com uma mão ela segurava a
faca, e com a outra acariciava os cabelos de Amanda. — Sabemos que você é uma
mulher muito vaidosa e que sempre usou isso a seu favor. Só estava aqui me
perguntando, será que o mundo ainda seria obcecado por Amanda Rush se não
houvesse mais o que admirar?
Matty sabia o que estava para acontecer.
— Dylan, não — Pôs-se a implorar, em vão,
Elena já havia cortado a primeira mexa.
— É apenas um upgrade, você verá.
Elena partiu para a próxima mexa. Depois a outra, depois a outra, depois a outra. Amanda assistia a queda de seus cabelos em silêncio, com lágrimas nos olhos. Um minuto depois havia tanto cabelo sobre suas coxas que teve certeza de já não ser mais ela mesma. A brecha no centro do crânio deixava o couro cabeludo a mostra, além das pequenas protuberâncias irregulares na lateral.
— Está tudo bem, é apenas cabelo... — Matty tentava
conforta-la. — Vai crescer.
Apenas se
escapasse.
— Você não gostou? — Dylan se aproximou alguns
centímetros do rosto dela. — Ainda é mais bonita que muitos homens. Vamos ver
como fica cortando esse rostinho...
Em vez do choro impulsivo, com o qual ele
contava para massagear seu ego, Amanda só fez cuspir em seus olhos. O gosto era
amargo para todos os que assistiam, menos para ela.
— Vai se foder — Disparou, trêmula ainda. Podia
ver em sua expressão, enquanto enxugava o rosto, que tinha acordado uma fera. O
primeiro vislumbre do ódio em seus olhos negros para nunca mais esquecer.
Acima de sua cabeça, entre o espaço de uma
porta que não mais existia, o sinalizador vermelho começou a apitar. Dylan
olhou para cima.
— Oh, oh... Alguém está invadindo o perímetro
da propriedade. Seria o casal Estwood? — Olhou para Amanda, depois para a comparsa.
— Logo saberemos. Elena, poderia nos fazer este favor? — Fez um sinal com a
cabeça para que pegasse a arma em cima da mesa. — Certifique-se de que caiam em
todas as nossas armadilhas. Estou no clima para um pouco de caos e catástrofe.
Elena engatilhou a arma para que Amanda e
Matty vissem. Saiu pela porta da frente, depois do corredor principal.
— Não importa — Amanda balançava a cabeça em
negação. — Se eles estão aqui, a polícia está com eles. Ou no mínimo, a caminho
desta cabana.
— E como isso atrapalharia meus planos? Não
deixei que você ficasse com seu rastreador na bota direita à toa — Tinha
certeza, Amanda fora pega de surpresa. — Sim, eu sabia. Deixei que viessem até
aqui apenas para morrer.
Não se
Amanda impedisse.
Seu polegar esquerdo estalou quebradiço. Livre
das algemas, ela segurou com as duas mãos na ponta da mesa e ergueu-a na
vertical, para cima dos dois assassinos. Matty caiu de costas no chão, ainda
algemado. Amanda apenas correu.
Por entre a madeira suspensa, um pente inteiro
foi descarregado para impedir sua fuga. As balas acertaram vasos, quadros na
parede e os móveis da sala de jantar; não ela. Nunca ela, Dylan temia.
Os
assassinos, então, foram a se dividir. Dylan seguiu Amanda pela porta dos
fundos, e Ruby voltou sua atenção a Matty, com o fim de interceptar qualquer
oportunidade. Sua cadeira havia quebrado na queda, o que lhe deixou sem as
limitações da madeira, mesmo que ainda estivesse algemado. Bastou passar as
mãos juntas por baixo das pernas para tê-las novamente em frente ao corpo.
Tudo aconteceu rápido demais entre a fuga de
Amanda e o ataque de Ruby. Viu a assassina partir para cima dele, quando mal
havia conseguido de volta parte dos movimentos das mãos. Chutou-a no peito
antes que o esfaqueasse, e levantou na mesma pisada, enquanto ela derrapava por
cima do armário de vidro. Tentava chegar a estante da outra ponta quando fora
alcançado outra vez. Ela bateu as costas dele contra a parede e acertou dois
socos. Matty revidou com uma cabeçada, para afasta-la. Depois pegou o vaso
decorativo no armário e atirou contra o rosto dela.
Ruby estava ficando irritada. Muito, muito
irritada.
Puxou-o pelo pé direito antes que ele
corresse, derrubando-o também. Ele chutou o rosto dela duas vezes; só assim se
viu livre a fugir pela porta dos fundos, atrás de Amanda.
Dylan a perseguiu por toda propriedade,
atirando sempre que vislumbrava seus vultos. Chegou um momento em que as balas
acabaram – tanto do pente carregado quanto do provisório – e ele precisou usar
o método tradicional. Uma faca de açougueiro, presa na cintura desde a fazenda
dos Fitzgerald.
Quando chegou ao escritório, Amanda o
surpreendeu pelo outro corredor com um empurrão. Ele mirou no pescoço, ela
desviou estrategicamente, por baixo do braço exposto à altura do ataque.
Encontrou refúgio na sala mais próxima, onde Carter Van Der Hills costumava
planejar seus crimes. Há dez anos, Amanda encontraria fotos suas e de seus
amigos por todos os lados. Agora, nada além de uma decoração cordial.
Não tinha dúvidas de que o assassino conhecia
cada cômodo como se fosse sua própria casa.
Ela desviou de uma estocada, de outra e mais
uma; o esquema era o mesmo. Na quarta, a faca do assassino cravou
acidentalmente na madeira da estante, dando a ela uma oportunidade de revidar
com uma cotovelada. Foi para cima dele a toda velocidade, até que encontrassem o limite da
outra estante de vidro – o impacto absorvido por inteiro pelas costas do outro.
Acertou-lhe mais um soco no maxilar. Ele, dois em seguidas, direto na região
ocular. No último ela ficou zonza, e ele chutou-a na cintura para que caísse de
uma vez.
— Quer saber do que eu sou feito? — Chutou-a
no estômago, de baixo para cima. — Me dê um beijo.
Ela só fez tirar uma das botas e acertar a
ponta do salto em sua têmpora esquerda.
— A tia Amanda tem outro presente pra você — Chutou-o
nos testículos, como um golpe de misericórdia. Ele caiu no chão, ela correu
para o lado de fora.
O barulho dos disparos a desorientava. Não
sabia de onde vinham, nem qual parte da escuridão lhe era segura.
Tendo em vista o penhasco, Aaron não estava
tão longe do ponto central da propriedade. Com ele trouxe Megan e uma equipe
policial especializada em resgate e terrorismo doméstico – ao todo, vinte e
dois homens desavisados que correram direto para as armadilhas. Alguns foram
mortos com flechadas; outros – os mais sortudos – ficaram suspensos em redes a
dez metros de altura. Alguns feridos aqui e ali, entre ele, Elena e as árvores
que os encobriam.
— Avançar! — Aaron ordenou.
Os policiais que restavam foram de uma árvore
para outra no equivalente a dois metros de distância. Elena, a dez metros deles,
conseguiu fazer mais uma vítima fatal durante a movimentação.
— É só uma garota? — Uma das policiais
perguntou a Aaron.
— Não, é a minha futura nora. Fique atenta —
Trocou de pente rapidamente.
A alguns metros de distância, Megan e seus
saltos descobriam o campo minado.
— Bebê, estou explodindo! — Gritava, entre um
estouro e o próximo. — É a Al Qaeda!
É a Al Qaeda!
— Megan, saia daí! — Aaron pediu.
Nem bem ouvira seu grito de alerta e já fez
acionar a bomba maior no perímetro, que a arremessou contra um tronco de árvore
dois metros à frente. Um ninho de passarinho cheio de ovos caiu em cima dela. Seus
cabelos, agora, tinham gemas e fezes até as pontas.
— Megan, você está bem? — Ouviu o marido
perguntar.
— I hate this shit...
Diante disso, Aaron teria que conseguir
sozinho.
Os policias estavam enfrentando um grande
dilema. Se avançassem, corriam o risco de cair em uma armadilha fatal como seus
companheiros menos afortunados. Mas se não avançassem, Elena atiraria até ter
uma chance para fugir pelo outro lado. E não importava quantas balas
disparassem em sua direção, era rápida demais no gatilho.
— Entregue-se, Elena! — Aaron tentou
novamente. — Não há como escapar!
Neste quesito, a assassina discordava.
Enquanto uma chuva de balas era despejada sobre ela, carregou o último pente.
Esperou alguns instantes, suspirou fundo e atirou duas vezes. Soube que tinha acertado quando viu Aaron cair
no chão, sangrando no ombro esquerdo.
— Te peguei — Comemorou.
Agora lhe restavam dez balas, o suficiente
para garantir sua fuga. Atiraria o quanto pudesse, então desapareceria por
entre as árvores. Nunca saberiam do sistema de cavernas que aquela região
montanhosa escondia por baixo das folhagens. Cortesia de Carter Van Der Hills,
o herói que nunca tivera a oportunidade de conhecer. Mas iria.
Seu plano só não era perfeito por um simples
detalhe. O homem que deixou para queimar vivo não aceitaria deixa-la vencer.
Grant já estava posicionado à retaguarda, com
a mira sobre ela.
— Hey, vadia — Ele chamou. — Adivinha quem
voltou dos mortos para morder o seu rabo?
Ela só teve tempo de arregalar os olhos antes
do disparo. Uma, duas, três, quatro, cinco, seis balas em seguida, direto no peito.
Ela caiu no chão, indefesa, sem sua arma. Grant caminhou pausadamente até ela
para checar. Estava mesmo de colete, embora
algumas balas tenham atravessado o material sintético.
— Algo a seu respeito era ao menos verdade? —
Ele quis saber.
— Por favor... — Ela lutava por ar. Havia acertado os pulmões. — Eu não
queria... eles me obrigaram... eu... eu te amo...
— Sinto muito, querida — Jogou a aliança em
cima dela. — Eu não aceito — E puxou o gatilho.
Dylan ouviu o disparo ao longe. O
tiroteio o guiou da cabana ao local mais provável onde Matty e Amanda estariam
se escondendo. Agora, com o silêncio, vinha também uma certeza. Elena está morta, ou então continuariam
atirando.
Caminhou por alguns minutos floresta adentro. Estava
quase chegando ao penhasco, de onde podia ver as luzes noturnas de Seattle. Pensou
que Matty havia encontrado um jeito de descer, sem saber que a surpresa vinha
do alto das árvores. Matty esperou que estivesse no ponto certo para pular e
derruba-lo no chão.
De algum modo, conseguiria se livrar
das algemas. Amanda.
A batalha que travaram foi das folhas
secas ao corpo das árvores. Dylan levou bons socos do velho amigo, assim como
Matty fora sorrateiramente atraído por seus truques. Rolaram na lama, numa
queda drástica, assim Matty tomou posse da faca e cravou em seu braço. O grito
de Dylan escoou floresta adentro.
— Fuck!
— Chutou Matty no rosto.
Ficou de pé, olhando para a faca que atravessara seus músculos. Doía mais do que suas vítimas acabavam demonstrando.
Para retira-la, segurou no cabo preto e puxou
sem piedade. Havia sangue para todos os lados, mas não que estivesse vendo. A
escuridão não permitia que seus olhos fossem além da sujeira, da lama e da cor
amarronzada das folhas mortas.
— Está tentando matar seu primo?
— Você não é nada — Matty respirava ofegante.
— Eu era a pessoa do outro lado da parede,
ouvindo você chorar à noite. Acha que não sei o quanto dói? Seu coração
solitário ainda sangra enquanto todo mundo que você ama se volta contra você.
— Não estou sozinho agora. E da próxima vez
não errarei seu coração.
— Você fala como Brandon Rush, garotinho do
papai.
Caminhou estritamente até ele, que levantava
zonzo do chão. O chutou na barriga, assim tomando-o pelos cabelos.
— Quer que eu o segure como seu namorado
morto? — Lhe disse, bem perto do rosto. — Ele te tocava assim? — Em seguida, o
socou. Matty cambaleou para trás, ele o seguiu pelo mesmo caminho. — Foi tudo
uma mentira, Matty. — Chutava-o e dizia. — Toda a sua vida. Até Dodger precisei
convencer para que fosse sua amiga, pois ela o achava comum demais. Como isso o
faz se sentir? Traído?
Com um puxão, Matty foi jogado contra um
tronco de árvore. Agora estava cara a cara com ele, medindo forças para que a
faca não passasse um centímetro por entre sua pele. Uma joelhada no meio das
pernas, sem que o outro esperasse, resolveu o problema. Viu-o se afastar, o
bastante para engrenar um soco.
Foi então que Amanda apareceu. Pendurou-se nas costas do assassino,
tentando desequilibra-lo, e ele cambaleou para trás. Ela bateu as costas contra
um tronco de árvore e o soltou. Caiu no chão, chutou seu joelho e partiu para
cima. Não havia como guiar-se na completa escuridão; seus golpes ora acertavam,
ora passavam por entre as sombras. Ainda foi capaz de quebrar-lhe uma costela,
puxando-o pela camiseta e jogando-o de peito sobre as pedras no chão.
Dylan gritou estrondoso. Estava irado,
com sangue nos olhos. A arma mais próxima, um galho de árvore, lhe serviria
para o que estava pensando. Quebrou-o em dois nas costas de Amanda, com força
bruta. De joelhos, ela foi golpeada mais uma vez. Estava tão próxima dos galhos
pontiagudos, no chão, que o assassino não resistiu a ideia de fazer seus olhos
serem perfurados. Forçou-a contra eles, com as mãos e os pés, com todo o peso
de seu corpo.
A um centímetro da morte, Matty
golpeou o assassino com outro galho de árvore. Ele o arrancou de suas mãos,
acertou-o de volta, levou um empurrão de Amanda, golpeou ela no rosto, depois Matty,
e foi jogado no chão, com Amanda por cima. De todas as formas ela tentou
segura-lo, e morder seu pescoço, e arranhar seu rosto. Uma cotovelada no rosto e
ela perdera equilíbrio. Um chute no maxilar, debaixo do queixo, e ela caíra desacordada.
Matty chegou a achar que não tinha mais
chances.
Correu para o lado; Dylan o seguiu.
Correu para o outro; Dylan o seguiu. A sua frente, um penhasco de oitenta e
sete metros o esperava. Exatamente para onde Dylan gostaria de leva-lo.
Matty chegou a achar que não havia
outro caminho.
Correu em direção ao penhasco mesmo
assim. Dylan o alcançou antes de chegar à borda pontiaguda e cinza rochosa, a três
metros da queda livre que acabaria com a vida de um deles. Mediram forças, com
a ponta gélida da lâmina sobre o pescoço de Matty. Estava quase perfurando,
podia sentir. Uma mancha de sangue já havia brotado e trilhado seu caminho até
o chão.
— Morra! — Dylan praguejava.
Matty moveu seus corpos ao mesmo
tempo para um dos lados. Dylan caiu sobre a rocha da borda; sua faca, no oceano
que seguia o penhasco. E quando Matty tentou fugir, o assassino estava ali para
segura-lo pelo moletom. Puxou-o com força para perto da rocha e montou em cima
dele. Agora seus dedos sufocavam-no na garganta.
Matty balbuciou algo como um pedido
de ajuda, ou um por favor incapaz de se espargir. Era verdade que as pessoas
lembravam de sua vida inteira à beira da morte. Ainda podia ver o garoto que
Dylan era quando tinham doze anos e acampavam no quintal de casa. Podia ouvir
os gritos furiosos de seus pais sempre que insistia em assistir filmes de
terror. O cheiro dos cabelos de Dodger ainda estavam com ele, dias depois de
descobrir que nunca mais o sentiria.
E Amanda. O mais próximo que chegara
de ser sua mãe fez-se em uma troca de números de telefone e conversas
monossilábicas nada regulares. Tentou salvar sua vida, como Aaron. E falhou.
Seus olhos tornaram-se de um tom
vermelho sangue aflitivo. Morreria a qualquer momento, a qualquer momento... a
qualquer momento.
Foi tudo em vão? – Chegou a pensar. Soltou os braços de Dylan, que tanto tentara afastar,
e enfiou os dois polegares nos olhos dele – seu ponto fraco após três cirurgias
oculares, que só um melhor amigo saberia. Sangue escorria pela palma de sua mão
à estranha melodia dos gritos do assassino. Estava cego. Havia perdido.
Matty o empurrou para o lado e
engatinhou até a pedra mais próxima. Montado sobre ele, acertou-lhe duas vezes
a cabeça. Só então os gritos cessaram para que desfrutasse da vitória
silenciosa. Caiu sentado sobre a grama, os braços para trás e a cabeça elevada.
O céu era estonteante quando as nuvens de chuvas davam lugar as estrelas e as
luzes da cidade se apagavam.
Crack – Ouviu
atrás dele. Ruby surgiu empunhada a um machado de cortar lenha. Fez seu ataque,
mas o aço cintilou nas rochas quando ele desviou. Tentou outra vez e acertou a
grama entre as pernas dele. Ele andou para trás com as mãos, ainda no chão. Levantou
de súbito e correu de volta à floresta.
Ruby era rápida. Rápida demais.
Ela fez outro ataque, que ele desviou
curvando-se para frente. No próximo, acertou a raiz de uma enorme sequoia. E no
seguinte, um tronco de árvore. Matty pegou a arma pelo cabo, por cima das mãos
dela, e bateu contra seu rosto. Ela o atacou de novo, tentando tomar sua arma
de volta. Levou uma pancada no queixo com a parte de madeira, seguido de um
golpe com a lateral do aço.
Àquela altura, Ruby estava prestes a
desmaiar. Caiu aos pés de uma árvore, sagrando, sem poder se mover direito. Também
havia perdido.
Matty ergueu a cabeça por um
instante. A brisa noturna radiava calma e invernal no interior da floresta. Embora
ofegante, pôde respirar aliviado por um breve momento.
— Você não venceu — A assassina lhe disse. — Tiramos
muito de você para que vencesse em qualquer circunstância.
— Você sabe o que dizem. Tal mãe, tal filho — Achava
que ela precisava ouvir.
Então cortou-lhe a cabeça, em um só golpe. O
machado garantiu que houvesse uma ligação entre seu pescoço e o resto do corpo,
mas não por muito tempo. Quando Matty o tomou de volta, a cabeça rolou para
perto de seus pés.
O horizonte lhe dizia que estava prestes a
amanhecer. Seattle já não era mais feita de cores vibrantes, destacadas pelo
céu anegrejado. Era de um tom cinza-azulado sob uma densa neblina, que cobria a
maior parte dos edifícios. Antes conseguia ter noção de onde sua casa estava
localizada. Agora, assumia que os raios de sol vieram para confundi-lo.
Caminhou em passos lentos em direção ao penhasco.
Aaron, Megan e Grant o encontraram ali, de frente para o sol nascente.
— Matty? — Aaron chamou seu nome. Nenhuma
resposta. — Você está bem? — Pressionou a ferida no ombro esquerdo. Um curativo
fora improvisado pelos cadetes contra sua vontade.
Amanda se juntou a eles logo depois. Olhava
para o corpo de Dylan, prestes a cair do penhasco, sem muita desconfiança.
— Ele está morto? — Tomou a arma que Aaron
oferecia. Cada um deles empunhava a sua.
— Eu também quero uma — Matty pediu.
— Para que você quer uma arma?
Para Dylan. Ele só não teve tempo de dizer.
O assassino levantou entre grunhidos, seus
olhos sangravam em carne viva. Conseguiu ficar de joelhos, em cima das rochas. Não
havia mais qualquer sentido de direção além dos sons ao seu redor.
—
Aaron? Megan? Vocês estão aí? — Perguntou. — Não consigo vê-los agora — Mostrou
um meio sorriso sangrento. — Aonde está nossa querida Amanda?
Megan tentava convencer Aaron a puxar o
gatilho quando Matty a interrompeu:
— Não — Esticou o braço até tocar no revólver.
— Me dê a arma.
Aaron não via motivos para não o fazer. É para matar Dylan, certo?
Matty caminhou com a arma em mãos até o ponto
em que o assassino sangrava. Encarou-o durante todo o trajeto, no lugar aonde
ficavam seus olhos.
— Esse é você, Matty? — Dylan balbuciou. —
Sempre soube que tinha o que era preciso. Acabe logo com isso.
— Por que eu deveria?
— Se você não o fizer, voltarei para pega-lo
um dia. Nós sempre voltamos.
— Não cego — Engatilhou a arma e apontou para
a cabeça dele.
— Faça. Vingue-se.
Matty estremecia a cada palavra. Não havia
algo que quisesse tanto, talvez por isso lhe faltasse coragem para seguir em
frente.
Amanda lembrou involuntariamente do momento em
que perdera o irmão. Não quando o vira tirar a máscara de fantasma; quando
percebeu que ele precisava morrer para que mais ninguém se machucasse. Nem ela,
nem qualquer outra pessoa que entrasse em seu caminho. Brandon havia prometido
matar seus pais, logo depois de acabar com os últimos sobreviventes. Nada
parecia tão certo e atemorizante quanto matar quem mais amava para ter uma
chance.
Perguntou-se se era isso que Matty estava
pensando enquanto pressionava, tremulamente, a arma contra a testa do amigo.
Perguntou-se se Dylan havia sido o irmão para o qual costumava correr, como
Brandon fora o seu.
A um metro, seu olhar cauteloso encontrou o de
Aaron. O que aconteceria a seguir não estava mais em suas mãos.
— Faça! — Dylan esperneava. Baba misturava-se
a sangue e suor escorrido sobre as rochas, a poucos centímetros da queda livre.
— Eu sou seu nêmesis! Eu matei seus pais e todos que você amava! Eu matei
Dodger! Faça!
Matty puxou o gatilho uma única vez... em
direção ao oceano.
— Você estava errado — Disse ao assassino. — Eu
não sou meu pai. Por isso você viverá.
— Então você é fraco, assim como a sua mãe.
Matty o derrubou no chão com um gancho de
esquerda.
— Don’t
fucking talk about my mom.
Caminhando até Amanda e Aaron, permitiu-se
relaxar. Amanda não achava isso tão prudente.
— Ainda não acabou, Matty — Informou ao filho.
— Por quê?
O assassino levantou para um último susto
diante de seus olhos, como o esperado. Amanda só fez mirar o revólver e puxar o
gatilho, seguidamente, assim como fizeram Megan, Aaron e Grant. Uma vez que
esvaziaram os pentes, Dylan teve um encontro com as rochas marítimas nos pés do
penhasco. Sem vida, desde antes de sua queda.
— Como...? Você...? — Matty encarava a beira
do penhasco, assustado. Talvez, um pouco impressionado.
— Eu sou muito pior que Brandon Rush — Os
olhos de Amanda diziam o mesmo.
Ela jogou a arma no chão e deu dois passos em
direção a floresta – apenas o que conseguiu. Sua vista embaçou, as pernas
fraquejaram e ela derrapou de joelhos. Matty correu para ajudá-la, envolvendo
um braço dela em seus ombros.
— Você está bem?
— O filho da puta me quebrou algumas costelas...
— Disse, Tossindo.
— Olhem! — Grant os chamou atenção.
Ao longe viram um helicóptero da polícia sobrevoar
as montanhas em busca dos sobreviventes. Não demorou muito para que chegassem a
seu resgate, junto de todos os outros policiais que agonizavam nas armadilhas.
Muita coisa passou pela cabeça de Amanda por
quando estavam debaixo da ventania das hélices. Era a primeira vez que abraçava
o filho desde que o segurara nos braços, ainda recém-nascido, e mesmo que para
conseguir se manter de pé. Tinha direito a um momento, uma pausa atemporal, ao
menos.
E ele o de se sentir tão seguro ao seu lado.
φ
A história que as pessoas contavam sobre os jovens assassinos de Seattle era diferente em cada localidade. Havia quem acreditasse no poder dos jogos violentos sobre as mentes vulneráveis de crianças e adolescentes. Havia os que defendiam teorias de conspiração envolvendo partidos teocráticos e totalitaristas. Para a imprensa, bullying seria o ponto de partida para a formação de jovens criminosos, como todos os relatos de tiroteios estudantis comprovam.
Em concordância, havia apenas um ponto inquestionável:
As crianças de New Britain estavam a salvo. Do assassinato premeditado à
lavagem de dinheiro, falsidade ideológica e terrorismo doméstico.
Não era como se a história não tivesse
terminado; para alguns, talvez vivesse eternamente. Mas não para eles.
A manhã de natal na casa dos Estwood reuniu
quase toda a família. Amanda, Matty e Jessica chegaram cedo demais para ajudar
na cozinha; no andar de cima, Megan tratou de acordar as gêmeas com duas horas
de antecedência; e Grant acabara de ligar avisando sobre sua chegada. Megan não
encontrava em lugar algum o jovem que Matty insistiu para levar.
— Estou indo! — Gritou para a campainha, a
caminho de lá.
Grant a esperava do outro lado da porta com um
buquê de hortênsias vermelhas nas mãos. Ao seu lado estava a nova namorada.
Phoebe, se Megan arriscasse um palpite. Seus cabelos eram de um loiro
acinzentado com raiz esfumada, e seus olhos de um azul piscina. O vestido bege
lhe caíra bem. Tinha classe, como passara a exigir de todas as pretendentes.
— Feliz natal! — Grant a envolveu em um
abraço.
— Feliz natal! — Respondeu de volta.
A jovem mostrou-lhe um sorriso simpático.
— Oi, eu sou Phoebe.
— É claro — Megan estendeu uma mão. Com a
outra, segurou o buquê. — Muito prazer. Entrem, estamos fazendo os últimos preparos
— Afastou-se da porta.
Phoebe foi na frente, em direção a sala de
jantar. Grant ficou alguns passos atrás ao lado de Megan. O interrogatório poderia
salvar suas vidas.
— Checou o passado dela? — Megan começou por
aí.
— Sim.
— Verificou seu e-mail?
— Sim.
— Colocou câmeras de vigilância no apartamento?
— Sim.
— Bom trabalho. Distraia ela depois da
sobremesa e eu hackearei seu celular.
Quem quer piña colada? — Sorriu para
a grupo.
Logo que voltara a cozinha, a campainha tocou
pela segunda vez.
— Eu atendo! — Matty correu ligeiro.
O último convidado trajava um blazer preto e
uma calça social na mesma cor. Seu corte de cabelo estava diferente desde a
última vez em que se viram. Agora mais curto, também mais atraente.
— Hey — Era seu melhor cumprimento.
Não importava quanto tempo passasse, Axel sempre
seria péssimo em cortesia social.
— Que pontual — Matty disse.
— Estou acompanhado — Ergueu a garrafa de
vinho francês.
— Álcool? Amanda vai ama-lo — Abriu um espaço
entre a porta para que ele entrasse.
Amanda, na cozinha, aproveitou para pedir-lhe
ajuda. Havia coincidido com a ligação que Axel recebera no meio do trajeto até
a sala de jantar.
— Preciso atender — Parecia estar pedindo a permissão
do namorado.
— Beleza. Sente-se em qualquer lugar, já estou
indo
Isso dependeria inteiramente do problema de
Amanda.
O forno estava ligado na temperatura ideal,
como havia comprovado. Não havia fumaça ou qualquer indício de incêndio, como
da última vez. Só ficara tempo demais cozinhando, a ponto de queimar as
laterais. Matty retirou a forma de uma vez e jogou em cima da pia. Ainda
poderiam salva-la, com um pouco de paciência e delicadeza.
— Diga que eu não estraguei tudo — Ela já
esperava por uma má notícia.
— Você não estragou tudo. Só precisamos cortar
as bordas e servir as fatias centrais.
— “Mulher solteira de 35 anos queima lasanha
na manhã de natal e é salva pelo filho” — Tomou um gole de sua taça de vinho,
escorada no balcão. — Odeio os tabloides. — Atentou para a mágica que fazia com
os talheres. — Onde aprendeu a fazer isso?
— Genevive nunca acertava nas receitas. Era
meu trabalho fazer o melhor dos seus erros.
— Querido, como você comeu sua vida inteira?
— Eu tenho... mãos — Ele sorriu, sem graça. Estava
pronta sua arte.
Agora degustava de uma outra taça de vinho,
que poderia ter sido deixada ali por qualquer um, estrategicamente. Amanda não
se importava que bebesse. Nem Aaron, nem Megan, ou Axel. Gostava de pensar que
eram a família perfeita de um comercial de charutos importados, sem os bigodes.
Pela porta da cozinha, Amanda tinha uma clara visão
do porte físico de Axel falando ao telefone, sorrindo para o nada, atrapalhando
os cabelos, andando de um lado para o outro em frente à mesa de jantar.
— Ele é gostoso — Apontou para
ele com a taça de vinho. — Com certeza o faria se o encontrasse no
ensino médio.
— Mãe, qual é? — Ele quase sorriu. O
constrangimento havia ganhado por 51% do seu senso de humor. Em conclusão, 49%
ainda concordavam com a observação indiscreta. Suas bochechas ainda ficaram
vermelhas, quando os olhares se cruzaram e pensou na possibilidade do outro
estar lendo sua mente.
— Não o troque por uma menina — O jeito que
ela andava dizia muito sobre a quantidade de vinho que ingerira em uma única
virada de noite. — Eu o proíbo. Terminantemente.
E ele sabia que não poderia, uma vez cravado
em sua memória a noite no parque de diversões. O primeiro encontro. Axel era mesmo persuasivo.
Todos juntaram-se à mesa com a bênção da
anfitriã. Amanda e Aaron nas pontas privilegiadas; Matty, Axel, Grant e Phoebe de
um lado; Sarah Michelle, Eliza, Megan e Jessica do outro. Vasilhas e formas
foram passadas de uma mão a outra, à medida que se serviam.
— Bem, feliz natal — Aaron tomou um gole de
vinho.
— Não saí de casa para comer salada — Jessica
parecia decidida.
Na ponta da mesa, Amanda despejava uma poção
de purê sobre seu prato. Ofereceu-se para ajudar as meninas, e sem querer,
atrapalhou o movimento de Grant, que tentava deixar a salada no lugar. A
vasilha de vidro quase caiu, Grant segurou firme e eles se entreolharam,
sorrindo abobalhados. Pediram desculpas, ao mesmo tempo, o que os deixou ainda
mais sem graça. Aaron foi o único a notar o clima.
— Você ainda tem a cicatriz — De frente para
Axel, Megan não teria como não notar.
Ele não fora ferido gravemente durante a
explosão na fazenda dos Fitzgerald, se não fosse por alguns ossos quebrados da
costela e do braço direito. Um mês depois, a cicatriz de queimadura no pescoço
era o único indicativo de que realmente estava lá. E sobreviveu.
— Ah, sim — Ele a tocou com a ponta dos dedos.
— É um lembrete constante.
— Posso recomendar um especialista.
— Obrigado, mas não sei se poderia pagar.
— Minha amiga Tina conhece um cirurgião que
não cobra nada se dormir com ele.
A mesa inteira caiu na risada.
— Ai meu Deus! — Amanda atirou uma tampinha de
garrafa nela. Estava vermelha de tanto rir. — Você é inacreditável!
— Por favor, não durma com seu cirurgião —
Matty também entrou na brincadeira.
Axel não teve escolha senão fazer o mesmo.
— Eu não pretendo — Olhando para Matty, tinha
certeza que estava no lugar certo.
Sarah Michelle, a menininha de cabelos loiros,
olhava para eles com admiração.
— Eles são tão fofos — Dizia. — Posso ser a
barriga de aluguel do seu bebê?
Os convidados fizeram outro coro de risadas.
Se não estivessem tão confortáveis com a descontração, Aaron teria feito pior
que cuspir metade do vinho no prato que comia.
— Por que você vai ter o bebê deles? — A
menininha de cabelos castanhos perguntou a irmã. — Não podemos viver em uma
base militar e desenvolver armas secretas com tecnologia alienígena se você
estiver grávida.
— É claro que podemos, temos luvas italianas —
Ela ergueu as mãos. — Mãe, podemos ficar grávidas?
— É claro, querida. Mas só quando crescerem...
eu espero.
— Sim, quando crescerem. É a melhor coisa que
pode acontecer na vida de uma mulher — Amanda sorriu para o filho. — E quando
eles crescem, podemos sempre coloca-los para ajudar em casa.
Sarah e Eliza trocaram um olhar que apenas
elas podiam entender.
— Acho que ela precisa de uma doméstica — A de
cabelos loiros comentou.
— Totalmente — A outra concordou.
Logo o assunto mudou – para qualquer coisa que
viesse a calhar. Foram da gravidez a vida noturna de Amanda, o sonambulismo de
Axel, programas de TV, micos em frente a celebridades, resoluções para o
próximo ano, a vaga de Matty em Dartmouth e férias de verão.
Matty teve este sonho, algumas vezes, em que acordava
na manhã de um feriado e seus pais o levavam de carro para pescar. Nunca soube
o motivo da quebra de rotina; poderia ser natal, ano novo, ação de graças, ou
dia da independência. Não precisava entender o que fosse além do efeito
nostálgico de uma viagem em família. Às vezes Ian o ensinava a lançar o anzol.
Às vezes ficavam sentados na canoa, observando a vida dos peixes. Às vezes
acordava antes que chegassem ao lago, e sabia que, se continuasse a dormir, o
sonho aconteceria do mesmo jeito.
O curioso era saber que nunca dormira o
bastante para conhecer o final. Eles nunca voltaram para casa, nunca vira o céu
escurecer, nunca ouvira os pais dizendo que estava na hora de ir embora. É isso o que significa para sempre?
Ele prestou atenção em cada um dos rostos que
o cercavam. A nova família tinha algo em comum. Todos perderem alguém para algo
tão obscuro que quase os devastou. Mas nunca, de verdade, se sentiriam
incompletos. Matty sabia que não se sentia.
Amanda tocou sua mão, em cima da mesa, e
sorriu-lhe o mesmo sorriso que guardara para os dias que já se passaram. Não
precisavam dizer uma palavra; o entendimento vinha pelo olhar e pela companhia.
Aaron, Megan e suas filhas. Grant e a terceira nova namorada do mês. Jessica,
antes da separação com Amanda. Matty e Axel, para o que em pouco tempo viria a
ser um relacionamento sério. E Chloe, na moldura do armário. E Erin, na próxima
foto. Melanie, a irmã de Megan, também havia ganhado uma moldura na sala de
jantar.
Estão todos
aqui, Amanda então soube.
Foi a primeira manhã de muitas outras em que a
família se reuniu na residência dos Estwood. Anos afundo, até a nova geração viria
manter a tradição.
φ
O Tenente Schwarz vira a aproximação do
oficial Hoyt pela vidraça da sala. Dispensou um dos cadetes, com quem
conversara pelos últimos dez minutos.
— Tenente — O policial o cumprimentou, abrindo
espaço para que o outro se retirasse. Tinha em mãos uma pasta de documentos,
ostentada com a insígnia da Divisão de Homicídios de Seattle. — Saíram os
resultados do exame de DNA de Dylan Hardesty.
— E?
— O Senhor precisa ver — Estendeu-lhe os
documentos.
O Tenente leu, releu e releu. Não era
possível.
— Deve haver algum engano. Peça para que os
testes sejam refeitos.
— Pedimos três vezes, Senhor. Dylan Hardesty
não é filho de Nina Marshall.
O velho homem pensou por um instante.
— Então quem é?
Epílogo
Madison
– A Assassina
“Um homem sábio disse, certa vez, que todos
nós temos o poder de matar em mãos, mas apenas os que não têm medo controlam a
própria vida. Em essência, tudo lhe pertence, até mesmo quando você o tira”.
“Minha história não começou por acaso. Quase
morri no ventre de minha mãe, após ela ter sido atacada por um famoso serial
killer – que eventualmente descobri ser meu tio. Então fui tirada dela, com o
único intuito de dar-lhe um motivo para seguir a chacina a qual o homem por
trás deste plano dedicara sua vida inteira. Carter Van Der Hills, nosso
verdadeiro herói. Se você for estúpido o bastante para acreditar nisso”.
“Esta é a parte da história que ninguém
conhece: Carter tinha um ponto fraco. A inocência de uma criança, como a dele
fora arrancada, era a única coisa que seu instinto assassino o levava a
preservar. Nunca teria coragem de criar uma jovem menina inocente, como eu,
para se tornar uma assassina vingativa. Queria que eu tivesse uma vida, um
futuro, que não envolvia morte e carnificina”.
“Talvez devo agradece-lo, Senhor Van Der Hills,
pela oportunidade de continuar viva. Porque não é o que podemos dizer do pobre
garoto que você convenceu ser órfão por mérito de Amanda Rush. Também não
justifica tê-lo escolhido porque era fruto de um crime sexual, assim como
Matthew Hilliard. Mas eu entendi a referência”.
“De certa forma, você sempre me quis por perto
para que tivesse um Plano C à sua disposição, por isso se certificou de que eu
estudasse no mesmo colégio que seu pupilo e sua futura vítima. Bem, isso é muito,
muito triste. Embora corra o risco de partir seu coração putrefato, devo dizer
que não há nada mais patético que fazer um filme de terror. Na vida real,
apenas uma coisa importa. O dinheiro”.
“Tenho muito disso agora que o corpo de Dylan
apodrece no mar aberto. Lembra do seu advogado correspondente? Estou transando
com ele e gastando o seu dinheiro em viagens, joias e roupas de grife. Ele me
chama de Lolita; eu o chamo de banco central. E em alguns minutos, serei
conhecida apenas como a herdeira”.
“Não sei onde Amanda Rush e seu grupo de
sobreviventes patéticos estão agora. Não me importa que vivam vinte, trinta ou
quarenta anos a partir daqui. Que morram de velhice, ou câncer no estômago,
como o proletariado americano. Nunca mais os verei, e eles nunca saberão que Jamie
era uma garota. Sinto muito, mamãe. Você mesma causou a sua morte. E eu estou bem
longe de causar a minha para fazer valer o seu legado paupérrimo”.
“Quando contarem essa história, certifiquem-se
de que eu esteja morta. Se viverem até lá”.
Fechou o diário num clique. Atrás dela, na
cama, o homem que Matty conhecera como senhor Hardesty a aguardava, desnudo. O
iate balançava de um lado para o outro, sob as ondas marítimas.
— Estou pronta — Ela disse, tirando a blusa,
depois o sutiã. Foi até ele sutilmente.
Beijaram-se então; amargo para ela, doce para
ele. Rolaram na cama, enlaçados, e ela ficou por cima. Apertou seu quadril
contra o dele, ainda de calcinha. Se antes não ficara desnorteado com a simples
visão de seu corpo, agora perdera a noção de si.
— Eu quero mais — Ele sussurrou no ouvido
dela.
Havia uma faca, escondida atrás do travesseiro
onde ele deitava a cabeça, a qual aguardara o grande momento. Madison o prendeu
entre suas pernas, apanhou a arma e o apunhalou onze vezes seguidas no peito.
Esta seria a resposta às súplicas sexuais que ele fizera. De tão bom que se
achava por seduzir uma colegial três vezes mais nova, morrera à sombra de sua
luxúria.
Ela estava encharcada de sangue. Cansada
também, pelos movimentos repetitivos com a mão direita. Esperou alguns segundos
na cama, fungando, arrumando o cabelo, antes de levantar. O espelho na
cabeceira estava de frente para ela e refletia traços distorcidos pela decoração
ornamental. Mesmo assim, suja de sangue, parecia deslumbrante.
— Sinto muito, querido — Disse ao jogar um
lençol por cima do cadáver.
Jogou a faca pela janela circular e foi ao
banheiro lavar as evidências. Vestiu uma roupa de praia que encontrara no
closet, junto a um óculos lilás. A maleta de dinheiro encontrara embaixo da
cama. Sete milhões de dólares, o que
restava da fortuna de Carter Van Der Hills.
Desceu com ela até a lancha inferior, na
garagem do iate. E desapareceu no oceano para nunca mais ser vista.
A identidade do verdadeiro filho de Nina
Marshall continua um mistério.
Especial: A Punhalada 4 (2017)
Aos dezoito anos, a maioria de nós
segue enfrentando as escolhas mais difíceis das nossas vidas. Não é uma decisão
justa, se levarmos em consideração nosso hábito constante de mudar de ideia. O
que mudou, para mim, diante disso, foi não precisar pensar demais.
Não lembro qual o primeiro livro que
escrevi ou a primeira narrativa que planejei. Mas lembro de, aos cincos anos de
idade, pedir toda semana um fichário novo para minha tia, pois precisava
colocar minhas histórias em dia. Ela me incentivava, na medida do possível. Só
tive alguns problemas na hora de explicar como uma criança de cinco anos não
tinha qualquer restrição quanto a histórias de terror – o que poderia indicar
um problema, mas posteriormente virou uma admiração.
Estou contando tudo isso pois me
considero infindamente sortudo por saber quem eu era, o que eu queria e onde
poderia chegar antes mesmo que me fizessem essa pergunta. Não quer dizer que tenha
sido fácil; sempre fui um garoto pobre de Belém do Pará que tinha aspirações
maiores que a sua realidade. Mas todo o trabalho duro, todas as superações, vieram
a partir de uma grande promessa. O dia em que estaria tão orgulhoso do meu
trabalho que me sentiria genuinamente como um escritor, mesmo que apenas eu, ou
os meus mais próximos, soubessem disso.
Preciso fazer bom uso do clichê
agora, é inevitável. Me faltariam palavras se eu tentasse explicar o quanto o
blog mudou a minha vida. É claro, são anos de trajetória, e centenas de reviews
para aperfeiçoar minha escrita. Quando me lembro que tudo começou com o primeiro
A Punhalada, em meados de 2011, é
até difícil acreditar que acabou. Essa é a palavra que eu não queria dizer,
talvez por isso o desfecho tenha chegado tão atrasado.
A Punhalada 3
terminou em 2014, com a promessa de que, o mais rápido possível, teria
continuidade. Eu não tive a intensão de deixar o quarto livro na geladeira,
simplesmente aconteceu. Cheguei, inclusive, a pensar que o momento havia
passado e não conseguiria entregar um bom material. Se eu não fosse eu, o
brasileiro, que não desiste nunca, estaria agora dando a notícia do
cancelamento e não publicando o último capítulo.
Se quiser saber mais sobre o quarto e
último livro da franquia, aqui vão algumas curiosidades.
• Nomes:
A ideia principal de execução dos
assassinos era relacionar os nomes de suas vítimas a heróis de filmes de
terror. Por isso há uma quantidade enorme de referências. Não preciso explicar
todas, pois a história fez isso. Só queria ressaltar alguns nomes.
Grant: Homenagem ao ator Grant
Gustin, de The Flash. Houve uma
época em que eu era obcecado por ele. Amelia: Boa noite, Grey’s Anatomy. Ruby: Inspirada na
personagem de Katie Cassidy na 3ª Temporada de Supernatural (embora a fisionomia das duas sejam opostas). Matty: É
o meu nome americano masculino preferido. Se não fosse tão “americano” assim,
juro que colocaria em um filho.
• Sexualidade
Alguns fãs ficaram confusos com a
representatividade LGBT neste livro, talvez por não haver representações tão diretas
nos outros três. É bom ressaltar que a ficção está evoluindo não só nos
web-livros aqui do blog, mas como um todo na indústria do entretenimento. O
conteúdo é adaptado para o consumo de todas as pessoas, não apenas de classes
maioritárias.
Outra coisa que é bom explicar é que
nenhum personagem “mudou” de orientação sexual para fazer valer a tal representatividade. Amanda já havia beijado uma garota em uma festa no segundo
livro, portanto, havia traços de uma bissexualidade que apenas não foi explorada
no começo. Bianca, a transexual, seria a primeira transexual em um slasher caso
o roteiro fosse filmado. Matty é pansexual, Axel é gay, e isso não se chama
militância, é apenas a realidade. Não vivemos em um mundo todo hétero, branco e
cristão. É bom lembrar disso.
• Boys
Turn
Nos primeiros livros, reservamos um
espaço – obrigatório – para enaltecer as mulheres da franquia. Tanto Amanda
quanto Megan e Chloe ganharam cenas de perseguição exclusivas, e que não
terminavam com elas sendo salvas por um homem (!). Para o quarto livro, a ideia
era inverter os papeis. Queria que Aaron tivesse momentos só para ele e que Matty
se transformasse em um final boy
revolucionário. Vamos fazer os meninos sofrerem um pouquinho também, né?
• Final Alternativo
A ideia original era fazer com que
Amanda cometesse suicídio se jogando do penhasco para acabar com os planos de
Dylan. Optei pelo final feliz por covardia - ou amor, o que melhor servir. Não
tive coragem de matá-la depois de tudo o que ela passou. Penso nela como uma
versão feminina de mim mesmo, seria como acabar com a vida da minha irmã gêmea
e deixar seu filho órfão. Pois é.
Também na versão original do roteiro,
Aaron seria assassinado numa cena estilo “Casamento Vermelho”, onde Megan seria
esfaqueada, mas sobreviveria para acertar as contas com o assassino. Desisti da
ideia por falta de tempo para desenvolver a trama. Notem que Megan não tem uma
participação mais ativa no final da história. Este é o verdadeiro motivo.
• Inspiração
A estética narrativa traz muitas
referências a outras produções. O Capítulo 4: Detenção, foi inspirado em um
episódio de Dawson’s Creek (1998), que, basicamente, recriava a narrativa do filme Breakfast Club (1985). Já para o Capítulo 3: Não Me Esqueça, utilizei elementos
apresentados na série Teen Wolf (2011-2017), onde também havia um time de lacrosse. É algo
realmente importante, pois é a partir deste esporte que se intensificam os
dilemas entre o protagonista e seus colegas.
A morte de Lila no celeiro, no Capítulo 10: Anjo da Morte, foi
inspirada em uma cena de Halloween 5:
The Revenge of Michael Myers (1989). O filme é bem fraco em comparação aos
dois primeiros, incluindo na morte do casal do celeiro. Decidi, então, fazer o
que não fizeram. O mundo do slasher está cheio de produções que desperdiçam
grandes oportunidades. Ainda bem que nossa franquia não é uma delas.
A perseguição de Matty no Capítulo 11: Final Boy, possui elementos
de filmes diversos. Para começar, a ideia era fazer uma perseguição tão longa
quanto a de Helen Shivers em I Know What
You Did Last Summer (1997). A cena do jogo de gato e rato no celeiro foi
inspirada tanto na perseguição de Gale em Scream
2 (1997) quanto na perseguição de Mia em Evil Dead (2013). Quando Matty encontra a cidade, os autofalantes
são acionados e ele sente que vai enlouquecer. Esta cena é uma homenagem a cena
clássica de House of Wax (2005),
quando Carly, a protagonista, corre para o meio da rua e a cidade parece viva
ao seu redor.
• Madison:
The Killer
Durante o terceiro livro, pensei na
possibilidade do filho de Nina Marshall estar vivo, e ser, na verdade, uma
menina, ao contrário do que os protagonistas acreditavam. Mas era cedo demais.
O filho de Nina ainda era uma criança quando Carter começou sua vingança. Seria
melhor deixar para o próximo livro, e assim tudo ficaria bem amarrado.
Como Dylan já estava cotado para
viver o assassino, a única maneira de aproveitar este plot twist foi colocando
Madison como a verdadeira herdeira que nunca será encontrada.
• É mesmo o fim?
Não queria ter que dizer isso, mas
nossa história acabou. Dezesseis anos se passaram na cronologia da saga.
Tivemos tempo para explorar absolutamente todas as fases da vida dos nossos
protagonistas. Eles já chegaram aonde deveriam, com quem deveriam, e como
deveriam. Não me sinto no direito de mexer com isso para prolongar uma história
que já foi contada.
Quatros livros são o suficiente? Se
não for, vão gostar de saber que estou em processo de pré-produção de uma
nova saga slasher – dessa vez, 100% original. Compartilharei ela com vocês assim que
estiver pronta. Pode demorar, é claro, então sejamos pacientes. Basta saber que não deixaremos o legado de A Punhalada morrer. Essa saga marcou
minha adolescência e eu nunca vou me desfazer de verdade do que construímos
aqui.
Muito obrigado por nos acompanhar. Até a próxima
era, pessoal!
A Punhalada
2011 - 2018
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