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Livro | A Punhalada 4 - Capítulo 7: Sede de Sangue


AVISO: Nas últimas semanas tivemos que interromper a publicação semanal do livro devido a um problema no meu computador, que precisava urgentemente de uma reposição parcial de peças. Essa aventura durou quase dois meses, entre esperar as peças serem entregues pelos correios e depender da disponibilidade do técnico, que ainda me passou para a frente da fila porque eu pedi com jeitinho.

Eu tinha sim, o arquivo original completo e atualizado do livro online, mas não havia como revisar e publicar pelo celular. Eu poderia ter pedido para que outro autor do blog publicasse, mas não daria certo, pois o texto precisava ser revisado por mim. Há sempre um número considerável de mudanças que gosto de implementar nos meus textos, por isso é essencial que eu acompanhe de perto todos esses processos e não abra mão de revisões minuciosas. 

De qualquer forma, consegui resolver o problema e estarei publicando os capítulos restantes toda quinta-feira. Com este, faltam apenas 6 capítulos para finalizarmos esta saga. Peço perdão pela demora, de verdade, e espero que não tenham desistido de mim e de A Punhalada 4. Vamos terminar essa saga agora? Já ta mesmo na hora.


7- Sede de Sangue
A Diretora do Roosevelt High, Denise Fellows, era uma mulher robusta e de extremo dogmática, que ignorava meios termos e pouco aceitava opiniões contrárias. Quando Amanda, Aaron, Megan e Grant a abordaram em seu gabinete, às nove da manhã, seu vocabulário estendeu-se tão-somente do “não” a expressão de impaciência que queria dizer a mesma coisa.
— O que, exatamente, vocês esperam que eu faça? — Cruzou os dedos em cima da mesa.
— Recebemos dezenas de denúncias de alunos que acreditam estar sendo perseguidos — Aaron foi firme em suas palavras. — Entre eles, Axel Dommett, que acabou de receber um cartão de dia dos namorados com uma clara ameaça. Qualquer estudante que tenha uma conexão indireta com um filme de terror corre perigo.
Denise tirou os óculos de grau e suspirou fundo. Era a segunda vez que Aaron mencionava os filmes de terror como uma prova irrefutável de que mais alunos seriam atacados. O motivo? Adia Thompson tinha o mesmo sobrenome da protagonista de um filme de terror de mais de 40 anos de idade.
— Senhor Estwood, o senhor está dizendo que todos os alunos que compartilham um sobrenome parecido com os de personagens de filmes de terror correm perigo? Temos trigêmeas no segundo ano, todas com o sobrenome Strode. Isso quer dizer que Michael Myers sairá das telas e as esfaqueará até a morte depois da aula de ginástica?
— Desacredite o quanto quiser — Amanda deu um passo à frente. — Mas não seja insensível. Três alunos desta instituição foram assassinados dentro do campus. Você poderia demonstrar algum respeito, se souber como fazer.
— Senhorita Rush... ou Strauss, talvez; estou à frente desta instituição por mais de 20 anos, e pretendo assegurar que nos próximos 20, meu nome ainda seja relacionado a todas as conquistas que o Roosevelt trouxe a nossa comunidade. Não espere que eu leve em consideração as críticas de uma cirurgiã renomada, como você, ou de tele celebridades como seus companheiros.
Megan estava furiosa. O chihuahua em seu colo parecia sentir toda a tensão de seus músculos e repelir com rosnados.
— Ai meu Deus, isso é tão comunista da sua parte! — Ela exclamou. — Nossa equipe solucionou estes crimes três vezes. Temos mais credibilidade que uma diretora de colégio em seu quarto divórcio sem direito a pensão.
— Megan, para trás — Amanda a afastou com o braço direito.
— Esse monstro do lago ness está nos tratando como se fossemos a turma do Scooby Doo.
Denise revirou os olhos.
— Há mais alguma ofensa particularmente infantil que eu deva ouvir?
— Isso não é sobre a gente, ou sobre sua soberania — Disse Grant, escorado no armário no fim da sala. — Isso é sobre a segurança dos seus alunos. Se você quer que a imprensa relacione o nome da sua instituição a assassinatos brutais, é escolha sua.
— Meu jovem, tenho pais de alunos na minha cola perguntando se esta onda de crimes prejudicará a vida acadêmica de seus filhos, que deveriam ingressar na faculdade no final deste ano letivo. Não posso tomar medidas drásticas e privar os alunos de ensino.
— Não é nosso trabalho obriga-la a nada — Amanda falou, cínica como só ela. — Depois do ataque a Divisão de Homicídios de Seattle, ontem à noite, a própria casa branca estará no seu rabo qualquer dia desses. Vamos embora.
Foi ao som dos seus salto-altos que liderou todos os outros para fora da sala. Juntos deixaram a propriedade do colégio e se dirigiram ao bar mais próximo; uma última parada antes de seguirem seus caminhos separadamente. Parecia até que o estabelecimento os esperava de portas abertas e assentos convidativos.
Megan, Amanda, Aaron e Grant sentaram nessa mesma ordem em frente ao balcão.
— Vodka, por favor — Amanda pediu. Mal o garçom havia entregue e ela já estava virando.
— Amanda! — Megan repreendeu. — São 10 da manhã!
— Você está vendo algum relógio por aqui?
A resposta era não. Megan franziu o queixo, como quem dava de ombros, e pediu uma dose para ela também. Grant e Aaron fizeram o mesmo logo em seguida.
— Vamos lá — Ela virou sua dose, fazendo uma careta. — Uau! Estou ficando velha demais para isso.
— Megan, você só tem 34 anos — Amanda lembrou.
— Você está vendo alguma certidão de nascimento aqui?
Dessa vez foi Amanda quem franziu o queixo, como dando de ombros. Não pôde evitar em pensar que quem entrasse por aquela porta, naquele momento, os veria como quatro solteirões deprimidos e solitários, afogando as mágoas em um copo de vodka antes do almoço. Poderia até se sentir culpada, se estas doses não estivessem fazendo muito bem a sua dor de cabeça.
— Eu fui à casa de Matty ontem à noite — Ela hesitou, e eles esperaram que continuasse. — Não a casa dele, de fato; a casa de Dylan, onde ele está morando agora.
— E o que aconteceu? — Aaron perguntou.
— Nada. Eu os vi pela janela e fui direito para o hotel investigar a vida do tal amigo. Ele está limpo.
— Assim como Carter Van Der Hills antes de dar um tiro no seu peito — Virou outra dose. Com esta, já era a segunda.
Amanda sabia que ele tinha razão. Carter os enganou tão bem, que plantou uma história de lavagem de dinheiro nos registros de sua identidade falsa para que ninguém pensasse que estaria escondendo um segredo ainda mais sombrio sobre quem realmente era. Não era tão impossível que o assassino estivesse inserido na vida de Matty. Na prática, todos eles contavam com isso.
— Por que sempre que um de nós tenta se casar as pessoas começam a morrer? — Era a primeira reclamação de Grant desde que começara a virar as doses.
— Por que nunca fizeram um filme de terror sobre um massacre que acontece no dia do casamento de alguém? — Megan falava em nome apenas de sua imaginação fértil. — Temos filmes sobre assassinos do natal, do ano novo, do dia da independência, no aniversário de alguém, mas nunca em um casamento. Eu amaria ver algo do tipo “Casamento Macabro” nos cinemas.
— E qual seria a arma do assassino? A prataria do buffet ou o boneco de noivos que fica em cima do bolo?
Eles todos riram, como nos velhos tempos. E sabiam que fazia muito, muito tempo desde a última vez.
— Olhe, é Amelia! — Amanda apontou para a tv no canto superior da adega. — Pode aumentar o volume? — Pediu ao bartender.
Ao que indicava, um programa matinal de fofocas estava reprisando a conclusão do último programa de Amelia. Aquele em que Aaron abandonou na frente do país inteiro.
— [...] Como puderam ver, até mesmo Aaron Estwood se recusa a falar sobre o assunto.
— Vadia sensacionalista — Megan sussurrou, como uma espécie de prece religiosa. E realmente poderia ser.
— [...] Será que nosso herói nacional está dizendo a verdade? Seria uma grande decepção para todos os americanos que estão em suas casas, agora, temendo pela segurança de seus filhos, descobrir que Aaron Estwood está escondendo o paradeiro do principal suspeito pela nova onda de crimes: O filho perdido de Brandon e Amanda Rush. Não podemos esquecer que o pai biológico de Brandon Rush, que o próprio Brandon assassinou a sangue frio, foi tido como o principal suspeito de uma série de mortes que assolou New Britain nos anos 80. Será que a nova geração está pagando o preço pela continuação desta linhagem sanguinária? Esta é Amelia Grey, do Entertainment Tonight.
A transmissão termina com os aplausos da plateia e um comercial de creme de barbear ultramoderno.
— É, acho que somos nós contra o mundo — Aaron disse.
Ninguém mais se atreveu a falar por um longo período de tempo.
φ

Dylan e Matty passaram boa parte do seu dia em frente à tv, jogando vídeo games. No almoço, comeram as sobras do dia anterior. À noite, pediram duas pizzas tamanho família e duas garrafas de refrigerante. Scott foi quem comeu o que sobrou, quando os dois garotos famintos não aguentavam mais colocar qualquer outra besteira no estômago.
— Coloque outro, esse é uma droga — Matty abaixou o controle.
— Já testamos todos, menos Just Dance.
— Então coloque outro que já jogamos.
— Estou cansado e preciso de um banho. Por que não vai para o seu quarto e assiste pornô na internet como um adolescente normal?
Matty sorriu.
— Eu poderia fazer isso, ou te dar mais uma surra no Zombie Army. A não ser que esteja com medo.
— Você sabe que tenho TOC e não pode falar essas coisas — Mesmo assim, Dylan se prontificou em trocar os cartuchos.
Uma tela azul e negra se estendeu, em luzes 3D, sobre toda a sala de estar, à medida que a silhueta de um zumbi sem um dos braços se formava. Quando o jogo começou, Matty controlava Sarah, a jovem loira que tinha poderes telecinéticos, e Dylan controlava Malboro, o caçador de zumbis que carregava no cinto seu próprio arsenal militar contra criaturas das trevas.
— Então, já decidiu o que vai fazer para o seu aniversário? — Dylan perguntou, sem tirar os olhos da horda de zumbís que massacrava.
— Eu não sei.
— É o seu super aniversário de 16 anos. Tão dramático... — Assim como seu tom de voz irônico. — Pensei até que iríamos provar alguns vestidos e convidar os meninos para dançar valsa.
— Isso com certeza deixaria meus pais furiosos. Então é exatamente o que faremos.
Dylan apertou pause e olhou para ele.
— Cara, eu estava brincando; eu ficaria a cara da minha prima Emerald se usasse um vestido. Ainda ouço as vozes das pessoas dizendo que somos irmãos gêmeos quando vou dormir.
— Você ouve vozes do passado, mas não o próprio ronco? — Matty pressionou pause outra vez, dando continuidade ao jogo.
— Pare de zoar com o Hotel Dylan. Eu e Scott nos esforçamos muito para oferecer uma boa estadia.
Após uma explosão de granada, ouviram o telefone tocar.
— Alô? — Dylan atendeu. — Hey, pai — Fez uma careta para Matty, que sorria concentrado no jogo. — Sim, estamos aqui. Jogando vídeo games. [...] Sim, tomamos banho tipo ontem... quer dizer, há 2 horas. [...] Tudo bem. Matty, ele quer falar com você. — Estendeu o telefone.
— Alô? Senhor Hardesty?
— Matty? Está tudo bem? — A voz dele soava como se estivesse tentando vencer uma ventania.
— Tudo sim, não se preocupe.
— Dylan está fazendo as coisas direito? Alimentando o cachorro?
— Sim, claro. Eu também estou ajudando, fazendo o que posso.
— E você me promete que se forem dar uma festa, não deixarão que destruam a casa?
Matty sorriu.
— É claro, Senhor Hardesty. Só estávamos pensando em roubar um carro e furar os mamilos.
— Parece divertido — Ironizou. — Agora deixe-me falar com meu filho antes que ele seja preso.
Matty passou o aparelho de volta para as mãos de Dylan. Enquanto falavam, o nível do jogo retrocedeu para o começo. Dylan havia levado seus avatares à morte, como sempre.
— Sim, pai. Pode deixar — Ouviu o amigo dizer entre um tiro e outro. — Eu falo com ela. Estamos indo dormir daqui a pouco. Também te amo, tchau, tchau.
Com o telefone de volta ao gancho, Dylan pegou o controle e sentou no chão, ao lado de Matty.
— Seu pai é legal — Matty disse. — Odeia festas, mas é legal.
— É claro que ele odeia festas. Foi em uma delas que eu fui concebido quando ele tinha 19 anos.
Matty não disse nada, mas estava pensando no quanto teria sorte de ser concebido em uma festa cheia de adolescentes bêbados, não como fora de verdade. Quando se recolheram para os quartos e desligaram as luzes, esses pensamentos só ganharam mais força. Não havia silêncio, graças a chuva e aos trovões do lado de fora. Mas uma vez acostumado a eles, formava-se um tipo totalmente novo – e estressante – de silêncio noturno.
Scott, que se esgueirava ao seu quarto todas as noites, também parecia mais quieto que o normal.
— Droga... — Matty resmungava, rolando de um lado para o outro.
Tentou tirar a camiseta para enganar o calor, depois colocou-a de volta junto de um casaco para enganar o frio. Era cansativo demais não saber o que seu corpo estava sentindo, ou do que precisava para se permitir fechar os olhos e simplesmente apagar.
Banheiro – ele constatou. Levantou da cama e foi até lá. Havia uma lista mental que deveria seguir se quisesse excluir a possibilidade de alguma emergência higiênica estar atrapalhando seu sono. Urinou no vaso, lavou as mãos, escovou os dentes, lavou o rosto e acabou tomando um banho rápido no fim das contas. Nada funcionou, desde que deitou a cabeça no travesseiro ao momento em que começou a pensar em novas estratégias.
Fome – Ele presumiu. Levantou da cama e foi até a cozinha. Novamente fez bom uso da lista mental para não deixar nada de fora. Comeu algumas frutas, queijo e presunto, pão francês e pizza gelada; e tomou suco de abacaxi, meio copo de leite e água. Muita água. Como se estivesse matando a sede de dias.
Só percebeu que tinha sido uma péssima ideia quando deitou na cama e sentiu tudo se mexer abruptamente dentro do seu estomago. Não havia mais o que fazer, a não ser aceitar que seria uma noite mal dormida.
Ele voltou para a sala, em busca de qualquer coisa que o distraísse – e não fosse um jogo de vídeo game. O que não sabia era que, naquela noite, em particular, não estava sozinho. O assassino estava encarando as fotos na parede de Dylan e sua família quando o ouviu Matty chegar, para mais uma caminhada noturna. Rápido como um fantasma, ele se escondeu atrás de uma parede no momento certo.
Matty foi até a sala, mexendo nos cabelos. Olhou para a coleção de jogos de Dylan, depois dedicou boa parte de sua atenção às miniaturas de aviões e jatos que o pai do amigo colecionava desde que tinha sua idade. Ele dobrou, justamente onde o assassino se escondia, mas já não havia ninguém lá.
O assassino correu em silêncio, por trás dele, e se escondeu atrás do sofá maior antes que virasse. Então Matty foi até a cozinha e bisbilhotou a geladeira mais uma vez. Fechou a porta após alguns segundos, depois voltou a sala de estar. O assassino já não estava mais atrás do sofá.
Não havia muito a explorar numa casa que havia explorado a infância inteira, então decidiu voltar para o quarto e passar a noite de insônia na própria cama.
O assassino saiu de trás de da porta por onde ele passou e retornou à sala, sem ser visto. Não era a hora de Matty. Ainda. Quanto a Dylan, só fez cravar uma serra elétrica de brinquedo em seu rosto, na foto principal da família, em cima da lareira.
Na manhã seguinte os dois garotos entenderiam o recado.
φ

Bianca girou as chaves na ignição a pedido do mecânico.
— Funciona, funciona, funciona — Repetia como um mantra. — Acho que não deu certo — Retirou as chaves. Aquela era sua última tentativa.
— Sinto lhe informar, moça, mas a senhora precisa de um novo motor — Ele olhou para os circuitos cuidadosamente aniquilados. — Ou de um carro novo.
Era o que mais temia. Como se uma assistente pudesse arcar com os custos de um carro novo.
— Tudo bem — Ela deixou o veículo. — Quanto eu lhe devo?
— Nada, senhora. Não consegui resolver seu problema, não seria justo cobrar.
— Tem certeza? O senhor teve todo o trabalho de vir até aqui.
— Não se preocupe, estava a caminho de casa. Há como chamar um Uber?
Bianca olhou para o celular.
— O carro mais próximo chegaria em 25 minutos, mas estou com um pouco de pressa. Acho que vou de metro.
— Melhor correr, fecha em menos de uma hora — Guardou as últimas ferramentas em sua maleta alaranjada e a tomou por uma das alças. — Você não quer ficar sozinha em um lugar como aqueles.
— O Senhor acredita em fantasmas, Senhor Spencer?
Ele já estava dentro da sua picape, prestes a girar a chave, quando pensou em uma resposta.
— Eu acredito no preço do transporte público. Isso é mais assustador.
— Claro — Bianca sorriu.
— Ligue para o reboque amanhã cedo, eles virão buscar seu carro. Tenha uma boa noite.
Por educação, Bianca o esperou partir para começar a se estabelecer. Pegou sua bolsa, a pasta negra com as informações que Aaron pedira, o spray de pimenta no porta-luvas, o dinheiro trocado em cima da dashboard e as chaves do carro, que quase esquecera no banco do motorista. Após trancar o veículo, caminhou em direção a entrada da estação, a dois quarteirões de distância de onde seu carro a havia deixado na mão.
Estava vazia. Ou quase lá, a medida que os recém-chegados se dispersavam através das saídas. Ela comprou um ticket, na máquina mais próxima, indo direto as roletas. Dois jovens e uma garota, vindos da entrada seguinte, atravessavam junto a ela.
— Belos peitos — Um deles disse; o de boné vermelho. — Você é o primeiro cara gostoso que eu vejo em toda a minha vida.
O outro jovem soltou uma risada tão alta que poderia ter sido ouvida no próximo ponto.
Bianca não teve tempo de reagir. Assim como chegaram, também foram embora. A única que ficou para trás, por um breve instante, foi a garota que os acompanhava.
— Sinto muito por isso — Ela disse. — Eles estão bêbados.
— Tudo bem. Só escolha melhor suas companhias.
— Eu pretendo. Esperem por mim! — Ela correu para alcança-los.
Já na estação de embarque, Bianca olhou ao redor. Sem os bêbados mal-educados, estava completamente sozinha. O faxineiro – ela então viu, por entre os pilares. Isso confortava seu coração.
Às 23:17, de acordo com seu relógio de pulso, o trem chegou à estação. Ela entrou assim que as portas se abriram, preocupada desde já com a falta de movimento. Lá dentro, pelo menos, não parecia tão solitário. Havia um homem coberto no final do vagão; talvez um mendigo, ou alguém muito, muito doente, que tossia sem parar. Próximo a ela havia um casal de namorados beijando-se como se não precisassem recobrir o fôlego. E no final do vagão, uma mãe e sua filha pequena, que segurava um ursinho de pelúcia contra o peito.
— Já estamos chegando? — A ouvia dizer, mesmo àquela distância.
— Sim, querida. Na próxima nós descemos — Sua mãe dizia.
Quando as portas se fecharam e o trem se moveu, as luzes do vagão piscaram três vezes seguidas. Bianca olhou para cima e viu uma pequena mariposa sobrevoando uma das lâmpadas fluorescentes. Logo acima, viu cartazes de propaganda promovendo salões de beleza, casas de massagem e clínicas estéticas de bronzeamento artificial e cirurgias plásticas.
— Você está com sono? — A mãe perguntou a sua filha.
— Desde que saímos da casa da Vovó — A menina esfregou os olhos.
Em cinco minutos já haviam chegado a estação seguinte. Tanto a mãe e filha quanto o casal de namorados desceram.
As portas se fecharam novamente, e as luzes do vagão piscaram três vezes seguidas, como fizeram pouco antes. À sua esquerda, viu mais uma propaganda, na porta de acesso ao vagão seguinte. À direita, viu o alarme de incêndio, piscando em luz vermelha ardente. O tédio a obrigou checar as redes sociais, mas também não havia nada de interessante para prender sua atenção. Então pegou a pasta com as informações da agenda de Aaron para facilitar o itinerário no dia seguinte.
Foi quando seu celular começou a tocar.
— Alô?
— Olá — Uma voz medonha a respondeu. — Aaron Estwood, por favor.
— Sou a assistente dele. É sobre a reunião da Strauss International? — Ela supôs, devido a peculiaridade no tom de voz.
— É caso de vida ou morte.
— Oh, tudo bem — Ela olhou rapidamente para os arquivos no seu colo. — Pode me explicar o ocorrido?
— É a sua morte, Bianca. Você acredita em fantasmas?
Bianca olhou ao redor, sem saber o que dizer.
— Isso é uma brincadeira?
— Não, é o final do segundo ato, e o público exige mais sangue. Podemos negar isso a eles?
— Estou desligando.
— Tudo bem, eu ligo de volta.
Ela guardou o celular de volta na bolsa e levantou do assento. As luzes do vagão piscaram novamente, três vezes seguidas; era o padrão. Olhando ao redor, não se atentava a nenhuma situação de perigo. Que tipo de lunático a atacaria em um local público e dentro de um vagão onde obviamente não estava sozinha?
Essa era a questão. Bianca não estava sozinha, e nunca esteve sozinha dentro daquele vagão. Fora sendo observada, desde que entrou, por alguém disfarçado, e que agora poderia revelar sua verdadeira identidade.
Por trás da sacola plástica, o homem doente escondia uma máscara de fantasma. Por baixo da manta, sua fantasia preta. E na manga dos punhos, uma faca de açougueiro.
Assim ele se revelou, com ela de costas, esperando que qualquer coisa acontecesse a sua frente. E quando as luzes do vagão piscaram novamente, três vezes seguidas, ele atacou.
Bianca levou uma facada no ombro direito, sem poder recuar. Foi jogada contra o vão de janelas da esquerda e colocou a bolsa na frente para impedir o próximo golpe, mas assim que a faca cravou em todos os pertences que guardava lá dentro, o assassino livrou-se do seu escudo com apenas um puxão. Ela, então, o acertou com um soco, depois juntou as mãos em um punho duplo e o golpeou no queixo, de cima para baixo.
Correr, àquela altura, foi tudo o que pôde fazer.
Chegou ao próximo vagão, que também se encontrava vazio. Depois o próximo, depois o próximo e depois o próximo.
— Alguém me ajude! — Gritava a cada porta que se abria.
Logo então, a perda de sangue passou a limitar seus movimentos. Era como se não pudesse utilizar toda a força do braço direito para abrir caminho, e nem mover suas pernas rápido o bastante para tomar vantagem em sua fuga.
Justo quando chegara no penúltimo vagão, o trem freou de maneira brusca, arremessando-a para a frente. Tudo ficou muito silencioso depois disso. Ela levantou, tirou os cabelos do rosto e encarou a porta por onde havia chegado, certa de que o assassino viria desta direção.
Errado.
O assassino a atacou quebrando a janela à sua esquerda, em um momento de surpresa. Imprensou-a no vão de janelas do outro lado e a esfaqueou seguidamente na barriga e no tórax. Também arrancou, de maneira cruel, boa parte de seus seios, para negar-lhe a dignidade de ser quem era em seus momentos finais. Exatamente o que ela pensou ao fechar os olhos para nunca mais abri-los.
Ele quebrou uma das janelas e deixou metade de seu corpo pendurado pelas costas, para que, quando o trem seguisse seu caminho, ela fosse esmagada entre a parede e o vagão. Alguns minutos depois, foi exatamente o que aconteceu... mas não antes do assassino desaparecer junto da pasta negra de Aaron, que valia muito mais que a vida de Bianca. 

Capítulo 8: Eu e Ela (Dia 23 de Dezembro)
Devido ao atraso, decidi publicar um capítulo hoje, dia 21, e o seguinte já no sábado, dia 23. O capítulo 8 é o menor de todos; são apenas 6 páginas, focadas especialmente no primeiro encontro de Amanda e Matty. É o final do segundo ato e o começo do terceiro.
Comentário(s)
4 Comentário(s)

4 comentários:

  1. Primeiro a gnt grita QUE HINO, dps a gnt lê! Até que enfim você voltou, João, não tava me aguentando mais de ansiedade aaa

    HAHAHAHA, como não amar Megan?! Coitada da Bianca, mas sedento pro aniversário do Matty, vem monstrooo

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    1. Nem me fala, achei que teria que desistir em alguns momentos. Enchi o saco do técnico, gastei um dinheirão, mas deu tudo certo xD
      Feliz aniversário pro Matty, pena que nem todos vão sobreviver a festa do ano.

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  2. ''Vamos terminar essa saga agora? Já ta mesmo na hora.'' ARREPIEI AQUI PORRA

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