Livro | A Punhalada 4 - Capítulo 10: Anjo da Morte
— Tudo bem, Senhora Dommett. Feliz dia das
bruxas — Megan desligou.
Aaron, ao seu lado, no volante, esperava por
uma resposta.
— Então?
— Ela disse que o filho foi a uma festa na
fazenda dos Fitzgerald como a outra garota, o que significa que temos pelo
menos duas das possíveis vítimas indo a mesma festa — Ela remexia as fotos em
seu colo. Havia ao menos duas para cada estudante envolvido nos ataques do
Roosevelt High. — É a nossa melhor aposta — Concluiu.
Mas Aaron não tinha tanta certeza. A Fazenda
dos Fitzgerald ficava a uma hora de onde estavam, seguindo as estradas
principais – por ventura, mais seguras. Pela floresta, talvez, pudessem ganhar quinze
minutos – correndo o risco de danificar o veículo. E nada disso garantia que
chegariam a tempo para evitar algum ataque.
— Por que é sempre em uma casa afastada da
cidade? — Não era uma pergunta direcionada à esposa; era apenas uma pergunta.
— Você lembra quando tinha a idade deles?
— Sim.
— Era mais fácil beber e transar em uma festa
no centro da cidade sem ser incomodado por policiais ou em um lugar tão
distante que apenas jovens chegariam? Você perdeu sua virgindade em uma dessas
festas, sabe como funciona.
Aaron fez uma mancheia de caretas que poderiam
significar qualquer coisa, menos estar confortável com aquela situação.
— Nós nunca falamos sobre isso.
— Amanda me contou — Ela deslizou o gloss
pelos lábios duas vezes. — Mulheres conversam, querido. Sobre tudo.
— Até sobre...
— É claro que conversamos sobre o tamanho.
Diga isso a seus amigos na delegacia, seria divertido ver agentes da lei com
medo de mulheres.
Até ele estava com medo, sem dúvidas. Era
melhor deixar o assunto para outra noite um pouco mais assustadora.
— Tudo bem — Sorriu, derrotado. — O que temos
sobre as possíveis vítimas?
— Bem... — Ela puxou uma das fichas de trás do
amontoado. — Axel Dommett contatou a polícia há alguns dias afirmando ter
recebido um cartão do dia dos namorados ameaçador. De acordo com Matty... —
Puxou a outra fixa. — Seu amigo Dylan encontrou uma serra elétrica de brinquedo
cravado em uma das fotos da família, dentro de casa. E sobre Lila... — Puxou a
última ficha. — Tudo o que sabemos é que ela foi uma das sobreviventes no ataque
ao colégio.
— De que forma seus nomes estão relacionados
na nossa teoria?
— Axel é uma clara referência a Dia dos
Namorados Macabro. Porém, não o original, pois Axel é o assassino. Apenas no
remake de 2009 seu personagem ganha uma chance de ser o herói, invertendo os
papeis com o herói original. Dylan Hardesty é uma referência a Sally Hardesty,
a final girl de O Massacre da Serra
Elétrica, de 1974. E Lila... bom, esta é a única que ainda não desvendamos. Só
podemos considerar ela e Ruby Donahue possíveis vítimas por estarem juntas no
ataque ao Roosevelt. Fora isso, nenhuma delas recebeu qualquer tipo de ameaça.
Aaron pensou por um instante. Estavam indo
longe demais, se as possíveis vítimas deixaram de se encaixar no padrão
estabelecido pelo assassino. Por outro lado, Bianca morrera para que o
assassino colocasse as mãos em informações confidenciais sobre o projeto das
investigações; o que deixa claro que nem sempre poderão prever as mortes.
Coerente seria pensar que o assassino não deixaria a noite de halloween passar
em branco quando a poderia laivar de sangue.
— Vamos pensar um pouco mais. Que filmes
estamos esquecendo?
— Eu não sei — Ela deu de ombros. — Trouxe a
ficha técnica com todos os filmes de terror dos últimos 50 anos e não há nada.
— E se estivermos falando de um filme ainda
mais antigo?
— Você diz, em preto e branco? O único que eu
assisti foi Psicose, mas...
Os dois consideraram a ideia em silêncio.
— Megan, qual era o nome da irmã da Marion
Crane, que apareceu logo depois da cena do chuveiro?
Megan pegou o celular para checar. Só em ler o
nome, sentiu gelar a espinha.
— Lila Crane — Murmurou, claramente receosa.
Aaron virou o carro na estrada de maneira
brusca, em meio aos veículos que seguiam na direção contrária.
— Merda! Eles vão morrer! — Gritou.
Estava farto de jogo limpo. Quatro jovens
corriam perigo naquela fazenda; por eles, atravessaria todos os sinais
vermelhos e dirigiria a toda velocidade.
φ
A escada rangia estridente a cada degrau que Madison subia. Não que pudessem ouvir, devido a música alta. Mas em algum momento, a madeira cederia e um jovem descuidado poderia ficar com a perna presa. Estúpida casa de campo – Pensou.
Quando abriu a porta do banheiro, flagrou Lila
em um delicado dilema. Havia uma mancha vermelha no seio esquerdo da fantasia
angelical, que se recusava a sair com a água da torneira. Bem, não era problema
seu. Fechou a porta e foi para a frente do espelho, o gloss labial preparado.
Achava engraçado a maneira como Lila fingia
não se importar com sua presença, quando ter a editora chefe do Roosevelt Today,
na sua cola, não tivesse piorado ainda mais. Pensou que talvez quisesse chorar
em cima de uma fantasia que não serviria mais – ou que pertencia a outro alguém
–, o que a obrigaria a se retirar pacificamente e nada discreta.
E tudo o que Lila desejava era não passar a
noite inteira sendo relacionada a mancha vermelha em sua fantasia. Ou então diria que é apenas sangue.
— O que você está fazendo, querida? — Perguntou
a jovem.
— Falhando.
— Isso é verdade — Olhou-a de cima abaixo,
através do espelho. — Você pode tirar sua blusa, se quiser. É Halloween.
— “Pelada” não é uma fantasia.
— Mas funciona — Madison voltou a olhar seu
reflexo, dando um estalo nos lábios. — Eu tiraria a minha se estivesse de
sutiã.
Lila estava pensando em duas coisas. A
primeira: Poderia usar detergente neutro para retirar a mancha. E a segunda:
Madison Summers não tinha limites. E não se importava.
— Preciso dizer — Madison virou. — Sinto muito
pela sua perda. Sei que Adia e eu não nos dávamos bem, mas ela não merecia o
que aconteceu. Somos americanos, não merecemos morrer.
— Okay... — Lila não sabia se havia entendido.
Se não fossem americanos, mereceriam?
— Deixe uma flor para ela no túmulo improvisado
no segundo cômodo, aposto que vai se sentir melhor. Tchauzinho — Mandou um
beijo com as mãos.
Não precisava se incomodar em homenagear Adia
uma última vez; Lila Já se sentia muito melhor apenas em vê-la ir embora.
Do lado de fora, Madison cruzou com Ty Curtis,
que observava a festa do parapeito das escadas. A fantasia de bombeiro sexy
havia lhe caído bem no começo da noite. Para ela, agora, nem tanto.
— Hey, hey, hey, senhorita — Ele se colocou a
frente dela. — Aonde você se meteu?
— Estava beijando minhas amigas no toilet
feminino. É isso o que fazemos enquanto vocês pagam a conta — Tentou continuar
seu caminho, mas foi segurada pelo braço.
— Não tenha pressa. Já disse que está linda
hoje?
— Eu não sou a Adia. Você deve estar me confundindo
com alguma líder de torcida sem respeito por si mesma.
— Ela também era linda. Você sabe, antes de
ser assassinada.
Madison não queria ouvir mais nada.
— Você está bêbado, me deixe em paz —
Disse-lhe, no tom agressivo que ele bem conhecia.
Ao virar, viu três amigos de Ty se
aproximando. Um lenhador, um super-herói e um faraó. O lenhador, no meio, fora
propositalmente evitar sua passagem.
— Aonde você vai, Tinker Bell? — Sorriu sagaz.
— Vocês não querem fazer isso — Ela os
alertou.
Mal podia reconhecer seus rostos. Só sabia que
eram jogadores de lacrosse pelo porte físico e o ego gritante.
— Aposto que você quer... — Ty a agarrou por
trás.
Os outros riram, como se fosse apenas mais uma
brincadeira entre amigos. Para ela, uma
mulher, jamais seria.
Ela chutou o lenhador no meio das pernas e
arranhou o rosto do faraó. Para impedi-la, Ty a segurou novamente pelo braço,
obrigando-a a usar uma força desnecessária para se livrar. Ele a soltou com
facilidade, sem que ela esperasse, e ela derrapou sobre os pilares do parapeito
até o chão da pista de dança, no primeiro andar.
De agitada, a festa havia se tornado de um
silêncio mórbido.
— Ai meu Deus! — Ty desceu as escadas
correndo.
Uma roda foi feita em volta dela, cheia de monstros
curiosos. O jovem teve que passar por todas elas antes de chegar até ela.
Colocou o ouvido em cima de seu peito, em busca de sinais vitais.
— Ela não está respirando! — Gritou, os olhos
cheios de lágrimas. Seus amigos observavam tudo do segundo andar.
— Chamem uma ambulância! — Ouviu alguém dizer,
na multidão.
Eles nunca
chegariam a tempo.
Ty posicionou a cabeça dela para trás, como
fora ensinado nas aulas de primeiros socorros, e se aproximou para a respiração
boca-a-boca.
Não poderia dar certo, de qualquer maneira. Ty
não havia feito da forma correta, e ela não precisava ser salva verdadeiramente.
Só estava esperando que tentasse salva-la para dar-lhe um beijo de língua na
frente de todos. Viram-na cair, e ele correr desesperado para ajudá-la. Agora o
viam sendo enganado pela anfitriã da festa.
— Você facilita demais — Disse a ele,
levantando-se do chão. Seu pescoço, ao torcer, fez um crack. Então ela olhou para ele, ainda de joelhos, com seu gloss nos lábios. — Toque em mim outra
vez e eu o colocarei no hospital.
Assim a multidão abriu espaço para que ela
passasse; linda, loira e poderosa.
Entre os que viram o que antecedeu sua queda,
estava Ruby Donahue, que só fez jogar um copo de cerveja no rosto de Ty antes
de seguir o mesmo caminho que sua nova heroína. A multidão aplaudiu, a música
voltou a tocar e Ty fez sua caminhada da derrota até a porta dos fundos.
Foi quando Lila apareceu. Sem manchas, sem drama, e sem vontade de beber outra vez.
O celeiro dos Fitzgerald projetava-se a poucos
metros da casa principal como uma estalagem pontiaguda e grandiosa de três
ramificações. Uma central; a maior. E duas nas laterais. Era de um vermelho
vivo e chamativo, com janelas, portas e telhados brancacentos. A pick up
alaranjada dos donos ainda estava lá, parada em frente à porta dupla. Lila
precisou dar a volta na sequência empilhada de fenos para que pudesse entrar.
— Sebastian? — Não era um grito, nem um
sussurro. — Você está aqui?
Havia dois copos de Dry Martini em cima dos fenos. Ele
está aqui. Só não quer ser encontrado
tão fácil.
— Estamos brincando de alguma coisa? — Quis
saber. A cada passo adiante, olhava para ambos os lados e para todas as sombras.
— Porque isso não fazia parte do trato.
Mais um passo à frente ela deu. Outro logo
depois. E logo depois.
Ela suspirou de cansaço.
Aos seus pés, notou um pequeno objeto
vermelho-luminoso, que se destacava por entre o feno. Um chaveiro de hotel, pelo
que parecia. De um lado havia o número onze, e do outro, letras em azul
formando as palavras “Bates Motel”. Onde
já ouvira isso antes? Lhe era estranhamente familiar.
Seu celular tocou logo então. Sebastian, informava o visor.
— Eu estou aqui, onde você está?
— Esperando por você — A voz do assassino a
respondeu.
— Você está bem? Sua voz...
— Você deveria se preocupar consigo mesma. Eu
já estou morto.
Ela tremulou. O medo a atingiu como uma rajada
de vento frio sobre o rosto.
— É você, Sebastian?
— Ele já jogou este jogo e perdeu. Agora é a
sua vez. Você quer viver?
— Você não vai fazer isso comigo...
— Diga o nome do filme em que você está agora,
Lila Crane.
— Fique longe de mim!
— Resposta errada — Ele decretou.
Por trás dela, levou uma perna-manca até a
porta para os trancar do lado de dentro. Ela virou subitamente. E ali estavam
os dois.
— Sebastian? — Perguntou num sussurro.
O assassino deu um passo à frente e balançou a
cabeça negativamente.
Dando um passo para trás, ela perguntou:
— Você matou Adia?
O assassino avançou mais um passo e balançou a
cabeça positivamente, a faca em suas mãos brandida em um feixe de luz metálico.
Lila não podia mais pensar. Correu os passos
que faltavam até a alavanca vermelha na parede atrás dela, derrubando duas
plataformas de fenos do segundo andar sobre o mascarado. Subiu as escadas de
madeira, para a plataforma principal. Todos os fenos a sua disposição serviram
como uma barreira para impedir o assassino de subir... mas este não era seu
plano. Havia um método muito mais eficaz de faze-la descer, em seus próprios
termos.
Havia um acervo profissional de tridentes e
ferramentas de jardinagem logo ao lado, no armário da esquerda. Ghostface tomou
um em mãos e atravessou-o seguidamente pelo chão de madeira onde ela estava.
Cada vez que ela via os três dentes submergirem, um grito de pavor lhe escapava
da boca. Estava à direita, depois à esquerda, depois atrás dela, e então à sua
frente. Ela caiu no chão de madeira, em uma tentativa de fuga, e o tridente
emergiu entre suas duas pernas. Nunca havia gritado tão alto, tão desesperada.
Não demorou muito para que toda a madeira
fosse comprometida e o segundo andar viesse abaixo. Ela caiu em um dos
cubículos de animais, de onde o assassino tentou acerta-la. Ele foi com o
tridente em sua direção, mas ela desviou no momento certo, segurou a arma pelo
cabo e o empurrou para trás.
Não havia como sair pela porta da frente, sabendo
que não teria forças para levantar a perna-manca sozinha. A única saída era
pelos fundos; sem iluminação, em meio a poças de água. Um verdadeiro labirinto
sombrio, repleto de animais que gritavam tão assustados quanto ela.
Em uma curva, após os dois primeiros
corredores de madeira, o assassino atravessou uma parede podre sobre ela. Eles
caíram juntos na água suja do cubículo, sem conseguir enxergar mais do que as
frestas de luz os permitiam. Ela sentiu a faca passar de raspão sobre seu
ombro, no momento em que se levantava para correr.
Estava diante dela, enfim, a saída. Passou
pela porta dupla e olhou ao redor. À esquerda, a festa rolava solta na casa
principal. À direita, apenas árvores e escuridão.
— Por favor, me ajudem! — Sussurrou, com as
forças que tinha.
Dois passos depois, em direção a festa, sua
perna acionou uma armadilha de urso. Sentiu tanta dor que caiu de joelhos e uma
mão no chão, que acionou outra armadilha de urso. Era possível ver os ossos do
seu braço e da perna entre os dentes de metal. E sangue. Muito, muito sangue.
— Por favor! — Ela gritava. Não podia se mover
um centímetro sem ser dominada por uma dor colossal.
O assassino também estava lá. Caminhava a seu
redor como se apreciasse a arte de suas armadilhas. Por fim, haviam servido a
seu propósito.
— Não, por favor! Não! Não! — Inutilmente ela
gritava.
E com uma pena sobre as costas dela, ele a
levou de encontro a próxima armadilha de urso.
Ela morreu instantaneamente, com os dentes metálicos cravados sobre sua
cabeça.
A festa não estava nem perto de terminar na
casa principal. No celeiro, era hora de montar a exposição de cadáveres.
φ
— Tome — Axel o estendeu uma garrafa de vodka. — Vai esquenta-lo.
Matty não sabia se era uma boa ideia; o que,
nem de perto, o impediria de tomar um gole ardente.
— Então, o que aconteceu? — Perguntou.
Estavam a quinze minutos da casa principal,
traçando uma rota estreita do centro as extremidades do milharal. A poucos
metros de distância estava a floresta escura e densa. Era só até ali que
chegavam as luzes holográficas da festa que deixaram para trás.
— Ela disse que tirou uma foto dela mesma sem
querer enquanto fazia a ligação e abriu a galeria para deletar — Axel fungou.
Caminhava sempre dois passos à frente de Matty, sem poder ver sua reação. — Foi
assim que descobriu meu acervo nada elegante de pornografia. Eu entrei em
pânico, claro, e comecei a dizer obcessivamente que aquilo não era nada, que
provavelmente alguém do time de lacrosse havia colocado aqueles vídeos ali para
me pregar uma peça. Ela não acreditou, e eu a beijei a força, para faze-la
acreditar — Deu um ar de risos depressivo. — Nunca contei essa história como
realmente aconteceu. Você é o primeiro a saber.
— Por que eu?
— Eu não sei — Mostrou um sorriso maroto para
ele, numa breve troca de olhares. — Talvez eu ache seu gancho de direita muito
inspirador.
Eles riram juntos. A bebida, depois do segundo
gole, passou novamente para as mãos de Axel.
— Quer saber? — Matty disse. — Todos nós somos
babacas. Na sexta série eu escrevi uma carta de amor para o Paul Dinacov me
passando pela garota que ele gostava. No mesmo dia ele foi falar com ela e levou
um fora na frente de todas as meninas da sala.
— Por que você fez isso?
— Porque ele sentava na minha frente e não me
deixava ver a lousa com aquele cabelo enorme. Você lembra?
Provavelmente todos lembravam. Paul Dinacov
era o aluno de intercâmbio que se recusava a cortar os cabelos por causa de sua
religião e nunca usava os banheiros do colégio. Ao invés do loiro mecânico, que
crescia para baixo, seus cabelos pareciam um black power de tão volumosos. Algo
como as esculturas greco-romanas de anjos.
— Eu entendo — Axel chutou um amontoado de
folhas. — Deve ter sido uma tortura.
Quando notou a tonalidade das luzes, Matty
olhou para trás. O clima havia mudado repentinamente, e já não podia mais ouvir
a música.
— Estamos muito afastados da festa.
— Está com medo?
— De você? Não, de você eu dou conta.
— Não se esqueça que eu também estava na
biblioteca quando o ataque aconteceu. Eu não posso ser o assassino — Passou a
garrafa para as mãos de Matty.
— Se tem uma coisa que eu aprendi com a
trilogia de Amanda Rush é que sempre há mais de um assassino. Da última vez
foram três, então qualquer um de nós é suspeito.
Axel virou, dando pequenos passos para trás, e
o tomou para perto de si, por uma das mãos.
— Você não está correndo perigo... — Sua voz
era um sussurro convidativo. — Ou está? — E entre sorrisos o beijou,
delicadamente, com as mãos sobre seu rosto.
Matty tão havia sido pego de surpresa que
acabou esquecendo que tinha uma garrafa em mãos. Ela caiu diretamente nos
sapatos de Axel, quando passou o braço por cima do ombro esquerdo dele. Ele
gemeu, então sorriram juntos, e beijaram-se igualmente. Dessa vez, Matty tomou
a liberdade de apalpar a parte de trás de sua calça.
— Uow — Axel não sabia se estava assustado ou
estranhamente confortável. — Isso é... novo.
— Desculpe, esqueci que você era boca virgem —
Matty brincou. — Nosso beijo deveria ser mais especial.
— Não zoa comigo — Ele mesmo parecia se
divertir com a situação. — Só fui pego de surpresa — Deu dois passos para trás
e topou com um espantalho. Matty estava rindo do seu grito de pavor. — Ai meu
Deus! Você tinha visto isso aqui?
O boneco a sua frente estava preso numa tora
de madeira com dois metros de altura. Usava um macacão quadriculado nas cores
azul preto e marrom e tinha os olhos e a boca costurados com linha negra.
Assustador, até para quem sabe que não é verdade.
— Eu vi — Matty confessou.
— E por que não disse nada?
— Porque seria mais engraçado vê-lo tomar um
susto.
Se ele não tivesse um sorriso encantador, Axel
não estaria tão desencanado.
— Agora estamos quites — Matty tomou a frente.
Estavam, de pronto, indo em direção a floresta.
— Pelo que?
— Não me diga que esqueceu da contusão
maravilhosa que você e Mason me renderam no meu primeiro dia de treino.
— Eu fazia tudo o que ele mandava... e queria
saber até onde você aguentaria. Sabe, como um teste.
Matty olhou para ele.
— É sua maneira sutil de dizer que implicava
comigo porque gostava de mim?
— Eu não seria assim tão clichê, mas estaria
mentindo se dissesse que você não chamava minha atenção.
— Isso não é papo de bêbado?
Axel entendia porque ele pensava assim. Em
qualquer outra ocasião, seria. Mas apenas quando tratasse de garotas.
— Claro que não. Na verdade, quando voltarmos
para o colégio, você virá a um encontro comigo.
— Okay... — Matty fez uma careta. — Você não
precisa pedir, primeiro?
— Eu vou pedir, só estou adiantando que você
dirá sim. Eu sou muito bom nisso quando estou usando minha camiseta da sorte.
— Deixarei você tentar.
Axel olhou por cima dos ombros dele. As luzes
da casa principal esvaneciam aos poucos.
— Acho que devemos voltar ou perderemos o
melhor da festa.
Matty também olhou. Em contraparte, teve a
impressão de que a festa poderia estar acabando.
— É, acho melhor — Concordou.
— Vem. Vamos dar ao bar um motivo para nunca
mais ser open.
Por detrás das árvores, o assassino os
observou partir. Estava quase na hora.
φ
Dylan percorria os cômodos da casa principal sem
nenhum senso de direção. Foi ao banheiro, entrou nos quartos, vasculhou a
entrada dos fundos, e nada do que encontrava, graças ao efeito da bebida, se
parecia com um jovem usando moletom de esqueleto.
— Você viu Matty? — Perguntava a qualquer estranho
que lhe aparecia.
Na pista de dança, topou com Madison e suas
amigas em mais uma performance exclusiva para os garotos da faculdade.
— Madison, você viu Matty? — Precisou gritar.
Ela nem assim o havia entendido.
— O que?
— Matty! Meu melhor amigo pansexual que é
incrivelmente mais bonito que eu!
— Eu já beijei você hoje! Espere pelo próximo
halloween!
Notoriamente, conversavam sobre assuntos
distintos. Logo após, sobre assunto algum.
Um trio de universitários a tomou pelos braços
e a ergueu o mais alto que podia no centro da pista de dança. Rainha das Trevas! — seus gritos soavam como um grito de guerra. Dylan,
inevitavelmente, ia da lembrança do beijo de Madison à expectativa do próximo
Halloween.
— A festa acabou! — Ouviu alguém gritar.
Olhou ao redor e viu um grupo de policiais
atravessando a porta até o salão. Não demorou muito para cessar a música e
ouvir os lamentos de quem estava presente.
Aaron
Estwood, Dylan reconheceu. Enquanto os jovens
se retiravam, caminhou até ele.
— Hey, o que está acontecendo?
— Toque de recolher — Aaron achou ser uma
mentira necessária. De fato, estavam terminando com uma festa sem qualquer
motivo oficial, numa cidade onde não tinham jurisdição. — Matty está aqui com
você?
— Ele estava há alguns minutos. Disse que ia
ao banheiro, mas não está mais lá.
Aaron olhou ao redor só por precaução. A
maioria deles usava máscaras e se misturava facilmente.
— Está tudo bem? — Dylan não sabia se queria
ouvir a resposta.
— Preciso que venha comigo, é para sua própria
segurança.
— O assassino está aqui?
— Não sabemos. Mas você é um Hardesty, não
pode ficar aqui sozinho.
— Merda... O
Massacre da Serra Elétrica está mordendo meu rabo... — Tirou o celular do
bolso. — Caixa postal. Matty está por aqui, em algum lugar.
— Continue tentando, vamos iniciar as buscas.
— Deixe-me tentar primeiro. É provável que ele
fuja se vir algum de vocês. Não queria que ninguém soubesse que estávamos aqui.
Um dos policiais fez sinal com a cabeça para
que Aaron fosse até ele. Dylan foi logo atrás, o celular preso na orelha.
Dois policiais haviam sido designados a
investigar o andar de cima e mais dois ao andar de baixo. Os outros membros da
equipe adentravam alguns metros no milharal, outros checavam os fundos da
propriedade. Apenas Aaron, já sem opções, decidiu checar o celeiro. Era o único
lugar onde não haviam procurado.
Aproximou-se da porta sorrateiramente, de arma
na mão. Olhou ao redor; nenhum barulho estranho, ninguém por perto. Abriu a
porta dupla e olhou para o lado de dentro. Nada. Nem uma gota de sangue, como
houvera há apenas uma hora. Exatamente o que ele não sabia.
— Senhor, venha aqui! — Um dos policiais
gritou.
Uma mancha de sangue, no sentido oposto ao do
milharal, estava em evidência no chão de terra. As marcas de luta e respingo
davam a entender que uma pessoa fora arrastada daquele ponto até o interior da
floresta.
Isso é
estranho, Aaron pensou. Soava até fácil demais
para um assassino que conseguiu implantar bombas na Divisão de Homicídios de
Seattle.
— O que você acha? — Perguntou ao policial
mais velho, que estava abaixado recolhendo amostras.
— Acho que acertamos em cheio. Ele está aqui.
— Ou estava.
Aaron tirou três cartuchos do bolso, carregou
suas duas armas e as escondeu separadamente; uma no cinto, outra na bota
direita. Tirou o rastreador da base lateral do seu celular e o alocou no bolso
da camisa.
Se fosse para seguir seus rastros, faria com cautela.
— Vamos lá.
Capítulo 11: Final Boy (Dia 11 de Janeiro)
O único título inglês da saga, pois não me senti no direito de traduzir nossa velha expressão "Final Girl". Dessa vez é Final Boy, afinal, nova década, novas regras. Torçam muito pelo Matty nesse aniversário, porque ele vai precisar.
Especial: A Punhalada 1 (2011)
O processo criativo de A Punhalada foi um pouco mais
informal do que estamos acostumados a fazer ultimamente. Em suma, não havia
roteiro, apenas análises sequenciais que, aos poucos, tomavam a forma de uma
narrativa mais complexa. Vide saber que A Punhalada surgiu numa conversa amigável
com o Nefferson, em que debatíamos o conceito das novas regras de Pânico 4 e
como ele fora mal aplicado.
Não havia novas regras, ou havia? No final, todos os
personagens que deveriam morrer, acabaram morrendo. Todos os que poderiam
sobreviver, sobreviveram. As vadias não tiveram chances, do mesmo jeito que as
virgens não perderam o poderio. A cena de abertura também não havia mudado. É
sempre uma garota sozinha em uma casa, ou duas amigas, totalmente desamparadas.
Então, onde estavam as novas regras? A Punhalada surgiu a partir desta ideia.
Começamos, então, a explorar o oposto do que o filme nos
havia feito. Se a abertura sempre mostrava uma ou duas jovens sendo
assassinadas, por que não, dessa vez, mostrar a morte de um ou dois garotos? Se
as vadias sempre morrem, como seria se elas fossem as protagonistas e
sobrevivessem, quando a virgem, que todos imaginam ser a final girl, acaba
morrendo no começo da história? Tudo isso nos fez chegar a conclusão de que, se Pânico não tinha coragem de explorar o
oposto das regras que imortalizou, cabia apenas a nós fazer o “barro” acontecer
para consumo próprio - e para quantas pessoas pudéssemos alcançar através do Meu
Mundo Alternativo.
Eu trabalhei no livro como o autor principal. Nefferson era
mais um consultor, que eu procurava quando tinha alguma dúvida ou precisava de
uma ideia nova - de alguém que havia visto uma infinidade de filmes de terror
que eu nem passei perto. Foi uma parceria que deu muito certo e tivemos o
prazer de repetir em vários outros projetos, mas enfim, estamos falando desta saga em particular. Aqui vão algumas curiosidades sobre a produção, que eu acho que
vocês vão gostar de saber.
Em primeiro lugar, as mortes iniciais. Não sei se ainda
lembram, mas as primeiras vítimas de Brandon e Sarah na narrativa do livro
foram Jake e Nick, dois jogadores de futebol do New Britain High. Eles vieram
para quebrar o ciclo de mortes femininas na abertura de slashers, além de
servirem como um easter egg entre eu e o Nefferson. Eles, na verdade, são
baseados em nós dois (inclusive a personalidade). Suas mortes possuem duas
versões: a do primeiro roteiro, que é a minha, e foca mais em Jake. E a versão
oficial, escrita pelo Nefferson, e focada igualmente em ambos. Isso quer dizer
que eu escrevi 70% deste capítulo e Nefferson os outros 30%, como meu coautor.
Posteriormente, a minha versão foi lançada no blog como “Começo Alternativo”. Vale
a pena conferir, se você ainda não leu.
Os nomes dos personagens deste livro foram escolhidos de
forma arbitrária, levando em consideração suas personalidades e o que, na ficção, estes
nomes já poderiam representar. Aaron, por exemplo, foi o nome escolhido para o
protagonista masculino graças a Mean Girls (2004). Sempre achei que este nome
representasse um homem forte e bonito, assim como neste filme, e assim como
Aaron deveria ser. O nome Trish (Peterson), a “falsa protagonista boazinha”,
foi em homenagem à Trish Jarvis, a mocinha de Friday the 13th: The Final
Chapter (1984). Já Erin, a melhor amiga de Amanda e interesse amoroso de
Brandon, foi em homenagem a Erin do remake de The Texas Chainsaw Massacre
(2003), interpretada pela maravilhosa Jessica Biel. E Ginger, a melhor amiga de
Trish, é ÓBVIO que foi inspirada na personagem da Katherine Isabelle em Ginger
Snaps (2000), sobre uma garota que se transforma em lobisomem após ser mordida.
O nome Megan foi uma escolha pessoal do Nefferson, talvez por
causa da Megan Fox, que um pouco antes disso, tocou o terror em Jennifer’s Body
(2009). Agora Amanda, esta foi uma escolha pessoal minha. Não há nenhuma
personagem icônica de filmes de terror que se chame Amanda, mas é um nome que
eu gosto muito, desde bem pequeno. Se um dia eu tiver uma filha, este será o
nome dela com toda certeza. Mas, de certa forma, vamos considerar como uma leve
inspiração na Amanda de Saw (2003). A maneira como Jigsaw pronunciava seu nome
me fez perceber que era um bom nome para ser pronunciado por psicopatas,
hahaha.
Agora algo que vai bugar a mente de vocês (eu espero). A equipe
original de assassinos não seria formada por Brandon Rush e Sarah Richards, como
originalmente. No lugar de Sarah, a gêmea “boa”, a assassina seria... MEGAN.
Conseguem imaginar? Em algum universo paralelo, Megan sentiria tanta inveja de
Amanda Rush que iniciaria uma chacina ao lado de Brandon para a “purificação”
de New Britain. É mole?
Essa ideia só foi descartada após a revisão do capítulo 7, graças
ao Nefferson. Ele disse que Megan era uma personagem icônica demais para morrer
no primeiro livro como uma assassina. E não é que ele tinha razão? Ainda bem
que mudamos a tempo. Sarah acabou se tornando uma substituta perfeita para Megan,
nos dando a oportunidade de desenvolver um tipo de psicopatia similar à de
Brandon. No final, ambos eram obcecados por suas irmãs e achavam estar sendo
ofuscados por elas em todos os âmbitos sociais.
Para terminar, uma estimativa. Levei mais ou menos 9 dias
para escrever as 126 páginas deste livro. Um record, de fato. Mas fazendo uma
breve análise, dá pra perceber que ele não é tão bem trabalhado quanto as
sequencias. Há muito o que eu queria mudar, principalmente em relação a
narrativa, que agora eu domino melhor. Um dia, talvez, no aniversário da
franquia, eu possa relançar os livros totalmente reescritos, mas sem alterar a
história principal. É também uma forma de manter A Punhalada vivo por muito
mais tempo, agora que estamos chegando ao fim.
Espero que tenham gostado deste especial. Em breve contarei
algumas curiosidades sobre A Punhalada 2, 3 e 4.
Post a Comment