Livro | A Punhalada 4 - Capítulo 6: Fogo Com Fogo
— Senhoras e senhores, Aaron Estwood.
Uma salva de palmas o deu boas vindas ao sofá
alaranjado de Amelia Grey. Pela quarta vez, em menos de dois anos.
— Que recepção calorosa — Ela comentou. Em
seguida, o chefe de produção fez um sinal para que a plateia ficasse em
silêncio. — Megan tem a mesma reação quando você volta para casa?
— Na verdade, sim — Ele riu, e todos juntos a
ele.
— E suas filhas?
— Elas se escondem para me pregar uma peça
diferente todos os dias. Quando sinto um objeto pontiagudo sendo jogado nas
minhas costas, sei que estão por perto.
— Ser pai nunca foi tão desafiador — Olhou
para a ficha do programa que segurava nas mãos. — Desde já gostaria de
agradece-lo por sua presença, Aaron. Sei o quanto é difícil agendar um convite
de última de hora.
Difícil? Aaron não usaria esta palavra. O convite de
Amelia chegara no exato momento em que precisava voltar a ser o Aaron Estwood de
dois meses atrás, embora fosse apenas para a lente das câmeras. Com um pouco de
sorte, seria convidado a explorar seus dons de mestre cuca em rede nacional
mais uma vez antes de voltar à vida instável de Seattle.
— Podemos sempre dar um jeito. Nunca diria não
à Amelia Grey.
— É bom ouvir isso, mas eu estava me referindo
a investigação policial a respeito dos assassinatos em Seattle. Você, como
auxiliar registrado da polícia, e possível vítima, tem uma participação mais
efetiva nos inquéritos, correto?
Aaron trocou um olhar desconcertado com a
plateia e a equipe de produção. Fixando diretamente à lente das câmeras,
imaginou quantas pessoas, no sofá de suas casas, o assistiriam paralisar.
— O que? — Sua reação honesta lhe precedeu.
— Perdão. Sei que posso estar passando dos
limites apenas em perguntar, mas faço isso em nome de milhões de americanos que
exigem uma resposta ou um posicionamento direto das autoridades a respeito
desses crimes. O boato é de que um novo assassino está com uma sequência em
andamento, que já fez, pelo menos, 7 vítimas. Entre elas, três estudantes do
Roosevelt High, em Seattle, com idade de 16 a 18 anos. Há alguma pista que nos
leve ao responsável por estes crimes?
Aaron sentiu uma gota de suor frio escorrendo
sobre as têmporas. Seu olhar novamente pairou da anfitriã à plateia, da plateia
à equipe de produção, e da equipe de produção à lente das câmeras.
— É por isso que estou aqui? — Perguntou.
— Só queremos a verdade, Aaron. Por exemplo,
aonde está Matthew Rush, o filho perdido de Amanda e Brandon? Ele é um
suspeito?
Mentalmente, Aaron já tinha a entrevista como
encerrada. Mas as câmeras ainda o afrontavam, e tanto Amelia quanto a plateia
esperavam uma resposta.
— Você é realmente inacreditável — Cuspiu,
levantando-se do sofá. — Não sou seu informante, vadia sensacionalista — E
deixou o estúdio pela passagem dos convidados.
Só então havia percebido o quanto tinha
vontade de fazer isso, por motivos muito maiores, e desde que a havia
conhecido. O melhor de tudo: Era uma exibição ao vivo. Amelia precisou chamar
os comerciais um pouco mais cedo para evitar um constrangimento maior perante seu
público.
Nos bastidores do estúdio, Aaron foi abordado
por Bianca, que prontamente o entregara uma toalhinha branca para enxugar o
suor – sempre acompanhada à uma garrafa de água mineral. Ele sentia o latejar
de seus pensamentos, tão como em uma noite de bebedeira que chegara ao fim. Amelia
Grey tinha esse poder; o de Megan, no mesmo nível alfa, era transformar vinho
francês em ácido. Malditos super poderes
da mídia moderna.
— Ai meu Deus, você realmente disse aquilo? —
Brinca perguntou, seguindo-o pelos corredores.
Aaron tomou um gole d’água e esfregou a
toalhinha na testa.
— Vadia sensacionalista? Ao vivo e em estéreo.
— Bem, eu acho que ela mereceu. Mas você ainda
corre o risco de ser processado.
— Se eu sobreviver.
— Como assim?
Ele parou em frente a porta do seu camarim.
Olhou para Bianca, em sua jaqueta preta e camiseta listrada, com os cabelos
amarrados em um rabo de cavalo. Tão inocente que era quase como se não
merecesse ser bem sucedida em seu trabalho. Aaron sabia muito bem o que
acontecia com boas pessoas quando estavam próximas demais.
— Esqueça — Ele sussurrou. — Vá para casa, não
precisarei dos seus serviços por hoje.
— Nem para uma carona? Você não parece bem.
— Estou bem, só preciso de privacidade.
Ela apenas concordou com a cabeça. Despediu-se
dele com um beijo na bochecha e voltou para o quarto de hotel. Aaron trancou-se
no seu camarim, com o celular em mãos.
“É a Amanda. Não posso atender agora; deixe
uma mensagem” — Ouviu a secretária eletrônica.
— Amanda, me ligue — Andava de um lado para o
outro em frente ao sofá. — É sobre Matty. Eu acho que há mais por vir. Não sei
se você já chegou em Seattle, apenas me ligue.
Cinco da tarde, era a hora que o relógio da
parede marcava. Aaron deu um grande suspiro e se jogou descuidadamente sobre o
sofá. Pensou consigo mesmo por dez minutos, mudando de posição, e sorrindo
sempre que lembrava da expressão embaraçada de Amelia. Do outro lado da sala
estava a pequena geladeira; foi só então que lembrou de forrar o estômago. Café
da manhã? Sobremesas? A esquipe de produção parece não ter atendido a todas as suas
exigências. Mal encontrara algumas frutas, saladas e uma jarra de suco quase
vazia.
Na adega, pelo menos, as opções eram mais abrangentes.
“Para qualquer tipo de estresse, xoxo” — Dizia
o bilhete pregado na garrafa de whisky.
— Você é a melhor, Bianca — Virou-a para um primeiro
gole.
Cinco e meia, era a hora que o relógio da
parede marcava. Tomou mais três goles, observou as fotos na parede e voltou ao
sofá. Não sabia como, mas o cansaço o vencia um pouco mais a cada pensamento
que lhe surgia à mente. Seus olhos começaram a ficar embaçados e as pernas já
não mais respondiam a seus comandos. Estava com tanto sono, tanto sono, que
desmaiou sem perceber. E sem desconfiar da garrafa de whisky que tinha em mãos.
Dez da noite, em ponto, era a hora que o
relógio na parede marcava quando ele acordou. De súbito percebeu uma forte
enxaqueca, que limitava movimentos bruscos e o sequer abrir de seus olhos. A
foto gigantesca de Amelia na parede a sua frente era o único indício de que não
havia deixado seu camarim. Ela, e a garrafa de whisky vazia ao seu lado; havia
caído de sua mão e inundado boa parte do assento.
— Mas o que...? — Resmungou.
Levantou do sofá, foi até o banheiro e lavou o
rosto. Olhou-se no espelho à frente, apenas para checar se parecia assim tão
mal após uma tarde involuntária de sono.
Não. Aaron Estwood nunca estava assim tão mal.
Enxugou o rosto, jogou a toalha no sofá e
abriu a porta. Nenhuma alma viva foi vista perambulando pelos corredores; nem depois
de gritar, três vezes seguidas, para que alguém fosse ao seu encontro. Isso não está acontecendo – Pensou
consigo. Porque se estivesse, este seria o cenário taciturno e sombrio do
próximo filme de terror da sua vida.
Meu celular – Ele lembrou. Bateria esgotada. Isso realmente não pode estar acontecendo.
Seguiu pelo mesmo caminho por onde chegara, direto
para o estúdio onde Amelia gravava seu programa. Não sabia dizer o quão
estranho era enxergar todos aqueles assentos vazios e as câmeras cobertas por
tecidos brancos, que lembravam muito lençóis de seda. Sem luz, sem efeitos
sonoros e sem pessoas por perto, era como não estar mais na tv. Então por que
tinha a sensação de que estava sendo observado?
Olhou ao redor, para todos os cantos escuros
das extremidades do cenário. Nada. A única saída, além da porta pela qual havia
chegado, era a porta dupla no final do auditório, depois de quatro lances de
escadas.
Subiu o primeiro, depois o segundo e então o
terceiro. Quando chegou ao último, prestes a deixar o estúdio, dois holofotes
foram ligados; um sobre ele, outro sobre a tela branca, em frente aos sofás de
Amelia. Aquilo havia sempre estado ali?
Ele finalmente se perguntou. Então as imagens começaram a ganhar destaque
através de um projetor, escondido em uma das cadeiras vazias da primeira
fileira do auditório.
Aaron via Megan dentro da mansão, segurando o
telefone no ouvido. Depois viu-a na piscina, brincando com as crianças. Viu
eles dois seminus, no quarto do casal, prestes a terem uma noite inesquecível.
E por fim, viu Sarah e Eliza, em vários momentos particulares em que não havia
como desconfiar de que estavam sendo filmadas.
A imagem congelou no sorriso das duas, tapando
quase toda a área de gravação. O assassino, no qual deu um passo à frente,
esfaqueou a tela branca e deslizou a faca, de cima para baixo, separando o
frame das duas crianças em linha reta.
— Você acha que pode tira-las de mim? — Uma
voz sombria lhe disse, através das caixas de som espalhadas por todo o estúdio.
— Você não pode salva-las. Do mesmo jeito que não pode salvar a si mesmo.
Uma música de suspense passou a tocar logo o
seguida. O assassino correu para o primeiro ataque, e Aaron correu pela porta
mais próxima. Ele avançou até o final do corredor e olhou para trás, só para
saber se estava prestes a ser alcançado. Mas não havia sinal do mascarado.
Dobrou no primeiro corredor a esquerda, onde
encontrou mais uma fileira de camarins e duas máquinas de venda rápida na
próxima curva. Correu, correu, correu e correu, quando na hora da curva, deu de
encontro com o assassino – e por pouco não tivera a faca cravada em seu rosto.
Ele caiu no chão de peito para cima, e logo desviou de uma facada nos olhos
rolando para o lado. A faca acertou o chão próximo; ele, aproveitou a brecha
para acertar um chute no peito do assassino. O impacto fez Ghostface cair de
costas dentro de uma das máquinas de vendas rápida.
Havia cacos de vidro por todos os lados.
Aaron, então, recuou pelo mesmo caminho de onde
veio. Dessa vez passara direto pelo estúdio de Amelia, Girls N Girls e The Baby-sitter,
até chegar ao próximo corredor de acesso. Não havia muita diferença entre eles,
por mais que tentasse definir um trajeto específico que não o confundisse. Pareciam
todos interligados, fáceis de se perder.
Logo o assassino apareceu vindo do corredor
contrário ao que escolhera. Aaron precisou fazer um desvio insano com a ajuda
das caixas de papelão empilhadas na extremidade para não ser ferido. Ambos
caíram no chão, sem qualquer apoio para se equilibrar, mas apenas Aaron foi
rápido o bastante para levantar e correr a uma velocidade vantajosa.
A partir da próxima curva, ele notou que os
corredores já não eram tão parecidos quanto os que havia deixado para trás.
Correu por um, depois por outro; passou por duas portas duplas, e então por
outro cenário cujo programa não conhecia. Seguindo o trajeto de acordo com a
sua teoria para encontrar a saída de emergência, dobrou no próximo corredor à
esquerda e caiu numa poça de sangue.
— O que...? — Olhava para as mãos e os braços,
o cheiro consumindo seus pensamentos.
A sua frente, ele finalmente notou três seguranças
pendurados no teto, com uma corda em volta de cada pescoço. Eles não tinham
olhos, nem os dedos das mãos. Quem quer que os tivesse matado, se certificou de
que sofressem bastante antes de usa-los em sua cena emocionante de perseguição.
Aaron não seria o próximo. A luz do dia estava
logo ali.
— Na noite anterior, três adolescentes do
Roosevelt High School, em Seattle, Washington, foram brutalmente assassinados
durante o período de detenção estudantil — Disse uma repórter em um canal de
tv, enquanto Aaron corria, ensanguentado, pelas ruas de Chicago. — Alunos que
sobreviveram ao ataque confirmaram às autoridades que o assassino vestia a
mesma fantasia de fantasma mascarado que Brandon Rush, há 16 anos, imortalizou
através de seus crimes brutais na cidade de New Britain, Connecticut. Dos
filmes de Wes Craven para a vida real, a mesma fantasia foi utilizada duas
outras vezes e esteve relacionada a um número ainda maior de mortes, tanto na
cidade de New Britain quanto em Chicago. A América quer saber: Trata-se de uma
nova sequência, como vemos nos filmes de terror, ou já podemos confiar que
nossos filhos estão seguros?
φ
Dylan deixou seu quarto em silêncio, tal qual
não quisesse ser notado. Encontrou Matty no quarto de hóspedes, olhando
fixamente para a chuva através da janela. Do mesmo jeito que fazia no final da
tarde, quando a tempestade começou.
— Vou dar uma saída agora — Dylan avisou. —
Preciso passar no supermercado. Você está bem?
— Você achou que não estou bem por estar
observando a chuva?
— Mais ou menos. É um pouco dramático, se me perguntar.
Você sempre pode me ajudar a carregar as compras.
— Tem razão.
Dylan não sabia, mas Matty estava pronto para
pega-lo na mentira. O que, certamente, nunca aconteceria, se Matty cedesse às
mentiras que ele inventara para despistar.
— Acho melhor ficar por aqui. Traga-me algum
chocolate, do tipo que atletas não devem comer.
— Pode deixar.
Matty esperou, no máximo, dois minutos até
colocar seu plano em prática. Foi o tempo que Dylan levou para sair de casa,
pegar a bicicleta e descer a rua. Matty fez o mesmo, sempre em sua cola.
Dylan pedalou por todos os lugares que não
deveria se quisesse ir ao supermercado, como o cinema mais próximo, a cafeteria
onde o cappuccino custava 1 dólar a mais e o abrigo para idosos, onde, uma vez,
sua avó materna havia sido internada. Aonde
você está indo? – Matty se perguntava. Desde que vira o amigo receber uma
ligação misteriosa, no fim da tarde, e mentindo descaradamente sobre ser sua
tia, desconfiava que o viria fazer o impensável. Restava saber se era sobre uma
garota, ou qualquer tipo de crime que colocasse em risco uma amizade de quase
10 anos.
Vinte minutos depois, viu-o traçar um caminho
bastante familiar entre as ruas de trás de sua casa. O colégio, era óbvio.
Dylan escondeu a bicicleta atrás de alguns
arbustos e entrou pela porta dos fundos, que, a essa hora da noite, e devido a
paralização das aulas por tempo indeterminado, deveria estar trancada. Uma
folha de papel caiu do trinco em seus pés; algo que provavelmente fora usado
para impedir que a porta se fechasse completamente e ele pudesse entrar. Havia
mais alguém lá dentro.
Matty seguiu suas pegadas molhadas pelos
corredores até chegar a sala do Professor Dormer. Ouviu vozes, várias delas; pessoas
conversando – ou discutindo. E Dylan também estava lá. Não por isso, suas mãos começaram
a tremer. Era a primeira vez que voltava ao colégio depois de... os flashes da
morte de Adia interrompiam qualquer raciocínio lógico. Não precisava ficar por
muito tempo, apenas para saber o que Dylan estava fazendo ali.
Entrou na sala, de surpresa, e todos olharam
para ele. Dylan de costas para o armário, Lila de costas para a lousa, Axel em
meio as carteiras, e Ruby sentada próxima a ele, na segunda fileira.
— Matty? — Dylan estranhou.
— O que ele está fazendo aqui? — Axel estava o
oposto de contente em vê-lo.
Um relâmpago iluminou a sala inteira em duas
piscadelas.
— Eu segui Dylan — Matty confessou. — Sabia
que algo estava acontecendo.
— Sim, mas nada disso é da sua conta — De
braços cruzados e olhar impaciente, Lila também reprovava sua presença.
— Sinto muito por ter invadido seu clubinho
patético — Olhava agora para Dylan. — E sinto muito que você tenha achado que
deveria mentir para mim sobre isso.
Matty estava pronto para ir embora. E teria
seguido em frente, se Dylan não o tivesse puxado pelo braço.
— Não sei qual é o problema de vocês, mas ele
também faz parte disso — Dizia a todos. Agora que Matty sabia, não havia porque
mais esconder.
— Ele é o filho de um psicopata — Axel
continuou. — Não podemos confiar nele.
Matty chegou a se perguntar como haviam
descoberto, mas não precisava ir tão longe para tal. A internet era a resposta,
assim como fora quando precisou reafirmar a própria identidade, no começo
daquele dia.
— O que, exatamente, está acontecendo aqui?
Vocês se reúnem toda noite em locais de crime para apontar suspeitos e massagear
seus egos?
— Vai se foder, Hilliard — Era novamente Axel
o confrontando. — É por sua causa que isso está acontecendo. Ele está atrás de
você, não da gente.
Então o que era aquilo em sua expressão? Medo?
Insegurança? Axel podia ser lido como uma página em branco em letras de forma.
— Você não tem mais certeza disso, não é?
Nenhum de vocês — Matty esperou que respondessem, mas ao invés, ouviram ressoar
um trovão. — Todos viram o que aconteceu com Adia e agora estão aqui, se
perguntando se ainda estariam vivos caso não pulassem da janela. Bom, eu espero
que saboreiem todo esse medo e impotência do mesmo jeito que fazem os calouros
quando encontram um valentão como vocês nos corredores. E quando morrerem, meus
amigos, tenham a elegância de simplesmente ir para o inferno.
A conversa tinha acabado. Para ele, não para
Axel.
— Tal pai, tal filho — O garoto lhe disse, só
para não sair por baixo.
Matty fechou a mão num punho e o acertou no
queixo, fazendo-o derrapar sobre duas carteiras. Axel parecia tão surpreso que
não teve coragem de revidar. Ficou sentado no mesmo lugar, com os lábios
sangrando, e olhos cheios de remorso. Ou medo.
— Essa doeu em mim — Dylan chegou a comentar,
não que estivessem prestando atenção.
— Matty, já chega! — Lila gritou.
— Cala a boca! — E ela calou sem pestanejar. —
Três pessoas morreram naquela noite, incluindo minha melhor amiga. Se tem
alguém que quer pegar esse filho da puta e esfola-lo vivo, sou eu. Mas não
faremos isso se continuarmos usando essa maldita hierarquia escolar como um
escudo. Se algum de vocês acha que não está seguro, ficaremos juntos, para nos
defendermos. Eu me recuso a deixar qualquer outra pessoa morrer só porque
Amanda Rush decidiu que eu merecia viver. Entenderam?
Axel, Lila, Ruby e Dylan não tinham mais
qualquer objeção. Pelo contrário. Lila estendeu a Matty o pequeno objeto que os
fez sair de casa para um encontro secreto no colégio. Um cartão do dia dos
namorados, com um coração esfaqueado no centro e uma dedicatória macabra.
“Do you
Wanna be my bloody Valentine?”
– Matty leu em voz alta.
— Axel recebeu este cartão hoje de manhã, em
sua casa — Lila informou. — Você é o expert em filmes de terror, diga-nos o que
significa.
— É a frase de um filme de terror bem antigo.
Teve um remake em 2009, mas... havia um personagem chamado Axel.
Em respeito à descoberta, pouco puderam
desenvolver.
Estava ficando tarde, e a tempestade não
parecia tão perto de acabar. Preferiram, por unanimidade, voltar para suas
casas e ler os antigos relatos sobre os outros massacres na internet, em busca
de qualquer padrão.
Quando Dylan e Matty chegaram em casa,
colocaram as bicicletas na garagem e foram preparar o jantar. Do outro lado da
rua, sem que percebessem, Amanda observava tudo – o que pode conciliar com as
dolorosas lembranças. A mais insistente delas é a do casamento de Megan e
Aaron, quanto Aaron deu um jeito de levar a família de Matty até Chicago e pôde
vê-lo, aos cinco anos de idade, jantando com os pais. Desde então, nunca mais esqueceu
seu sorriso.
Um lapso repentino de coragem fez com que
desse um passo adiante, para fora da calçada; era uma pena que seu coração só
lhe permitisse ir até aí.
φ
Amanda compareceu à delegacia às vinte três e
dez; uma hora e dez minuto depois do horário marcado. Sentou-se na única
cadeira disponível, como quem não queria nada. E que bom que quase nem fora
notada diante do discurso do Detetive Fitz. Nas palavras de Aaron, tratava-se
de uma “reunião informal para a exploração de evidências”... seja lá o que ele,
como auxiliar registrado da polícia, tenha querido dizer.
Além do Detetive e dos dois amigos, Amanda
notou dois policiais fardados, guardando o escritório pessoal de Aaron, e um
técnico em computação fazendo suas manobras radicais em um laptop. O quadro de
evidências, no fim da sala, estava repleto de fotos dos sobreviventes dos
massacres anteriores e das vítimas recentes, tudo em comparativo.
— Amanda está aqui! — Megan finalmente notou. —
Oi! — Acenou.
— Amanda, achei que não viria — Aaron disse.
— Eu também — Deixou o casaco no encosto da
cadeira, pôs-se em pé, caminhou até o quadro de evidências e tomou uma caneta
piloto azul em mãos. — Mas estamos aqui por um motivo — Circulou as fotos de
anuário de Mason, Adia e Dodger. Afastou-se dois passos, então as observou com
cautela.
— Mason Harding, Adia Thompson e Dodger
Abrahams — Aaron cruzou os braços.
— Temos os corpos?
— Sim, eu mesmo chequei. Não cairemos mais na
lábia de outra Francine.
— Francine era uma vagabunda — Megan mexia no
celular. — Lembre-me de nunca mais contratar assistentes brancas, elas sempre
tentam te matar.
Aaron olhou para ela com um sorriso no rosto.
— Querida, venha até aqui. — Ele esperou ela
fazer o percurso em seus salto-agulhas. Posicionou-a à sua frente, com as mãos
sobre seus ombros. — O que você vê?
Megan semicerrou os olhos, tentando enxergar
melhor. Seus pensamentos, até para ela, pareciam no mínimo confusos, e iam
desde a beleza indescritível de Mason ao penteado maravilhoso de Adia. Até
que...
— Por que essa garota tem o sobrenome da
protagonista de A Hora do Pesadelo?
Aaron arregalou os olhos.
— Isso é uma pista, não é? — Olhou para
Amanda, depois para os detetives. — Deve significar alguma coisa.
— É claro que é uma pista — Megan tirou a
câmera digital da bolsa. — Olhe esta foto. Estas marcas foram deixadas no
armário de Adia, no dia do assassinato. Algo assim só poderia ter sido feito
por um animal... ou pelas luvas de Freddy Krueger.
Aaron e Amanda deram mais uma olhada no quadro
de evidências. O pior era saber que tudo fazia sentido.
— Então isso significa que uma das nossas
vítimas tem o sobrenome de uma famosa final girl do cinema. Mas e as outras
duas?
— Eu não sei — Megan também observava o quadro
com atenção. — Dodger me lembra aquela jovem ruiva do filme Cry Wolf.
— Cry who?
— Cry
Wolf, um slasher subestimado dos anos 2000. A descrição da personagem
combina com a da vítima, Dodger Abrahams.
Outro ponto para Megan.
— E Mason Harding? — Amanda quis saber.
— Não consigo pensar em nada. Não há qualquer
filme de terror com personagens com estes dois nomes. Ele tem nome do meio?
— Sim — Disse o jovem técnico em informática.
Com apenas alguns cliques havia conseguido a informação requisitada. — Seu nome
é Mason Scherdzonel Harding.
— Okay, esse não serve.
Por um minuto, os três pensaram em conjunto em
frente ao quadro. Logo Amanda correu para atender o celular, que estava dentro
do casaco, e Aaron começou a andar de um lado para o outro, envolvido em seu
raciocínio. Ou o que restava dele, de acordo com as novas informações.
— Espere um pouco — O técnico disse. — Mason é
adotado. Sua mãe biológica morreu em um acidente de carro quando tinha 2 anos e
ele foi adotado por Malcolm Harding.
— O que significa que ele tinha outro nome —
Aaron concluiu.
Megan correu para trás do laptop, onde o
técnico trabalhava em suas manobras radicais – como uma estrela do rock –
tentando encontrar a certidão de nascimento original, datada de 17 anos atrás.
— Consegui. Seu primeiro nome era Thomas
Lionel Fintch — Informou.
— Thomas Lionel Fintch? — Megan parecia
irritada. — Quem diabos se chama Thomas Lionel Fintch em um filme de terror?
Isso está errado, procure novamente.
— Mas senhora...
— Faça o que eu mandei!
Aaron apenas suspirou. Estava acabado, para
ele. Amanda já não tinha tanta certeza disso.
Se bem lembrava, um disco de hóquei fora
encontrado na garganta de Mason durante a autópsia. Isso restringia as buscas
na única franquia de filmes relacionada a este esporte, graças a máscara do
assassino: Sexta-Feira 13. E qual
personagem, de qual filme, o assassino havia utilizado como referência para
assassinar Mason?
Quando o nome surgiu em sua mente, ela apenas
fez seu caminho até o quadro de evidências e escreveu “Tommy Jarvis – Sexta-Feira 13: O Capítulo Final”. A
sala inteira ficou em silêncio.
— Tommy, apelido de Thomas, igual a Tommy
Jarvis, Sexta-Feira 13 — Aaron comprovava com os próprios olhos.
Era tudo verdade.
— Ele está matando os heróis dos filmes de
terror — Amanda sentiu o coração acelerar, sem motivo aparente.
— Mas por quê?
— O filme tem que acabar à sua maneira agora.
O último xeque-mate, que ninguém esperava.
Megan se aproximou do quadro sorrateiramente.
— Espere. Você disse que ele está matando os
heróis, ou, as pessoas cujos nomes fazem referência aos heróis dos filmes de
terror. Mas Dodger não é uma heroína, ela é a vilã. Descobrimos isso no final
do filme.
— Talvez não seja só sobre os heróis — Os
olhos de Aaron faiscavam de ansiedade. — Se Dodger se deu bem no final, e não
os mocinhos, matar a Dodger que conhecemos significa que apenas ele, e mais
ninguém, ganhará este jogo. Por mais que ele não seja o único criminoso, ou o
único culpado. E francamente, haveria um número muito limitado de vítimas se
ele esperasse que todos os heróis de filmes de terror se unissem em uma única
escola.
Amanda deu olhada no quadro como um todo, pela
última vez.
— É isso aí. Só precisamos descobrir qual o
próximo mocinho na sua lista.
E de repente, Aaron ouviu o celular tocar.
“Número bloqueado” – Leu no visor.
— Alô?
— Bem-vindo de volta à cidade, Aaron — O
assassino lhe disse. — Da última vez que nos vimos, você esqueceu de me
cumprimentar.
— É o assassino! — Aaron sussurrou, e todos
ficaram em alerta. — Rastreie essa ligação! — Pediu ao técnico, a arma já em
suas mãos.
O assassino gargalhou em resposta.
— Se você quer tanto saber onde estou, basta
perguntar.
— Então aonde você está?
— Na Divisão de Homicídios de Seattle. Você
pode me ver?
— Você está mentindo — Aaron fez sinal com a
cabeça para que os policiais armados investigassem o andar. Ao lado da mesa
principal, viu Megan e Amanda juntas.
— Tive todo o cuidado de plantar bombas
caseiras em inúmeras salas para o nosso joguinho. Você está preparado?
— Não há como fazer isso sem ser pego, isso é
terrorismo. O que você quer de nós?
Aquilo soava como um desafio. Assim a sala em
frente ao escritório de Aaron explodiu aos pedaços, com o pressionar de um
botão.
— Acredita em mim agora? — O assassino
provocou. — Se você se recusar a jogar, irei explodir o edifício inteiro.
— Tudo bem, tudo bem — Concordou. — O que eu
tenho que fazer?
— Você tem cinco minutos para citar todas as
sequências de filmes de terror que puder lembrar, em seguida. Se passar três
segundos sem citar qualquer filme, uma sala explodirá. E quem estiver nela
sofrerá as consequências. O tempo está passando.
Com sua pausa, Aaron ouviu um tick de contagem regressiva vindo de seu
celular. A tela de ligação havia sido substituída por a de um cronometro
vermelho, já em andamento.
— Ai meu Deus — Murmurou como uma prece. Outra
sala explodiu um andar abaixo do seu. — Precisamos sair daqui! — Puxou Megan
pelo braço, e ela, Amanda. — Halloween
II: O Pesadelo Continua — Dizia, à medida que avançavam no corredor. — Halloween III: A Noite das Bruxas, é... Halloween IV: O Retorno de Michael Myers.
Mas que droga! — Apertava os botões do elevador, que nem parecia estar se
movendo.
Três segundos depois, outra sala explodiu, no
corredor a sua direita.
— Sexta-Feira
13 Parte 2. Sexta-Feira 13 Parte 3. Sexta-Feira 13: o Capítulo Final. O Mestre
dos Desejos 2. Invocação do mal 2. Invocação do Mal 3.
— Aaron, por aqui! — Amanda o atraiu para o
lado oposto as explosões.
Outra sala, no primeiro andar, havia
explodido.
— Aliens:
O Resgate. Alien 3. Alien: A Ressurreição. Pânico 2. Pânico 3. Pânico 4.
É.. Ai meu Deus....
Dessa vez, a explosão aconteceu na sala que
havia acabado de passar. Pessoas corriam de um lado para o outro. Destroços
voavam por todos os lados.
— É só até aí que você consegue ir? — O
assassino gargalhou.
— Estou tentando! — Ouviu outra explosão, no
andar de baixo. — Resident Evil:
Apocalipse. Premonição 2. Premonição 3. Uma Noite Alucinante 2. Hellraiser 3: O
Inferno Na Terra. A Hora do Pesadelo 3: Os Guerreiros dos Sonhos. O que
mais?
Outra explosão, um andar acima. Aaron estava
acabado, assim como a contagem no cronômetro.
— Fim de jogo — Ouviu o assassino dizer antes
de culminar pelo menos mais 3 explosões ao mesmo tempo.
Os três caíram no chão graças ao atrito, mas
apenas Amanda parecia não ter sido atingida em cheio por nenhum destroço. Aaron
e Megan, ao seu lado, jaziam inconscientes.
Ela tomou o celular em mãos e levou-o até a
orelha.
— Seu maldito filho da puta...
— Este seria o seu filho, não eu. Espero que
esteja preparada para o terceiro ato.
— Pode vir.
Para proteger seu filho, ela sempre estaria.
Matty, assim como ela, também não hesitava em
caminhar para a toca dos leões. Quando viu as explosões pela janela da casa de Dylan,
montou em sua bicicleta e pedalou até estar perto o bastante para assistir os
fogos, mas longe o bastante para não ser afetado. Não só ele, como muitas
outras pessoas, também deixaram seus afazeres para presenciar a tragédia.
É a Divisão
de Homicídios de Seattle – Ele notou.
O local onde Aaron Estwood trabalhava. Dois dias depois do ataque no colégio.
Era um quebra-cabeças que estava começando a
tomar sua verdadeira forma. E a última peça emanava de uma chamada de número
bloqueado para o seu celular.
— Está gostando do espetáculo, Matty? — A voz
sombria do assassino o pegou de surpresa. — Isso é tudo por sua causa.
— O que você quer de mim?
— Eu quero que pague pelos pecados da sua mãe
nos meus próprios termos. Quando chegar a hora, você sangrará assim como sua
família.
Matty deu um ar de risos, os olhos cheios de
lágrimas.
— Quer me matar? Estarei preparado para você.
— Não apenas mata-lo. Um dia, eu prometo, será
como se nunca tivesse nascido.
Capítulo 7: Sede de Sangue (Dia 19 de Outubro)
Aaron, Amanda, Megan e Grant tentam convencer a diretora do Roosevelt High a adiar o reinício da aulas até que os crimes sejam solucionados. No fim da noite, o assassino faz uma nova vítima numa estação de trens.
Pessoal, a partir do capítulo 10 estarei postando um especial sobre a criação da saga, que estará disponível no final das últimas 4 publicações do livro. Não vai ser nada muito longo, só mesmo algumas curiosidades sobre a produção e o processo criativo para criar cada uma dessas narrativas. É o final da saga, vamos fazer isso direito haha =D
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