Especial

Foto:

Livro | A Punhalada 4 - Capítulo 9: Vocês Estão Todos Mortos


Axel buzinou duas vezes em frente à casa de Lila. Uma mulher loira de roupão bege apareceu na porta da frente antes que pudesse colocar os olhos na garota com asas de anjo e auréola falsa. Àquela distância, podia ver que estava sendo julgada de acordo com o tamanho de sua saia – e possivelmente sendo alertada sobre os perigos das drogas ilícitas.
— Tudo bem, mãe — Pôde ler perfeitamente nos lábios de Lila.
A medida que ela se aproximava do veículo, crianças de todos os lados subiam na varanda da casa para pedir doces.
— Feliz dia das bruxas, Senhora Blackwell! — Axel gritou, esticando-se sobre o banco do passageiro.
Um aceno tímido foi sua resposta, e então a senhora voltou toda a atenção aos pequenos monstros, sereias e princesas que a rodeavam.
— Bem-vinda ao Jolly Roger, Senhorita — Axel lhe abriu as portar com um clique no painel.
Lila olhou para ele, já no banco do passageiro. Estava fantasiado de pirata, assim como no ano anterior. E no ano anterior ao do ano passado. Axel não tinha qualquer pretensão a originalidade.
— Deixe-me adivinhar: Capitão Gancho.
— Sim, mas o de Once Upon a Time, não o dos filmes do Peter Pan.
— Só está faltando uma coisa... — Ela vasculhou sua bolsa atrás de um rímel. — Não se mexa.
— Uow, o que você está fazendo? — Ele se afastou.
— Um upgrade... a não ser que você acredite que um pouco de rímel o fará menos homem.
Ele suspirou.
— Vá em frente.
— Não se mexa — Ela pediu novamente, enquanto fazia sua arte.
Algumas pinceladas depois, estava pronto. Axel estranhamente havia gostado.
— Nada mal... para um pirata metrossexual — Quase sorriu, só para saber o quanto podia ser parecido com o Capitão Gancho dos seus sonhos.
— Agora podemos ir? Quero ficar bêbada até minha auréola de plástico virar chifres de metal.
Era este o plano, desde o começo. Axel Colocou o cinto, assim como ela, e deu partida.
Saíram do subúrbio de Seattle em poucos minutos, traçando caminho pela rodovia principal, que levava à estrada 42 com a 44; e depois em linha reta, por mais vinte minutos, até a extremidade sul. A fazenda Fitzgerald não ficava a mais de 2km da divisa municipal que separava Seattle de Burien, ambas como parte do Condado de King. População: 60 mil pessoas. Mas estendendo-se a quilômetros de floresta densa e milharais, isso pouco fazia diferença.
Um lugar distante e inabitado para que os jovens pudessem ser jovens.
— É muito quieto por essas bandas — Lila olhava pela janela.
— Nunca passou por aqui?
— Não que eu lembre. Nunca saí dessa cidade caipira, nem para uma viagem de férias — Ela parou. Talvez não fosse assim uma ideia tão boa ir a uma festa tão longe da cidade. Centenas de pessoas também estariam lá, mas mesmo assim... — Não vemos ninguém há algum tempo.
— Não me diga que está com medo.
— Eu tinha uma aranha chamada Lince Negra. Não me assusto com facilidade.
— Eu me lembro de algo do tipo — Pouquíssima coisa, como Adia se recusando a ir à casa da amiga para evitar o “monstro”. — O que aconteceu com ela?
— Meu pai a matou porque ela havia assustado a filha da nova esposa dele. A garota estava atirando pequenos objetos para matá-la dentro da caixinha de vidro, e quando ela finalmente decidiu revidar, foi morta do mesmo jeito. Meu pai é incrível, por isso as pessoas dizem que tenho tendência a ser sexualmente frustrada.
Axel, sem querer, submergiu às suas palavras, como se estivesse vendo tudo realmente acontecer. Nada lhe tirava da cabeça que Lila já havia passado por muita coisa, para que, no ensino médio, um jovem frustrado a usasse como um troféu para provar sua sexualidade a todas as pessoas erradas. Seu pai lhe havia dito uma coisa quando tinha três anos, que servia especialmente para a ocasião. Idiota! – porque havia derrubado uma tigela de cereal em sua roupinha de bebê.
Agora que se sentia como tal, fora até capaz de ouvir de novo.
— Eu nunca pedi desculpas pelo que eu fiz — Disse, no tom mais suave que podia.
— Tudo bem, Axel. Não é como se você não entendesse que errou.
— Mesmo assim, ainda acho que preciso dizer alguma coisa. Juro que não sou do tipo que sai por aí beijando todo mundo.
Ela sorriu, do mesmo jeito que sorriria se estivesse sendo cortejada. A valer, Axel tinha acabado de ficar um pouco mais atraente.
— E eu não deveria beijar você ou qualquer outra pessoa sem permissão — Ele continuou. — Muito menos para me esconder.
— Tudo bem, já passou.
— Okay — Ele focou novamente na estrada. Só então percebera que estava suando frio. — Uau, isso foi intenso.
— Podemos falar sobre garotos agora, se você quiser.
— Eu ainda nem conversei comigo mesmo sobre garotos — Deu uma risadinha nervosa, que inspirou outro lindo sorriso dela.
A pouco viram o milharal da fazenda Fitzgerald se formar no horizonte, onde, no final, havia um jogo de luzes que chamaria a atenção de qualquer viajante a quilômetros de distância. Era enorme. E assustador. O que também significava divertido. 
Estacionaram o carro na primeira fileira de vagas atrás da casa, junto de outros três veículos. Entre eles, o Nissan Versa que Dylan alugara especialmente para aquela noite.


      A decoração da casa, logo de cara, pedia por uma apreciação. Havia abóboras, esqueletos, múmias, chapeis de bruxas, teias de aranhas, cobras eletrônicas e sangue falso para todos os lados. A fogueira principal tinha pelo menos três metros de altura e abrasava tiras de madeira na vertical – além de bonecos de pano com a fantasia do fantasma mascarado em frente à entrada do milharal. E o que eram todas aquelas luzes refletoras? Elas se expandiam até o fim da plantação como uma lança em linha reta que cortava o horizonte de cima para baixo, ou de um lado para o outro, dependendo da música, e mais vezes do que os olhos humanos poderiam acompanhar. Também havia demônios, personagens do Scooby Doo e bombeiros sarados dançando na varanda. Então, se tratando de música, nada havia de errado.
Os dois se aproximaram para entrar logo depois de Axel e Lila; Matty em seu moletom preto com a estampa de um esqueleto e uma tatuagem removível de ossos no lado esquerdo do rosto; e Dylan em seu traje nada confortável de agente funerário – algo que, em suas palavras, Michael Myers provavelmente usaria.
— Você sabe que vamos morrer nesta festa, não é? — Dylan não estava certo se havia sido uma ironia. — Jovens bêbados e cheios de hormônios em uma fazenda afastada da cidade, sem supervisão de adultos. Parece familiar?
Matty parou antes de colocar os pés no primeiro degrau da varanda e olhou para cima, onde corpos falsos haviam sido pendurados. Alto-falantes sem fios eram os responsáveis pela produção dos ruídos monstruosos e os gritos de pavor que os deram boas-vindas a casa mal assombrada.
— É, estamos todos mortos — Concluiu. Por que o terceiro ato é sempre em uma festa?
Dylan tirou o celular do bolso.
— Talvez não seja tão ruim. Neste exato momento há 112 festas de Halloween acontecendo em Seattle, tirando as festas pessoais. Boa sorte ao nosso assassino se quiser nos encontrar.
— Ficaremos bêbados antes disso.
Nesse instante, Matty sentiu o celular vibrar dentro do bolso.
— Merda, é Amanda! Preciso atender.
— Afaste-se da porta ou então ela vai ouvir a música.
E assim ele o fez.
— Alô?
— Matty? Está tudo bem? — Ela soava distante, talvez por má recepção do sinal.
— Sim, tudo bem.
— Aonde você está?
— Em casa, com Dylan. Você precisa de alguma coisa?
Uma pausa sucedeu sua pergunta. Cinco segundos depois, ela respondeu:
— Não importa. Se cuide.
Ele não sabia, mas Amanda estava dentro do carro de Aaron, esperando que desse as mesmas respostas que ele havia dado.
— Ele mentiu? — Aaron perguntou, atento ao volante.
— Sim, está em uma festa. Precisamos tira-lo de lá.
— Podemos ir agora.
— Não, preciso investigar uma pista. Deixe-me no hotel que Grant estará me esperando.
Aaron assentiu. Só saberia do que se tratava quando Amanda voltasse com as notícias. Ele esperava que ela ao menos voltasse.
— Matty é inteligente — Disse. — O que está fazendo em uma festa?
Matty também não sabia, para todos os efeitos. E definitivamente não estava preocupado em seguir a fórmula tradicional para manter-se em segurança. Pelo menos enquanto estivesse com a arma que Amanda lhe deu presa na bota direita.
— Vamos! — Tomou a frente de Dylan para dentro da casa, onde a magia estava acontecendo.
Era difícil não notar o quanto Madison havia se dedicado para criar um ambiente que parecesse inóspito e ao mesmo tempo representasse seu extremo oposto atrativo. Os cadáveres falsos, as armadilhas no chão, os gatilhos no teto e as pinturas na parede não eram nada convidativos, mas a música, a fumaça e as bebidas transformavam sutilmente aquele filme de terror numa noite de sábado.
A direita, viram um barman vampiro improvisar alguns truques na serventia de bebidas, atrás do balcão. A esquerda, viram o DJ em seu pequeno palco de caixões e estacas, com dois hologramas a sua volta. No centro, apenas a pista de dança, onde a maioria dos convidados se concentrava.
— Aquela é a Ruby Donahue dançando como se estivesse sob o efeito de remédios? — Dylan apontou.
Ruby usava uma fantasia de bruxa ocidental, destacada especialmente pelo nariz enrugado e o chapéu pontiagudo. Mesmo sozinha, parecia aproveitar ao máximo a única oportunidade que tinha de fugir dos rótulos do Roosevelt High.
A direita dela, Madison tentava seduzir os garotos da faculdade em sua fantasia sensual de fada do campo, com asas roxas nas costas e mexas rosadas nos cabelos. Sebastian Gilroy, o eterno apaixonado por Adia Thompson, foi visto duas vezes enquanto caminhavam, e em cada uma delas tinha um copo diferente em mãos. Já Lila e Axel firmaram uma espécie de forte em frente as escadas, de onde podiam ter uma visão completa da pista de dança – e de todas as saídas.
— Então, o que fazemos? — Dylan perguntou.
— Qualquer coisa. Ninguém aqui se importa.
Só por tal, sabiam o que a noite reservava.


      Primeiro foram à pista de dança incandescente. Misturaram-se entre os desconhecidos, beberam de suas bebidas e trocaram nomes falsos, tudo em nome de uma amizade momentânea de sábado à noite. Foram ao bar, juntos, e pediram quantas doses puderam carregar de volta à pista de dança, chegando a tempo para dançar a abertura de Buffy - A Caça Vampiros, que fora escolhida como homenagem de dia das bruxas. Dylan foi ao banheiro, em determinado momento; já Matty, sentou-se em um dos caixões que sustentavam o DJ para tentar enganar seu estômago nauseado. Beber e dançar não era apropriado, por que ninguém nunca havia dito isso?
Dylan voltou com mais algumas doses álcool-sague-falso e eles foram para o outro cômodo, onde havia as lápides com os nomes dos seus amigos que morreram. Adia Thompson. Mason Harding. Dodger Abrahams. Matty lembra de ter pensando no quanto isso era doentio por um segundo, antes de voltar à pista de dança e esquecer completamente do que não queria ter visto.
Lila e Sebastian estavam lá.
No primeiro contato, nada disseram um para o outro. Sebastian tomou a liberdade de se aproximar dela, pouco a pouco, de acordo com o ritmo da música, e ela deixou que ele fizesse tudo o que estava pensando – contanto que não violasse a terceira base. Dançaram juntos, ela de costas, ele fungando seu pescoço. As luzes acertaram seus rostos e eles fecharam os olhos por um instante – que durou um pouco mais, como seus corpos pediam.
— Você é incrível — Ele disse, de frente para ela, as mãos em volta de sua cintura.
— Não, só estou bêbada.
— Deus abençoe os jovens da América — Ele tentou beija-la, apenas para descobrir que não estava na hora de receber seu prêmio.
— Ainda não — Colocou um dedo sobre os lábios dele. — Não sou o tipo de garota que você conhece numa pista de dança e leva para o segundo andar.
— Que tipo de garota você é?
Ela sorriu provocante.
— Do tipo que dá ordens — Aproximou-se para sussurrar-lhe no ouvido. — Vá até o bar, pegue dois martinis e me espere no celeiro.
— Vai me ensinar a rezar, pequeno anjo?
— Querido... — Mordiscou sua orelha. — Eu não sou nenhum anjo.
E assim ela o deixou. O resto era com sua imaginação.
Sebastian correu tão apressado em direção ao bar que deu de encontro com Matty e Dylan, que estavam bem ao seu lado. As bebidas que seguravam com tanto cuidado acabaram derrapando sobre eles mesmos, seus novos amigos e a pista de dança.
— Olha por onde anda, policial babaca! — Matty resmungou.
— Cara, estou vendo dois de você — Dylan o segurou pelos ombros. — Fique parado.
— Eu estou parado.
— Não, você está girando só para me irritar — Olhando por cima dos ombros do amigo, Dylan teve uma surpresa. — Ai meu Deus!
Matty virou. O que ele viu, de certo modo, poderia ser diferente do que Dylan estava vendo. Ruby e um cara da faculdade se beijando selvagemente nas escadas. Mesmo sóbrios, seria difícil acreditar.
— Aquela é a Ruby? — Matty perguntou, só para ter certeza.
— Estou vendo duas dela. Dois beijos horríveis, ai meu Deus.
— Acho que preciso mijar. Aonde você disse que era o banheiro?
Dylan olhou ao redor.
— Era... — Apontou para o primeiro corredor a sua frente, depois para o corredor do lado. — Mais ou menos... — Apontou para as escadas, depois para a porta que levava à cozinha. — Okay, vamos procurar juntos.
Dois passos depois, Madison surgiu como num passe de mágica e puxou Dylan para um beijo ardente.
— Eu sempre quis fazer isso! — Ela disse, claramente alterada.
Dylan não teve reação a não ser acompanha-la em sua loucura momentânea e retribuir o afeto. Também não precisou dispensar Matty, que já havia entendido que precisava procurar o banheiro por conta própria enquanto o amigo vivia a vida que sempre sonhou.
O DJ poderia ajuda-lo.
— Onde fica o banheiro? — Perguntou ao se aproximar.
— No andar de cima! — Ouviu-o gritar. Agora parecia tão óbvio que nem precisava ter se incomodado.
Atravessou novamente a pista de dança, passou por Ruby e seu companheiro bêbado, nas escadas, e enfim estava no andar de cima. Era como se a festa inteira tivesse ficado para trás a apenas alguns degraus. Não havia decoração, nem qualquer sinal de um jovem bêbado perambulando pelos corredores. O volume da música, a cada passo avançado, diminuía gradativamente junto dos feixes de luz do primeiro andar.
Frio e escuro, não havia como não notar.
Na primeira porta, encontrou um quarto vazio. Na porta da frente, uma sala de costura repleta de tecidos e máquinas antigas. E na porta seguinte, atravessando o corredor, encontrou um casal prestes a fazer coisas que ninguém poderia ver. Ele já estava sem camisa, e ela só de sutiã.
— Sai daqui! — Os dois gritaram em uníssono.
— Sinto muito! — Matty fechou a porta às pressas.
Olhou ao redor; haviam mais duas portas para tentar. A primeira delas era a certa, embora estivesse ocupada quando a abriu.
— Vai embora! — Era Axel tentando expulsar o forasteiro de seu território.
Estava em pé ao lado da banheira, com uma das pernas sobre a tampa do vaso e a manga do braço direito dobrada estrategicamente para pressionar os adesivos alucinógenos. Em cima da pia, Matty viu muitos deles, ostentando espécies derivadas de animais. O que Axel testara em seus bíceps quando abriu a porta era de um camaleão roxo: Sensação térmica elevada e simulação alucinógena primária.
— Me dê um — Matty pediu.
— Eu disse para ir embora, caralho.
— E eu disse para me dar um, filho da puta.
Matty bateu a porta atrás de si com a mesma firmeza que o fizera rachar os lábios de Axel na última vez que lhe disse um não. Inconscientemente, Matty sempre se sentia desafiado quando ele estava por perto.
— Escolha um.
— A baleia azul — Matty respondeu de imediato. Esperou Axel recortar a dose com uma tesoura caseira e tomou-a em mãos.
— Usamos a baleia nos pulsos.
— Não tenho tempo para essa merda — Arrancou o plástico e pressionou a imagem da baleia contra o rosto.
Axel estava impressionado. Baleia azul: Sensação térmica invernal e simulação aliviante imediata. No rosto, não nos pulsos. O que Matty guardava para seus pulsos?
— Talvez você queira sentar — Sugeriu ao garoto.
— Caralho... — Pela primeira vez, admitiu que ele tinha razão.
Matty sentou na borda da banheira, os olhos fechados e a respiração ofegante. Era demais para suportar sem um apoio.
— O que está sentindo? — Ele ouvia a voz de Axel como se estivessem dentro de uma caverna.
E não era pergunta fácil de se responder. A baleia azul havia cumprido o que prometia e trazido uma onda de frio e calmaria...
— É como estar na neve e não ser afetado pelo frio intenso — Descreveu. — Nunca provou?
— Não a baleia azul. E meio que estou tentando evitar a pantera negra.
Matty soltou algo que se aproximava de uma risada em um estado crítico de preguiça.
— Simulação de orgasmo. Legal — Pôs-se em pé com o apoio da parede e da cortina do chuveiro. Olhando no espelho, a tatuagem removível de um maxilar exposto começou a lhe incomodar. — A pior fantasia de todos os tempos — Limpou-a com água da torneira.
Lado a lado, eles nada disseram. Axel escorou-se na parede, ao lado do espelho, e Matty tomou uma cartela de adesivos em mãos. Havia girafas, elefantes e serpentes. Na seguinte, crocodilos, gaviões e cachorros. Na próxima, tigres, leões e zebras. Cada um com um propósito diferente e uma infinidade de efeitos. O que acontece quando usamos vários ao mesmo tempo? – Teria perguntado, se Axel não se prontificasse em mostrar-lhe.
Viu-o recortar o gavião e pressionar contra o pescoço, sem nem antes se livrar do cameleão em seus bíceps. Matty olhava um pouco mais para seus bíceps do que consideraria normal.
— O que ele faz? — Perguntou.
— Sensação térmica amena, estimulação de adrenalina. Para ficar acordado depois do camaleão.
Matty assentiu. Estava pensando em quanto tempo demorariam para que fabricassem um estimulante do sono, não de energia. O animal poderia ser um bicho preguiça, seguindo a lógica. Ou um gato doméstico.
— Sabe, Lila me contou algo sobre você naquela noite, quando estávamos na biblioteca.
Matty virou para encara-lo. Algo quente fez-se entre eles, tão próximos quanto estavam.
— O que? — O garoto quis saber.
— Ela disse que você é gay.
Então era essa a questão. Matty continuava em posição de ataque.
— E como isso fez você se sentir?
— Confuso — Era a melhor resposta que Axel tinha para não se comprometer.
— Você se sente confuso agora?
— Não...
A resposta certa, no momento certo, os levou a arriscar um beijo com a mesma facilidade que vulgariam os punhos. Para Matty, soou como curiosidade. Para Axel, soou como liberdade. E ele queria mais.
Envolveu-o em seus braços, em um movimento rápido, e beijou-o insaciável, tal qual pudera ser seu desafiador. Havia com ele um pouco das brigas que começara, das estupidezes que dizia e das mentiras que contava apenas para sustentar a maior delas.  Matty também podia sentir; talvez até algo além, sabendo que todas as cicatrizes no rosto que tocava foram feitas com suas próprias mãos.
— Ai meu Deus! — Ruby abriu a porta de surpresa. — Minha fanfic está virando realidade.
Envergonhados, os dois se afastaram.
— Não, por favor, continuem! — Ela implorou. — Eu vou embora, eu vou embora! Não se preocupem! Não conto a ninguém! Eu juro! Mas por favor, continuem!
Os dois abriram um sorriso constrangido, fazendo apenas o mínimo de contato visual. Pareciam não estar no lugar certo para aquilo, ainda que a garota os tenha deixado.
— Quer dar uma volta pelo milharal? — Axel sugeriu.
Outro acerto, dizia o sorriso estampando no rosto de Matty.
— Ótima ideia.
φ

Elena e Grant pegaram o primeiro elevador no seu andar do hotel. Quando as portas se fecharam, estavam em silêncio, de frente um para o outro.
As chances estavam contra ele; havia uma pista, em algum lugar, que só saberiam quando Amanda entrasse no carro e os guiasse. Havia alguém, cuja identidade só seria relevada se o encontrassem. E havia o assassino mascarado, observando-os. O tempo inteiro, em todos os lugares.
— Está com o rastreador? — Ele perguntou num sussurro.
— Sim — Ela apertou o pequeno botão vermelho na aba de sua saia preta. — Quanto tempo ainda temos?
— Ela provavelmente já deve estar aqui nos esperando — Sem querer, acabou assustando-a com o engatilhar da arma.
— Isso não me deixa nem um pouco mais calma.
— Tem certeza que quer vir com a gente?
Ela se fez a mesma pergunta desde que Amanda ligara. Queria, para se sentir segura. E ao mesmo tempo não queria, também para se sentir segura.
— Querido, é óbvio que eu vou andar com a garota que sobreviveu a isso três vezes e venceu sete assassinos.
Grant sorriu para ela. Deu-lhe um beijo protetor na testa, então olhou para a contagem de andar, acima da porta. Haviam chegado.
— Vamos lá — Tomou-a pelas mãos.
Amanda os esperava na recepção do hotel, de braços cruzados. Usava um casaco negro por cima de uma camiseta cinza e branca, junto a uma calça nas mesmas cores e uma bota de cano grosso. Seus cabelos, amarrados em um rabo de cavalo, haviam perdido a textura ondulada para um liso reto e mecânico.
— Amanda! — Grant chamou.
Juntos os três caminharam até o primeiro piso do estacionamento, onde Grant deixara seu carro alugado. De acordo com o GPS de Amanda, a pista se encontrava na estação de metrô. Mais precisamente, na sala de controle, onde homens trabalhavam dia e noite na vigilância de câmeras.
Grant preferiu não fazer perguntas, apenas dirigiu até lá, com Amanda ao seu lado, no banco do passageiro, e Elena no banco de trás. Ao chegarem, notou de imediato que conhecia aquele lugar. Foi aqui que Bianca morreu. Lembrava das imagens evidenciais que Aaron mostrara. E agora entendia as intenções de Amanda.
Ou esperava que sim.
Chegaram à sala de controle e deram de cara com Bart Guillory, o mesmo vigia que estava de plantão na noite em que Bianca fora assassinada.
— Vocês não podem entrar aqui! — Ele levantou da poltrona, cheio de autoridade.
— Sente-se! — Amanda ordenou, em seu tom de voz sociopata. Tinha uma arma apontada para a cabeça dele e um pente preparado no bolso da calça, caso a festa ficasse interessante. — Grant, tranque a porta.
O olhar que Grant trocou com Elena de incerteza. Amanda não atiraria no vigia em seu local de trabalho... ou atiraria? Era melhor fazer o que ela pedia.
— Bianca Hennig — Amanda começou a dizer. — Ela foi assassinada nesta estação, sob sua vigilância. O que você sabe sobre isso?
— Na-na-nada — O velho homem gaguejava. — Eu já contei tudo o que sabia a polícia.
— Nem tudo. Acessei seus dados bancários e descobri que, um dia antes do assassinato, você recebeu a quantia de 400 mil Dólares. Onde conseguiu este dinheiro? Trabalhando no metrô?
Ele engoliu em seco. Olhou para Grant, para Elena, depois de volta à Amanda.
— Deve haver algum engano, eu não tenho nada a ver com isso.
— Sabe o que eu acho, Senhor Guillory? — Ela colocou a arma embaixo do queixo dele e se aproximou. A sete centímetros do seu rosto, podia sentir o cheiro de tabaco nos seus lábios. — Eu acho que o Senhor foi subornado para deixar que o assassinato acontecesse e sumisse com as filmagens logo depois. 400 Mil Dólares é um bom dinheiro, se você viver para aproveita-lo.
— Eu não fiz nada disso, eu juro!
— Quem lhe deu o dinheiro? Fale, ou prometo que não viverá para ver um centavo.
— Mas eu estou falando a verdade!
Amanda sabia que não. Mirou a arma em um dos monitores e atirou uma única vez. Todos na sala tremeram, mais ainda seu principal suspeito.
— Fale — Apontou a arma novamente para a cabeça dele.
— Eu não sei, tudo bem? Recebi uma ligação, com uma voz modificada pelo aplicativo. Ele ameaçou a mim e a minha família!
— Mentiroso. Eu sei que você queria o dinheiro.
— Não, ele nos ameaçou! Ele disse que tudo fazia parte do seu filme, e se eu colaborasse, não seria assassinado.
Amanda olhou para o celular que ele carregava no cinto.
— Foi este aparelho que ele usou para entrar em contato com você?
— S-s-sim.
— Ótimo — Arrancou-o da presilha e jogou nas mãos de Grant. — Ligue para o técnico e peça para rastrear o endereço IP. Vamos achar esse filho da puta — Caminhou até a porta junto dos dois amigos, mas parou antes de sair. — Quanto a você, Senhor Guillory, espere pela visita da polícia.
— Por favor, não diga a ninguém! — Ele caiu de joelhos, aos prantos. — Sou um homem honesto, não foi culpa minha! Tenho família me esperando em casa!
Amanda então puxou o gatilho. A bala acertou o criminoso na testa, derrubando-o no chão, ao lado da poltrona de onde assistiu uma jovem de vinte e quatro anos ser assassinada, sem fazer qualquer coisa para impedir.
— Bianca também tinha — E por isso não devia piedade aos responsáveis.
Saíram os três pela porta da frente, disfarçadamente. Logo se formou um burburinho nos arredores da sala, com pessoas de todos os setores tentando entender de onde veio o tiro, ou se havia feito alguma vítima. Embora a segurança tenha se mobilizado com prontidão, nenhum deles desconfiou dos três justiceiros que fugiam da cena do crime a passos rápidos. Chegaram até o carro são e salvos e sem levantar suspeitas. Amanda, agora, assumiria a direção.
— O que acabamos de fazer? — Elena perguntou, no banco de trás. Tanto ela quanto os outros dois tinham respingos de sangue nas roupas. Por algum motivo, ninguém havia notado.
Amanda olhou para si mesma através do espelho retrovisor. Viu culpa, medo e ansiedade. Traços de uma alma que ela temia perder sempre que precisava fazer as escolhas difíceis.
— Matamos um cúmplice de assassinato — Girou as chaves do carro. — Agora mataremos o assassino antes que ele nos mate.
φ

Sebastian chegou ao celeiro empunhando uma taça de Dry Martini em cada mão. Deixou-as em cima de uma pilha de fenos, à direita, prestes a acionar a função espelho no celular. Tudo certo com seu penteado e a fantasia de policial malvado. Tudo certo também com o cheiro de suas axilas, que acabara de checar. E para vencer o mau hálito da cerveja, tirou uma pastilha refrescante do bolso.
Não havia muito o que fazer por ali antes que Lila chegasse. Havia fenos, algumas ferramentas de jardinagem e máquinas agrícolas de pequeno e grande porte, resguardadas por baixo de lençóis brancos. Os animais também estavam lá, presos em seus cubículos de madeira. Alguns se alimentavam, outros dormiam profundamente.
— Oi, amigão — Disse a um dos cavalos, esfregando as mãos uma na outra para enganar o frio.
Estava agitado, decerto. Fez um beatbox com os lábios da música eletrônica que tocava na festa – e que agora soava como um ruído abafado. Ainda derrubou um conjunto de enxadas com teias de aranha sobre a madeira do cubículo dos porcos, o que os fez gritar a ponto de assusta-lo.
— Desculpe — Pediu aos animais.
Foi enquanto tentava deixar tudo de volta ao lugar que ouviu o primeiro ruído estranho. Se pudesse arriscar um palpite, diria que um balde havia sido derrubado e rolado alguns centímetros pelo chão de madeira.
— Tem alguém aí? — Perguntou, e assim sentiu-se como um bobo. — Meu Deus, estou falando com animas... — Esfregou os olhos.
Dessa vez, o próximo ruído surgiu adido a um vulto, que passou ligeiramente pela janela da esquerda. Agora não se sentia tão bobo assim.
— Lila? — Estava apenas checando.
Deu dois passos em direção a janela, depois dois passos à frente. Os cavalos pareciam mais agitados do que antes; talvez por ter chegado tão perto, ou porque também viram o que ele achava ter visto.
— Estou bêbado — Admitiu.
Avançando mais um passo, uma plataforma com um cadáver de mentira desmoronou bem à sua frente. Seu grito de pavor fora uma cortesia de Madison Summers, a anfitriã da noite.
— Meu Deus! — Resmungou. De tanta raiva, arrancou a plataforma junto do cadáver falso e jogou-os em um dos cubículos vazios.
Lila estava demorando demais. Estava impaciente, entedá iado, excitado.
Quando o próximo vulto passou, ele seguiu o seguiu pelo canto dos olhos. Viu um rastro de sangue se formar do último cubículo da direita e traçar um caminho por entre o feno no piso de madeira. Aproximou-se devagar, curioso. Pelo menos três porcos haviam sido assassinados e tiveram suas vísceras espalhadas por todos os lados. Não era uma decoração de halloween, nem algo que gostaria de descobrir como aconteceu.
— Merda! Merda! — Murmurava. Por não conseguir tirar os olhos da cena do crime, caminhava de costas, em passos rápidos e nada cautelosos.
O assassino apareceu pela porta de entrada, atrás dele. O segurou numa chave de pescoço e esfaqueou suas costas duas vezes.
Sebastian caiu de joelhos no chão, ainda sem entender o que havia acontecido. Levou outra facada nas costas, embaixo do pescoço, seguido de um chute que levou seu rosto de encontro ao feno no assoalho. Não podia se mexer graças ao dano causado em sua coluna vertebral. Tudo o que via eram as botas pretas do assassino, circulando seu corpo imóvel.
— Ajuda! Ajuda! — Implorou, amargamente.
O assassino só fez agarrar uma de suas pernas para arrasta-lo até o último cubículo vazio. Seus gritos de protesto de nada adiantaram; a lâmina o partiu de cima a baixo, num festim de sangue e tripas.
A última cosia em que pensou foi em Lila, que chegaria a qualquer momento sem saber o que a aguardava.

Capítulo 10: Anjo da Morte (Dia 4 de Janeiro de 2018)
A partir da semana que vem estarei publicando um especial por semana, contando alguns detalhes sobre a produção da franquia. No especial do Capítulo 10, falaremos sobre A Punhalada 1. No do capítulo 11, sobre A Punhalada 2. No Capítulo 12, A Punhalada 3. E no Capítulo 13, o último da franquia, um especial para A Punhalada 4. Espero que gostem!

Mas vem cá, vocês já têm algum palpite sobre a identidade dos assassinos? A revelação acontece no final do Capitulo 11. Já podem citar nomes rs.
Comentário(s)
0 Comentário(s)

Nenhum comentário